XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA EM AULAS DE FÍSICA DO ENSINO MÉDIO: ANÁLISE A PARTIR DE UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-CULTURAL Maria Guiomar Carneiro Tommasiello ([email protected]) Michelle Oliveira da Cunha ([email protected]) Sâmara Dilio Franzol ([email protected]) Resumo: A prática tradicional do ensino de física tem-se realizado mediante a apresentação de leis, fórmulas, vazias de significados. Segundo os PCN (Ensino Médio) espera-se que a Física contribua para a formação de uma cultura científica, que permita ao indivíduo a interpretação de fenômenos naturais, a compreensão da tecnologia e que possibilite uma formação para a cidadania. Os problemas da pesquisa dizem respeito a como um processo de ensino pode promover construções conceituais em física em situações de sala de aula; como identificar e caracterizar os movimentos de significação apresentados pelos estudantes na construção de conhecimentos de física e o papel do professor como mediador do processo de ensino. Este trabalho, que é um recorte de um projeto apoiado pela Fapesp, teve por objetivo investigar as práticas de docentes de Física do ensino médio, por meio da abordagem histórico-cultural. As aulas de dois professores de escolas públicas do interior de São Paulo foram gravadas em vídeo durante um semestre. Um dos professores não utiliza material didático, enquanto que o outro, segue rigorosamente o Caderno do Professor, elaborado pela Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Após a transcrição das aulas, foram destacados episódios de aulas, posteriormente submetidos à análise microgenética. Para analisarmos o processo de mediação em salas de aula de Física, a partir de unidades que conservassem as propriedades do todo, buscamos investigar os conteúdos, os recursos e os discursos em sala de aula. Nos dois casos observamos um ensino desprovido de significados, com os alunos tendo muitas dificuldades em entender especialmente as equações matemáticas que descrevem fenômenos físicos. De forma geral, podemos concluir que as condições nas duas salas de aula não favorecem a compreensão de conceitos físicos pelos alunos. Palavras-chave: mediação; ensino de física, análise microgenética INTRODUÇÃO A prática tradicional do ensino de física tem-se realizado mediante a apresentação de leis, conceitos, fórmulas, vazios de significados. Isso, porque, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais PCN/Ensino Médio (BRASIL, 1998), privilegia a teoria e a abstração, enfatiza a utilização de fórmulas, em situações artificiais, desvinculando a linguagem matemática que essas fórmulas representam de seu significado físico efetivo e insiste na solução de exercícios repetitivos. Ainda, de acordo com esses Parâmetros, espera-se que a Física contribua para a formação de uma cultura Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000988 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 científica, que permita ao indivíduo a interpretação de fenômenos naturais, a compreensão da tecnologia e que possibilite uma formação para a cidadania. Segundo a Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a área de Física (SÃO PAULO, 2008), de 2008, essas orientações, mesmo que de maneira irregular e parcial vêm sendo percebida pelos professores e o ensino de física vem deixando de se concentrar em memorização de fórmulas ou repetição automatizada de procedimentos, em situações artificiais ou extremamente abstratas. Entendemos que aprender física não se resume a resolver problemas ou a definir conceitos, mas a aplicar esses conceitos no entendimento do mundo físico, estabelecer relações entre os fenômenos, dar significado ao que foi aprendido. Nas palavras de Colinvaux (2007) A aprendizagem, na escola, traz marcas específicas, devido principalmente ao peso do “conteúdo”, isto é, dos conhecimentos das áreas específicas que estão na base das diferentes matérias ensinadas na escola. (...) É possível e recomendável ampliar esta perspectiva, se aceitarmos que aprender os conteúdos escolares envolve, ainda, apropriar- se de seus usos para ler e interpretar a realidade, para raciocinar e resolver problemas e, ainda, para fundamentar determinadas ações no/sobre o mundo. (COLINVAUX, 2007, p.30 ): Dado o alto grau de abstração exigido pela Física, é fundamental a mediação do professor, auxiliando-o a compreender a realidade física. Essa compreensão não pode ser avaliada como produto - resolver um exercício numa prova, por exemplo - mas como um processo no qual aparecem novas formas de analisar o fenômeno, de interpretá-lo, de estabelecer relações com outros fatos, dar novas significações a conhecimentos antes desconhecidos pelos alunos, de se apropriar do sistema simbólico utilizado. Segundo Colinvaux (2007) pensar a aprendizagem como processos que se realizam temporalmente implica, necessariamente, concebê-la como transformações e mudanças associadas a constâncias e permanências. Mas não são quaisquer mudanças, ou diferenças, que podem ser qualificadas como aprendizagem: interessam mais particularmente os processos de mudança caracterizados por processos em que aparecem condutas que indicam novas formas de ver, pensar, fazer ou falar. (COLINVAUX, 2007, p.36) As perguntas que fazemos dizem respeito a como um processo de ensino pode promover construções conceituais em física, em situações de sala de aula; como identificar e caracterizar os movimentos de significação apresentados pelos estudantes Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000989 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 na construção de conhecimentos de física e o papel do professor como mediador do processo de ensino. Este trabalho, que é um recorte de um projeto apoiado pela Fapesp, teve como foco as práticas de docentes de Física do ensino médio, tendo como tema central a mediação pedagógica que é, segundo Lopes et al (2010), o interrelacionamento, orientado pelo professor, entre ele, os alunos e o que se pretende ensinar, utilizando linguagem (verbal e não verbal), ação e recursos múltiplos. Ou, segundo Cavalcanti (2005), apoiada em Vygotski, a mediação -própria do trabalho do professor- é a de favorecer/propiciar a interrrelação (encontro/confronto) entre sujeito (aluno) e o objeto de seu conhecimento (conteúdo escolar), sendo que nessa mediação, o saber do aluno é uma dimensão importante do seu processo de conhecimento (processo de ensinoaprendizagem). A análise das aulas se deu por meio da abordagem histórico-cultural. Nessa abordagem, os conhecimentos são elaborados continuamente no contexto das relações sociais, em que ocorrem mediações estabelecidas pelo outro e pela palavra. (CARLINO; REYES, 2005). Segundo Vygotski (1989), a integração homem-meio é mediada por sistemas de instrumentos (externos) e signos (internos). Ao se apropriar destes sistemas culturais, o homem transforma a si mesmo dando origem a formas de pensar e agir que são próprias do ser humano. Assim, na perspectiva histórico-cultural o docente não pode ser considerado um mero elo intermediário entre o conhecimento e o aluno, um negociador que em princípio permaneceria o mesmo após a negociação. (TUNES et al, 2005). Neste trabalho buscamos construir e analisar dados a partir do contexto da sala de aula. OBJETIVOS O objetivo desse trabalho é investigar e analisar os processos de mediação pedagógica realizados em sala de aula por professores de Ciências Físicas de dois municípios do interior do Estado de São Paulo, por meio da abordagem históricocultural. METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de natureza qualitativa, uma vez que tem como objetivo a obtenção de dados descritivos que foram obtidos por meio de contatos diretos Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000990 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 entre o pesquisador e os pesquisados (LUDKE, ANDRÉ, 1986). Foram feitos contatos com as diretoras de duas escolas públicas e com dois professores de Física, solicitandolhes permissão para a gravação em vídeo de aulas de Física. Todos foram informados que seus nomes permaneceriam em sigilo, bem como o de suas escolas. Um termo de compromisso foi firmado entre a diretora, os professores, alunos, pais e as pesquisadoras. Os registros das aulas foram feitos em vídeo, pois, segundo Meira (1994), a videografia apresenta-se como uma excelente ferramenta para a investigação microgenética de processos psicológicos complexos, ao resgatar a densidade de ações comunicativas e gestuais. As aulas foram transcritas e analisadas com base nos pressupostos da abordagem histórico-cultural do desenvolvimento, buscando-se os indícios mostrados nos atos de apropriação de conhecimentos, característica da análise microgenética. Para Góes ( 2000), A análise não é micro porque se refere à curta duração dos eventos, mas sim por ser orientada para minúcias indiciais – daí resulta a necessidade de recortes num tempo que tende a ser restrito. É genética no sentido de ser histórica, por focalizar o movimento durante processos e relacionar condições passadas e presentes, tentando explorar aquilo que, no presente, está impregnado de projeção futura. (GÓES, 2000, p.15 ) Para analisarmos o processo de mediação em salas de aula de Física, a partir de unidades que conservassem as propriedades do todo, buscamos investigar os conteúdos, os recursos e os discursos em sala de aula. Para tanto utilizados os parâmetros adaptados de Schroeder (2008, p.99): Conteúdos da ciência: A escolha dos conteúdos e a organização de objetivos (o que ensinar e porque ensinar?), os conhecimentos científicos trabalhados em sala de aula (o modelo teórico trabalhado explica também outros fenômenos?), a avaliação da aprendizagem dos conteúdos da ciência (formativa ou classificatória?); Amplificadores culturais: Recursos de ensino (livros, computador, trabalhos de campo, etc.), estratégias didáticas (conjunto de ações conscientemente planejadas a partir dos recursos de ensino); Interações discursivas: As abordagens comunicativas não dialogadas (o professor fala todo o tempo, prevalece o ponto de vista da Ciência), as abordagens comunicativas Dialogadas (acontece na interação entre professora e estudante(s) ou o(s) estudante(s) entre si, não necessariamente deixando-se de lado o ponto de vista da ciência). Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000991 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 RESULTADOS E DISCUSSÃO Após a transcrição das aulas foram destacados episódios de aulas de dois professores de física da rede pública e, submetidos à análise microgenética. A transcrição dos vídeos procurou ser fiel à linguagem produzida oralmente pelos alunos e professores. Na apresentação dos episódios, os turnos de fala foram numerados para facilitar a referência na análise. Serão apresentados episódios relativos ao professor A e ao professor B. Por uma questão de espaço só serão analisados alguns episódios a partir dos parâmetros, explicitados na metodologia. Os episódios foram retirados de aulas de 50 minutos de duração. No quadro 1 é mostrado o Episódio 1, retirado de uma aula do Professor A sobre uma hipotética cidade na Lua. Segue análise: Conceitos da Ciência: no episódio 1, os conceitos tratados (força de gravidade, atmosfera, movimento acelerado) são social e historicamente construídos há 400 anos e agora, na escola, se transformam em objetos de compreensão compartilhada entre o professor e os seus alunos. Observa-se que os temas não foram definidos nem pelo professor e nem pelo livro didático, mas sim pelos Cadernos do Professor, elaborados e distribuídos pela Secretaria Estadual da Educação do Estado de São Paulo, desde 2008. Algumas situações mostradas nos Cadernos (como a possível vida na Lua) não fazem parte dos conteúdos que, em geral, são trabalhados nos livros didáticos mais clássicos de Física e por isso, podem não estar em plena sintonia com a cultura dos professores de Física, que atuam no ensino médio há algum tempo. Interações discursivas: no episódio 1, turno 10, quando os alunos perguntam ao professor se no Domus há vento, o professor não responde. Talvez por ser uma situação hipotética ele não tenha tido tempo de pensar sobre isso. Ou não considerou importante a pergunta dos alunos, que a nosso ver é muito interessante, pois introduziria uma questão nova, não contida no texto. Pode ser que esses alunos que fizeram a pergunta, tenham mobilizado conhecimentos pré-existentes (sobre ventos e asa-delta) não explicitados no texto e nem explicados pelo professor. Estavam tentando fazer relações com outras situações, tentando apreender o significado e isso não foi considerado pelo professor. Como pode ser observado no episódio, o professor fala todo o tempo, mas em geral, está preso ao texto. Quando faz perguntas elicitativas1 (turno 13), não espera pelas 1 O termo elicitativa é utilizado por Mortimer e Machado (1997, apud Macedo e Mortimer, 2000). Os autores consideram elicitativas as perguntas que o professor dirige aos alunos com o objetivo de identificar as questões, suas dúvidas e hipóteses sobre o objeto de conhecimento que está sendo problematizado. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000992 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 respostas dos alunos, mas os induz a responderem o que considera correto. Ou seja, praticamente não há diálogo. O que dificulta observarmos mudanças significativas no modo de falar, pensar dos alunos. Amplificadores culturais: no episódio 1 observa-se que o professor segue estritamente o que está na apostila (Caderno do Aluno). Resolve os problemas e as questões com os alunos mesmo quando fica evidente que os alunos não estão acompanhando a sequência de informações. Todo o tempo o professor se refere à outra autoridade, ao outro- mas no texto ele fala...; aí... ele fala assim.., (turnos 4 e 8). Historicamente sempre foi forte a dependência do professor em relação ao livro didático, mas a apostila não parece ser vista como um instrumento de trabalho auxiliar na sala de aula, mas sim como a autoridade em sala de aula, o critério absoluto de verdade (FREITAG et al, 1989). O material didático sempre foi um fiel aliado do professor no planejamento das aulas, mas nota-se que o professor não preparou as aulas uma vez que elas estão prontas. E talvez por isso, ele em alguns momentos ele se atrapalha com o texto e /ou com os exercícios. Apple (1995) já observava em 1995 que os materiais didáticos vinham cada vez mais se tornando um instrumento de controle pelo Estado, decidindo os tipos de conhecimento que devem ser ensinados e a maneira como devem ser conduzidos. Segundo Moura (2009, p.14) os professores da rede pública do estado de São Paulo, desde 2008, têm sido obrigados a aceitar um pacote pedagógico sem nenhuma discussão prévia, perdendo sua autonomia com relação à seleção dos conteúdos e a execução de seu trabalho. No quadro 2 são mostrados os Episódios 2 e 3, retirados de uma aula do Professor B sobre uma aula de Cinemática em que o professor finaliza as médias. Segue análise: Amplificadores Culturais. Observa-se que o professor B não segue os a apostila elaborada pela SE/SP. Faz os exercícios de uma lista sobre MRU (Movimento Retilíneo Uniforme) que havia disponibilizado aos alunos por meio da Internet. Só alguns alunos têm a lista impressa. Não há nenhuma aula prática ou atividades além da resolução de exercícios no quadro. Conteúdos de Ciência: Os conteúdos trabalhados pelo professor fazem parte da temática Cinemática. Historicamente, os temas dados no ensino médio seguem a seguinte ordem: Cinemática, Dinâmica, Hidrostática, Termologia, Termodinâmica e Eletromagnetismo. Os organizadores dos Cadernos consideram essa organização por demais linear e hierárquica, pois considera o mais “antigo” como logicamente Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000993 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 precedente. Pelo fato do professor não usar os Cadernos e estar ministrando Cinemática, no 1º do ensino médio, dá indícios que ele segue a ordem anterior. Para que os alunos se lembrem da fórmula de MRU faz uso de um artifício memorístico sugerindo a palavra “Sorvete” para a equação S= S0 + vt (turno 1). Mas não adianta os alunos se lembrarem (turno 2), pois parecem não entender o significado das letras. Uma aluna reclama, mas sua queixa não é levada muito em conta pelo professor ( turnos 5-11). O docente faz a avaliação desses conteúdos, ao final do semestre, por meio da resolução de exercícios. No episódio 3, turnos 3 a 7, o aluno mostra a sua indignação por não ter aprendido e coloca a culpa no professor. Um das grandes gueixas dos alunos é o ensino de Física tradicionalmente estar apoiado na repetição automatizada de procedimentos, em situações artificiais e abstratas, o que parece acontecer com o ensino do professor B. Os episódios 2 e 3 revelam um total desinteresse dos alunos pelos conteúdos das aulas e pelas provas. Mostram também uma relação ruim entre professor e alunos. Desde a instituição do regime de progressão continuada (RPC), implantada em 1999 no ensino fundamental, os alunos chegam ao ensino médio desconsiderando a avaliação. Mesmo que no ensino médio haja a dependência, ser reprovado é difícil em função das inúmeras chances que são lhes oferecidas; das decisões favoráveis do Conselho de Classe aos alunos que não têm faltas, mesmo que tenham, comprovadamente, dificuldades em várias matérias, entre outras. Devido à falta de compreensão (dos professores e dos alunos) sobre as finalidades da avaliação, vários problemas têm surgido na relação professor-aluno, inclusive, a perda de autoridade do professor, que não tem mais um sistema repressor para manter o aluno sob controle. A falta de interesse dos alunos em fazer as provas mostra bem o problema. Para que fazer provas se não vão ser reprovados? Interações Discursivas: O professor B fala aos alunos, mas não com os alunos. Não há diálogos. As perguntas feitas são respondidas por ele mesmo. A partir da fala do professor (turno 8- Se ela parasse e olhasse para a lousa, escutasse o que eu estou falando e pensasse um pouquinho, ela entenderia) e de sua prática pedagógica podemos considerar que sua concepção de aprendizagem é a ambientalista, empirista, que é, segundo Becker (1993), aquela em que o professor acredita no mito da transferência do conhecimento: o que ele sabe, não importa o nível de abstração ou de formalização, pode ser transmitido para o aluno. Tudo que o aluno tem a fazer é submeter-se à fala do professor: ficar em silêncio, prestar atenção, ler, escrever e repetir. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000994 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa teve por objetivo analisar a mediação pedagógica de professores de Física de duas escolas públicas do interior de São Paulo. A análise microgenética e os parâmetros utilizados - Conteúdos da ciência, amplificadores culturais e interações discursivas- permitiram melhor entender a dinâmica da sala de aula e documentar a presença (ou não) de mudanças que podem ser qualificadas como aprendizagem. Como as formas de interação na sala de aula são coletivas, fica difícil perceber as transições microgenéticas do aluno, individualmente. Assim, como Macedo e Mortimer (2000), procuramos considerar o movimento das ideias do grupo e os indícios de mudanças. Observa-se que os professores, tanto o que usa os Cadernos (professor A) como o que não usa (professor B), estão todo o tempo falando para os alunos, mas nem sempre com os alunos. As vozes dos alunos na maioria das vezes não são consideradas. Ou seja, praticamente não há diálogo. Isso torna mais difícil a tarefa de se observar nos alunos mudanças significativas, que Colinvaux (2007, p.36) chama de “emergência de novidades”, que são aqueles processos em que aparecem condutas que indicam novas formas de ver, pensar, fazer ou falar. Nos dois casos, observam-se um ensino desprovido de significados, com os alunos tendo muitas dificuldades em entender especialmente as equações matemáticas que descrevem fenômenos físicos. De forma geral, podemos concluir que as condições nas duas salas de aula não favorecem a compreensão de conceitos físicos pelos alunos. Esses resultados se voltam para a formação dos professores nos cursos de licenciatura. Se a mediação não for entendida também pelos formadores além de um mero elo intermediário entre professor-aluno, o ciclo não se rompe. Esse trabalho, ao destacar a mediação, tem a intenção de contribuir para a transformação das práticas pedagógicas de professores, professores formadores e futuros professores. 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Quadro 1- Episódio 1: retirado de uma aula do Professor A sobre uma hipotética cidade na Lua 01)Professor: “Se a Lua não possui atmosfera, como você explica que os habitantes usem pequenas asas-deltas para se locomover?” 02)Aluno: “Ah... isso daí eu não sei...” 03)Outro aluno: “Pela gravidade?” 04)Professor: “Não... A Lua não possui atmosfera, mas no texto ele fala...” 05)Aluna: “Que elas são bem menores... mais fracas...” 06)Professor: “Que no domus existe uma 10)Alunos: “Lá não tem vento?” 11) Professor não responde à pergunta. Segue lendo a apostila. 12)Continua a explicar os efeitos da baixa gravidade. (...) 13)Professor: “Eu pego essa chave” (Ele a levanta da carteira e encena) “E vou jogá-la no fundo da sala... o que vai acontecer?” 14)(Alunos comentam murmurando) 15)Professor: “Ela vai... e uma hora ela vai...” Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000996 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 atmosfera...” 07)(Aluna que comentou faz um gesto com os lábios demonstrando ter sentido que seu comentário foi rejeitado) 08)Professor: “Aí... ele fala assim... que as atmosferas no interior dos domus, era possível levar uma vida bastante normal: ter bichos de estimação, plantas e até pegar uma piscina.” 09)Professor: “Então dentro do domus da cidade Lunar... tem atmosfera... por isso... você... você consegue usar uma asa-delta” 10 16))Alunos: “Cair!” (...) 17)Professor: “Força da Gravidade. Se lá a Força é bem menor... quando eu jogar a chave...” 18)Alunos: “Ela vai... vai... vai.” 19)(Outros alunos também murmuram) 20)Professor: “Ela vai muito mais...” 21)Aluno: “Longe!” 24)Professor: “Longe. Quadro 2- Episódios 2 e 3: retirados de uma aula do Professor B sobre uma aula de Cinemática em que o professor finaliza as médias 11) Professor: Você sabe o que é espaço 2º Episódio. Aula sobre Cinemática, mais precisamente Movimento Retilíneo Uniforme. inicial? 1)Professor: Qual é a formula do sorvete? (de 12)Aluna diz: Eu sei! uma bola só) 13)Professor: Então, ótimo!! 2)Alunos respondem: S = So + v.t (alguns 14)O professor volta a ler o exercício. Um alunos falam S ó e não S zero) móvel sai da posição So = 50m 3)Professor: S é o espaço, a posição da (...) trajetória, que vai ser dada em função do 3º Episódio: Retirado da aula do professor B, tempo. Conforme o tempo você vai ter uma quando tempos depois ele corrige a prova posição e a partir do espaço em função do (que já havia sido aplicada pela 2ª vez) e tempo. finaliza as médias. 01)Professor: Alguém tem 4)Grande parte da aula é despendida em interesse em fazer novamente a prova? Ela vai resolver um exercício e um gráfico relativo a valer 5. um móvel em MRU- Movimento Retilíneo 02)Nenhum aluno se manifesta. Uniforme. 03)O professor separa as provas dos alunos 5)Retoma o tema falando do exercício 4, no presentes. Um determinado aluno, ao ver sua qual ele já havia passado na aula anterior. nota, fala: 6)Professor: Um móvel tem posição So = 04)Aluno: Eu não aprendo porque você não 50m. ensina! 7)Uma Aluna diz: Ah! Eu não estou 05)Professor: Isso, fala mais alto para ela entendendo nada! gravar! 8)O professor continua lendo o exercício. 06)O aluno vira-se para a câmera e repete: 9)Aluna: Professor, eu estou fazendo uma 07)Aluno: Ele não ensina direito mesmo!!! pergunta. Como eu vou entender a resposta? 08) O professor não reage. Todos os alunos 10)Professor: Se ela parasse e olhasse para a continuam ali conversando e depois de um lousa, escutasse o que eu estou falando e tempo ligam um radinho na sala e começam a pensasse um pouquinho, ela entenderia. Você jogar baralho novamente. sabe o que é espaço inicial? Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.000997