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APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS: EVIDENCIANDO O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO EM UMA TURMA DE 5º
ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL
Amanda Leandro Mescouto
Escola Marques Rodrigues
Resumo:
Considerando que o ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental deve
possibilitar ao aluno uma compreensão adequada sobre a natureza e o funcionamento da
ciência, este estudo focaliza os processos utilizados pelos alunos na construção do
conhecimento científico. A pesquisa é de natureza qualitativa realizada em uma escola
municipal de Nova Iguaçu, em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental. A partir de
observações foi desenvolvido um conjunto de atividades que integravam as dimensões
macroscópica e microscópica do corpo humano. As análises das atividades revelam que
esses alunos constroem seus conhecimentos articulando suas concepções prévias aos
conteúdos ensinados através de questionamentos e, ainda relações entre objetos
familiares com objetos a serem aprendidos. Essas análises indicam que o ensino de
ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental deva se pautar em atividades que
favoreçam o desenvolvimento desses mecanismos favorecendo a construção de novos
conceitos e significados pelos alunos.
Palavras-chave: Formação científica, aprendizagem em ciências, construtivismo.
Introdução
Considero que a formação científica tem importância significativa nos anos iniciais
devendo possibilitar ao aluno uma compreensão adequada sobre a natureza e o
funcionamento da ciência. Além disso, deve contribuir para formar cidadãos com
conhecimento e entendimento de fenômenos naturais e, para isso, deve desenvolver um
determinado modo de pensar e de falar acerca de questões de natureza científica
(ÀRCA, GUIDONI; MAZZOLI, 1990 apud MACHADO, 2007) de modo a viabilizar a
superação de visões distorcidas sobre a ciência, e ainda, para que este aluno-cidadão
possa tomar posições e intervir na sua realidade.
Apesar desse reconhecimento da importância de uma formação adequada,
constatei ao longo do estágio supervisionado do Ensino Fundamental, uma quase
ausência do ensino de ciências nos anos iniciais desse segmento. Entretanto, nas poucas
aulas de ciências, os alunos, de um modo geral, manifestavam interesse e curiosidade.
Durante a discussão e realização das atividades, os alunos expressavam suas idéias,
levantavam questões e pareciam construir relações entre o que estava sendo ensinado
com alguma situação vivenciada em seu cotidiano ou vista na televisão. Estes aspectos
sinalizam que a construção do conhecimento científico acontece quando, ao ser
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apresentado a um novo conteúdo, o aluno resgata seus conhecimentos prévios e os
relaciona ao que está sendo ensinado. Esse é um movimento que permite a construção
de novos significados de maneira que a aprendizagem se torne significativa. Dessa
forma, considerei ser importante investir na compreensão dos processos de
aprendizagem em ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental já que, como futura
educadora, me ajudaria a encaminhar situações de ensino mais adequadas e que
realmente contemplassem o ensino de ciências.
Diante desse contexto, este estudo tem como objetivo analisar os processos
utilizados pelos alunos de uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental na construção
do conhecimento científico. Ressalto, mais uma vez, que a formação científica desde os
anos iniciais é de suma importância, já que possibilita aos alunos uma visão e leitura de
mundo como proposto por Chassot (2003) e, ainda, que é a escola, o espaço-tempo em
que se organizam mais sistematicamente sistemas de significação relacionados a
diferentes áreas de conhecimento (COLINVAUX, 2007).
Bases Teóricas
Atualmente, em nossa sociedade, nos deparamos com a necessidade de uma formação
científica adequada em função dos grandes avanços científicos e tecnológicos que
desencadeiam questões de ordem ética e social. Este contexto obriga o cidadão a lidar
com questões de natureza científica que, no passado, não existiam, tais como o
aquecimento global, o consumo de alimentos transgênicos, técnicas de fertilização e
mundo virtual. Portanto, o conhecimento científico é uma exigência do cotidiano.
Assim, para Chassot (1993, p.37), a Ciência deve ser vista “como uma linguagem para
facilitar nossa leitura do mundo natural e, sabê-la como descrição do mundo natural,
ajuda a entendermos a nós mesmos e o ambiente que nos cerca”.
Entretanto, apesar dessa demanda, observei, através do estágio supervisionado
do Ensino Fundamental realizado no curso de Pedagogia, que as aulas de ciências são
escassas ou simplesmente não acontecem em função de uma sobrecarga de conteúdos de
outras áreas de conhecimento considerados de maior importância. Privilegia-se o ensino
e o aprendizado da leitura, da escrita e dos números em detrimento de uma formação
científica necessária aos alunos desde os anos iniciais da Educação Básica. Além disso,
observei que, quando as aulas de ciências acontecem, as mesmas se realizam em um
modelo de ensino-aprendizagem centrado na transmissão-recepção de um conhecimento
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que, muitas vezes, tem pouco ou nenhum significado para o aluno. Essa perspectiva do
ensino de ciências nos anos iniciais do Ensino Fundamental impede o aluno de
expressar suas concepções referentes ao conteúdo que está sendo ensinado. É preciso
considerar “que se deva procurar especialmente conhecimentos que estão no dia-a-dia
do grande público, em particular os que são apresentados com imprecisão pelos meios
de comunicação à opinião pública” (CHASSOT, 2003, p. 30).
O ensino de ciências deveria oferecer aos alunos um olhar sobre a natureza e o
funcionamento da ciência para além dos próprios conteúdos científicos. Harres (2003)
afirma que um ensino que se preocupe com a natureza da ciência estará possivelmente,
permitindo que os estudantes construam uma visão mais humana e superem as visões
distorcidas acerca de determinados fenômenos e da própria ciência. Em outras palavras,
evidenciará a ciência como uma prática social e historicamente situada. Esta perspectiva
contribuirá para superar uma visão de ciência como um corpo de conhecimentos
seguramente neutros e absolutos que se encontram vinculados à filosofia empiristaindutivista.
Ampliando essa discussão, Àrca, Guidoni e Mazzoli (1990 apud MACHADO,
2007, p. 20), dizem que a formação científica deve envolver modos de pensar, modos de
falar e modos de fazer, mas, sobretudo a capacidade de juntar todas essas coisas.
Entretanto, durante muito tempo, o ensino de ciências foi reduzido a simples
memorização e repetição de conteúdos por um aluno vazio de idéias. É a partir da
década de 80 do século XX que emerge a perspectiva construtivista de ensinoaprendizagem em ciências que considera que o aluno carrega consigo concepções
prévias, ou seja, possui explicações para determinados fenômenos com os quais se
depara em seu dia a dia. Schnetzler (1992) destaca que tais concepções prévias dos
alunos apresentam certa organização lógica.
Laburu (1992) considera que, na visão construtivista, o conhecimento não é
adquirido nem por observação direta do objeto e nem está pré-formado no sujeito
superando, portanto, as visões empirista e racionalista de apropriação do conhecimento.
O construtivismo se centra no pressuposto de que o aluno é construtor do próprio
conhecimento e, neste caso, é preciso considerar que a aprendizagem em ciências na
escola deve ter como ponto de partida aqueles conhecimentos que o aluno já possua, de
forma a promover, possíveis mudanças e reelaborações conceituais.
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Ausubel (apud Schnetzler 1992, p.17) diz que, no processo de ensino
aprendizagem, o professor tem que levar em conta o que seu aluno já sabe, destacando:
“Se tivesse que reduzir toda a psicologia educacional a um só princípio, diria que o fator
isolado mais importante, influenciando a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já sabe,
determine isso, e ensine-o de acordo.” Mais ainda, o construtivismo acredita que, para
que haja essa construção do conhecimento pelo aluno, o mesmo tem interagir em seu
meio, tanto físico quanto social.
Na perspectiva construtivista, a aprendizagem requer participação ativa do
aluno, ou seja, “uma abordagem construtivista evidencia o papel central do sujeito, de
suas ações e de sua participação nas atividades de aprendizagem [...], aprender ciências
se define como apropriação progressiva de uma visão científica do mundo”
(COLINVAUX 2008, p. 07). Portanto, o aluno não é passivo, nem muito menos vazio
de ideias, que apenas memoriza e repete conceitos pensando em obter boa nota em uma
avaliação. Superando essa visão, o construtivismo “considera que o aluno aprende a
partir da interação entre novas ideias e aquelas já presentes em sua estrutura cognitiva,
viabilizando uma aprendizagem (verdadeiramente) significativa”. (MACHADO, 1999,
p.72). Sobre a aprendizagem, Colinvaux (2008, p. 09) sintetiza:
[...] devemos lembrar que aprender é, também, às vezes, doloroso: é aceitar
abandonar o porto seguro daquilo que é conhecido e ‘funciona’, que ‘dá
certo’, para lançar-se à aventura de descobrir o desconhecido, aquilo que é
misterioso, contraditório e contra-intuitivo, geralmente pouco inteligível, mas
desafiador em suas novas possibilidades.
Vale destacar que, em sua primeira versão, o construtivismo no ensino de
ciências foi assumido como mudança conceitual, ou seja, o processo de ensinoaprendizagem deveria promover uma mudança das concepções prévias dos alunos para
concepções mais próximas do sistema científico. Esta perspectiva posteriormente foi
bastante criticada. Mortimer (1995), por exemplo, relata que as concepções prévias dos
alunos nem sempre são abandonadas e subsumidas no processo de ensino, uma vez que
as mesmas poderão permanecer e conviver naturalmente com as idéias cientificas que
lhes foram transmitidas, e serão usadas em contextos apropriados. Além disso, um
aspecto bastante criticado no construtivismo como mudança conceitual se refere ao
esvaziamento social. Pouca ênfase é dada às interações sociais que se realizam ao longo
do processo de ensino-aprendizagem.
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A discussão acerca da aprendizagem pode ser ampliada a partir de uma
perspectiva vigotskiana que reconhece a importância das interações sociais no processo
de aprendizagem e constituição dos sujeitos. Vygotsky (apud Oliveira 2000) retrata que
o aprendizado possibilita o despertar para o desenvolvimento. Assim, para Vygotsky, a
linha de desenvolvimento humano se realiza de fora para dentro, ou seja, “a intervenção
deliberada dos membros mais maduros da cultura do aprendizado das crianças é
essencial ao seu processo de desenvolvimento” (OLIVEIRA 2000, p.14). Sendo assim,
é essencial o papel do professor como mediador na trajetória dos alunos que passam
pela escola para que a aprendizagem tome lugar. Para Vygotsky (apud Oliveira 2000), a
escola tem o papel de agência promotora de desenvolvimento sendo o espaço-tempo de
socialização dos sistemas de conhecimento necessários para o desenvolvimento e
funcionamento intelectual de crianças e jovens. Desta forma, a partir de uma perspectiva
individual e solitária, a aprendizagem vai sendo assumida como uma prática social que
não se realiza exclusivamente na escola. Colinvaux (2007) ressalta que a aprendizagem
vai muito além do círculo escolar, uma vez que, aprender é algo que ocorre a todo
tempo, dentro e fora da escola. Portanto, segundo essa autora, “aprender os conteúdos
escolares envolve, ainda, apropriar-se de seus usos para ler e interpretar a realidade,
para raciocinar e resolver problemas, ainda, para fundamentar determinadas ações
no/sobre o mundo” (COLINVAUX 2007, p.30). A aprendizagem se apresenta como um
conjunto de significações, que gera movimentos individuais e coletivos em torno de
algumas formas de compreensão do mundo simbólico e material.
Percursos Metodológicos
Este estudo está inserido em uma perspectiva qualitativa, que tem como fonte o
ambiente natural e a pesquisa centra-se, predominantemente, na descrição e
compreensão dos fenômenos estudados (LUDKE; ANDRÉ, 1986). O estudo foi
realizado em uma escola da rede municipal de Nova Iguaçu, RJ com uma turma de 5º
ano do Ensino Fundamental constituída por 28 alunos na faixa etária média de 10 anos.
A pesquisa iniciou-se com um período de observação possibilitando uma
aproximação estreita com o contexto e os sujeitos investigados. Após essa observação,
elaborei e realizei, juntamente com a professora da turma, um conjunto de atividades
acerca do corpo humano. A primeira atividade envolveu a manipulação de um torso
humano; na segunda atividade os alunos observaram ao microscópio lâminas com
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extratos preparados de diferentes tecidos do corpo e, na última atividade, foi solicitado
aos alunos que escrevessem um pequeno texto sobre o corpo humano.
Os dados obtidos foram analisados a partir de sucessivas leituras que permitiram
selecionar duas cenas da atividade de manipulação do torso, desenhos dos alunos sobre
a observação ao microscópio e extratos dos textos produzidos de modo a evidenciar os
processos utilizados na construção do conhecimento sobre o corpo humano.
Do corpo macroscópico ao corpo microscópico: resultados e análises das atividades
Para análise da atividade de manipulação do torso selecionei duas cenas nas quais se
evidenciam mecanismos de um processo de construção de conhecimento relacionados
ao corpo humano e que são apresentadas a seguir.
Cena 1:
Os alunos foram instigados a manipular o torso, mas, a princípio, ficaram receosos.
Incentivados por mim e pela professora da turma, o aluno C decidiu, então, retirar
algumas partes do torso, sem fazer qualquer comentário. Ao retirar um dos pulmões
analisou cuidadosamente sua estrutura e, finalmente, perguntou: “O que são esses
buraquinhos coloridos?”. Na verdade o aluno se referia à estruturas que representavam
as hemácias. Ao discutir-se que é nos pulmões que se realizava a passagem de oxigênio
para as células do sangue, o aluno respondeu então que nunca tinha visto aquilo, mas
que havia aprendido no jornal que os pulmões possuíam formatos e tamanhos
diferentes. Dessa forma, criou-se um contexto favorável para se trabalhar a função dos
pulmões no corpo humano. Em seguida, outros alunos começaram a se interessar por
outras partes do torso e pediram para retirar o coração. A maioria dos alunos ficou
surpresa em descobrir que o coração possuía quatro cavidades e disseram que na escola
haviam aprendido que do coração “saem veias azuis e vermelhas ajudando na
distribuição do sangue”. O que essa cena nos indica? Primeiro que os alunos buscam
compreender e construir novos conhecimentos, estabelecendo relações com os seus
conhecimentos prévios obtidos em contextos formais de educação como a escola ou em
contextos não formais como o jornal. Estas relações permitem que os alunos ampliem e
aprofundem suas concepções acerca de um dado fenômeno. O segundo aspecto diz
respeito à atitude contemplativa do aluno que observa atentamente a estrutura que
representa os pulmões e reconhece que ali existem elementos (hemácias) sobre os quais
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ainda não tem informação. A curiosidade e a observação são, portanto, atitudes
indispensáveis no processo de construção do conhecimento científico.
Cena 2:
Na continuação da atividade quase todos os alunos já estavam interagindo com o objeto,
seja manipulando-o, seja levantando questões. Assim, quando foi retirado o fígado,
novamente o aluno C. perguntou se era verdade que este órgão poderia se regenerar,
pois ele havia “ouvido falar” que isto poderia acontecer. Ao ter esta informação
confirmada o aluno C. ficou impressionado. Então, o aluno L. disse que já tinha visto no
Discovery Channel que, além disso, o fígado era causador de várias doenças que
poderiam levar até à morte. Em seguida, o mesmo aluno pediu para retirar o rim, e
mencionou que era este órgão filtrava o sangue, mas também ficou admirado ao ser
informado que podemos viver com apenas um rim.
A cena descrita nos informa sobre a importância de um contexto interativo no
processo de construção do conhecimento. A questão do aluno C gera a participação de
um outro aluno que amplia uma discussão sobre aspectos relacionados ao fígado.
Assim, para além da capacidade regenerativa, passam a figurar novos elementos, desta
vez sobre doenças do fígado. É preciso ressaltar ainda que as questões levantadas pelos
alunos são fundamentais para desencadear esse processo de construção do
conhecimento científico.
O corpo humano: dimensão microscópica
Na atividade de microscopia, levei para a sala de aula cinco microscópios. Após as
observações os alunos deveriam desenhar o que observaram.
No microscópio nº 01 havia células do músculo da boca, os alunos as representaram em
formatos de fibras, como se fossem “tracinhos” como mostra a figura 01. Durante a
observação das células os alunos consideraram que pareciam vários riscos. Há que se
considerar que as células musculares têm formatos alongados o que justifica o uso
desses “tracinhos” pelos alunos. No microscópio nº 02 havia células do epitélio da boca.
Os alunos acharam que estas células tinham formatos circulares ou ovais, mas ambos
grandes e espalhados, como mostra a figura 02. O microscópio nº 03 apresentava
células do intestino. Neste caso, os alunos, de um modo geral, as compararam a uma
árvore. Isto porque o intestino apresenta vilosidades para ampliar a superfície de
absorção o que lhe dá essa aparência de “árvore” identificada pelos alunos. Era evidente
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como, a cada observação, os alunos estabeleciam relações com objetos familiares e
expressavam, em certa medida, essa aproximação na elaboração de seus desenhos como
mostra a figura 03. Já no microscópio nº 05 havia células do sangue humano que foram
representadas pelos alunos muitas bolinhas pequenas agarradinhas, como mostra a
figura 04.
As análises dos desenhos evidenciam que, no processo de construção do
conhecimento científico, os alunos, de um modo geral, procuram associar os objetos de
estudo (células de diferentes tecidos) a objetos familiares do seu cotidiano (árvore,
tracinhos, bolinhas) de forma a expressar as impressões captadas a partir das
observações realizadas no microscópio.
Isso pressupõe que os alunos buscam
mecanismos claros e objetivos para compreender novos fenômenos e situações que lhes
são apresentadas. Os desenhos dos alunos, através de suas formas e cores, dão vida a
significados que supostamente estão construindo. Este é um caminho que parece
evidenciar um processo de construção. MACHADO (2010) considera que a relação
entre a dimensão macroscópica e microscópica é própria da ciência e necessária para o
entendimento de determinadas questões científicas. Para realizar essa relação existe uma
busca de aproximação entre algo familiar e conhecido de modo a fazer emergir um novo
significado.
Conhecendo um novo corpo humano
Após a apresentação do torso e da microscopia, solicitei aos alunos que escrevessem um
pequeno texto falando sobre o corpo humano de forma a capturar as incorporações
conceituais dos alunos a partir das atividades realizadas. Os textos dos alunos deram
ênfase a aspectos relacionados com a atividade de microscopia. A análise evidencia o
quanto esses alunos ficaram impressionados em poder utilizar um microscópio e as
descobertas que eles fizeram como, por exemplo, saber que podem aumentar diversas
vezes o tamanho das células para que então possam ser observadas. A seguir
apresentamos algumas respostas transcritas tais como foram apresentadas pelos alunos e
que mostram isso:
[...] Quando nos olhamos no microscópio nós vê coisas novas coisas
impossíveis de vê com o olho nú. O microscópio serve para nós vê as coias
bem mais perto e poder ver coisas de muito perto [...] (A.15)
[...] E pelo microscópio eu pude ver varias cosas como celolas [...] de ser
humano e cada uma delas e de ferente uma mais legal que a outra teve
algumas que parecia ate arvores e outras que parecia o sol [...] (A.20).
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Outros textos evidenciam as apropriações dos alunos que contribuem para uma
nova visão do corpo humano. Este aspecto é importante uma vez que dá visibilidade a
um processo de construção do conhecimento como ampliação e aprofundamento de
concepções relativas a um determinado fenômeno científico. De um modo geral, os
alunos procuram descrever tudo que aprenderam a partir das atividades. Para isto
elencam nomes de diversos órgãos, aspectos relacionados à estrutura e função desses
órgãos. Destaca-se nesses textos que os alunos usam a primeira pessoa do singular com
isto sugerindo mão só a assunção da autoria textual, mas também do seu próprio
processo de aprendizagem. A seguir algumas respostas que ilustram essa categoria:
[..] eu também adorei o corpo humano porque eu aprendi sopre o coração,
pumão, o rim, intestino deogado, o intestino grosso[...] (A.11).
[...] eu aprendi que o corpo humano tem cada tipo de coisas, por exemplo o
fígado ele pode causa tipo de doenças. (A.10)
Eu aprendi que os pulmões tem formas diferentes e que o coração tem quatro
cavidades. (A.05)
A apropriação desses elementos pelos alunos sugere um processo de construção
necessário para se viver em um mundo com tantas informações veiculadas pelos
diferentes canais de comunicação, mas que não chegam a organizar um corpo de
conhecimento coerente e consistente. Por isso, mais uma vez é importante considerar
que o ensino de ciências deve estar articulado a uma formação maior que permita ao
aluno uma compreensão de si mesmo e do mundo em que vive.
Um aspecto importante que aparece nos textos diz respeito ao reconhecimento
dos alunos de que esse corpo estudado é seu, que lhe pertence. A discussão acerca da
abordagem do corpo humano no ensino de ciências é alvo de muitas críticas. Isto
porque, de um modo geral, o ensino se dá através de uma organização em tópicos que
fragmenta o corpo em seus vários sistemas evidenciando uma visão reducionista.
Quando decidi abordar o tema corpo humano me interessava fazê-lo para
justamente apresentar uma visão integrada de sua arquitetura e de seu funcionamento.
Interessava-me levar o aluno a reconhecer esse corpo biológico como sendo seu corpo.
O registro de alguns alunos parece indicar que esse processo de reconhecimento envolve
uma discussão maior acerca de construção de identidade que está em curso, como
mostra os exemplos a seguir:
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Eu sou legal por dentro eu tenho intestino eu tenho oso eu tenho veia eu
tenho celebro eu tenho torasi eu tenho fígado eu tenho coração eu tenho
costela. [...] (A.16).
[...] o nosso coração e bem diferente do que eu pensava e os pulmões não são
igual. (A.13)
Para Àrca, Guidoni e Mazzoli (1990 apud MACHADO, 2007) a educação
científica precisa acontecer de forma que os alunos se reconheçam como parte desse
mundo que está sendo estudado e isto deve envolver necessariamente a construção de
modos de falar, pensar e fazer.
Considerações Finais
As análises dos dados obtidos a partir das atividades de manipulação do torso, da
observação no microscópio e da produção textual sobre o corpo humano revelam que os
alunos fazem uso de diferentes mecanismos quando constroem seus conhecimentos
científicos. Um deles se refere à mobilização de concepções previamente construídas.
Este é o caso, por exemplo, evidenciado nas cenas analisadas quando da manipulação
do torso. Os alunos resgatam elementos aprendidos em outros contextos como o faz o
aluno C. ao perguntar sobre a regeneração do fígado. Esta mobilização de concepções
faz circular na dinâmica da atividade novos elementos que contribuem para a ampliação
e aprofundamento de conceitos. Assim, ao longo das atividades, fica bem exposto o
quanto esses alunos possuem de conhecimentos científicos adquiridos em conversas, em
programas de televisão e até mesmo na Internet. Os alunos evidenciam que não
aprendem exclusivamente na escola, mas também em outros espaços. É na articulação
do que é aprendido nesses diferentes espaços que se pode avançar na compreensão de
fenômenos e questões que efetivamente lhes interessam. Assim, vale resgatar Chassot
(2003) quando diz que as pessoas precisam de formação científica adequada para ter
uma leitura de mundo que facilite sua vivência.
Além disso, os alunos parecem estabelecer relações/comparações entre um
objeto a ser conhecido e algo que lhe seja familiar. Este mecanismo foi observado
principalmente na atividade de microscopia quando os alunos compararam o que
observaram nas lâminas com extratos dos tecidos. Assim, o intestino foi comparado a
uma árvore, os músculos da boca a uns “tracinhos” e o epitélio da boca ao Sol. Este
mecanismo parece próprio para se estabelecer relações entre as dimensões
macroscópicas e microscópicas e revela um caminho para se construir um novo conceito
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ou significado em ciências. Para MACHADO (2010), essas relações parecem compor
um movimento necessário à construção de novos significados.
A partir dessas análises, acredito que o trabalho em ciências nos anos iniciais
deva privilegiar e promover atividades como a observação, a mobilização de
concepções, a comparação, a elaboração de hipóteses para explicar determinadas
situações, além da incorporação de uma perspectiva interdisciplinar. Portanto observase a necessidade de uma reconfiguração nas práticas de ciências, que, de fato, priorize a
formação científica.
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Figuras:
Figura 01: Células do músculo da boca – campo 1
Figura 02: Célula do epitélio da boca – campo 3
Figura 03: Tecido do intestino – campo 4
Figura 04: Células do sangue humano – campo 5
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