As dificuldades na abordagem de adultos autistas e conseqüências concretas: caso clínico Joana Portolese Psicóloga Especialista em Neuropsicologia Coordenadora da Autismo & Realidade As dificuldades na abordagem de adultos autistas e conseqüências concretas: caso clínico Estrutura da apresentação Transtornos do Espectro Autista Prevalência Classificação Diagnóstica Diagnóstico Plano de Intervenção Caso Clínico Autismo & Realidade Transtorno do Espectro Autista O autismo é considerado um transtorno do desenvolvimento de causas neurobiológicas. As características básicas são anormalidades qualitativas e quantitativas que afetam de forma mais evidente as áreas da interação social, comunicação e comportamento. Comunicação Habilidade Social Comportamentos Repetitivos e Interesses restritos Transtornos do espectro do autismo – TEA / coordenadores: José Salomão Schwartzmannn, Ceres Alves de Araujo. São Paulo: Memmon, 2011 Prevalência A prevalência de Autismo vem aumentando progressivamente. As estimativas de TEA são de 60 a 70 indivíduos para uma população de 10 mil pessoas, sendo um dos mais frequentes transtornos do neurodesenvolvimento infantil. Classificação Diagnóstica Fazem parte deste grupo chamado TGD: Autismo Síndrome de Asperger Tipicamente associada à inteligência normal TGD-SOE Podem ou não estar associadas à deficiência intelectual Em 1980, no DSM-III, o autismo passou a ser conceito de alteração de desenvolvimento. No DSM-IV - inclusão da Síndrome de Asperger dentro dos transtornos de desenvolvimento. Classificação Diagnóstica Autismo: visoespacial e motor mais desenvolvido e um atraso importante da linguagem. Asperger: desenvolvimento motor menos refinado e desenvolvimento verbal superior. Transtorno do Espectro Autista “No entanto, este é o conceito e muitos indivíduos não se encaixam nisso e, portanto estamos indo para o conceito de “Transtorno do Espectro Autista” no próximo Manual de Classificação”. (Marcos Tomanik Mercadante) Diagnóstico Os critérios permitiram a uniformização da terminologia e possibilitam identificar pacientes com quadros clínicos relativamente homogêneos. No entanto podem não levar em conta sutilezas que a observação clínica pode evidenciar. A avaliação clínica – anamnese e observação de padrões de comportamentos em diversas situações, é importante na realização diagnóstica final e também para direcionar o plano de intervenção. Programa de Intervenção Individualizado Cada fase do desenvolvimento apresenta necessidades muito peculiares: Crianças: terapia focada na linguagem, interação social/comunicação, educação especializada e suporte familiar; Adolescentes: os focos seriam nas habilidades sociais, inserção ocupacional e educação sexual; Adultos: as prioridades seriam relacionadas às questões de moradia e tutela. Bosa, C. A. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.28 suppl.1 São Paulo Maio 2006. Intervenções O programa de intervenção para as crianças, adolescentes e adultos com autismo não é puramente médico, medicamentoso ou psicológico. Programa extenso com uma série de intervenções socioeducacionais. Fabio Pinato Sato e Marcos Tomanik Mercadante (2011a). A Clínica Psiquiátrica: Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, (1085-1093). Editores: Eurípedes Constantino Miguel, Valentim Gentil e Wagner Farid Gattaz Programa Intervenção FunçõesdeCognitivas Individualizado. Currículo adaptado. Comunicação. Ensino estruturado. Engajamento mínimo de 20 horas semanais. Práticas adequadas para o desenvolvimento. Contato com os seus pares. Atividades físicas. Envolvimento e psicoeducação familiar. Fabio Pinato Sato e Marcos Tomanik Mercadante (2011a). A Clínica Psiquiátrica: Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, (10851093). Editores: Eurípedes Constantino Miguel, Valentim Gentil e Wagner Farid Gattaz Intervenção Médico Professores Psicólogo Psicopedagogo Fonoaudiólogo Paciente/ Família Terapia Ocupacional Neuropsicólogo Fisioterapeuta AT DESAFIO Estabelecer prioridade de intervenção levando em consideração as principais necessidades em cada etapa do desenvolvimento do indivíduo. Currículo Comunicação Exemplos: Receptiva – segue instruções de 1, 2 e 3 passos... Expressiva – faz pedidos, nomeia figuras, objetos, pessoas e verbos; pede itens desejados; permuta informações. Abstrata – conversa sobre coisas ausentes, responde questões do tipo “por quê?”, antecipa consequências, explica ações, relata e inventa histórias. Habilidades Motoras Exemplos: Copia, escreve. Corta, calça e amarra o sapato. Corre, anda. Manipula objetos (bolas, raquetes etc). Habilidades Sociais Exemplos: Olha para as pessoas e coisas ao seu redor. Responde a saudações. Responde perguntas sociais (ex: “Como vai você?”, “Qual é o seu nome?”). Responde às propostas dos amigos. Inicia brincadeiras com colegas. Interage verbalmente com colegas (comenta, pergunta, oferece ajuda). Habilidades de autocuidado Exemplos: Se alimenta de maneira independente. Escolhe a roupa, se veste. Habilidades de toalete. Habilidades de higiene – pentear cabelos, escovar os dentes, lavar o rosto e as mãos, toma banho. Habilidades Acadêmicas e Profissionais Exemplos: Acadêmica Leitura. Escrita e organização. Habilidades de matemática e números. Habilidades de uso do computador. Habilidades acadêmicas – participa de um grupo, espera a vez. Profissional Interesse, via de acesso, habilidades. Ocupação. Contato com os colegas, rede social. Funcionalidade O que se espera dele? Independência. Rotina. Interesses e habilidades. Olhar para a trajetória deste adulto, como ele chegou até aqui. Caso Clínico M.T., 27 anos, feminino, diagnóstico: Síndrome de Asperger, encaminhada pelo psiquiatra. Objetivo: Treino de Habilidade Social e Inserção Profissional. Histórico/Queixas: atraso nas aquisições motoras, desajeitamento motor, reduzida articulação da fala, não possui amigos. Interesses específicos por animais. Fez o curso de Veterinária e se destacou nos últimos anos nos procedimentos cirúrgicos com os animais. Foi assistente do professor. Caso Clínico “Não sabe por onde começar a procurar trabalho, não se veste adequadamente e a higiene não é das melhores”. Aos 25 anos de idade, época em que se formou na faculdade, recebeu o diagnóstico. “Currículo”: Habilidades sociais, de autocuidado e funcionalidade – desadaptadas. Plano de Intervenção: Médico, AT e Psicólogo. Metas: Independência de vida diária (higiene pessoal e financeira), Treino de habilidade social e profissional. Caso Clínico Médico acompanhou mensalmente; Psicóloga: orientação de pais – higiene pessoal e financeira. Professor de equitação: auxiliou na independência financeira. AT participou conjuntamente nos possíveis locais de atuação, cursos de especialização e atualização e THS. Fonoaudióloga: expressão verbal. Passou por 2 trabalhos onde realizava muito bem os procedimentos cirúrgicos, no entanto, não buscava o contato social com os colegas. Atualmente ministra aulas na universidade “cirurgia de animais de médio porte”. Caso Clínico C.F., 26 anos, masculino, diagnóstico de Autismo, encaminhado pelo neurologista. Histórico prévio: Nos primeiros meses de vida não mantinha o contato ocular, não esticava os bracinhos, não emitia sorrisos, parecia não escutar, não se acalmava facilmente. Ingressou na escola, dificuldade de adaptação, não buscava a interação com os colegas, tapava os ouvidos com muito barulho. A linguagem sempre chamou a atenção: era difícil de entender e repetia os assuntos e palavras. Estas características mantiveram-se presentes em seu desenvolvimento e o que preocupava os pais era o comportamento agressivo e inflexível. Caso Clínico Alfabetizou-se aos 12 anos e apresentava boa habilidade em Matemática, “com mania de ler assuntos da área e elaborar sumários”. Concluiu o Ensino Médio com muita dificuldade. Iniciou intervenção com fonoaudióloga, fisioterapeuta, psicopedagoga e psiquiatra aos 8 anos, com frequentes interrupções. Foi tratado como TDAH até os 20 anos. Trabalha no estoque de uma farmácia. Empacota produtos e encaminha para outras sedes. Objetivo é cumprir um número X de caixas. Cumpre este objetivo diariamente. Caso Clínico “Currículo”: Comunicação, Habilidades sociais, de autocuidado e funcionalidade – desadaptadas. Profissionais: Médico, Neuropsicólogo, Fonoaudióloga, Professor e AT. Metas: Comunicação (linguagem expressiva), THS, curso técnico, independência de atividades diárias (locomoção, finanças). Caso Clínico C. F., feminino, 51 anos, autoreferido. Histórico: Até os 2 anos “não olhava para as pessoas e não respondia aos chamados”. Falou com 7 anos de idade e recebeu o diagnóstico de autismo aos 12 anos. Permaneceu interna dos 12 aos 22 anos de idade onde aprendeu a ler, escrever e operações simples de matemática e de autocuidado. Reside com a mãe e possui a mesma rotina há 29 anos. A preocupação é a dependência e comportamentos agressivos. Com o falecimento do pai neste ano, a família se mobilizou para que ela seja estimulada em atividades funcionais. Caso Clínico “Currículo”: Comunicação, habilidade motora, autocuidado e funcionalidade – desadaptadas. Plano de Intervenção: Médico, TO, psicólogo, fonoaudiólogo. Metas: Higiene básica e cuidado pessoal (lavar as mãos, tomar banho, escovar os dentes e os cabelos. Escolher e variar as roupas adequando ao clima). Alimentação: sentar-se a mesa, utilizar os talheres, o guardanapo, mastigar de forma adequada. Realizar um pedido numa lanchonete ou restaurante. Caso Clínico Riscos básicos: orientar como se aproximar da janela, fogão e escada, não colocar o dedo na tomada e utilização do telefone em caso de emergência. Tarefas: lavar louça, limpeza básica, arrumar armários, cuidar de jardins e cozinhar. Orientação: localizar-se na rua e realizar o percurso desejado (ex: de casa para a padaria, de casa para a farmácia). Atravessar ruas: dirigir-se à faixa de pedestre, aguardar o semáforo, olhar para os dois lados. Compras básicas: Padaria, farmácia e banca de revista. Realizar pedido, ter a lista de compras e o dinheiro aproximado. Contato Social: Cumprimento, estabelecer diálogos. As dificuldades Esse autista adulto chega aos consultórios e/ou instituições já com um longo caminho percorrido. Muitas vezes, estigmatizado, pouco estimulado nas várias etapas de seu desenvolvimento carregando assim marcas difíceis de serem trabalhadas. Necessidade de informação. Autista adulto de hoje X Autista adulto de amanhã. Considerações finais A comunidade científica e a sociedade civil tem exercido o papel de acolher, informar e capacitar famílias e profissionais por meio de organizações não governamentais. Vários grupos se organizam pelo Brasil (AMA, UPIA, HC, Mackenzie, CAPS). Já existe e cresce em nosso país uma base de atendimento à pessoa com autismo e suporte aos seus familiares. Autismo & Realidade A Autismo & Realidade foi fundada em 9 de julho de 2010 por um grupo de pais lideradas pelo Prof. Dr. Marcos Tomanik Mercadante. Procura incentivar a busca e a disseminação do conhecimento sobre o Autismo, a fim de melhorar a adaptabilidade e a qualidade de vida das pessoas com autismo e de suas famílias. Resultados 55.984 visitas do 20/11/10 a 28/10/11. Aproximadamente 170 visitas por dia. O conteúdo mais acessado é o “Kit dos 100 Dias”, com 26.418 acessos. No Site, são 856 pessoas cadastradas, que recebem informações sobre autismo. As cinco páginas mais acessadas: - Manual de orientação para pais e familiares (Kit dos 100 Dias) - A quem recorrer em São Paulo – Capital - A quem recorrer no Estado de São Paulo - Informações de filmes sobre autismo - Informações sobre instrumentos diagnósticos em autismo. “Pensar em transtorno do espectro autista é um avanço mas ainda é menos do que a gente compreender o funcionamento do individuo e ajudar a criar um programa de intervenção eficiente para ele”. (Marcos Tomanik Mercadante) Referências Bibliográficas Bosa, C. A. Autismo: intervenções psicoeducacionais. Rev. Bras. Psiquiatr. vol.28 suppl.1 São Paulo Maio 2006. Mercadante, M. T. Autismo e Cérebro Social /Organizadores Marcos Tomanik Mercadante e Maria Conceição do Rosário. – São Paulo: Segmento Farma. Mercadante, M. T. e Sato, F. P. A Clínica Psiquiátrica: Transtornos Invasivos do Desenvolvimento, (1085-1093). Editores: Eurípedes Constantino Miguel, Valentim Gentil e Wagner Farid Gattaz. Schopler E, Reichler RJ, Bashford A, Lansing MD, Marcus LM. Psychoeducational Profile Revised. Austin, TX: PRO ED; 1990. Schwartzmannn, J. S. e Araujo, C. A. Transtornos do espectro do autismo – TEA. São Paulo: Memmon, 2011. Tuchman, R. e Rapin, I. Autismo: abordagem neurobiológica. – Porto Alegre: Artmed, 2009. Willians, C. e Wright, B. Convivendo com Autismo e Síndrome de Asperger: Estratégias Práticas para Pais e Profissionais, 2008. OBRIGADA! Joana Portolese ([email protected])