XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 PRÁTICA PEDAGÓGICA EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO Willian Lazaretti da Conceição Universidade Federal de São Carlos Centro Universitário Claretiano Fundação CASA UNIESP Resumo: Esta pesquisa apresenta uma experiência de intervenção com adolescentes que cumprem medida socioeducativa de privação de liberdade em aulas de Educação Física enquanto componente curricular da educação básica. O objetivo central da pesquisa diz respeito a necessidade de mudança no que se refere à prática pedagógica, considerando a baixa participação dos adolescentes na Educação Física escolar, buscando, por meio da citada intervenção, a realização de planejamento participativo a partir do diálogo sobre o bloco temático de conteúdo “elementos culturais do movimento humano”, o qual envolve: jogo e brincadeira; esporte, luta e capoeira; dança; ginástica e circo; atividades da vida diária. Como procedimentos metodológicos utilizamos registro sistemático das observações em diários de campo e posterior formação de categorias temáticas para análise dos dados. Nos resultados, foram formadas as seguintes categorias: A) participação/envolvimento dos adolescentes nas aulas e B) relação professor-aluno. Percebemos que logo após a apresentação do citado bloco temático aos adolescentes para que pudessem participar efetivamente da elaboração do planejamento, estes escolheram o elemento cultural esporte, a modalidade coletiva futsal, acompanhado de jogos para desenvolver no decorrer de um bimestre. No desenvolvimento da prática pedagógica ao longo do bimestre desta intervenção, discutimos questões referentes às condutas, de modo a significar o que fazíamos observando maior participação e envolvimento discente nas aulas. Nas considerações além de conhecermos e reconhecermos o saber prévio destes alunos, percebemos um maior envolvimento, particularmente devido aos mesmos compreenderem o sentido e a intenção de aprender o conteúdo acordado no planejamento participativo e um relacionamento respeitoso entre professor e alunos. Palavras-chave: Educação Física Escolar; Privação de Liberdade; Adolescência; Fundação CASA. INTRODUÇÃO Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), considera-se adolescente, no Brasil, toda e qualquer pessoa entre 12 e 18 anos, e define-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal, segundo o artigo 103 do ECA. Ao adolescente autor de ato infracional, considerado inimputável, são aplicadas medidas socioeducativas que variam desde advertência até internação em estabelecimento educacional (BRASIL, 2008). Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003499 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 2 De acordo com estudo realizado por Gallo e Williams (2008), grande parte dos adolescentes em conflito com a lei não frequentavam a escola, cujo motivo alegado era o desinteresse causado pelas dificuldades que as escolas apresentam para manter tais alunos nas salas de aula. As demais justificativas estavam associadas ao uso de drogas, mudança de cidade, trabalho, gravidez e doença. O objetivo central da pesquisa diz respeito a necessidade de mudança no que se refere à prática pedagógica, considerando a baixa participação dos adolescentes na Educação Física escolar, buscando, através da citada intervenção, a realização de planejamento participativo a partir do diálogo sobre o bloco temático de conteúdo “elementos culturais do movimento humano”, o qual envolve: jogo e brincadeira; esporte, luta e capoeira; dança; ginástica e circo; atividades da vida diária. Prática pedagógica em Educação Física O planejamento realizado com uma aproximação da pedagogia dialógica de Freire (1985, 1996, 2005), possibilitou uma compreensão das reais intenções dos alunos no que tange a escolha dos elementos culturais que tinham interesse em vivenciar. Os colaboradores foram questionados sobre quais temas, assuntos e conteúdos que demonstravam interesse e assim fomos organizando o nosso planejamento bimestral, considerando que a todo instante pode haver movimentação no fluxo de adolescentes, sendo assim optamos por fazer a cada bimestre. De acordo com Gonçalves Junior (2009) a investigação temática é um processo que visa identificar aspectos além do que já conhece o que pensa sobre o mundo, e qual assunto lhe é mais interessante, assim podemos discutir um tema gerador. Possibilitando um aprendizado onde o conhecimento é construído no coletivo, considerando que o professor não é detentor de todo conhecimento e muito menos da verdade absoluta. De acordo com Freire (1996, p.33) “(...) discutir com os alunos a razão de ser de alguns desses saberes em relação com o ensino dos conteúdos.” E a partir disso despertar a curiosidade humana, que é histórica e socialmente construída e reconstruída, pois a promoção da ingenuidade para a criticidade é tarefa da prática educativa progressista, desenvolvendo a curiosidade crítica, insatisfeita e indócil. Não esquecendo que a ética e a estética estão presentes nos seres humanos, que não é possível pensar longe ou fora dessas dimensões, ou seja, esse exercício educativo é substancialmente formar e essa formação do educando é também moral. Assim o adolescente como ser Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003500 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 3 histórico será capaz de decidir, criar, reproduzir, transformar e comunicar, estabelecer relações com o mundo. Escolhemos a fundamentação teórica de Paulo Freire, pois o mesmo pensou e praticou um método pedagógico que procura dar ao ser humano a oportunidade de redescobrir-se/readmirar-se através da retomada reflexiva do próprio processo em que vai se descobrindo/admirando, manifestando e configurando método de conscientização (FREIRE, 1996). Segundo Sérgio (1995, p.52) “... a motricidade humana significa que o ser humano é fundamentalmente relação com o Outro, com o Mundo, com o Absoluto.” Essa semelhança com as idéias de Paulo Freire não é mera coincidência, mas sim porque tem como base a perspectiva fenomenológica. Para fundamentar essa discussão sobre fenomenologia e Educação Física escolar, utilizaremos Gonçalves Junior, Ramos e Couto (2003) e Kunz (2004), pois fazem, a partir do referencial fenomenológico-existencial, proposições específicas para a Educação Física escolar que muito se aproximam da perspectiva dialógica de Paulo Freire. De acordo com Gonçalves Junior, Ramos e Couto (2003) uma educação embasada na fenomenologia, é quando existe a troca de conhecimentos e informações entre todos os envolvidos no processo educacional, sejam pais, alunos, professores, serventes da escola e comunidade em geral. É a superação do modelo tradicional de ensino, no qual o professor é o detentor de todo o conhecimento e o aluno apenas reproduziria os conhecimentos transmitidos. Na Educação Física, podemos perceber esse método de ensino na prática pedagógica de alguns professores, que acreditam ser um modelo adequado a reprodução fiel dos movimentos que o professor executa ou que às vezes pede a um aluno com melhor destreza motora realizar. Kunz (2004) corrobora dizendo que é mais importante o aluno aprender a ler e escrever a realidade, ser capaz de perceber, compreender e mudar a realidade, ao invés de simplesmente aprender mecanicamente as técnicas, ou como já citado anteriormente, destrezas motoras. Assim o professor de Educação Física na perspectiva da Educação Libertadora, não deve reduzir a prática pedagógica à transmissão da cultura do saber do Esporte Moderno no seu sentido técnico. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003501 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 4 Trata-se de resgatar o Sujeito na relação dialógica com o Mundo, pelo Se-Movimentar. Trata-se de desenvolver ações conjuntas de Professores e alunos, com vistas à transformação do Mundo Vivido e respectivo mundo do movimento, para nele serem realmente reconhecidos como Sujeitos (KUNZ, 2004, p.149). Nesta perspectiva há necessidade de uma reflexão crítica sobre a prática educativa, para que a teoria não se torne apenas discurso e a prática um ativismo ou reprodução alienada, que na educação física seria apenas a reprodução motora de gestos técnicos. Desta forma a pedagogia libertadora possibilita ao educando chegar ao conhecimento pelo diálogo, de forma autônoma e consciente, através de alguns questionamentos feitos pelo educador e também pelos demais alunos, assim quando ele apreender o conteúdo, terá sua visão particular do mesmo. As habilidades de Educação Física estabelecidas para o ensino fundamental de acordo com o Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos ENCCEJA (BRASIL, 2002) são: identificar, em manifestações culturais, elementos históricos e sociais; identificar as mudanças ou permanências de padrões estéticos e cinestésicos em diferentes contextos históricos e sociais; comparar manifestações estéticas e/ou cinestésicas em diferentes contextos; analisar, nas diferentes manifestações culturais, os fatores de construção de identidade e de estabelecimento de diferenças sociais e históricas; posicionar-se, criticamente, sobre os valores sociais expressos nas manifestações estereotipadas e preconceitos. Para desenvolver estas habilidades utilizamos uma proposta de integração entre o Se–Movimentar (BETTI e col., 2007), a proposta dos blocos temáticos de conteúdos proposto por Sanches Neto e col. (2006, 2007, 2008) e uma aproximação com a pedagogia dialógica de Paulo Freire. De acordo com Betti e col. (2007, p.43): “...é o movimento que confere ao corpo próprio sua dimensão de temporalidade e transcendência...” sendo “...o movimentar-se humano a própria transcendência, pois, a partir da atualidade da percepção, envolvido por uma intencionalidade, movo-me em direção ao futuro, à criação e à expressão”. Devemos considerar, portanto, que há uma intencionalidade no movimento, se tratando de motricidade, ou seja, pensamos num corpo próprio ou fenomenal, único meio de nosso acesso a experiência no mundo. Betti e col. (2007) traz considerações pertinentes embasadas em Merleau-Ponty: Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003502 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 5 o corpo próprio é “elástico”, expande-se, produz efeitos. Ora, a educação física tem considerado efeitos do “meio” (cultural/natural) sobre o corpo, mas a fenomenologia merleau-pontyana indica que deveria também ocupar-se dos “efeitos” do corpo sobre o meio: sobre as coisas e os outros. (p.43) Assim, numa continuidade entre o ser humano e o mundo, a noção de ser o corpo e não de tê-lo meramente, é de certa forma o ser-no-mundo tal qual propõe a fenomenologia de Merleau-Ponty. Esta noção de ser o corpo e não de possuí-lo está relacionada ao corpo próprio ou fenomenal, sendo este o que se vivencia nas experiências com sua dimensão de temporalidade e transcendência, que são realizadas pelo movimento intencional (BETTI e col., 2007). O ser-no-mundo poderia, assim, ser compreendido de modo indissociado às dinâmicas específicas da Educação Física: vislumbramos o sentido do SER (que é ao mesmo tempo corpo e movimento) no MUNDO (que é ao mesmo tempo cultura e ambiente). Os blocos de conteúdos temáticos estão organizados em: (1) Elemento Cultural, (2) Movimentos, (3) Aspectos pessoais e interpessoais do corpo humano, (4) Demandas ambientais. Esses blocos de conteúdos sistematizados foram organizados seguindo um critério de complexidade a respeito do que os alunos devem aprender na Educação Física escolar, estando pautados nos temas seguintes temas: Corpo; Ambiente; Movimento; Cultura que devem estar integrados objetivando reduzir a incoerência entre as intenções (teorias da ação) e as ações efetivas (teorias em uso), tendo em vista que não basta planejar coerentemente a intervenção, mas é necessário concretizá-la diariamente na prática pedagógica (SANCHES NETO e col, 2006, 2007 e 2008). Foi apresentado aos adolescentes o bloco dos elementos culturais movimento humano proposto numa sistematização de blocos temáticos de conteúdos, e ao contextualizá-la no ambiente da Fundação CASA, espera-se que a Educação Física tenha efetivamente significado e que contribua no processo de resiliência e empoderamento que consideramos fazer parte do processo de aprendizado, de modo que contemplasse ainda a matriz de competências propostas pelo ENCCEJA já mencionada anteriormente. Percurso Metodológico Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003503 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 6 A presente pesquisa, de cunho qualitativo, envolve a observação direta em aulas de Educação Física em uma unidade de internação, sendo realizados registros sistemáticos em diários de campo. Segundo Bogdan e Biklen (1994) trata-se do relato escrito daquilo que o investigador, em um estudo qualitativo, observa atentamente no ambiente da pesquisa, inclusive refletindo sobre os dados coletados. Também André (2005) compartilha de tal premissa entendendo que no decorrer das observações ou após as mesmas é necessário realizar um registro muito acurado dos eventos de modo a fornecer uma descrição incontestável que sirva para futuras análises e para o relatório final. As técnicas de observação variam por seu grau de estruturação e pelo grau de proximidade entre o observador e o objeto de sua observação. A observação é uma técnica de coleta de dados para conseguir informações e utiliza os sentidos na obtenção de determinados aspectos da realidade e que além de ver e ouvir também examina os fatos e fenômenos que se deseja estudar. De acordo com Laville e Dionne (1999, p.180): As breves indicações registradas ao vivo (...) os relatórios mais exaustivos redigidos em seguida constituem as notas descritivas do observador: devem ser tanto quanto possível neutros e factuais para melhor corresponder à situação. As autoras ainda afirmam serem possíveis outras notas, chamadas analíticas, estas se juntam as descritivas. Nesta segunda opção, o pesquisador fala de suas reflexões pessoais compreendendo idéias ou intuições frequentemente surgidas ao decorrer das aulas e logo registradas sob forma de breves lembretes. Explicitamos que o trabalho foi realizado em uma Unidade de Internação (UI) da Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (CASA) que atende ao sexo masculino, localizada na região da grande São Paulo. Os alunos são autores de atos infracionais, também conhecidos como adolescentes em conflito com a lei. Para coleta de dados utilizamos a análise de documento (ENCCEJA, planos de aula, trabalhos e avaliações dos alunos), observação e registro em diários de campo ao decorrer de um bimestre o que compreendeu 16 aulas. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003504 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 7 Após o encerramento das aulas do bimestre, analisei as anotações do diário de campo, formando as seguintes categorias temáticas: A) participação/envolvimento dos adolescentes nas aulas e B) relação professor-aluno. Conforme Gomes (2004), “as categorias são empregadas para se estabelecer classificações. Nesse sentido, trabalhar com elas significa agrupar elementos, idéias ou expressões em torno de um conceito capaz de abranger tudo isso” (p.70). A identificação dos diários de campo (DC) foi realizada através da numeração dos mesmos, contendo trechos que são analisadas nos resultados, sendo diário de campo, número correspondente ao dia da aula em algarismos romanos de I à VIII, número da unidade de significado e sua categoria (DCnº- unidade de significado categoria). Resultados Neste estudo identificamos duas categorias decorrentes das observações dos diários de campo. A seguir apresentamos as análises das unidades de significado relacionadas às categorias temáticas e para melhor compreensão do leitor abaixo estão destacados alguns trechos dos diários de campo objetivando explicitar melhor os resultados obtidos. Na categoria A) participação/envolvimento dos adolescentes nas aulas, são evidenciadas atitudes discentes ao decorrer das aulas, desde a inicial que fizemos as apresentações e também o planejamento participativo até a última aula. Na B) relação professor-aluno, são identificados os procedimentos utilizados pelo professor junto aos adolescentes, bem como o envolvimento destes com o professor. Nas duas primeiras aulas, realizamos procedimentos que tinha por objetivo conhecer melhor os alunos bem como me apresentar. Fizemos apresentações, pois havia novos alunos de modo que não os conhecia bem como os mesmos ainda não me conheciam. Pedi que os adolescentes apresentassem o outro para mim e para os demais, e quando algum não manifestava interesse por também não conhecer o outro, pedia que o próprio adolescente se apresentasse. Iniciei dizendo que faríamos um planejamento e logo perguntei se alguém já havia feito um e se sabia como poderíamos fazer. (DCI-1-B). Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003505 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 8 Mas não vieram muitas contribuições neste questionamento inicial, então comecei a explicação de como poderíamos elaborar um planejamento, bem como se daria a participação discente no mesmo. Em seguida fizemos a escolha do tema gerador que foi muito rico, pois possibilitou que todos opinassem na escolha e mais do que isso apresentassem seus argumentos para assim definir qual o tema gerador que seria contemplado ao decorrer das aulas. E logo em seguida iniciaram uma atividade em sala, já percebendo que as aulas de Educação Física não estariam restritas ao espaço da quadra. Mas em alguns momentos era necessário retornar a explicar que aula de Educação Física não é sinônimo de aula na quadra, os alunos desenvolveram a atividade, até com um pouco de dificuldade. Num momento posterior em um jogo coletivo que vivenciamos, não havia adolescentes para formarmos duas equipes de futsal com número correto de jogadores, assim o professor participou junto aos alunos. Foi explicado no início que não haveria árbitro, e que teria que chegar a um consenso sobre as decisões de falta, laterais e demais marcações, após ter falado disseram que jogariam na transparência. Aproveitamos para discutir sobre o respeito e a união tema gerador levantado por eles, que o jogar na transparência nada mais era que respeitar as regras e o adversário. (DCIII-2-B) Neste jogo foi evidente a autodisciplina dos envolvidos, considerando a falta de árbitro e que conseguiram resolver os problemas dialogando e não agredindo uns aos outros. Depois de terem jogado, e que já estávamos todos cansados, muitos foram pedindo para descansar e vivenciar um jogo que exigia menos desgaste físico. Os alunos estavam habituados a esperar que explicasse as possibilidades de atividades que aconteceriam durante a aula, mas com intenção de identificar se era realmente o que queriam, em uma das aulas mudei minha estratégia. Ao chegarmos na quadra eu estava com uma bola de basquete e uma de futsal, estavam eufóricos para que eu desse a bola, então pensei em fazer diferente do que estava acostumado, entreguei as bolas, e deixei que fizessem as atividades que tinham interesse, eu já tinha uma prévia noção do que fariam. (DCV-1-B) Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003506 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 9 Alguns alunos se direcionaram para a tabela e começaram a praticar um jogo chamado 21, no qual vence quem somar primeiro 21 pontos, não podendo passar desse número na somatória dos lances convertidos. Outro grupo foi ao gol oposto a tabela que o primeiro grupo estava usando, e iniciaram uma prática chamada “melê”, no qual tem dois jogadores na linha e um goleiro, e o objetivo é manter a bola no alto e finalizar sem que a mesma quique no chão. Importante ressaltar que nenhum dos dois grupos manifestou interesse em vivenciar como esporte, utilizando as regras, tempo e espaço da modalidade esportiva que utilizavam a bola. Pude perceber o quanto estas práticas faziam parte do cotidiano das brincadeiras e jogos que vivenciam nas ruas, pois todos participaram das atividades, e alguns vivenciaram as duas possibilidades de jogo. Nessa aula evidenciamos o quão importante é valorizar os conhecimentos discentes, para eles foi muito significativo praticar os jogos que fazem parte do repertório de vida deles, que vivenciavam nas ruas de suas casas ou campinhos do bairro. Assim, além de conhecermos e reconhecermos o saber prévio destes alunos percebemos um maior envolvimento dos alunos, particularmente devido aos mesmos compreenderem o sentido e a intenção de aprender o conteúdo acordado no planejamento participativo e um relacionamento respeitoso entre professor e alunos. Com essas observações pretendemos refletir sobre a adequação de novas estratégias para a Educação Física para adolescentes que cumprem medida socioeducativa, possibilitando que pesquisas desta natureza superem a visão quantitativa para que não sejam vistos como meramente relatos de uma experiência, e sim, como propostas que apresentam mudanças, reflexões e ações. Considerações Consideramos que as aulas de Educação Física que permitem a participação discente não apenas como reprodutores de movimentos, mas de um modo que favoreça a interação e participação dos mesmos desde o planejamento torna-se mais significativa na vida dos educandos, pois os mesmos atribuem sentidos diversos ao que fazem, realizando as atividades com sua intencionalidade direcionada em suas ações. Ao decorrer das vivências realizadas nas aulas de Educação Física, os adolescentes foram aumentando o envolvimento/ participação de modo que até Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003507 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 10 passaram a colaborar na realização das atividades, contribuindo na organização de circuitos. O processo de conscientização ocorre a todo o momento, a todo instante temos que estar atentos com eles, buscando ensinar e aprender juntos, refletindo sobre nossas condutas. No que diz respeito à Educação Física, temos que considerar o processo histórico da mesma no âmbito da escola, pois tem influências de várias concepções ou tendências pedagógicas. De certo modo ao analisar as escolhas dos alunos, houve uma unanimidade pelo elemento cultural esporte para ser desenvolvido no bimestre, e após discutirmos as possibilidades de esportes, escolheram o futsal. A medida que participam das vivências do futsal e dos jogos, alguns momentos surgiam discussões sobre a falta de transparência no jogo por parte de alguns adolescentes. Então fazia intervenções de modo a promover uma reflexão coletiva sobre o que seria adequado fazer, pois grande parte das situações se os adolescentes fossem resolver sozinhos utilizariam da agressão física e verbal para tentar resolver os conflitos. Quando realizavam os jogos propostos, havia os vencedores e os perdedores, no início das aulas os que venciam falavam disso até o término do dia como forma de brincadeira com os que perderam que muitas vezes não aceitavam a perda. Este aspecto demandou muitos diálogos para que compreendessem não haveria somente momentos de perdas ao decorrer da vida, e que necessitariam ser resilientes, mas também houve a necessidade de fazer uma intervenção junto aos que venciam que mesmo as vitórias sendo alternadas, pareciam que nunca haviam perdido que nunca tinham vivenciado a derrota e tornavam a humilhar os perdedores. Após o encerramento deste tema, realizamos outra discussão, e o retorno foi positivo tanto na discussão quanto nas avaliações feitas ao decorrer das aulas. Assim podemos considerar que uma perspectiva dialógica pode contribuir no processo de ensino e de aprendizagem, a medida que valoriza o conhecimento do aluno, e caminha para o desenvolvimento de um cidadão crítico e reflexivo, autônomo e emancipado. Referências Bibliográficas ANDRADE, M. P. Educação Física na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM/SP: Uma análise da proposta de 1992 a 1994 segundo os discursos dos professores. Dissertação de mestrado, FEF-UNICAMP, Campinas, 1997. Junqueira&Marin Editores Livro 1 - p.003508 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 11 ANDRÉ, M. E. D. A. Estudo de caso em Pesquisa e Avaliação Educacional. Brasília: Líber Livro, 2005. BETTI, M.; KUNZ. E.; ARAUJO. L. C. G.; GOMES-DA-SILVA, E. Por uma didática da possibilidade: implicações da fenomenologia de Merleau-Ponty para a Educação Física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte. V.28, n.2, p. 39-53, jan. 2007. BODGAN, R.; BIKLEN, S. 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