XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 POLÍTICA EDUCACIONAL E EDUCAÇÃO INTEGRAL: APONTAMENTOS E REFLEXÕES Ana Lucia Ferreira da Silva Doutoranda em educação pela Universidade de São Paulo/USP RESUMO Este trabalho apresenta resultados parciais de pesquisa cujo tema é a educação integral. O objetivo é apresentar uma reflexão acerca das políticas para a educação básica e a ampliação do tempo escolar tendo como referência o Programa Mais Educação, por meio de um estudo bibliográfico. O estudo foi realizado de forma a apresentar um panorama do contexto sócio-político-econômico em que esse programa foi pensado e implementado. A fim de situar e contextualizar a discussão, foi realizada um estudo mais aprofundado tendo como referência para análise a Portaria Normativa Interministerial n° 17, de 24 de abril de 2007, a qual instituiu o Programa Mais Educação e documentos pertinentes à implantação dessa portaria, entre autores que nos forneceram subsídios teóricos para a análise. Explicitar e problematizar equívocos referentes à educação integral e a ampliação do tempo escolar também é objetivo desse estudo, uma vez que, é possível afirmar, que os próprios documentos têm apresentado os termos “ampliação da jornada escolar”, “ampliação do tempo escolar”, “educação em tempo integral” e “educação integral” de forma indistinta. Sobre sua implementação, esta tem priorizado o atendimento às escolas em piores condições sejam estas relativas ao atendimento à demanda de uma população economicamente pobre, situadas em periferias, seja em termos relativos à baixa qualidade da educação, avaliadas tendo como parâmetro, o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Diante do exposto, parte-se do pressuposto de que a proposição adotada referente à ampliação da jornada escolar tem como eixo norteador um discurso que alia educação e a redução das desigualdades sociais. Palavras-chave: Política Educacional; Educação Básica; Educação Integral; Programa Mais Educação. Introdução O objetivo do texto é apresentar uma reflexão sobre as políticas para a educação básica e a ampliação do tempo escolar, tendo como base o Programa Mais Educação. A problematização do estudo se situa em expor equívocos conceituais referentes à educação integral e a ampliação do tempo/jornada escolar. Parte do princípio de que a implementação de um programa de ampliação da jornada escolar o qual se ampara em Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001502 1 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 um discurso que alia educação e a redução das desigualdades sociais, sem as devidas considerações no que respeita a compreensão da proposta e os mínimos necessários em termos de estrutura física, tem trazido para o interior das escolas uma demanda para a qual nem a escola e nem os professores estão preparados, se configurando em mais problemas para um sistema já precarizado. O pano de fundo: considerações sobre o contexto Para a reflexão apresentada, parte-se do pressuposto que a temática em foco não pode ser realizada desconsiderando os elementos que fazem parte do contexto sóciopolítico-econômico. Sendo assim, a partir do estudo realizado pode-se afirmar como característica dos anos de 1990, a implementação de uma política de cunho neoliberal, a qual provocou, neste períodoi, mudanças em relação ao Estado. Destaca Viriato (2004), que seu papel de regulador da economia e de condutor das demandas sociais vai sendo colocado em xeque, tendo em vista o acelerado processo de globalização da economia. Outro ponto a ser destacado refere-se às críticas de ineficiência do Estado, de que este não funcionaria devido à sua estrutura sobrecarregada, necessitando, por isso, cortar seus gastos, bem como os investimentos em políticas públicas de cunho social. Desencadeou-se um processo no qual as ideias de descentralização e flexibilização das instituições estatais ganharam espaço. Esse contexto intensificou algumas modificações na relação entre o Estado e a sociedade civil, legitimando e ampliando a atuação desta última, que se tornou cada vez mais presente em funções anteriormente delegadas exclusiva ou predominantemente ao Estado. Outra marca dos anos de 1990 foi o compromisso assumido pelo Brasil, se comprometendo, em Jomtien, a construir um Plano Nacional de Educação que contemplasse, entre outros aspectos, a qualidade da educação básica e a inclusão social com vistas à redução das desigualdades. Assim, a partir dos anos de 1990 discursos que aliam educação e inclusão social passam a fazer parte da agenda tanto de organismos internacionais, quanto de governos locais na tentativa de combater a pobreza e a exclusão. Campos (2003) amparada nas análises de Fitoussi e Rosanvallon (1997) afirma que há um deslocamento do foco da problematização da desigualdade social: “passou-se de uma análise global do sistema (em termos de exploração, repartição, etc.) para um enfoque centrado no segmento mais vulnerável da população, os chamados excluídos”. (CAMPOS, 2003, p. 184). Nesse sentido, a luta contra a exclusão Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001503 2 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 simplificou a compreensão da dinâmica social, pois se omite o fato de que esse fenômeno resulta de um processo em que “[...] o aparente radicalismo esconde o retorno a uma visão mais retrógrada do social como remédio para as consequências mais escandalosas do econômico.” (FITOUSSI; ROSANVALLON, apud CAMPOS, 2003, p. 184). Para Campos (2003) o sentido da exclusão é tensionado pelo contraste com a inclusão social. No caso da educação, conforme destaca a autora, o processo de exclusão guarda significado especial, pois ao mesmo tempo em que: [....] a escola de massa afirma a igualdade de todos, ela é meritocrática, reforçando a crença no sujeito da modernidade como „autor de si mesmo‟ [...] ou seja, há uma responsabilização dos excluídos pela sua situação. (CAMPOS, 2003, p. 186). O discurso de responsabilização dos sujeitos e da educação como possibilidade para “erradicar” a pobreza - em alguns momentos – e “amenizar” a pobreza em outros – encontra respaldo na literatura produzida e divulgada pelos organismos internacionais. Antes dos anos de 1990 o discurso era embasado por um viés economicista, e, pós 1990, ganha um viés humanitário em busca de um consenso. Para Shiroma e Evangelista (2004, p. 01): a fabricação de um consenso pode ser afirmada pela forma como essas agências apresentam seus discursos: [...] enfatizam-se conceitos como justiça, equidade, coesão social, inclusão, empowerment, oportunidade e segurança, todos articulados pela idéia de que o que faz sobreviver uma sociedade são os laços de “solidariedade” que se vão construindo entre os indivíduos. Assim, a proposição destas agências é a de que a própria sociedade poderá, por meio da solidariedade, solucionar os problemas relacionados à pobreza, a exclusão e a violência, a partir da formulação de orientações e propostas para o campo da educação. Além da UNESCO, para outras agências internacionais como o Banco Mundial, a educação ganha destaque em se tratando dos encaminhamentos e formas de lidar com as diferentes questões – sejam elas relativas à ordem econômica ou referente ao desenvolvimento da cidadania. O trabalho é outro ponto importante a ser destacado, visto que, na perspectiva dos organismos internacionais, o trabalho – que é o recurso da população pobre, pode ser potencializado pela educação, discurso este que perpassa encaminhamentos e políticas de países em desenvolvimento. Esse é um papel a ser Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001504 3 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 ocupado com a proposta de educação ao longo da vida ou educação permanente, tão presente nas publicações da UNESCO. Para o Banco Mundial: Melhorar a educação, a saúde é um modo de lidar diretamente com as conseqüências da pobreza. Mas são muitos os indícios de que o investimento em capital humano, sobretudo no campo da educação, ataca também as causas mais importantes da pobreza, e é portanto parte essencial de qualquer estratégia a longo prazo que vise a diminuí-la. (BANCO MUNDIAL, 1990, p. 78). Para o Banco Mundial, o ataque a pobreza dependeria do desenvolvimento de “oportunidades”, “autonomia” e “segurança” para os pobres. Shiroma e Evangelista (2004) em suas análises afirmam que o discurso que relaciona educação e combate à pobreza, busca se concretizar por diferentes formas, como, por exemplo, pelas vias da empregabilidade, da educação da menina e da política de inclusão, mobilizando a denominada cidadania ativa. Para Campos (2003) as intersecções entre as políticas assistenciais voltadas para os segmentos mais pobres e as políticas educacionais são indicadores dessa convivência pouco clara entre as diferentes lógicas dos diversos setores sociais sendo que “As pontas do sistema educacional são territórios relegados pelos órgãos educacionais e assumidos pela assistência social através de programas focalizados nos segmentos mais pobres da população.” (p. 186). A convivência entre as políticas assistenciais e as políticas educacionais a tempos estão presentes no interior do sistema de ensino brasileiro. Se antes a convivência e a relação entre ambas era clara, chama-se a atenção para o fato de que, neste momento, elas estão se dando como se fossem a mesma coisa, ou seja, não há uma separação entre o educacional e o assistencial, correndo-se o risco de deteriorar ainda mais o sistema educacional. Não estamos com isso negando a possibilidade do trabalho em rede ou de ações intersetoriais. Questiona-se apenas o fato da ausência de uma proposta que dê conta de solucionar os problemas relativos a cada uma das duas dimensões, sem que, com isso, o sistema educacional seja prejudicado no que respeita o cumprimento de seus objetivos. Ações intersetoriais e educação integral: um olhar assistencial sobre a educação? Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001505 4 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Sobre essa questão temos, na atualidade, um conjunto de ações (programas) que vêm sendo colocados em prática com o objetivo de extensão do tempo de crianças e adolescentes na escola. Entre esses projetos destaca-se o Programa Mais Educaçãoii: Trata-se da construção de uma ação intersetorial entre as políticas públicas educacionais e sociais, contribuindo, desse modo, tanto para a diminuição das desigualdades educacionais, quanto para a valorização da diversidade cultural brasileira. (BRASIL, 2009a, p. 05). As ações intersetoriais compreendem as ações empreendidas pelos Ministérios da Educação – MEC; da Cultura – MINC; do Esporte – ME; do Meio Ambiente – MMA; do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS; da Ciência e da Tecnologia – MTC; e da Secretaria Nacional de Juventude e da Assessoria Especial da Presidência da República. As ações intersetoriais promovem a ampliação de tempos, espaços, oportunidades educativas e “[...] e o compartilhamento da tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores sociais, sob a coordenação das escolas e dos professores.” (BRASIL, 2009a, p. 05). Entre as ações intersetoriais encontra-se o Programa Mais Educação, o qual se configura entre uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educaçãoiii (PDE) e que possibilita a jornada ampliadaiv em escolas públicas de ensino fundamental localizadas em regiões metropolitanas. De acordo com o documento (BRASIL, 2009a, p. 05) a Educação Integral associada ao processo de escolarização pressupõe “[...] a aprendizagem conectada a vida e ao universo de interesse e de possibilidades das crianças, adolescentes e jovens”. O Programa Mais Educaçãov evoca como princípio que: O ideal da Educação Integral traduz a compreensão do direito de aprender como inerente ao direito à vida, à saúde, à liberdade, ao respeito, à dignidade e à convivência familiar e comunitária e como condição para o próprio desenvolvimento de uma sociedade republicana e democrática. Por meio da educação Integral, se reconhece as múltiplas dimensões do ser humano e a peculiaridade do desenvolvimento de crianças, adolescentes e jovens. (BRASIL, 2009a, p. 05). Trata-se de um programa que visa proporcionar educação integral em tempo integral, aumentando os espaços e as oportunidades de aprendizagem e tem como objetivo otimizar as ações e os investimentos já existentes no país, para que complementem a formação escolar com uma visão integradora do ensino. Embora o próprio documento indique que o ideal da educação integral está presente na legislação Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001506 5 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 educacional brasileiravi, o mesmo assim expressa: “O Programa Mais Educação atende, prioritariamente, às escolas de baixo IDEB, situadas nas capitais, regiões metropolitanas e territórios marcados por situações de vulnerabilidade social, que requerem a convergência prioritária de políticas públicas.” (BRASIL, 2009a, p. 6, grifos nossos). Em linhas gerais o programa visa atender às escolas em piores condições sejam estas relativas ao atendimento à demanda de uma população economicamente pobre, situadas em periferias, seja em termos relativos à baixa qualidade da educação, avaliadas, tendo como parâmetro, o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica). Em relação à forma como o programa funciona, destaca-se que o mesmo é operacionalizado pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em parceria com a Secretaria de Educação Básica (SEB). O programa é financiado por meio do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para as escolas e regiões prioritárias. No entanto, explicita o documento que as escolas que “quiserem” promover a Educação Integral sem o apoio financeiro do Programa Mais Educação também poderão fazê-lo, podendo contar com o apoio dos governos municipais e estaduais. Destaca o documento que nos casos em que as próprias secretarias não dispõem de recursos financeiros “[...] a escola poderá ofertar atividades educacionais complementares, selecionadas dentre as atividades sugeridas pelo Programa Mais Educação e adaptadas às condições reais da escola”. (BRASIL, 2009b, p. 15). O programa ignora as condições reais da escola ao explicitar que “O espaço físico da escola não é determinante para a oferta da Educação Integral”. (BRASIL, 2009a, p. 16), explicitando que o reconhecimento da falta de espaço não pode “desmobilizar”, visto que “O mapeamento de espaços, tempos e oportunidades é tarefa que deve ser feita com as famílias, os vizinhos, enfim, toda a comunidade.” (BRASIL, 2009, p. 16). O documento também apresenta algumas sugestões de como a escola poderá “mapear” espaços para o desenvolvimento das atividades complementares seja na própria escola, na comunidade como em outros espaços. Outra questão pertinente a ser destacada é a chamada a sociedade civil para a participação no desenvolvimento das ações, sob diferentes formas, em especial por meio das parcerias. O Plano Nacional de Educação (PNE- 2011/2020) vem reforçar a ideia de necessidade da ampliação do tempo escolar, ao estabelecer como uma de suas metas “Oferecer Educação em tempo Integral em 50% das escolas públicas de educação Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001507 6 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 básica”. (BRASIL, 2010). Educação Integral e Educação em tempo integral vêm sendo utilizados como sinônimos indistintamente, como se ambos os termos tivessem o mesmo significado, quando na realidade não têm. Portanto, embora este não seja o foco da discussão, fica o alerta sobre a necessidade de buscar uma compreensão referente a distinção entre os termos, uma vez que cada um pode levar a um projeto de educação diferenciado. Quanto às atividades a serem ofertadas pelas escolas com vistas ao alcance dos objetivos propostos pelo Programa Mais Educação, cabe destacar que a ampliação do tempo escolar requer, como indica o programa, a adoção de atividades complementares. Por atividade complementar a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) do Ministério da Educação, indica que: São atividades de livre escolha da escola, que se enquadram como complementares ao currículo obrigatório, tais como: atividades recreativas, artesanais, artísticas, de esporte, lazer, culturais, de acompanhamento e reforço escolar, aulas de informática, educação para a cidadania e direitos humanos, entre outras atividades. (BRASIL, 2009b, p. 01). As atividades complementares desenvolvidas têm como foco a melhoria da aprendizagem dos alunos, a melhoria no rendimento escolar e na qualidade da educação, bem como visam impactos relacionados a mudanças de comportamento e auto-estima dos alunos. Considerando que as atividades complementares não necessariamente deverão se configurar como uma atividade regular presente no currículo, fica o questionamento referente à sua efetividade em termos de sua organização, desenvolvimento e do alcance de seus objetivos. Outro questionamento diz respeito à ampliação da jornada escolar, ou seja, em que medida a ampliação da jornada está relacionado a uma maior qualidade da educação básica ofertada pelas escolas públicas? Ou seja, em que medida as atividades socioeducativas poderão auxiliar ou fortalecer o trabalho pedagógico já desenvolvido pela escola, considerando que o foco do trabalho são alunos que apresentam defasagem idade-série, alunos de anos em que são identificados índices de evasão e/ou repetência? A escola básica atual não tem se mostrado atraente para seus freqüentadores e, ao contrário, mostra-se além de não atraente, ineficiente em sua função de ensinar o básico, assim, o questionamento feito no que diz respeito a ampliação do tempo/jornada escolar, visto que aquilo que já não tem tido significado para os sujeitos que a freqüentam, poderá ser estendido. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001508 7 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Uma pesquisa realizada por um grupo formado por professores de diferentes universidades brasileiras apresentou um relatóriovii contendo resultados de um estudo quantitativo referente a experiências de ampliação da jornada escolar em curso nas diferentes regiões brasileiras. Entre outros objetivos, a pesquisa visava subsidiar a proposição de políticas públicas voltadas para a implementação de educação integral, em nível nacional. Em relação ao panorama das experiências mapeadas, o relatório indica que: [a] desigualdade na distribuição das experiências entre as regiões brasileiras, verificando-se índices muito baixos de implementação – tomando por base os municípios respondentes – nas regiões Norte e Centro-Oeste. Além disso, verificam-se ainda desigualdades entre os estados de uma mesma região, inclusive naquelas com maiores índices de implementação – Sudeste, Nordeste e Sul. (BRASIL, 2009c, p. 126). A explicação ao dado encontrado sugere a diversidade regional, apontando que: Certamente, essa desigualdade só pode ser compreendida a partir da análise das diversidades regionais brasileiras. Cabe indagar não só pelas condições de implementação, mas também pelos significados da ampliação da jornada escolar, em diferentes contextos – escolas urbanas e rurais, localizadas em grandes metrópoles ou em pequenas cidades, na Amazônia ou em áreas de colônias imigrantes do Sul do Brasil. (BRASIL, 2009c, p. 126). Destaca-se nesse estudo (embora não tenha sido seu objetivo) a ausência da apresentação de aspectos sócio-político-econômicos pertinentes as regiões mapeadas, as quais, em nosso entendimento, se configuram como um diferencial para a compreensão dos resultados encontrados, bem como poderiam se configurar como subsídios para proposição de políticas públicas referentes à educação integral em âmbito nacional. Apontamentos e reflexões O estudo em questão não teve a pretensão de um aprofundamento sobre a educação integral, uma vez que se trata de uma discussão inicial com vistas ao alcance de uma aproximação com o tema. Considera-se pertinente destacar que embora a ampliação da jornada escolar já venha acontecendo com maior ou menor intensidade em algumas regiões brasileiras, muito deverá ser pensado e discutido a fim de que seus objetivos alcancem efetividade. Entendemos que a proposta que relaciona educação e Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001509 8 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 redução das desigualdades sociais está em conformidade com os encaminhamentos dados pelos organismos internacionais aos países em desenvolvimento. A nosso ver a efetivação do Programa Mais Educação deveria ter sido antecipado por um estudo por regiões que indicasse, de fato, as condições reais para a implementação do programa com o objetivo de justificar a necessidade de sua implementação, bem como identificar as reais condições para sua concretização. Em nossa compreensão, imprimiu-se a proposta de ampliação do tempo escolar uma nefasta relação entre educação e redução das desigualdades sociais, a qual, nesse breve estudo, mesmo correndo o risco de uma análise apressada, parcial e, portanto equivocada, a nosso ver, pouco implicará em termos da qualidade esperada seja em relação ao processo de aprendizagem do aluno, seja em relação a sua permanência na escola e consequentemente, ao alcance de seu sucesso escolar, visto que o programa pode contribuir ainda mais com a naturalização de problemas tanto do campo educacional quanto social. Entendemos que há a necessidade de esclarecimento entre termos como educação integral e educação em tempo integral, visto que ambos vêm sendo utilizados de forma indistinta, quando trata-se de questões diferenciadas. Nesse sentido, acreditase que esta deveria ter sido feita uma discussão de fundo, anterior a implementação do programa, ou seja, o que estamos indicando aqui é que não foi feita uma discussão conceitual nas escolas a fim de que essas pudessem manifestar sua compreensão e entendimento acerca de sua compreensão sobre educação integral, bem como sobre a ampliação da jornada escolar, visto que isso implica em termos de reorganização e mudanças tanto no que respeita a sua estrutura quanto no que respeita ao tempo de alunos e professores que estão/estarão envolvidos. Se em tempos ainda recentes o sistema educacional brasileiro estava servindo como suporte às políticas assistenciais, na perspectiva ora apresentada, este passa a ser o foco da materialização e concretude de tais políticas que, sob o jugo de uma política intersetorial, apresenta uma proposta que se constitui não apenas enquanto suporte para as políticas assistenciais, mas que, mascaradas sob o rótulo de ações intersetoriais, reforça ainda mais o olhar assistencial para a política educacional em curso, sendo que, acredita-se que esse princípio não é o que deveria pautar a educação integral. Diante do estudo e dos apontamentos realizados, resta-nos mais indagações do que respostas acerca da implementação do programa de educação integral. Entre esses, questiona-se a existência de critérios para a definição de quais atividades Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001510 9 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 complementares serão assumidas pela escola, bem como se as atividades selecionadas estão em consonância com o tipo de formação estabelecido no projeto político pedagógico da escola. Se há espaço físico que comporte o aumento do número de alunos nos turnos - mesmo diante da possibilidade de utilização de espaços da comunidade - sabe-se que em alguns momentos os alunos estarão ocupando o espaço ao mesmo tempo. A longo prazo, também se questiona quais seriam os impactos desse programa na escola. No que respeita a educação e as políticas de combate à pobreza, qual seria o alcance das ações intersetoriais propostos no Programa Mais Educação e seus reflexos na gestão da escola? É possível com a jornada ampliada (e por meio de atividades complementares) favorecer o desempenho escolar do aluno e diminuir os índices de evasão e repetência? Por fim, cabe também questionar qual o impacto das ações intersetoriais e sua capacidade de redução das desigualdades sociais no contexto brasileiro. Tais indagações impõem a necessidades de novos e aprofundados estudos, visto tratar-se de questões fundamentais para o estabelecimento de políticas para a educação básica. REFERÊNCIAS BANCO MUNDIAL. Relatório sobre o desenvolvimento mundial. A pobreza. Washington, D. C. : Banco Mundial, 1990. BRANDÃO, Zaia. Escola de tempo integral e cidadania. In: MAURÍCIO, Lúcia Velloso (org.). Educação integral e tempo integral. Em Aberto/ Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2009. HTTP://www.emaberto.inep.gov.br BRASIL. Portaria Normativa Interministerial n° 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2007. _______ Programa Mais Educação: passo a passo. Brasília, DF: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009a. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001511 10 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 _______ Programa Mais Educação e o Senso Escolar: orientações para as escolas. Brasília, DF: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2009b. _______ Plano de Desenvolvimento da Educação. Brasília, DF, 2007. ______ Plano Nacional de Educação. Brasília, DF, novembro/2010. ______ Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira Mapeamento das experiências de jornada escolar ampliada no Brasil, Brasília, MEC, 2009c. CAMPOS, Maria Malta. Educação e políticas de combate à pobreza. Trabalho apresentado na 26 Reunião anual da ANPED, Poços de Caldas, Minas Gerais – 05 a 08 de outubro de 2003. SHIROMA, Eneida Oto; Evangelista, Olinda; O combate à pobreza nas políticas educativas do séc. xxi. viii Congresso Luso-afro-brasileiro de Ciências Sociais. Coimbra, set. 2004. VIRIATO, Edaguimar Orquizas. Estado, política educacional e o terceiro setor. I Congresso Internacional de Educação e Desenvolvimento Humano, Maringá, PR, 2004. i Ressalta-se que essas ocorrências não se dão em período de tempo fechado, ou seja, acorrem em um processo que pode demandar menor ou maior tempo, de acordo com o contexto histórico-econômico e social. Nesse sentido, é possível destacar as experiências que foram implantadas em 1979 (Inglaterra) e em 1980 (Estados Unidos). ii Programa instituído pela Portaria Interministerial n. 17/2007, integra as ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), como estratégia do Governo Federal para induzir a ampliação da jornada escolar e a organização curricular, na perspectiva da Educação Integral. iii Destaca-se que: “O PDE condiciona a assistência técnica e financeira às instâncias subnacionais à assinatura do plano de metas Compromisso Todos pela Educação (Lei nº 6.094/2007). Após a adesão ao Compromisso, os municípios devem elaborar o Plano de Ações Articuladas (PAR). Elaborado para o Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001512 11 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 período de quatro anos, o PAR constitui-se no planejamento da política educacional do município, que tem por referência o cumprimento das metas do Compromisso e a observância das suas diretrizes, algumas delas voltadas para a educação integral e/ou para o tempo integral (nesse sentido, entre outros, citamos os incisos IV, VIII, XV, XXIV, XXV, XXVI e XXVII, do art. 2º, da Lei nº 6.094/2007)”. (BRASIL, 2009, p. 126). iv Registra-se que experiências de ampliação da jornada escolar são anteriores ao Programa Mais Educação – sobre esse tema ver BRANDÃO, Zaia. Escola de tempo integral e cidadania escolar, 2009. v O Programa Mais Educação é uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), o qual possibilita a jornada ampliada em escolas públicas de ensino fundamental. vi [...] e pode ser apreendido em nossa Constituição Federal, nos artigos 205, 206 e 227; no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 9089/1990); em nossa Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9394/1996), nos artigos 34 e 87; no Plano Nacional de Educação (Lei n. 10.179/2001/2001) e no Fundo Nacional de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Lei n. 11.494/2007). (BRASIL, 2009b, p. 127). vii Este relatório tem o objetivo de apresentar os principais resultados da pesquisa “Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira”, desenvolvida por um grupo de universidades públicas federais a partir de solicitação da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, do Ministério da Educação (SECAD/MEC), por meio de sua Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania (DEIDHUC). (BRASIL, 2009c, p. 05). Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.001513