O Direito como a língua desenvolvem-se com o povo, desabrocham nele e morrem quando o povo perde a sua originalidade”. (Savigny) PROFESSOR Esp. CLODOVIL M. SOARES A PRÉ-HISTÓRIA DA HERMENÊUTICA A. ANTIGUIDADE ( Filosofia Pós-Aristotélica do mundo helenístico): I. A Hermenêutica alcançou um considerável interesse prático ( Interpretação dos mitos); II. Ambicionava-se manter a autoridade dos poetas gregos com a justificação racional do mundo; III. A verdade é una e cósmica, podendo, contudo, expressar-se de maneiras diversas; IV. A Alegoria (Hypanoia) é a técnica escolhida para entrever no mito a verdade racional que o pensamento expressa. V. FÍLON DE ALEXANDRIA (Pai da Alegoria) – criou cânones e leis para interpretação das alegorias. B. A PATRÍSTICA (100 – 600 d. C): I. Escola de interpretação alegórica que dominou a Igreja nos séculos inicias do cristianismo, buscava justificar o antigo testamento como um documento cristão. II. CLEMENTE DE ALEXANDRIA (150 – 215), exegeta patrístico, acreditava que as Escrituras Sagradas ocultavam seu verdadeiro significado afim de que fôssemos inquisidores, e também porque não é bom que todos a entendam. III. ORÍGENES (185-254) foi o notável seguidor de Clemente. Defendia que a Escritura era uma vasta alegoria na qual cada detalhe é simbólico. Acreditava que assim como o homem se constitui de três partes – corpo, alma e espírito - da mesma forma a Escritura possui os três sentidos – literal, moral e Alegórico ou místico. IV. AGOSTINHO (354-430) afirmava que apenas as passagens obscuras requeriam um esforço interpretativo, sendo que as demais cristalinas em sua literalidade, devendo-se levar em conta, para uma correta exegese do contexto bíblico, um bom conhecimento do hebraico e do grego, bem como do contexto histórico. C. O ESPIRÍTO DA REFORMA (Século XVI): I. Aos poucos abandonou o sentido quádruplo da Escritura ( histórico, anagógico, etiológico e alegórico), substituindo-o pelo princípio de que a Escritura tem apenas um sentido. II. LUTERO (1483 – 1465), rejeitou o método alegórico, chamando-o de “sujeira”, “escória” e “um monte de trapos obsoletos”. Aderia a compreensão literal do texto para a interpretação, não descuidando, o intérprete, das condições históricas, da gramática e do contexto. PROFESSOR CLODOVIL MOREIRA SOARES ● O sentido literal, ou sentido histórico, que circunscreve a significação primeira das palavras e estabelece os dados factuais; ● O sentido alegórico, onde se restitui o conteúdo espiritual escondido sob a letra, onde se revela que os textos sagrados dizem uma coisa diferente da que dizem à primeira vista; O SENTIDO DA HERMENÊUTICA CRISTÃ (continuação) ● O sentido tropológico, ou moral, impõese a partir do momento em que a Bíblia é escolhida como livro de vida, quer dizer, orientado para a conversão do coração; ● O sentido anagógico, ou místico, que reenvia para o movimento da alma em direção à transcendência, para o além, e a inscreve no horizonte da salvação, que constitui as raízes da doutrina cristã. As denominadas Escolas de Interpretação ou Sistemas Hermenêuticos são correntes de pensamento que surgiram no século XIX, em virtude do surgimento das grandes codificações, e dominaram teoricamente certas épocas, procurando estabelecer a forma ideal de relacionamento entre a norma e seu aplicador, tentando determinar quais seriam as interpretações possíveis e qual o grau de liberdade a ser conferida ao juiz. PRINCIPAIS CAUSAS DO ADVENTO Valorização do Racionalismo; Codificação em 1804 – Código de Napoleão, desprezo das demais fontes; Movimento doutrinário dos comentaristas do código, excluindo as teorias gerais do direito e as concepções jusnaturalistas; A uniformização do direito valoriza a vontade do legislador; Fidelidade ao Código – doutrina da separação dos poderes; Tem toda a sua atenção, exclusivamente, voltada para a lei; Inversão dos valores tradicionais entre direito natural e direito positivo; Concepção rigidamente estatal do direito; A interpretação da lei é fundada na intenção do legislador; Apego excessivo às palavras da lei; Respeito pelo princípio de autoridade; Ação limitada do aplicador do Direito; Sistematização de normas para uniformização do Direito; Supressão da ambigüidade na interpretação da norma; A interpretação exegética é o primeiro modo de elaboração científica de um direito codificado. 1° - 1804 a 1830 - Período de formação; 2° - 1830 a 1880 - Apogeu; 3° - 1880 - Declínio; ALEXANDRE DURANTON(1783-18660: OBRA: Curso de direito francês segundo o código civil, 21 volumes, publicados entre 1825 e 1837; CHARLES AUBRY(1803-1883)/FRÉDÉRIC CHARLES RAU(1807-1877): Binômio indissolúvel da escola da exegese Professores da Universidade de Estrasburgo OBRA PRIMA: Curso de Direito Civil, 5 volumes. -JEAN Ch. F. DEMOLOMBE (1804-1888) OBRA PRIMA: Cours de Code Napoleón, 31 volumes, entre 1845 e 1876 -TROPLONG OBRA : O direito civil explicado segundo os artigos do Código, 27 volumes, publicados a partir de 1833 É considerado o “filósofo da exegese” Deu-se com o declínio das relações burguesas, sempre mutáveis. Procurando estabelecer uma visão mais social do Direito, mais concreta e eficaz para exprimir as aspirações do povo. Nasce no final do século XIX a Escola Histórica do Direito. CARACTERÍSTICAS Desenvolve-se no século XIX, em congruência com algumas tendências da época: cientificismo, romantismo, historicismo e nacionalismo. Pessimismo antropológico, contrapondo-se a idéia iluminista de otimismo, na qual o homem com a razão pode melhorar a sociedade. Apego ao passado, resultando na descrença do futuro. Admira-se o passado que é idealizado. Tentativa de retomar o Direito romano. Oposição à codificação do Direito. CARACTERÍSTICAS A Escola histórica se estrutura a partir da crítica ao direito codificado e ao racionalismo exacerbado. Savigny liga o Direito organicamente com a essência e o caráter de um povo. O Direito é, portanto, contingente e inerente ao desenvolvimento e necessidade de um povo. Pessimismo antropológico, contrapondo-se a idéia iluminista de otimismo, na qual o homem com a razão pode melhorar a sociedade. A interpretação, para Savigny, consistia na recontrução do pensamento do legislador, expressão da consciência comum do povo. As mutações e o progresso social, em suas manifestações infindas, não seriam antevistas pelo legislador. A lei, por seu turno, resiste ao tempo. O Direito começa como conduta consuetudinária popular. Direito não é uma idéia da razão, e sim produto da história, variando no tempo e no espaço. SAVIGNY Defendia a anticodificação. Defendia uma ciência orgânica e progressiva de base histórica comum a toda nação. O direito legislativo deveria ter oferecer suporte aos costumes. Entendia que não era conveniente a codificação pois isto conduziria a um engessamento e dificultaria o regramento que a dinâmica da vida em sociedade exige. THIBAUT Defensor da codificação. Buscava não ressuscitar o jusnaturalismo, mas construir sistema do direito positivo. Direito germânico – insuficiente, obscuro e primitivo. Direito Canônico – inculto e difícil de ser interpretado; Direito Romano – complicado e incerto. Direito alemão codificado, o que culminou com a promulgação do BGB alemão, código que inspirou muitos outros que surgiram. CÂNONES DA INTERPRETAÇÃO DE SAVIGNY A interpretação gramatical dos sinais de forma literal é a porta de entrada para a compreensão. A interpretação sistemática é a interpretação da parte para o todo, atinando para a legislação, os institutos, os costumes. A interpretação lógica procura a coerência no texto da Lei, fazendo-se a leitura de todo o texto da lei: capítulos, artigos, incisos. A semântica da lei, observando, por exemplo, se o inciso está coerente com o capítulo. A interpretação histórica apega-se à história, à tradição para elaborar o direito. Buscava a doutrina. EXEGESE Interpretação gramatical e lingüística da lei; Interpretação da lei fundada na intenção do legislador; No caso de lacunas, recorria à vontade do legislador; Culto ao texto da lei; Reduz o direito ao formalismo extremo; Seguidores fiéis até os dias de hoje. HISTORICISMO JURÍDICO compreensão do Direito como fato social, reconhece a complexidade dinâmica da sociedade (toda lei gera um direito subjetivo); O Direito não é uma idéia da razão, mas sim um produto da história; Amor pelo passado; A lei primeiramente desenvolvese por costumes e em seguida, pela jurisprudência, e não pela vontade arbitrária de um legislador. Quebra a crença do Direito natural. Heck e a Escola de Tubinga geram a chamada jurisprudência dos interesses, concebendo o direito como um processo de tutela de interesses: as normas como resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa ou ética que, em cada comunidade jurídica se contrapõem uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento, enquanto meras soluções valoradoras de conflitos de interesses. PRINCIPAIS PENSADORES: Alemanha Philipp Heck ( 1858-1943) Max Rumelin Soll Escola de Tubinga Em Portugal Manuel Andrade Período: Final século XIX como antítese a teoria dos conceitos, que procurava suplantar a lógica formal pelo estudo e pela avaliação da vida, ou seja, pela pragmática nega-se a confiar ao juiz a mera função de conhecimento e subsunção entre a lei e o fato, propugnando a adequação da decisão ás necessidades práticas da vida, mediante os interesses em pauta. Interesses que são considerados como causais para a norma, dado determinarem, no legislador, representações, ideias de dever-ser que se transformam em comandos, pelo que se impõ e a investigação histórica dos interesses. O direito é um processo de tutela de interesses. “As normas são as resultantes dos interesses de ordem material, nacional, religiosa, ou ética, que, em cada comunidade jurídica se contrapõ em uns aos outros e lutam pelo seu reconhecimento.” As leis são perspectivadas como soluções valoradoras de conflitos de interesses, pelo que, em lugar da vontade pessoal do legislador, há que determinar, na interpretação das leis, os interesses reais que as causaram, dos quais o legislador é um mero transformador. Características: - As leis apresentam-se como resultado dos interesses. - Prega obediência a lei e não contrariamente a ela. - O direito aparece como tutela de interesses. - Apresenta a atividade do juiz como criadora. - O juiz não deve obedecer literalmente de modo cego as palavras da lei. - A valoração dos interesses desenvolvidos pelo legislador. ORIGEM: As critica adstritas ao formalismo da concepção metodológica tradicional. Surge na Alemanha esse movimento; Não tinham grupos específicos de pensadores; Não tinham teorias especificas; Consistia numa tendência ou atitude de formas diversas, como exemplo, a própria jurisprudência dos interesses. Na Alemanha em 1903, tendo como marco a conferência apresentada por Eugen Ehrlich sobre “ A luta pela ciência do direito”, e terá a sua consagração com o manifesto por um “ Movimento do Direito Livre de Herman Kantorowicz”, em 1906. Idéias: Na visão dos seguidores da Escola do Direito Livre, não e a lei que, unicamente, produz o Direito, mas, a seu lado, a Jurisprudência, os costumes, a equidade e os fatores sociológicos e contra o apego, a tradição e ao conformismo contemporâneo. Características: O que caracteriza em geral o movimento do direito livre, e a liberdade do jurista em relação ao estatismo (inércia) e, portanto a liberdade do interprete da submissão absoluta aos textos legais, que inclusive poderá deixar de lado em certas oportunidades. Contribuição: A grande contribuição dada por esta escola, reside na força criadora atribuída ao magistrado em motivar as suas decisões, repercutindo na formação valiosa da atual Jurisprudência. “fiat justitia, pereat mundus” Conclusão: Passando pelas escolas, observamos que as varias correntes filosóficas que pesaram e escreveram sobre o Direito no século XIX, tiveram as suas preocupações em torno da essência do Direito. Observamos que no Brasil, Clovis Beviláqua inclinava-se pela teoria moderada da Escola do Direito Livre, conforme se deduz de sua exposição (1929, p. 56) “Ninguém se escusa, alegando ignorar a lei, nem com o silêncio, a obscuridade, ou a indecisão dela se exime o juiz de sentenciar ou despachar. A lei que abre exceções a regras gerais, ou restringe direitos, so abrange os casos, que especifica. Aplicam-se aos casos omissos as disposições concernentes aos casos análogos, e, não as havendo, os princípios gerais do Direito”. O entendimento moderno deve superar idéias maniqueístas para estabelecer que é possível utilizar o que há de melhor em cada um desses pontos de vista a fim de se chegar a um resultado mais adequado às exigências sociais. BOBIO, Noberto. O Positivismo Jurídico. Lições de filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1995. CAMARGO, Margarida Maria Lacombe. Hermenêutica e argumentação: uma contribuição ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. COSTA, Dilvanir José da. Curso de Hermenêutica Jurídica. Belo Horizonte: Del Rey, 1997. MACEDO, Silvio de. História do pensamento jurídico. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1997. FRIEDE, Reis. Ciência do Direito, Norma, Interpretação e Hermenêutica Jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 2004. FALCÃO, Raimundo Bezerra. Hermenêutica. São Paulo: Malheiros, 1997.