PARTE I Neurociência Celular Capítulo 6 Os Detectores do Ambiente Receptores Sensoriais e a Transdução: Primeiros Estágios para a Percepção Clique nas setas verdes para avançar/voltar ou ESC para retornar ao menu geral Os receptores sensoriais (assinalados por pontos vermelhos) são células especializadas em captar a energia que provém do ambiente (externo ou interno ao organismo). São também as células primárias dos sistemas sensoriais. Há muitos tipos de mecanorreceptores. Alguns (A) são nociceptores, terminações livres da pele, sensíveis a fortes estímulos mecânicos capazes de provocar lesão dos tecidos. Outros (B) são terminais de fibras mielínicas que se enrodilham em torno dos pelos, detectando os menores movimentos deles. Outros ainda (C) são corpúsculos formados por camadas de tecido conjuntivo em torno da extremidade de fibras sensitivas, capazes de detectar estímulos vibratórios (corpúsculos de Pacini). O artista enfatiza os órgãos receptores. Commedia dell’Arte N. 2, óleo sobre tela de Caulos (1998) Pinturas, L&PM Editores, Brasil. O fuso muscular (A) é um miniórgão receptor sensível a variações do seu comprimento, que podem ser produzidas por pequenos estiramentos do músculo no qual está inserido. Neste experimento (B), um microeletródio é posicionado em uma fibra nervosa do fuso (ela é o receptor sensorial propriamente dito), para registrar os potenciais receptores produzidos a cada estiramento artificialmente provocado. Os estiramentos estão representados pelas curvas de baixo e os potenciais receptores, pelas de cima. Observa-se que a amplitude do potencial é proporcional à magnitude do estiramento correspondente. A duração do estímulo e da resposta não é representada de forma adequada, porque o gráfico é interrompido em 20 ms. C mostra a passagem de corrente iônica através de canais iônicos isolados na membrana do receptor, quando este é submetido a estímulos mecânicos (barras cinzas) de magnitudes indicadas sobre cada traçado. A. A transdução e a codificação podem ser estudadas em um receptor variando os parâmetros do estímulo aplicado (neste exemplo, mecânico), e ao mesmo tempo registrando a certa distância o potencial receptor e os potenciais de ação produzidos pela fibra. O início e o final do estímulo são assinalados pelas setas para cima e para baixo, respectivamente. B. Quando a amplitude do estímulo aumenta (A1 < A2 < A3), a amplitude do potencial receptor aumenta de forma proporcional (A1’ proporcional a A1; A2’ proporcional a A2 etc.), e assim também acontece com a frequência da salva de potenciais de ação que a fibra produz (A1 e A1’ proporcionais a F1; A2 e A2’ proporcionais a F2 etc.). C. Quando é a duração do estímulo que aumenta, a duração do potencial receptor acompanha proporcionalmente (D1’ proporcional a D1; D2’ proporcional a D2 etc.), e o mesmo ocorre com a duração da salva de potenciais de ação (D1 e D1’ proporcionais a D1’’; D2 e D2’ proporcionais a D2’’ etc.). Quando um estímulo atinge a pele, provoca maior potencial receptor (PR) e maior frequência de potenciais de ação (PAs) nas fibras que estão exatamente abaixo, no centro do ponto estimulado. As regiões vizinhas recebem menor energia de estimulação, e as fibras aí situadas respondem de modo proporcionalmente menor. A. Os receptores de adaptação lenta (tônicos) apresentam potencial receptor (PR) semelhante ao estímulo. B. Os receptores de adaptação rápida (fásicos), diferentemente, apresentam um potencial receptor “duplo”, com um pico quando o estímulo começa e outro quando termina. A frequência de potenciais de ação (PAs) acompanha proporcionalmente, nos dois casos. Edgar Adrian (foto à esquerda) estabeleceu as características “tudo-ou-nada” do potencial de ação, abrindo caminho para a elucidação dos seus mecanismos iônicos. O primeiro registro intracelular do potencial de ação (à direita) foi conseguido em 1939 por Andrew Hodgkin e Alan Huxley, utilizando o amplificador aperfeiçoado por Adrian. A escala na ordenada representa milivolts. O neuro-histologista espanhol Santiago Ramón y Cajal (1852-1934) observou os neurônios do gânglio espinhal (sombreado em amarelo) de embriões humanos, e “reconstruiu” a sua morfogênese. De acordo com ele, as células são inicialmente bipolares (1, na figura), passando por formas intermediárias (2 e 3) até adquirirem morfologia pseudounipolar do adulto (4). São múltiplos os tipos morfológicos dos receptores sensoriais. Veja o texto para uma descrição pormenorizada de cada um deles. O órgão receptor da audição é adaptado para canalizar as vibrações sonoras em direção às células receptoras no ouvido interno, através do ouvido externo e do ouvido médio (A), onde existem estruturas que vibram proporcionalmente ao som incidente: o tímpano, os ossículos e a janela oval. A cóclea (cortada em B segundo o plano mostrado em A) é a estrutura espiralada que compõe o ouvido interno e contém os mecanorreceptores auditivos, as fibras do nervo auditivo e outros elementos. É nela que ocorrem a transdução e a codificação audioneural. C mostra um corte da cóclea no plano mostrado em B, apresentando os dutos (escalas) e as células receptoras. A. “Desenrolando” imaginariamente a cóclea, fica mais fácil compreender o trajeto das vibrações da perilinfa (setas) nas escalas, resultantes das vibrações provocadas pelo som. B mostra um corte transversal da cóclea, salientando no quadro o órgão de Corti. C apresenta uma ampliação do pequeno quadro em B, mostrando a posição das células receptoras e das fibras aferentes e eferentes. O mecanismo de transdução audioneural ocorre nas células receptoras da cóclea, cuja estrutura é mostrada em A. Quando ocorre a vibração da membrana basilar, os estereocílios são defletidos, ocorrendo despolarização ou hiperpolarização do receptor (B), segundo o sentido da deflexão. Sendo uma vibração, a deflexão dos estereocílios ocorre alternadamente para um lado e para o outro, e essa alternância é acompanhada pelo potencial receptor, mostrado em C. Os órgãos receptores da audição e o do equilíbrio compartilham o mesmo sistema de túbulos ósseos e membranosos (os labirintos), incrustados no osso temporal (A). Os canais semicirculares cheios de endolinfa (B) apresentam, cada um, uma dilatação (ampola), onde estão as células estereociliadas que respondem à aceleração angular da cabeça (setas vermelhas) resultante de movimentos do pescoço. De modo parecido, os órgãos otolíticos (sáculo e utrículo) apresentam uma região (mácula) que aloja células estereociliadas (C). O peso dos otólitos ajuda a defletir os estereocílios a cada aceleração linear da cabeça (seta vermelha), inclusive a própria gravidade. A. A deflexão dos estereocílios nos órgãos otolíticos é provocada pelo movimento dos otólitos, e este pela ação da gravidade ou por qualquer outra aceleração linear da cabeça. A inércia da perilinfa causa o seu deslocamento “atrasado” em relação ao da cabeça, no início do movimento. No final do movimento dá-se o contrário: a perilinfa continua a “arrastar” os otólitos quando a cabeça para. B. Já nos canais semicirculares, a deflexão dos estereocílios é causada pela inércia da cúpula, que se desloca em sentido contrário às rotações da cabeça. A. A retina é o “filme fotográfico” do olho. B. Sobre ela são projetadas as imagens da cena visual, atravessando todas as camadas até estimular diretamente os fotorreceptores (cones e bastonetes). São estes as células responsáveis pela fototransdução. As outras células da retina são neurônios, responsáveis pelo processamento inicial da informação visual, seguido da sua condução ao cérebro pelos axônios das células ganglionares. As ametropias são defeitos muito comuns nos olhos humanos. O desenho do centro mostra um olho emétrope (normal), cuja retina coincide com o plano de foco. Os desenhos ao lado mostram as ametropias nas quais a retina fica aquém (miopia) ou além (hipermetropia) do plano de foco, gerando um borramento da imagem. Esses defeitos podem ser facilmente corrigidos com o uso de lentes (desenhos mais laterais). Foto de um corte transversal da retina de galinha. Células colinérgicas aparecem marcadas com um anticorpo fluorescente vermelho, específico para a enzima de síntese de acetilcolina. A retina tem dois tipos principais de fotorreceptores (A): cones e bastonetes. Ambos apresentam dobras da sua membrana, que formam discos invaginados para o interior do segmento externo. Incrustadas nas membranas dos discos estão moléculas de fotopigmento, uma proteína que envolve uma molécula menor, fotossensível, que muda sua conformação espacial quando absorve luz. No caso dos bastonetes (quadrinho, ampliado em B e C), a molécula menor é o retinal, associada à proteína opsina. No escuro (B), o retinal assume a conformação cis, e no claro (C), a conformação trans. Quando ocorre a transformação cis-trans, o retinal se solta da opsina e cai no espaço extracelular. Há um aparente paradoxo no funcionamento dos fotorreceptores. Eles são mais ativos no escuro do que no claro. No escuro (A e B1), a rodopsina está inativada e os canais de cátions estão abertos, mantendo a célula despolarizada e capaz de liberar glutamato no seu terminal. No claro (B2 e C), a rodopsina fica ativada porque o retinal passa à forma trans, mas isso leva ao fechamento dos canais iônicos, tornando a célula hiperpolarizada e assim interrompendo a liberação de glutamato no terminal axônico. D mostra que o potencial receptor dos bastonetes é hiperpolarizante, e que sua amplitude é proporcional à intensidade do estímulo luminoso incidente. As células ciliadas olfatórias possuem moléculas receptoras específicas para certos odorantes. A. Quando os odorantes (representados por pontos alaranjados) reagem com esses receptores moleculares, a mensagem é enviada dendrito e axônio acima, pela célula olfatória, até o bulbo olfatório, dentro da cavidade craniana. B. Nos cílios, a ligação dos odorantes aos receptores dispara uma cadeia de reações intracelulares mediadas por segundos mensageiros como o AMPc, e o resultado é a abertura de canais iônicos que provocam a despolarização da membrana. Essa despolarização, nos cílios e no dendrito, é o potencial receptor, que provoca a ocorrência de potenciais de ação mais acima no axônio. A expressão específica dos genes dos receptores olfatórios em neurônios do epitélio olfatório foi revelada por experimentos em camundongos. A representa um esquema da mucosa olfatória do camundongo (em verde). Em B, os pontos verdes indicam a presença de um receptor chamado M71 em alguns neurônios olfatórios. O detalhe mostra uma ampliação que revela a morfologia típica do neurônio olfatório, com seu bulbo ciliado bem visível. C mostra que um outro receptor molecular, chamado I7, distribui-se em território diferente do epitélio olfatório. Os números1-4 têm a intenção de permitir correlacionar A com B e C. Os traçados representam os potenciais receptores registrados nas células gustativas de camundongos selvagens (normais, sem alterações no genoma), bem como de animais cujo DNA sofreu a deleção (retirada) de um gene específico, indicado na legenda (T1R1-KO8, T1R2KO etc.). Verifica-se que a deleção tanto de T1R1 como de T1R3 provoca abolição da sensibilidade ao sabor temperado, o que significa que o receptor é o heterodímero T1R1+3. Da mesma forma, a deleção de T1R2, da mesma forma que a de T1R3, provoca abolição do sabor doce (heterodímero T1R2+3). O sabor amargo é produzido pelo homodímero T1R5.