XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
POLÍTICA EDUCACIONAL E EDUCAÇÃO INTEGRAL:
APONTAMENTOS E REFLEXÕES
Ana Lucia Ferreira da Silva
Doutoranda em educação pela
Universidade de São Paulo/USP
RESUMO
Este trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa cujo tema é a educação integral.
O objetivo é apresentar uma reflexão acerca das políticas para a educação básica e a
ampliação do tempo escolar tendo como referência o Programa Mais Educação, por
meio de um estudo bibliográfico. O estudo foi realizado de forma a apresentar um
panorama do contexto sócio-político-econômico em que esse programa foi pensado e
implementado. A fim de situar e contextualizar a discussão, foi realizada um estudo
mais aprofundado tendo como referência para análise a Portaria Normativa
Interministerial n° 17, de 24 de abril de 2007, a qual instituiu o Programa Mais
Educação e documentos pertinentes à implantação dessa portaria, entre autores que nos
forneceram subsídios teóricos para a análise. Explicitar e problematizar equívocos
referentes à educação integral e a ampliação do tempo escolar também é objetivo desse
estudo, uma vez que, é possível afirmar, que os próprios documentos têm apresentado
os termos “ampliação da jornada escolar”, “ampliação do tempo escolar”, “educação em
tempo integral” e “educação integral” de forma indistinta. Sobre sua implementação,
esta tem priorizado o atendimento às escolas em piores condições sejam estas relativas
ao atendimento à demanda de uma população economicamente pobre, situadas em
periferias, seja em termos relativos à baixa qualidade da educação, avaliadas tendo
como parâmetro, o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Diante do
exposto, parte-se do pressuposto de que a proposição adotada referente à ampliação da
jornada escolar tem como eixo norteador um discurso que alia educação e a redução das
desigualdades sociais.
Palavras-chave: Política Educacional; Educação Básica; Educação Integral; Programa
Mais Educação.
Introdução
O objetivo do texto é apresentar uma reflexão sobre as políticas para a educação
básica e a ampliação do tempo escolar, tendo como base o Programa Mais Educação. A
problematização do estudo se situa em expor equívocos conceituais referentes à
educação integral e a ampliação do tempo/jornada escolar. Parte do princípio de que a
implementação de um programa de ampliação da jornada escolar o qual se ampara em
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um discurso que alia educação e a redução das desigualdades sociais, sem as devidas
considerações no que respeita a compreensão da proposta e os mínimos necessários em
termos de estrutura física, tem trazido para o interior das escolas uma demanda para a
qual nem a escola e nem os professores estão preparados, se configurando em mais
problemas para um sistema já precarizado.
O pano de fundo: considerações sobre o contexto
Para a reflexão apresentada, parte-se do pressuposto que a temática em foco não
pode ser realizada desconsiderando os elementos que fazem parte do contexto sóciopolítico-econômico. Sendo assim, a partir do estudo realizado pode-se afirmar como
característica dos anos de 1990, a implementação de uma política de cunho neoliberal, a
qual provocou, neste períodoi, mudanças em relação ao Estado. Destaca Viriato (2004),
que seu papel de regulador da economia e de condutor das demandas sociais vai sendo
colocado em xeque, tendo em vista o acelerado processo de globalização da economia.
Outro ponto a ser destacado refere-se às críticas de ineficiência do Estado, de que este
não funcionaria devido à sua estrutura sobrecarregada, necessitando, por isso, cortar
seus gastos, bem como os investimentos em políticas públicas de cunho social.
Desencadeou-se um processo no qual as ideias de descentralização e flexibilização das
instituições estatais ganharam espaço. Esse contexto intensificou algumas modificações
na relação entre o Estado e a sociedade civil, legitimando e ampliando a atuação desta
última, que se tornou cada vez mais presente em funções anteriormente delegadas
exclusiva ou predominantemente ao Estado.
Outra marca dos anos de 1990 foi o compromisso assumido pelo Brasil, se
comprometendo, em Jomtien, a construir um Plano Nacional de Educação que
contemplasse, entre outros aspectos, a qualidade da educação básica e a inclusão social
com vistas à redução das desigualdades. Assim, a partir dos anos de 1990 discursos que
aliam educação e inclusão social passam a fazer parte da agenda tanto de organismos
internacionais, quanto de governos locais na tentativa de combater a pobreza e a
exclusão. Campos (2003) amparada nas análises de Fitoussi e Rosanvallon (1997)
afirma que há um deslocamento do foco da problematização da desigualdade social:
“passou-se de uma análise global do sistema (em termos de exploração, repartição, etc.)
para um enfoque centrado no segmento mais vulnerável da população, os chamados
excluídos”. (CAMPOS, 2003, p. 184). Nesse sentido, a luta contra a exclusão
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simplificou a compreensão da dinâmica social, pois se omite o fato de que esse
fenômeno resulta de um processo em que “[...] o aparente radicalismo esconde o retorno
a uma visão mais retrógrada do social como remédio para as consequências mais
escandalosas do econômico.” (FITOUSSI; ROSANVALLON, apud CAMPOS, 2003, p.
184).
Para Campos (2003) o sentido da exclusão é tensionado pelo contraste com a
inclusão social. No caso da educação, conforme destaca a autora, o processo de
exclusão guarda significado especial, pois ao mesmo tempo em que:
[....] a escola de massa afirma a igualdade de todos, ela é
meritocrática, reforçando a crença no sujeito da modernidade como
„autor de si mesmo‟ [...] ou seja, há uma responsabilização dos
excluídos pela sua situação. (CAMPOS, 2003, p. 186).
O discurso de responsabilização dos sujeitos e da educação como possibilidade
para “erradicar” a pobreza - em alguns momentos – e “amenizar” a pobreza em outros –
encontra respaldo na literatura produzida e divulgada pelos organismos internacionais.
Antes dos anos de 1990 o discurso era embasado por um viés economicista, e, pós 1990,
ganha um viés humanitário em busca de um consenso. Para Shiroma e Evangelista
(2004, p. 01): a fabricação de um consenso pode ser afirmada pela forma como essas
agências apresentam seus discursos:
[...] enfatizam-se conceitos como justiça, equidade, coesão
social, inclusão, empowerment, oportunidade e segurança, todos
articulados pela idéia de que o que faz sobreviver uma sociedade
são os laços de “solidariedade” que se vão construindo entre os
indivíduos.
Assim, a proposição destas agências é a de que a própria sociedade poderá, por
meio da solidariedade, solucionar os problemas relacionados à pobreza, a exclusão e a
violência, a partir da formulação de orientações e propostas para o campo da educação.
Além da UNESCO, para outras agências internacionais como o Banco Mundial,
a educação ganha destaque em se tratando dos encaminhamentos e formas de lidar com
as diferentes questões – sejam elas relativas à ordem econômica ou referente ao
desenvolvimento da cidadania. O trabalho é outro ponto importante a ser destacado,
visto que, na perspectiva dos organismos internacionais, o trabalho – que é o recurso da
população pobre, pode ser potencializado pela educação, discurso este que perpassa
encaminhamentos e políticas de países em desenvolvimento. Esse é um papel a ser
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ocupado com a proposta de educação ao longo da vida ou educação permanente, tão
presente nas publicações da UNESCO. Para o Banco Mundial:
Melhorar a educação, a saúde é um modo de lidar
diretamente com as conseqüências da pobreza. Mas são muitos os
indícios de que o investimento em capital humano, sobretudo no
campo da educação, ataca também as causas mais importantes da
pobreza, e é portanto parte essencial de qualquer estratégia a longo
prazo que vise a diminuí-la. (BANCO MUNDIAL, 1990, p. 78).
Para o Banco Mundial, o ataque a pobreza dependeria do desenvolvimento de
“oportunidades”, “autonomia” e “segurança” para os pobres. Shiroma e Evangelista
(2004) em suas análises afirmam que o discurso que relaciona educação e combate à
pobreza, busca se concretizar por diferentes formas, como, por exemplo, pelas vias da
empregabilidade, da educação da menina e da política de inclusão, mobilizando a
denominada cidadania ativa.
Para Campos (2003) as intersecções entre as políticas assistenciais voltadas para
os segmentos mais pobres e as políticas educacionais são indicadores dessa convivência
pouco clara entre as diferentes lógicas dos diversos setores sociais sendo que “As pontas
do sistema educacional são territórios relegados pelos órgãos educacionais e assumidos
pela assistência social através de programas focalizados nos segmentos mais pobres da
população.” (p. 186).
A convivência entre as políticas assistenciais e as políticas educacionais a
tempos estão presentes no interior do sistema de ensino brasileiro. Se antes a
convivência e a relação entre ambas era clara, chama-se a atenção para o fato de que,
neste momento, elas estão se dando como se fossem a mesma coisa, ou seja, não há uma
separação entre o educacional e o assistencial, correndo-se o risco de deteriorar ainda
mais o sistema educacional. Não estamos com isso negando a possibilidade do trabalho
em rede ou de ações intersetoriais. Questiona-se apenas o fato da ausência de uma
proposta que dê conta de solucionar os problemas relativos a cada uma das duas
dimensões, sem que, com isso, o sistema educacional seja prejudicado no que respeita o
cumprimento de seus objetivos.
Ações intersetoriais e educação integral: um olhar assistencial sobre a educação?
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Sobre essa questão temos, na atualidade, um conjunto de ações (programas) que
vêm sendo colocados em prática com o objetivo de extensão do tempo de crianças e
adolescentes na escola. Entre esses projetos destaca-se o Programa Mais Educaçãoii:
Trata-se da construção de uma ação intersetorial entre as
políticas públicas educacionais e sociais, contribuindo, desse modo,
tanto para a diminuição das desigualdades educacionais, quanto para
a valorização da diversidade cultural brasileira. (BRASIL, 2009a, p.
05).
As ações intersetoriais compreendem as ações empreendidas pelos Ministérios
da Educação – MEC; da Cultura – MINC; do Esporte – ME; do Meio Ambiente –
MMA; do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS; da Ciência e da
Tecnologia – MTC; e da Secretaria Nacional de Juventude e da Assessoria Especial da
Presidência da República. As ações intersetoriais promovem a ampliação de tempos,
espaços, oportunidades educativas e “[...] e o compartilhamento da tarefa de educar
entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores
sociais, sob a coordenação das escolas e dos professores.” (BRASIL, 2009a, p. 05).
Entre as ações intersetoriais encontra-se o Programa Mais Educação, o qual se
configura entre uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educaçãoiii (PDE) e
que possibilita a jornada ampliadaiv em escolas públicas de ensino fundamental
localizadas em regiões metropolitanas.
De acordo com o documento (BRASIL, 2009a, p. 05) a Educação Integral
associada ao processo de escolarização pressupõe “[...] a aprendizagem conectada a vida
e ao universo de interesse e de possibilidades das crianças, adolescentes e jovens”. O
Programa Mais Educaçãov evoca como princípio que:
O ideal da Educação Integral traduz a compreensão do
direito de aprender como inerente ao direito à vida, à saúde, à
liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e
comunitária e como condição para o próprio desenvolvimento de
uma sociedade republicana e democrática. Por meio da educação
Integral, se reconhece as múltiplas dimensões do ser humano e a
peculiaridade do desenvolvimento de crianças, adolescentes e
jovens. (BRASIL, 2009a, p. 05).
Trata-se de um programa que visa proporcionar educação integral em tempo
integral, aumentando os espaços e as oportunidades de aprendizagem e tem como
objetivo otimizar as ações e os investimentos já existentes no país, para que
complementem a formação escolar com uma visão integradora do ensino. Embora o
próprio documento indique que o ideal da educação integral está presente na legislação
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educacional brasileiravi, o mesmo assim expressa: “O Programa Mais Educação atende,
prioritariamente, às escolas de baixo IDEB, situadas nas capitais, regiões metropolitanas
e territórios marcados por situações de vulnerabilidade social, que requerem a
convergência prioritária de políticas públicas.” (BRASIL, 2009a, p. 6, grifos nossos).
Em linhas gerais o programa visa atender às escolas em piores condições sejam
estas relativas ao atendimento à demanda de uma população economicamente pobre,
situadas em periferias, seja em termos relativos à baixa qualidade da educação,
avaliadas, tendo como parâmetro, o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica).
Em relação à forma como o programa funciona, destaca-se que o mesmo é
operacionalizado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
(SECAD), em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB). O programa é
financiado por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) do Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para as escolas e regiões
prioritárias. No entanto, explicita o documento que as escolas que “quiserem” promover
a Educação Integral sem o apoio financeiro do Programa Mais Educação também
poderão fazê-lo, podendo contar com o apoio dos governos municipais e estaduais.
Destaca o documento que nos casos em que as próprias secretarias não dispõem de
recursos
financeiros
“[...]
a
escola
poderá
ofertar
atividades
educacionais
complementares, selecionadas dentre as atividades sugeridas pelo Programa Mais
Educação e adaptadas às condições reais da escola”. (BRASIL, 2009b, p. 15).
O programa ignora as condições reais da escola ao explicitar que “O espaço
físico da escola não é determinante para a oferta da Educação Integral”. (BRASIL,
2009a, p. 16), explicitando que o reconhecimento da falta de espaço não pode
“desmobilizar”, visto que “O mapeamento de espaços, tempos e oportunidades é tarefa
que deve ser feita com as famílias, os vizinhos, enfim, toda a comunidade.” (BRASIL,
2009, p. 16). O documento também apresenta algumas sugestões de como a escola
poderá “mapear” espaços para o desenvolvimento das atividades complementares seja
na própria escola, na comunidade como em outros espaços. Outra questão pertinente a
ser destacada é a chamada a sociedade civil para a participação no desenvolvimento das
ações, sob diferentes formas, em especial por meio das parcerias.
O Plano Nacional de Educação (PNE- 2011/2020) vem reforçar a ideia de
necessidade da ampliação do tempo escolar, ao estabelecer como uma de suas metas
“Oferecer Educação em tempo Integral em 50% das escolas públicas de educação
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básica”. (BRASIL, 2010). Educação Integral e Educação em tempo integral vêm sendo
utilizados como sinônimos indistintamente, como se ambos os termos tivessem o
mesmo significado, quando na realidade não têm. Portanto, embora este não seja o foco
da discussão, fica o alerta sobre a necessidade de buscar uma compreensão referente a
distinção entre os termos, uma vez que cada um pode levar a um projeto de educação
diferenciado.
Quanto às atividades a serem ofertadas pelas escolas com vistas ao alcance dos
objetivos propostos pelo Programa Mais Educação, cabe destacar que a ampliação do
tempo escolar requer, como indica o programa, a adoção de atividades complementares.
Por atividade complementar a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação, indica que:
São atividades de livre escolha da escola, que se enquadram
como complementares ao currículo obrigatório, tais como:
atividades recreativas, artesanais, artísticas, de esporte, lazer,
culturais, de acompanhamento e reforço escolar, aulas de
informática, educação para a cidadania e direitos humanos, entre
outras atividades. (BRASIL, 2009b, p. 01).
As atividades complementares desenvolvidas têm como foco a melhoria da
aprendizagem dos alunos, a melhoria no rendimento escolar e na qualidade da educação,
bem como visam impactos relacionados a mudanças de comportamento e auto-estima
dos alunos.
Considerando que as atividades complementares não necessariamente deverão se
configurar como uma atividade regular presente no currículo, fica o questionamento
referente à sua efetividade em termos de sua organização, desenvolvimento e do alcance
de seus objetivos. Outro questionamento diz respeito à ampliação da jornada escolar, ou
seja, em que medida a ampliação da jornada está relacionado a uma maior qualidade da
educação básica ofertada pelas escolas públicas? Ou seja, em que medida as atividades
socioeducativas poderão auxiliar ou fortalecer o trabalho pedagógico já desenvolvido
pela escola, considerando que o foco do trabalho são alunos que apresentam defasagem
idade-série, alunos de anos em que são identificados índices de evasão e/ou repetência?
A escola básica atual não tem se mostrado atraente para seus freqüentadores e,
ao contrário, mostra-se além de não atraente, ineficiente em sua função de ensinar o
básico, assim, o questionamento feito no que diz respeito a ampliação do tempo/jornada
escolar, visto que aquilo que já não tem tido significado para os sujeitos que a
freqüentam, poderá ser estendido.
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Uma pesquisa realizada por um grupo formado por professores de diferentes
universidades brasileiras apresentou um relatóriovii contendo resultados de um estudo
quantitativo referente a experiências de ampliação da jornada escolar em curso nas
diferentes regiões brasileiras. Entre outros objetivos, a pesquisa visava subsidiar a
proposição de políticas públicas voltadas para a implementação de educação integral,
em nível nacional. Em relação ao panorama das experiências mapeadas, o relatório
indica que:
[a] desigualdade na distribuição das experiências entre as
regiões brasileiras, verificando-se índices muito baixos de
implementação – tomando por base os municípios respondentes –
nas regiões Norte e Centro-Oeste. Além disso, verificam-se ainda
desigualdades entre os estados de uma mesma região, inclusive
naquelas com maiores índices de implementação – Sudeste,
Nordeste e Sul. (BRASIL, 2009c, p. 126).
A explicação ao dado encontrado sugere a diversidade regional, apontando que:
Certamente, essa desigualdade só pode ser compreendida a
partir da análise das diversidades regionais brasileiras. Cabe indagar
não só pelas condições de implementação, mas também pelos
significados da ampliação da jornada escolar, em diferentes
contextos – escolas urbanas e rurais, localizadas em grandes
metrópoles ou em pequenas cidades, na Amazônia ou em áreas de
colônias imigrantes do Sul do Brasil. (BRASIL, 2009c, p. 126).
Destaca-se nesse estudo (embora não tenha sido seu objetivo) a ausência da
apresentação de aspectos sócio-político-econômicos pertinentes as regiões mapeadas, as
quais, em nosso entendimento, se configuram como um diferencial para a compreensão
dos resultados encontrados, bem como poderiam se configurar como subsídios para
proposição de políticas públicas referentes à educação integral em âmbito nacional.
Apontamentos e reflexões
O estudo em questão não teve a pretensão de um aprofundamento sobre a
educação integral, uma vez que se trata de uma discussão inicial com vistas ao alcance
de uma aproximação com o tema. Considera-se pertinente destacar que embora a
ampliação da jornada escolar já venha acontecendo com maior ou menor intensidade em
algumas regiões brasileiras, muito deverá ser pensado e discutido a fim de que seus
objetivos alcancem efetividade. Entendemos que a proposta que relaciona educação e
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redução das desigualdades sociais está em conformidade com os encaminhamentos
dados pelos organismos internacionais aos países em desenvolvimento.
A nosso ver a efetivação do Programa Mais Educação deveria ter sido
antecipado por um estudo por regiões que indicasse, de fato, as condições reais para a
implementação do programa com o objetivo de justificar a necessidade de sua
implementação, bem como identificar as reais condições para sua concretização.
Em nossa compreensão, imprimiu-se a proposta de ampliação do tempo escolar
uma nefasta relação entre educação e redução das desigualdades sociais, a qual, nesse
breve estudo, mesmo correndo o risco de uma análise apressada, parcial e, portanto
equivocada, a nosso ver, pouco implicará em termos da qualidade esperada seja em
relação ao processo de aprendizagem do aluno, seja em relação a sua permanência na
escola e consequentemente, ao alcance de seu sucesso escolar, visto que o programa
pode contribuir ainda mais com a naturalização de problemas tanto do campo
educacional quanto social.
Entendemos que há a necessidade de esclarecimento entre termos como
educação integral e educação em tempo integral, visto que ambos vêm sendo utilizados
de forma indistinta, quando trata-se de questões diferenciadas. Nesse sentido, acreditase que esta deveria ter sido feita uma discussão de fundo, anterior a implementação do
programa, ou seja, o que estamos indicando aqui é que não foi feita uma discussão
conceitual nas escolas a fim de que essas pudessem manifestar sua compreensão e
entendimento acerca de sua compreensão sobre educação integral, bem como sobre a
ampliação da jornada escolar, visto que isso implica em termos de reorganização e
mudanças tanto no que respeita a sua estrutura quanto no que respeita ao tempo de
alunos e professores que estão/estarão envolvidos.
Se em tempos ainda recentes o sistema educacional brasileiro estava servindo
como suporte às políticas assistenciais, na perspectiva ora apresentada, este passa a ser o
foco da materialização e concretude de tais políticas que, sob o jugo de uma política
intersetorial, apresenta uma proposta que se constitui não apenas enquanto suporte para
as políticas assistenciais, mas que, mascaradas sob o rótulo de ações intersetoriais,
reforça ainda mais o olhar assistencial para a política educacional em curso, sendo que,
acredita-se que esse princípio não é o que deveria pautar a educação integral.
Diante do estudo e dos apontamentos realizados, resta-nos mais indagações do
que respostas acerca da implementação do programa de educação integral. Entre esses,
questiona-se a existência de critérios para a definição de quais atividades
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complementares serão assumidas pela escola, bem como se as atividades selecionadas
estão em consonância com o tipo de formação estabelecido no projeto político
pedagógico da escola. Se há espaço físico que comporte o aumento do número de
alunos nos turnos - mesmo diante da possibilidade de utilização de espaços da
comunidade - sabe-se que em alguns momentos os alunos estarão ocupando o espaço ao
mesmo tempo. A longo prazo, também se questiona quais seriam os impactos desse
programa na escola. No que respeita a educação e as políticas de combate à pobreza,
qual seria o alcance das ações intersetoriais propostos no Programa Mais Educação e
seus reflexos na gestão da escola? É possível com a jornada ampliada (e por meio de
atividades complementares) favorecer o desempenho escolar do aluno e diminuir os
índices de evasão e repetência? Por fim, cabe também questionar qual o impacto das
ações intersetoriais e sua capacidade de redução das desigualdades sociais no contexto
brasileiro. Tais indagações impõem a necessidades de novos e aprofundados estudos,
visto tratar-se de questões fundamentais para o estabelecimento de políticas para a
educação básica.
REFERÊNCIAS
BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial. A pobreza.
Washington, D. C. : Banco Mundial, 1990.
BRANDÃO, Zaia. Escola de tempo integral e cidadania. In: MAURÍCIO, Lúcia
Velloso (org.). Educação integral e tempo integral. Em Aberto/ Instituto Nacional de
Estudos
e
Pesquisas
Educacionais
Anísio
Teixeira,
2009.
HTTP://www.emaberto.inep.gov.br
BRASIL. Portaria Normativa Interministerial n° 17, de 24 de abril de 2007. Institui o
Programa Mais Educação que visa fomentar a educação integral de crianças,
adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno
escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2007.
_______ Programa Mais Educação: passo a passo. Brasília, DF: Ministério da
Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009a.
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_______ Programa Mais Educação e o Senso Escolar: orientações para as escolas.
Brasília, DF: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade, 2009b.
_______ Plano de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF, 2007.
______ Plano Nacional de Educação. Brasília, DF, novembro/2010.
______ Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e
práticas na educação brasileira Mapeamento das experiências de jornada escolar
ampliada no Brasil, Brasília, MEC, 2009c.
CAMPOS, Maria Malta. Educação e políticas de combate à pobreza. Trabalho
apresentado na 26 Reunião anual da ANPED, Poços de Caldas, Minas Gerais – 05 a 08
de outubro de 2003.
SHIROMA, Eneida Oto; Evangelista, Olinda; O combate à pobreza nas políticas
educativas do séc. xxi. viii Congresso Luso-afro-brasileiro de Ciências Sociais.
Coimbra, set. 2004.
VIRIATO, Edaguimar Orquizas. Estado, política educacional e o terceiro setor. I
Congresso Internacional de Educação e Desenvolvimento Humano, Maringá, PR, 2004.
i
Ressalta-se que essas ocorrências não se dão em período de tempo fechado, ou seja, acorrem em um
processo que pode demandar menor ou maior tempo, de acordo com o contexto histórico-econômico e
social. Nesse sentido, é possível destacar as experiências que foram implantadas em 1979 (Inglaterra) e
em 1980 (Estados Unidos).
ii
Programa instituído pela Portaria Interministerial n. 17/2007, integra as ações do Plano de
Desenvolvimento da Educação (PDE), como estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da
jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral.
iii
Destaca-se que: “O PDE condiciona a assistência técnica e financeira às instâncias subnacionais à
assinatura do plano de metas Compromisso Todos pela Educação (Lei nº 6.094/2007). Após a adesão ao
Compromisso, os municípios devem elaborar o Plano de Ações Articuladas (PAR). Elaborado para o
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período de quatro anos, o PAR constitui-se no planejamento da política educacional do município, que
tem por referência o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes,
algumas delas voltadas para a educação integral e/ou para o tempo integral (nesse sentido, entre outros,
citamos os incisos IV, VIII, XV, XXIV, XXV, XXVI e XXVII, do art. 2º, da Lei nº 6.094/2007)”.
(BRASIL, 2009, p. 126).
iv
Registra-se que experiências de ampliação da jornada escolar são anteriores ao Programa Mais
Educação – sobre esse tema ver BRANDÃO, Zaia. Escola de tempo integral e cidadania escolar, 2009.
v
O Programa Mais Educação é uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o qual
possibilita a jornada ampliada em escolas públicas de ensino fundamental.
vi
[...] e pode ser apreendido em nossa Constituição Federal, nos artigos 205, 206 e 227; no Estatuto da
Criança e do Adolescente (Lei n. 9089/1990); em nossa Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9394/1996), nos
artigos 34 e 87; no Plano Nacional de Educação (Lei n. 10.179/2001/2001) e no Fundo Nacional de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Lei n.
11.494/2007). (BRASIL, 2009b, p. 127).
vii
Este relatório tem o objetivo de apresentar os principais resultados da pesquisa “Educação
integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira”,
desenvolvida por um grupo de universidades públicas federais a partir de solicitação da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do Ministério da Educação (SECAD/MEC), por
meio de sua Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania (DEIDHUC). (BRASIL,
2009c, p. 05).
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