A HISTORICIDADE DA QUESTÃO CURRICULAR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (Versão para discussão) Maria Ciavatta * Que nossos valores espirituais, nossas terras, matas e águas sejam consideradas como necessárias para nossa vida. Nossa vida é nossa terra” (Joênia Batista de Carvalho). * Licenciada em Filosofia; Doutorado em Ciências Humanas (Educação PUC-RJ), Professora Titular em Trabalho e Educação do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense (UFF) Pesquisadora do CNPq . Este texto tem por base as diversas oportunidades de discutir o tema com professores, particularmente, nos eventos promovidos pela SEE-Paraná até 2010. 1 Introdução Quando se fala em currículo, o que são os conteúdos educacionais para jovens e adultos já entrados, via de regra, no mundo do trabalho? Que conteúdos e métodos podem aproximar a escola do turbilhão da vida em acelerada transformação científico-tecnológica e angustiante permanência das desigualdades e conflitos que perpassam a sociedade? Primeiro, buscamos examinar políticas e leis, A seguir tratamos da historicidade da questão curricular; e, ao final, sobre trabalho e currículo, algumas questões sobre seu significado no ensino médio. 2 A questão curricular nas políticas educacionais A Constituição de !988: a educação visa “o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e e sua qualificação para o trabalho” (art. 205) A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação, Lei n. 9.394/96). O Decreto n. 2.208/97: “A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria independente do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou sequencial a este” (art. 5º). O Decreto n. 5.154/03 : “A educação profissional técnica de nível médio (...) será desenvolvida de forma articulada com o ensino médio (...)” de forma “Integrada”, “concomitante” ou “subseqüente” (art. 4º., parágrafo 1º., incisos I, II e III). A Lei n. 11.741/08 vai incluir partes do Decreto n. 5.154/04 na LDB, Lei 9.394/96. 3 Outros documentos legais que interferem: Escola da Fábrica (Lei n. 11.180/2005), o PROJOVEM (Decreto n. 6.629/08), o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Decreto n. 6.094/07). As DCN (Diretrizes Curriculares Nacionais) para o Ensino Médio e para a Educação Profissional de Nível Técnico (Parecer CNE.CEB n. 15/1998 e 16/1999, com as respectivas Resoluções (CNE.CEB n. 03/1998 e n. 04/99), que vão atender á regulamentação ditada pelo Decreto n. 2.208/99. 4 A interferência dos organismos internacionais: UNESCO, BIRD e o BID, a CEPAL, a OIT, de modo especial em relação à educação profissional, por meio do CINTERFOR, a UE/OCDE através do acordo de Bolonha. Na educação de jovens e adultos, o Decreto n. 5.478/2005 e sua revogação pelo Decreto n. 5.840/2006 dão origem ao PROEJA. DCN para EJA: Parecer CNE.CEB 11/2000 e Resolução CNE.CEB n. 01/2000. DCN EM: Parecer CNE.CEB n. 05/11 e Resolução n. 02/12 DCN EPT: Parecer CNE.CEB n. 11/2012 e Resolução CNE.CEB n. 06/2012. A Lei n. 12.513/2011, institui o PRONATEC que teve precedentes no PLANFOR e no PNQ. 5 A historicidade da questão curricular A história pode ser compreendida em dois sentidos principais inter-relacionados, a questão do espaço-tempo, onde os fenômenos ganham forma e materialidade, e a própria compreensão do que seja a história, a produção social da existência humana e sua relação com o passado, o presente e o futuro. Para Marc Bloch, “o ofício do historiador” começa pelo exame dos acontecimentos do presente. Para Antoine Prost: “A questão do historiador é formulada do presente em relação ao passado, incidindo sobre as origens, evolução e itinerários no tempo, identificados através das datas” 6 O conceito de historicidade está relacionado à mudança da concepção de um tempo linear, próprio do positivismo do século XIX, como história dos feitos políticos, do Estado Nação, da sucessão dos acontecimentos, da sua homogeneização pelo tratamento quantitativo dos fenômenos. A historicidade da educação profissional e da educação de jovens e adultos, em uma concepção dialética do espaço-tempo, trata dos fenômenos sociais da vida humana na sua temporalidade complexa, a exemplo dos tempos múltiplos de Braudel: a longa, a média e a curta duração. 7 Quanto à historicidade da questão curricular, tendo a história como produção social da existência (Marx) mais do que organização de conteúdos e disciplinas, o currículo deve se pautar pelas múltiplas relações estabelecidas na totalidade dos fatos e ideias que atualizam a visão do dia a dia e imprimem rumo à vida das pessoas e das sociedades. È este o sentido pedagógico e político do ensino integrado, No ensino médio e na educação de jovens e adultos. 8 O currículo e o trabalho: dimensões dissociadas A sociedade brasileira tem uma dívida secular para com a população trabalhadora, relegada, desde os primórdios do país, a não receber conhecimentos senão aqueles que fossem necessários ao trabalho produtivo no campo e nos espaços urbanos. Para Gramsci, fazia-se necessário que a escola constituísse espaço de potencialização dos processos de aprendizagem vivenciados fora dela impregnados de saberes socialmente construídos. 9 Quanto ao currículo, as determinações da LDB (Lei n. 9.394/96) são claras na sua formulação: I – destacará a educação tecnológica básica, a compreensão do significado da ciência, das letras e das artes, o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura, a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania; II – adotará metodologias de ensino e de avaliação que estimulem a iniciativa dos estudantes; III – será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo dentro das disponibilidade da instituição (art. 36). 10 Historicamente, temos: a Ratio Studiorum, a norma educacional dos jesuítas a cultura clássica, humanística e a teologia. Com o desenvolvimento das ciências no final do século XIX e começo do século XX, o método experimental, o cientificismo, a psicologia da aprendizagem e a influência dos processos produtivos na escola, o pragmatismo e o funcionalismo, até os dias atuais, a produtividade e o produtivismo, a competitividade, o consumismo, A manipulação pelos meios de comunicação. 11 Segundo Gramsci, o primeiro elemento da ciência e da arte política, o fato de que existem governantes e governados, mas todos os homens são iguais. Dependem da educação para passarem de governados a dirigentes, A catarse ou passagem do momento meramente econômico ao ético-político, quando se estrutura a consciência humana em sociedade. O que implica a superação dos interesses corporativos e a elaboração de uma vontade coletiva emancipadora de todas as formas de opressão (C.N.Coutinho). 12 A subordinação da educação e da cultura ao trabalho subsumido ao capital, vai além da nova organização do trabalho, da introdução de novas tecnologias, das metamorfoses do capital em busca sempre de maior rentabilidade: o capital se faz totalidade e, enquanto totalidade, é ao mesmo tempo: 1) produtor de mercadorias; 2) produtor de classes, ou seja, de relações sociais desiguais que terminam por se tornar opostas; 3) produção de formas de consciência moral, enquanto princípios de uma visão de mundo (Finelli) 13 Com o currículo pautado pelas necessidades do capital de subordinação do trabalho, da cultura e da educação, chega-se ao âmago da questão do tipo de educação que é proporcionada aos alunos. O currículo tende a expressar uma visão reducionista da educação, a preparação funcional ao mercado de trabalho, o aligeiramento da formação humana. Somente a partir da visão política das classes sociais, da divisão técnica e social do trabalho e das suas contradições, é possível entender o aparente “enigma” do ensino médio, os entraves das leis, das DCN, do currículo da educação básica, incluindo a educação de jovens e adultos. 14 Quando nos referimos ao currículo integrado e ao trabalho como princípio educativo, significa que buscamos superar a dicotomia trabalho manual/trabalho intelectual, incorporar a dimensão intelectual ao trabalho produtivo e formar trabalhadores capazes de atuar como dirigentes e cidadãos, não apenas como governados. Marise Ramos distingue três níveis de integração: 15 O primeiro sentido de integração é o trabalho como princípio educativo, a escola unitária, a formação omnilateral onde se integram as dimensões fundamentais da vida humana. O segundo sentido, a indissociabilidade entre a educação profissional e a educação básica, entre teoria e prática, entre cultura técnica e cultura geral. O terceiro sentido a integração entre conhecimentos gerais e conhecimentos específicos na totalidade social que os constitui na vida humana. 16 Considerações finais Para atender aos termos da lei e às carências da educação de nível médio e de jovens e adultos, concluímos: primeiro, a inclusão da análise crítica da economia capitalista, da história e do direito do trabalho de modo a situar jovens e adultos na discussão do mundo do trabalho (atividades, relações produtivas e condições sociais) de trabalho onde eles buscam se inserir. Segundo, levar adiante a discussão e a prática discutida e avaliada de um currículo que integre formação geral e educação profissional, técnica ou tecnológica. Rio, maio/2013. 17