PARTE 2 Neurociência Sensorial Capítulo 10 Os Sentidos Químicos Estrutura e Função dos Sistemas Olfatório, Gustatório e Outros Sistemas de Detecção Química Clique nas setas verdes para avançar/voltar ou ESC para retornar ao menu geral Representação renascentista dos sentidos do paladar e do olfato. Xilogravuras de Nikolaus von der Horst (1598?-1646). O nariz é o órgão do olfato. Nele fica a mucosa olfatória (quadro à esquerda, ampliado à direita), onde estão incrustados os quimiorreceptores e outros elementos. Os quimiorreceptores emitem axônios que atravessam a placa crivosa do osso etmoide, e terminam dentro do crânio, no bulbo olfatório. No bulbo estão os glomérulos, onde ficam as sinapses das fibras primárias com os neurônios de segunda ordem (células mitrais e tufosas, m/t), cujos axônios por sua vez se estendem ao córtex e a outras regiões encefálicas. O bulbo olfatório apresenta uma especialização sináptica muito aparente — o glomérulo — onde ficam as sinapses entre as fibras primárias e os dendritos das células m/t. O esquema à esquerda representa o circuito básico existente no bulbo. O fluxo de informação vai dos receptores para as células m/t, e destas em direção ao córtex. Interações laterais, entretanto, são possibilitadas pelas células periglomerulares e granulares. O circuito bulbar tem uma certa semelhança com o circuito retiniano. A foto à direita ilustra um corte histológico do bulbo olfatório de um camundongo, corado artificialmente de modo a revelar a camada glomerular (em azul), a camada de células m/t (em vermelho) e a camada granular (em verde), onde trafegam os axônios que se dirigem ao córtex piriforme e às adjacências. As estruturas componentes do sistema olfatório podem ser quase todas visualizadas na base do encéfalo (à esquerda). O esquema à direita representa os circuitos formados pelos axônios das células m/t do bulbo, que projetam para o córtex piriforme e outras regiões, e delas para o tálamo e o hipotálamo. Observar que o sistema olfatório não apresenta um relé talâmico antes do córtex, como todos os demais sistemas sensoriais. O homem possui cerca de 400 tipos de receptores olfatórios que estão localizados nos cílios dos neurônios olfatórios. Estes receptores são GPCRs e apresentam sete domínios que atravessam a membrana plasmática. Experimentos feitos com voluntários, utilizando imagens de ressonância magnética funcional, podem indicar os componentes do sistema olfatório e regiões de processamento subsequente. Neste caso, o voluntário foi exposto ao aroma de grãos de café torrado. As imagens mostraram desde os primeiros estágios de processamento olfatório (como o córtex piriforme, em C) às regiões do sistema de recompensa que produzem a sensação de prazer (área tegmentar ventral, em C, e núcleo acumbente, em B), e aquelas mais vinculadas às emoções (córtex cingulado, em A) e à razão (córtex préfrontal, em A). Sequência de etapas da transdução que ocorre na membrana do quimiorreceptor a partir da captação do odorante (A), seguida da síntese de segundos mensageiros como o AMPc (B e C), e finalmente a abertura de canais iônicos (D e E) que resulta no potencial receptor. Os quimiorreceptores olfatórios podem responder especificamente ao tipo e à concentração do odorante. A mostra a corrente medida na membrana do receptor, quando sobre ele se pingam diferentes odorantes (setas vermelhas). O neurônio 1 responde aos três odorantes, mas os neurônios 2 e 3 são seletivos para um (ou dois) deles. B mostra que a resposta do receptor é proporcional à concentração do odorante (neste caso, isoamilacetato). Os traçados vermelhos representam os momentos de pingar e lavar o odorante. As gotas de cima para baixo representam concentrações crescentes. Observam-se frequência e números cada vez maiores de potenciais de ação poucos segundos depois da estimulação, à medida que a concentração aumenta. A foto em A representa um corte coronal através dos bulbos olfatórios de um camundongo, mostrando o conjunto de fibras olfatórias primárias e os glomérulos onde terminam, corados em azul escuro por meio de uma técnica que reconhece uma proteína existente nessas fibras. A foto em B, ao contrário, apresenta apenasum glomérulo marcado, exatamente aquele que recebe as fibras correspondentes ao receptor molecular conhecido como P2, presente em apenas um tipo específico de quimiorreceptor olfatório. C mostra uma vista dorsal do bulbo olfatório, apresentando as fibras primárias chegando ao seu glomérulo. Neste caso, o marcador é específico para o receptor molecular conhecido como M72. O mapa dos cheiros no bulbo olfatório pode ser revelado estimulando um camundongo fortemente com um odorante, e depois medindo a liberação de neurotransmissores nas sinapses dos glomérulos ativados pela estimulação, através de um composto fluorescente que emite luz durante a transmissão sináptica. Cada foto mostra o padrão de ativação em vista dorsal de um dos bulbos olfatórios, para aldeídos que diferem apenas por um átomo de carbono, apresentados ao nariz do animal em concentrações mínimas. Os glomérulos mais ativos são mostrados em cor vermelha. À direita vê-se o mapa que resultou do experimento, com as cores representando cada composto de acordo com seu número de átomos de carbono. Nota-se que o mapa é difuso, ou seja, um mesmo odorante pode estar representado em diferentes glomérulos, e um mesmo glomérulo pode ser ativado por mais de um odorante. A especificidade das células m/t pode ser comparada com a dos receptores, registrando a sua atividade após a estimulação com odorantes aldeídicos que diferem em um único carbono (fórmulas à esquerda). Enquanto os receptores podem ser ativados por muitos aldeídos (B e C), as células m/t podem ser até inibidas por um deles (asteriscos). No exemplo em A, os traçados verdes representam os potenciais de ação disparados por uma m/t ao ser estimulada pelos odorantes mostrados à esquerda. Os histogramas ilustram a resposta das células para cada composto. Repare que a célula m/t (A) é inibida pelo octanal (oito carbonos), mas é ativada pelos outros. Por outro lado, o receptor em C é mais ativado justamente por esse aldeído. Acredita-se que a inibição possa ter surgido da atividade dele, transmitida “com sinal contrário” pelas células periglomerulares e granulares (setas vermelhas). A cavidade orofaríngea (A) é o órgão da gustação. Nela, a estrutura mais importante é a língua, que possui grande número de papilas gustatórias de tipos diferentes. Cada papila apresenta numerosos botões (B) onde se concentram os quimiorreceptores em posição estratégica para captar os gustantes. No botão gustatório (C) ficam não apenas os receptores mas também outras células e as fibras aferentes que conduzem a informação para o SNC. A. As vias gustatórias emergem das fibras aferentes dos botões e juntam-se a três nervos cranianos organizados topograficamente: VII, IX e X. Todos eles projetam ao núcleo do trato solitário, no tronco encefálico. B e C. O núcleo do trato solitário projeta ao tálamo direta ou indiretamente, e este ao córtex gustatório, situado nas proximidades do lobo da ínsulaA. Os planos dos cortes ilustrados em B e C estão assinalados em A. Já se conhecem os mecanismos moleculares fundamentais da quimiotransdução dos cinco sabores básicos. A transdução do salgado (A) ativa um canal para os íons Na+ e H+, a do sabor ácido (B) ativa este mesmo canal e bloqueia um canal de K+. Em ambos os casos o movimento dos íons provoca despolarização da membrana, e a consequência é a entrada de Ca++ e a liberação de neurotransmissor na sinapse com a fibra aferente. A transdução das substâncias doces, amargas e temperadas (C) envolve receptores semelhantes das famílias T1R e T2R, que ativam sempre um segundo mensageiro que fecha canais de K+ despolarizando a célula. Finalmente, a transdução dos sabores amargos (D) é a única que não envolve despolarização da membrana: tudo se passa dentro da célula, com segundos mensageiros provocando diretamente a liberação de Ca++ no citosol, e em conseqüência a liberação de neurotransmissor na fenda sináptica. A preferência das fibras aferentes gustatórias pode ser estudada registrando-se a atividade do nervo facial (VII), por exemplo, após a estimulação de uma ou mais papilas com gustantes específicos (detalhe no topo à esquerda). Cada gráfico representa uma fibra; as barras indicam a frequência de potenciais de ação para cada sabor. Encontram-se fibras que preferem sabores doces (como sacarose), outras que preferem salgados (no centro), e outras ainda que preferem sabores azedos (à direita). Os sabores amargos ativam preferencialmente as fibras do nervo glossofaríngeo (IX), não representadas. A. Imagem de ressonância magnética funcional que mostra a ativação do córtex insular em ambos os lados, após a administração, a um voluntário, de um composto viscoso mas sem gosto. A área ativada é representada em amareloclaro sobre um corte coronal (à esquerda) e sobre um corte parassagital (à direita). B. Imagem semelhante da ativação do córtex insular após a estimulação com um composto doce (sacarose). HD = hemisfério direito. A. Muitos monitores químicos do organismo (em amarelo) estão concentrados próximo ao coração, nas paredes da aorta e das carótidas, junto com receptores mecânicos sensíveis à pressão arterial. B. No corpo carotídeo, o receptor de O2 é a célula glomus, que parece sinalizar a tensão de oxigênio no sangue através da liberação de dopamina. C representa um experimento com a célula glomus, submetida a um súbito decréscimo da tensão de O2 (seta), que provoca aumento da concentração intracelular de Ca++. Segue-se a liberação de dopamina, que ativa a fibra aferente. A. Os osmorreceptores estão situados em diferentes locais do SNC, geralmente em torno do terceiro ventrículo. B. Nessas regiões, esses receptores possuem canais iônicos sensíveis à osmolaridade do sangue (meio extracelular). Quando aumenta a osmolaridade do sangue, a água tende a sair do receptor, e como então ele “murcha”, a tensão mecânica da membrana diminui. O resultado é a progressiva desativação dos canais iônicos, e portanto a diminuição da frequência de potenciais de ação na fibra aferente. Ocorre o oposto quando a osmolaridade do sangue diminui.