XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 PARTICIPAÇÃO, TRABALHO DOCENTE E (RE)FORMAÇÃO HUMANA Andréa Giordanna Araujo da Silva Universidade Federal de Alagoas Resumo A investigação caracteriza-se pela análise da participação na formulação das propostas curriculares, na atuação e monitoramentos das práticas docentes no Ensino Médio, na modalidade Educação de Jovens e Adultos, e busca demonstrar que não é possível o desenvolvimento profissional qualificado e o comprometimento ético-político do corpo docente sem a participação constitutiva. Para compreender as formas e níveis de participação dos professores na formulação das propostas educacionais, o estudo teve como objeto de investigação o Projeto Avançar, ação educativa desenvolvida entre os anos de 2001 e 2008, e como subsídio teórico, a ser confrontado, as propositivas de Pedro Demo (1988, 1999, 2000, 2004) sobre a participação e os fundamentos do materialismo histórico dialético (MÉSZÁROS 2005, 2006; LUKÁCS, 2007) sobre a condição social do ser humano. Por conseguinte, o estudo evidencia que mais que instrumento de negociação e/ou de confronto, a participação é prática sócio-histórica constitutiva das formações culturais humanas. É o lugar de caracterização e de desenvolvimento ético, político, estético, físico, emotivo e cognitivo do ser social. Portanto não se trata de um lugar social a ser conquistado, mas configura-se como uma condição ao fazer-se humano. A partir da reflexão sobre a precariedade das formas de financiamento do Ensino Médio e da discussão sobre a busca do governo central pela elevação das taxas de rendimento escolar por meio da implantação de programas político-pedagógicos em regime de parceria, o estudo aponta para necessidade de um ciclo formativo estruturado sobre três eixos constitutivos e interdependentes: formação inicial e continuada, atuação experiencial e participação constitutiva. Introdução As diretrizes e recomendações oficiais do Ministério da Educação (MEC) têm contribuído para uniformização das práticas de Ensino Médio e restringindo a autonomia político-pedagógica e heterogeneidade das práticas formais de ensino direcionadas aos adolescentes e jovens e adultos trabalhadores. Os postulados do MEC estão relacionados, normalmente, a interesses de cunho econômico e político, como redução de custos e elevação dos índices de sujeitos escolarizados nos estados federativos. É importante lembrar que o Ensino Médio configura-se como última etapa da Educação Básica. De caráter terminal, esse nível de ensino apresenta-se como se Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002755 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 fosse à finalização do cumprimento do dever estatal com a formação do cidadão (obrigação jurídica). Desde o início da implantação das políticas neoliberais pelos governos brasileiros, nos anos de 1990, sobre a influência das agências credoras internacionais, a prioridade escolar tem se restringido à expansão e universalização do Ensino Fundamental, direcionado ao público infantil. Sendo tratado como uma ação de progressiva obrigatoriedade, o Ensino Médio foi usualmente, operacionalizado com recursos provisórios, obtidos por meio de convênios com empresas privadas ou agências internacionais (como o Programa de Melhoria e Expansão no Ensino Médio – PROMED, instituído pela Resolução/CD/FNDE nº 023, de 28 de maio de 2007). Logo, os percentuais de recursos direcionados a educação secundária têm definido o formato e a qualidade de ensino ofertado, que tem se apresentado como de baixa qualidade, visto que o financiamento do Ensino Médio se apresenta em proporções, custo por aluno, bem inferiores aos recursos destinados aos alunos ingressos no Ensino Fundamental (GOMES; MORGADO, 2007). Por conseguinte, a precariedade das formas de financiamento do Ensino Médio e a busca do governo central pela elevação das taxas de rendimento escolar, são fatores que contribuem para implantação de programas político-pedagógicos que negligenciam as necessidades formativas dos alunos futuros ou ativos trabalhadores e contribuem com os processos de precarização do trabalho e da formação do professor do Ensino Médio. Embora o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) represente um avanço no financiamento do ensino secundário, visto que já em 2007, a definição dos valores do custo-aluno foi maior para as séries finais do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio (SOUSA JUNIOR, 2007), a ampliação do número das vagas e principalmente a estrutura operacional física e humana das escolas ainda é uma questão preocupante para os gestores estaduais. Neste quadro, o estudo apresenta algumas das conclusões finais do curso de mestrado e iniciais da investigação de doutoramento, em curso, sobre a relação públicoprivado na constituição do Ensino Médio em Pernambuco. A discussão desenvolvida se estrutura como uma reflexão sobre os efeitos da supressão da participação constitutiva, provocados pela realização das parcerias entre o setor público estatal e as entidades sociais de serviço (Fundações e Institutos) em médio e longo prazo, sobre a formação ético-política do professorado. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002756 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 Tendo como objeto de investigação o Projeto Avançar, ação educativa desenvolvida de 2001 até 2008 e atualmente denominada de Projeto Travessia, buscaremos como subsídio teórico, a ser confrontado, as propositivas de Pedro Demo (1988, 1999, 2000, 2004) sobre a participação e os fundamentos do materialismo histórico dialético (MÉSZÁROS 2005, 2006; LUKÁCS, 2007) sobre a condição social do ser humano para desenvolver os princípios da participação constitutiva. As teorizações inquiridas possibilitaram desenvolver a propositiva de que a participação caracteriza-se como condição à formação cultural e identitária do ser humano. A partir desta direção, o estudo demonstra que só com participação direta na formulação das propostas curriculares, na atuação e monitoramentos das práticas de Ensino Médio, é possível o desenvolvimento profissional qualificado e o comprometimento éticopolítico na (re) criação da escola pública, objetivada para o desenvolvimento do gênero humano e superação da sociedade do capital. Por conseguinte, os efeitos do regime de parceria sobre rede estadual de ensino público em Pernambuco e os mecanismos que promovem a alienação da participação constitutiva nas práticas de Ensino Médio na modalidade EJA foram capturados da análise de discursos dos egressos sobre a atuação e formação do professores. Ensino e Professor medianos A medida que se expande os programas fechados de Ensino Médio, instituídos em regime de parceria entre instituições públicas e privadas, a formação do professor se torna mais precária, pois os cursos adquiridos, por meio de parcerias ou convênios, não se apresentam como espaços para o diálogo, partilhamento informações, expressão das expectativas e discussão das prioridades formativas dos alunos e professores. São programas curriculares “acabados” e implantados de forma vertical, que observam o professor como executor de métodos e técnicas de ensino (FONSECA, 1998). Por conseguinte, elaborados por equipes técnicas distanciadas físico e politicamente dos espaços de atuação dos professores, e mesmo das redes de ensino que compram ou recebem, os programas educativos de Ensino Médio atendem as exigências (mínimas) oficias do MEC, em relação as cargo horária, cronograma, programa de disciplinas e formação técnica dos professores para o uso dos recursos didáticos, mas pouco atende as necessidades do corpo discente e, ainda, se apresentam como um obstáculo ao desenvolvimento de práticas curriculares diversificas e à formação Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002757 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 político-social e profissional do professor. A falta de domínio epistemológico e teórico sobre o campo de trabalho dificulta a atuação autônoma do corpo docente e a identificação dos mecanismos de silenciamento impostos pelo regime de parceria aos programas curriculares de Ensino Médio, restringindo assim as possibilidades de desenvolvimento de práticas de resistência. Isto ocorre porque a intervenção tecnicista na subjetividade do professor provoca [...] a individualização crescente, que inclui a destruição das solidariedades baseadas numa identidade profissional comum [...] (BALL, 2004, p. 1118). Ainda, “[...] o que não é ensinado ou é silenciado condicionará de alguma maneira as análises de muitas situações e problemas sociais, impedirá que se levem em conta algumas alternativas, restringirá possibilidades de intervenção social [...]” (SANTOMÉ, 2003, p. 214). Cabe expor que a instituição que elabora e executa os projetos de Ensino Médio para pessoas jovens e adultas em Pernambuco (a FRM) é procedente do setor corporativo empresarial, cujo ideário formativo é reproduzir na escola pública a consciência corporativista mercantil. Para tanto, a participação, condição constitutiva ao desenvolvimento humano, vem sendo suprimida das unidades escolares, sendo substituída por as propostas de ensino de qualidade vertical, que limitam o potencial inventivo e o desenvolvimento das habilidades cognitivas e ético-políticas do corpo docente. Este fenômeno carece de maior atenção da sociedade civil porque o controle da escola pública por instituições a serviço do capital impossibilita o desenvolvimento das práticas de contra-internalização (MÉSZÁROS, 2005). Participação: condição à formação político-profissional-identitária do professor e instrumento de controle social da escola pública. A participação é um imperativo constitucional, visto como instrumento de consolidação da cidadania, desenvolvida pelo exercício dos direitos e deveres sociais e individuais. Negar ou reduzir a participação do cidadão na gestão pública significa limitar seu dever e negar seu direito (CONSTITUIÇÃO, 1988). Por conseguinte, ao implantar programas de ensino, por meio de convênios e/ou parcerias e/ou compra de protótipos educativos, sem a participação dos corpos docente e discente na formulação das propostas, as secretarias de educação negligenciam o imperativo oficial. A participação possibilita ampliar e qualificar as práticas democráticas, por meio da partilhamento do poder e a inclusão político-social. A participação dos professores Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002758 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 na formulação, implementação e monitoramento das propostas educativas estaduais, além de cumprir com o imperativo jurídico, corresponde um processo de aprendizagem e qualificação político-social dos trabalhadores-professores. Mesmo, tendo claro que a centralidade política não se apresenta como instrumento de luta suficiente para um radical combate aos mecanismos de controle do saber e do poder nas sociedades capitalistas (BERTOLDO, 2009), é importante dispor deste lugar de resistência, porque a política é a mais importante instituição de manutenção do sistema de controle instituído pelo capital (ALVES, 2009). Para Pedro Demo (1991), os projetos elaborados de forma vertical (sem a participação dos sujeitos professores e alunos) têm como conseqüência a formação do “cidadão” cada vez mais dependente e discriminado, inapto a formulação e vivência de práticas alternativas às ações que perpetuam as desigualdades e discriminações sociais. No processo de discussão, confronto e reflexão sobre a sua realidade social, compreendida neste estudo como participação constitutiva, e por isso inventiva, os sujeitos professores e alunos do Ensino Médio são capazes de identificar os fatores históricos, econômicos e culturais que promoveram, perpetuam e legitimam os quadros de marginalização sócio-políticas e econômicas em que se inserem, e são capazes, portanto, de apresentar de forma consciente e sistemática propostas formativas mais condizes com as suas necessidades e perspectivas. Pois mais que uma conquista política (DEMO, 1999), a participação é condição ao desenvolvimento do homem. A participação está diretamente vinculada ao desenvolvimento da identidade e do comprometimento do professor, mais que a democratização do espaço político e a associação para ganhos particularistas ou/e coletivos de grupos sociais específicos (COUTINHO, 2002), a participação é condição imperativa ao desenvolvimento histórico-cultural do ser humano. Assim, a não-participação, bem como a perspectiva de participação política, vista apenas como dever e direito, continua sendo formas de alienação da formação integral do ser humano. Interpretar a participação a partir da perspectiva instrumental e/ou política é alienar o ser humano de seu potencial cultural inventivo e autoformativo. Logo, qualquer atividade político-pedagógica que negue ao homem sua condição de ser partícipe de sua formação, volta-se para a captura de sua subjetividade e provoca a desumanização do ser social, existência social estranhada (MARX, 2006, ALVES, 2007). Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002759 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 Nos anos de 1980, a participação social e coletiva tinha caráter reivindicativo, buscava-se a melhoria das condições sociais por meio do controle social e coletivo das ações do Estado. Por conseguinte, nos anos de 1990, “em virtude da confluência dos projetos e do enfrentamento em diferentes culturas políticas, a participação deixa de ser um instrumento de confronto as diretrizes do Estado, para se caracterizar como “participação negociada” na disputa entre projetos distintos. Um “processo de co-gestão entre o Estado e a sociedade nos novos espaços públicos”. (NEVES, 2007, p. 46,). Neste quadro de disputa de sentidos, distintas e contrapostas concepções de participação têm constituído os discursos educacionais em diferentes perspectivas político-sociais. Uma das concepções que tem se tornado hegemônica no campo específico da educação é o ideário de participação como “habilitação social e empoderamento” (UNESCO, 2010). Nesta perspectiva, a participação é concebida como espaço de tomada de decisões e acumulação de capital social e tem como objetivo desenvolver nos sujeitos a capacidade de negociação e interlocução com o poder público. Numa contraposição ao ideário instrumentalista, Pedro Demo faz referência à participação como “o processo de histórico de conquista da autopromoção” [...], como “um fenômeno essencialmente político”, (1988, p. 23), intrinsecamente vinculado a base econômica das sociedades. Neste lugar de interpretação, os indivíduos são observados como atores políticos que procuram consolidar de seus interesses na organização e na criação uma forma de poder diferente (e confrontiva) da hegemônica (DEMO, 1999). Por conseguinte, fundamentado no materialismo histórico dialético, podemos afirmar mais que instrumento de negociação e/ou de confronto, a participação é prática sócio-histórica constitutiva das formações culturais humanas. É o lugar de caracterização e de desenvolvimento ético, político, estético, físico, emotivo e cognitivo do ser social (de formação integral). Logo, sem participação constitutiva não existe possibilidade de formação, comprometimento e atuação político-profissional qualitativa no campo educacional, isso porque o desenvolvimento de trabalhos prescritos (“projetos parceiros” na escola) alimenta o processo de externalização estranhada, tão necessário ao processo sócio-metabolismo da barbárie (do capital). A subtração dos espaços participativos nos ambientes escolares, provocada pelo regime de parceria estabelecido entre o Estado e organizações sociais (fundações e institutos), resulta numa organização fragmentada e despolitizada do corpo docente e na “depreciação da política e do político, e do público em relação ao privado” (NEVES, Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002760 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 2002, p. 106, grifo meu). Como resultado, os trabalhadores da educação também se desenvolvem como força de trabalho simples (NEVES, 1997), destituída do poder de resistência às pressões do mercado sobre o currículo escolar. É imprescindível lembrar que ao eliminar a participação (enquanto determinação ontológica do ser social), o capital promove a despossessão das habilidades cognitivas e comportamentais do ser social (ALVES, 2009). Fundamentados na concepção tecnicista de aprendizagem (especificamente no ideário do “aprender a aprender”) os projetos, estabelecidos por meio de parcerias ou convênios entre o Estado e as fundações e os institutos, tem tratado o professor como se fosse um sujeito social neutro e utiliza as capacitações continuadas como espaço de instrumentalização tecnicista. Dessa forma, silencia os interesses e expectativas dos professores, pois os conhecimentos (conteúdos e métodos de ensino) são procedidos, de um centro técnico-científico, a agência/instituto/fundação, para uma periferia, as escolas, não são desenvolvidos pela/na participação (SILVA, 2010). Assim, os conhecimentos e práticas, desenvolvidas, ressignificadas e produzidas pelo professores em sua formação profissional inicial e experiencial são silenciados e seu potencial de desenvolvimento político, profissional-identitário e de comprometimento como professor do Ensino Médio é restringido. No discurso da gerente-geral de Educação e Implementação da Fundação Roberto Marinho, Vilma Guimarães, publicado no Jornal O globo, em 02 de dezembro e 2010, no jornal o globo, é possível identificar a perspectiva do Telecurso como ensino regular, mesmo sem a participação dos professores na formulação da proposta educativa: [...] Foi oferecido o material didático do programa Telecurso, a metodologia de ensino e o programa de formação de professores. O governo do estado [Manaus] cedeu as salas e os professores. - Queremos que esse projeto seja o primeiro de muitos, porque temos interesse em dar continuidade do programa em Manaus expandindo para o ensino regular (grifo meu). A subtração do controle na elaboração das propostas curriculares e a imposição do fazer, já consolidados em Pernambuco, coloca o professor na condição de ser reificado, realizador de um trabalho estranhado. Neste caso, o professor qualifica-se como um decodificador de pacotes de saber produzidos em série (FRIGOTTO, 2001). Diferentes pesquisadores têm apresentado estudos apontando a importância da formação inicial e continuada dos professores e analisado os efeitos da omissão do poder público no tratamento da questão (DI PIERRO; GRACIANO, 2003; Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002761 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 MACHADO, 2000; MOURA, 2009; PAIVA, 2005; SOARES, 2002; TORRES, 2003, OLIVEIRA, (2007). A partir destes estudos, podemos inferir que a formação qualitativa do corpo docente deve se realizar em três eixos constitutivos e interdependentes: formação inicial e continuada, atuação experiencial e participação constitutiva. Cada eixo qualifica-se como condição ao desenvolvimento sócio-político do trabalhador-professor. Por conseguinte, os processos iniciais e continuados de formação no âmbito acadêmico propiciam conhecer os fundamentos teórico-metodológicos e político-pedagógicos das práticas escolares e compreender as “características e especificidades dos alunos, nos aspectos antropológico, histórico, filosófico, cultural, psicológico, sociolinguístico (MOURA, 2009, p. 47, grifo meu). No eixo experiencial, o professor inicia o processo de vivência e recriação dos saberes aprendidos nos cursos de formação inicial e/ou continuados e a revisão, recriação e criação de sentidos e significados das práticas de ensino-aprendizagem. Já a participação constitutiva, além de fundamentar os eixos anteriores, deve ser o fundamento da elaboração dos programas curriculares de Ensino Médio (de qualquer tipo), em âmbito governamental. Do Professor-Educador ao Facilitador-Executor Para o ato educativo qualitativo se materializar é imprescindível pensar o professor como profissional do ensino e como educador político e social, assim, só é possível, como dito anteriormente, uma atuação substantiva se a formação do professor estiver alicerçada nos três eixos: formação inicial e continuada, atuação experiencial e participação constitutiva. Vejamos as percepções dos egressos da EJA sobre a qualificação docente e sobre a função social do professor: E uma coisa que eu não achei muito legal, assim.... Porque, pronto, o professor que mim ensinava era de matemática. Pronto, ele dominava bem a matéria de matemática. Apesar dele ter feito capacitação, né, nas outras matérias, mas sempre ficava assim, às vezes, uma dúvida, com relação as outras matérias e algumas determinadas matérias, que não eram bem dominadas, aí a gente128 tinha que pesquisar, mais por fora, pra poder alcançar aquele objetivo, naquela matéria, domina aquele objetivo. Foi a única coisa assim... negativa que eu vi do curso (Maria José Ramos, 47 anos, grifo meu). Mas a princípio, no caso, a turma toda era muito unida, unida o pessoal, quando tinha pesquisa, a gente fazia, é...quando tinha dúvida, a gente procura também, não espremia muito o professor, porque sabia que ele dominava bem a matéria dele e... as matérias assim, por exemplo, matemática e a de física também, as vezes ficava assim umas duvidazinhas Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002762 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 no ar, mas nada que não pudesse ser resolvido (Maria José Ramos, 47 anos, grifo meu). Tinha aulas assim..., de debate. Quando a gente recebeu o livro, aí melhorou, porque quando, as pessoas liam as matérias, aí quando chegava no colégio, era questão de já ter visto alguma coisa, aí só tirava mais dúvida né. [...] Mas a princípio, no caso, a turma toda era muito unida, unida o pessoal, quando tinha pesquisa, a gente fazia, é...quando tinha dúvida, a gente procura também, não espremia muito o professor, porque sabia que ele dominava bem a matéria dele e... as matérias assim, por exemplo, matemática e a de física também, às vezes ficava assim umas duvidazinhas no ar [...]. (Maria José Ramos, 47 anos, dona de casa, grifo nosso). Hum...Não, não, Não em relação ao trabalho, Em relação ao trabalho não. Não, porque as aulas eram bastante cansativas. Vídeo...E a metade da turma, num sei lá, num era muito acostumada a aulas de vídeo, aí atrapalhava. O professor Vagner era um professor nota dez. Mas, sei lá, ele tinha muita dificuldade de passar as aulas de vídeo à turma. E o Projeto a Avançar, falando sério, era muito cansativo. Porque, fita de duas horas, uma hora e meia, duas horas: só vídeo, só vídeo, só vídeo, só vídeo. A turma num. Sei lá. Pudia variar, porque era módulo né, de dois em dois meses: só matemática, matemática, depois só português, português. Aí ficava meio complicado. Era sempre a mesma disciplina por dois meses. (Marcos Gomes Santos, 34 anos, grifo meu). Como observado nos depoimentos dos egressos do Ensino Médio na modalidade EJA (Projeto Avançar), a formação precária do professor, para ensinar todas as disciplinas do Ensino Médio, associada à inabilidade técnica-pedagógica, resultante possivelmente da má qualidade dos processos formativos do projeto, são uma clara demonstração dos efeitos negativos provocados pela alienação da participação constitutiva na formação e atuação docente. É importante destacar que os nomes expressos dos ex-alunos citados no texto são fictícios para preservar a identidade do depoente, mas foram mantidos os formatos de construção dos argumentos e termos usados pelos egressos do Projeto Avançar, para conservar os sentidos e significados produzidos pelo falante. Considerações Finais O estabelecimento de ações de associadas para oferta da educação básica não corresponde a um qualitativo movimento de participação, caracteriza-se como uma ação autoritária do Estado, que de forma vertical define as ações educativas que serão realizadas nas instituições de ensino de formal para promover a desqualificação político-profissional e humana do corpo docente e viabilizar “uma estratégia de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.002763 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 construção de consensos que viabilizem a coesão sócia necessária e premente” (NEVES; PRONKO, 2008, p. 168). Nenhum ser social é capaz de contribuir com a emancipação do ser humano sem que seja partícipe do desenvolvimento da sociedade. Logo, a compreensão do projeto social em que se insere e deseja desenvolver é uma condição à formação do educador político, pois mais que um direito ou deve, a participação é o espaço de desenvolvimento do humano e, por decorrência e necessidade histórica, do profissional. A qualificação profissional do corpo docente realizada em parceria e sem a participação do professor caracteriza-se como uma das formas criadas pela capital para reduzir o potencial de resistência e criatividade nas escolas e, como em outros grupos de trabalhadores, desqualifica a política e opera “intensa investida ideológica, buscando anular o antagonismo de classe mediante o ideário da colaboração e harmonia social” (NEVES; PRONKO, 2008, p.11). A participação é constitutiva porque o ser histórico é um órgão vital de qualquer sociedade. Independe da condição material (classe) em que se encontre o ser social, ele é partícipe no corpo social porque nasce e desenvolve como parte constitucional de um todo. Assim, devemos está atentos aos discursos que apresentam os processos formativos e lugares identitários de professores como resultantes de condições políticas e organizacionais externas ao fazer-se humano. Referências Bibliográficas ALVES, Giovanni. A condição de proletariedade: a precariedade do trabalho no capitalismo global. Londrina: Praxis; Bauru: Canal, 2009. BALL, Stephen J. Performatividade, privatização e o pós-estado do bem-estar. Educação e Sociedade, Campinas, v.. 25, n. 89, p. 1105-1126, set./dez. 2004. BERTOLDO, Edna. Trabalho e educação: da centralidade do trabalho à da política. Maceió: EDUFAL, 2009. BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado, 1988. BRASIL. Ministério da Educação. Resolução/CD/FNDE 23, de 28 de maio de 2007. Disponível em: <www.fnde.gov.br/index.php/leg-res-2007>. 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