O PAPEL DA INTERAÇÃO SOCIAL “Para onde quer que nos voltemos, deparamos com as mesmas antinomias: temos uma certa idéia tradicional do que somos como indivíduos. E temos uma noção mais ou menos distinta do que queremos dizer ao pronunciar o termo „sociedade‟ • O que nos falta são modelos conceituais e uma visão global graças às quais nossa idéias dos seres humanos como indivíduos e como sociedades possam se harmonizar melhor. Como é possível que cada pessoa isolada seja uma única coisa, diferente de todas as demais; um ser autônomo e, ao mesmo tempo, um ser que existe para outros e entre outros, com os quais compõe sociedades ? • Um ser que existe para outros, com os quais compõe sociedades, com histórias não pretendidas ou promovidas por qualquer das pessoas que as constituem, e se desdobram ao longo dos séculos, e sem as quais o indivíduo não poderia sobreviver quando criança, nem aprender a falar, pensar, amar ou comportar-se como um ser humano. “ (Norbert Elias, a sociedade dos indivíduos) • Tão particulares e ao mesmo tempo tão coletivos... Cada um é um e no entanto todos somos todos. • Todos nós nascemos inseridos em um determinado grupo cultural e este mesmo grupo cultural oferece-nos um ambiente estruturado, onde todos os elementos são carregados de significados. Os sistemas de representação da realidade, são portanto, socialmente dados. Isto faz com que a interação social, seja com diversos elementos do ambiente culturalmente estruturado; é o que realmente faz com o que o ser humano se desenvolva como tal. • A internalização da cultura não é um processo de absorção passiva, mas de transformação, de síntese. • Vygotsky considera que o processo de desenvolvimento é marcado pela interação social do ser humano. • Para Jean Piaget, são os processos cognitivos que determinam as relações interpessoais e não o inverso. É portanto, uma concepção “de dentro para fora” enquanto que a de Vygotzky é de “fora para dentro”. • Ultimamente, as concepções “de fora para dentro”começaram a ter uma ampla aceitação no campo da psicologia do desenvolvimento, como consequência do conhecimento das teses de Vygotsky sobre o papel da interação social no desenvolvimento: o desenvolvimento das aquisições é dependente do ambiente social e principalmente da interação entre adulto e criança. A corrente interacionista deu espaço a estudos relativos à contribuição das interações sociais nas modificações dos conhecimentos e das competências práticas nas crianças. Esses estudos, baseados na relação didática assimétrica adulto/criança, salientam sobretudo o papel do adulto (pai ou educador)como estimulador e regulador das primeiras competências práticas. • No entanto,algumas pesquisas recentes sobre os primeiros anos evolutivos mostram que, no interior da relação didática assimétrica, a criança, mesmo em idade precoce, é capaz de tomar iniciativas, de agir de maneira eficaz e regular o comportamento do parceiro adulto. (BONDIOLI, 1998) • Vygotsky concentrou seus estudos nos mecanismos que são típicos do ser humano.. • São as funções psicológicas superiores que oferecem estruturas para que a relação do homem com o mundo seja uma relação indireta,mediada. A presença de elementos mediadores torna mais complexa e enriquecida a relação do indivíduo com o meio. • “Vygotsky fala de dois tipos de elementos mediadores externos: os instrumentos orientados para regular as ações sobre os objetos e os signos, orientados para regular as ações sobre o psiquismo das pessoas”. (PINO, 1991) • Ao considerar a importância dos instrumentos na atividade humana, Vygotsky baseia-se nos postulados marxistas, pois busca compreender as características do Homem através do estudo da origem e desenvolvimento da espécie humana. Considera que a formação da sociedade humana com base no trabalho, é o processo que vai tornar o homem diferenciado de outras espécies. • O trabalho é a ação do homem sobre a natureza, transformando-a e criando a cultura. No trabalho desenvolvem-se não só a atividade coletiva, o que caracteriza a relação social, mas também a criação e utilização de instrumentos. • O instrumento é um prolongamento do corpo, feito para determinado objetivo. Na sua evolução, o homem criou o machado para cortar melhor do que com as mãos, o pote para poder armazenar água para mais tarde e por aí seguiu, aperfeiçoando seus instrumentos • O instrumento carrega consigo a função para a qual foi criado e o modo de utilização desenvolvido durante a história do trabalho coletivo. É um elemento externo ao indivíduo e, portanto, um mediador da relação entre o indivíduo e o mundo, controlando processos da natureza. • Os signos são instrumentos psicológicos porque são orientados para o próprio sujeito, para dentro do indivíduo, dirigindo-se ao controle de ações psicológicas do indivíduo ou de outras pessoas • “A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher, etc.) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento de trabalho”. (VYGOTSKY,1984) • As representações mentais tomam o lugar dos objetos e das situações do mundo real. Esta capacidade do homem de lidar com representações que substituem o real, é mediada pelos signos internalizados. • No decorrer do desenvolvimento da espécie humana, as representações da realidade têm se articulado em sistemas simbólicos. Os signos deixam de ser marcas individuais e passam a ser compartilhados pelo conjunto dos membros do grupo social, permitindo a comunicação entre os indivíduos e o aprimoramento da interação social. A questão do desenvolvimento da linguagem ocupa lugar de destaque na teoria de Vygotsky, pois é o sistema simbólico básico de todos os grupos sociais. A necessidade de comunicação é que impulsiona inicialmente o desenvolvimento da linguagem • Segundo Vygotsky, pensamento e linguagem têm uma estreita ligação, porém, desenvolvem-se com trajetórias diferentes e independentes. Existe uma fase pré-linguística no pensamento e uma fase pré-intelectual na linguagem. • Na fase pré-linguística, ou pré-verbal do pensamento, a ação da criança no mundo é feita por meio de sensações e movimentos, sem mediação de interpretações simbólicas. Isto é facilmente observado nas crianças bem pequenas. • Na história do homem, o momento de união entre pensamento e linguagem se deu na necessidade de intercâmbio dos indivíduos durante o trabalho coletivo. • No desenvolvimento individual, isto acontece quando a criança está inserida em um grupo cultural e existe uma interação com membros mais maduros que já dispõe de uma linguagem estruturada. • Quando o pensamento encontra-se com a linguagem, inicia-se uma nova forma de funcionamento psicológico: a fala torna-se intelectual, com função simbólica e generalizante e o pensamento torna-se verbal, mediado por significados dados pela linguagem. • Vygotsky desenvolveu o conceito de “Zona de Desenvolvimento Proximal”: • “Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.” (VYGOTSKY, 1984) • Visto desta forma, o adulto “apóia” as consecuções da criança, fazendo-a a entrar na Zona de Desenvolvimento Proximal mediante o jogo e “ensinando-a” a conseguir o controle consciente do que vai “aprendendo”, graças às relações sociais estabelecidas. A intervenção eficaz é a que se dirige àqueles aspectos da tarefa que a criança ainda não domina e que apenas pode realizar com ajuda e direção dos adultos. • Na prática, verifica-se que o papel do professor, na interação que se estabelece entre ambos, atingindo a Zona de Desenvolvimento Proximal, está longe do ajuste automático, natural e espontâneo da mãe e do bebê. • Cabe ao professor proporcionar um contexto significativo para a execução das tarefas escolares de forma que o aluno possa atuar e construir interpretações coerentes. • Esta questão educacional tem permeado muitas discussões a respeito do planejamento das atividades escolares, pois o enfoque cognitivo no estudo do desenvolvimento humano acentuou o caráter construtivo do processo de aquisição do conhecimento. A idéia de que o ser humano é facilmente moldado a partir do exterior tem sido substituída pela idéia de um ser humano que não só absorve, mas interage com os estímulos. • No campo da educação, esta mudança de perspectiva apontou para a inadequação de alguns métodos essencialmente expositivos que concebem o professor e o aluno como simples transmissor e receptor de conhecimentos. • Em uma perspectiva construtivista, enfocando o postulado da teoria psico-genética de Piaget que foi o enfoque cognitivo-evolutivo que até agora teve maior incidência sobre a educação escolar - o processo de construção do conhecimento é considerado como um fenômeno individual, fruto da interação entre o sujeito e o objeto de conhecimento. • Para Piaget, a criança aprende, seja aqui ou na China, no Alaska ou na África, porque ele o considera um sujeito epistêmico (que estuda o conhecimento científico), universal, aquele que aprende. Pensando-se assim, considera-se que a criança primeiro desenvolve-se, depois aprende. • Se, por um lado, o professor ocupa um papel relativamente secundário no processo de aquisição do conhecimento, por outro lado, quando são definidas suas funções, acabam por conceder a ele o importante papel de orientador, guia, facilitador de aprendizagem. Isto porque a ele compete criar as condições favoráveis para que se produza a interação construtiva entre o aluno e o objeto de conhecimento. • Olhando sob este foco, a aprendizagem escolar deixa de ser entendida unicamente como o encontro entre o educando e os conteúdos. É necessário levar em conta as atuações do professor que aparece como um verdadeiro mediador e determina, com suas intervenções, que as tarefas de aprendizagem ofereçam condições para que a atividade auto-estruturante aconteça. “Ela é gerada, não como uma atividade individual, mas como parte integrante de uma atividade interpessoal que a inclui. A atividade do aluno que está na base do processo de construção do conhecimento está inscrita de fato no domínio da interação ou interatividade professor/aluno”. • (SALVADOR, 1994) • “O desafio teórico que o estudo da interação professor/aluno e aluno/aluno coloca é que nem a psicologia do desenvolvimento, nem a psicologia da educação, nem a psicologia da instrução oferecem atualmente uma explicação satisfatória e detalhada dos mecanismos mediante os quais as relações interpessoais chegam a incidir sobre os processos cognitivos. O correto consiste em integrar em um mesmo domínio explicativo a atividade auto-estruturante do aluno e os processos interativos.” (SALVADOR, 1994)