XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
PARTICIPAÇÃO, TRABALHO DOCENTE E (RE)FORMAÇÃO
HUMANA
Andréa Giordanna Araujo da Silva
Universidade Federal de Alagoas
Resumo
A investigação caracteriza-se pela análise da participação na formulação das propostas
curriculares, na atuação e monitoramentos das práticas docentes no Ensino Médio, na
modalidade Educação de Jovens e Adultos, e busca demonstrar que não é possível o
desenvolvimento profissional qualificado e o comprometimento ético-político do corpo
docente sem a participação constitutiva. Para compreender as formas e níveis de
participação dos professores na formulação das propostas educacionais, o estudo teve
como objeto de investigação o Projeto Avançar, ação educativa desenvolvida entre os
anos de 2001 e 2008, e como subsídio teórico, a ser confrontado, as propositivas de
Pedro Demo (1988, 1999, 2000, 2004) sobre a participação e os fundamentos do
materialismo histórico dialético (MÉSZÁROS 2005, 2006; LUKÁCS, 2007) sobre a
condição social do ser humano. Por conseguinte, o estudo evidencia que mais que
instrumento de negociação e/ou de confronto, a participação é prática sócio-histórica
constitutiva das formações culturais humanas. É o lugar de caracterização e de
desenvolvimento ético, político, estético, físico, emotivo e cognitivo do ser social.
Portanto não se trata de um lugar social a ser conquistado, mas configura-se como uma
condição ao fazer-se humano. A partir da reflexão sobre a precariedade das formas de
financiamento do Ensino Médio e da discussão sobre a busca do governo central pela
elevação das taxas de rendimento escolar por meio da implantação de programas
político-pedagógicos em regime de parceria, o estudo aponta para necessidade de um
ciclo formativo estruturado sobre três eixos constitutivos e interdependentes: formação
inicial e continuada, atuação experiencial e participação constitutiva.
Introdução
As diretrizes e recomendações oficiais do Ministério da Educação (MEC) têm
contribuído para uniformização das práticas de Ensino Médio e restringindo a
autonomia político-pedagógica e heterogeneidade das práticas formais de ensino
direcionadas aos adolescentes e jovens e adultos trabalhadores. Os postulados do MEC
estão relacionados, normalmente, a interesses de cunho econômico e político, como
redução de custos e elevação dos índices de sujeitos escolarizados nos estados
federativos. É importante lembrar que o Ensino Médio configura-se como última etapa
da Educação Básica. De caráter terminal, esse nível de ensino apresenta-se como se
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fosse à finalização do cumprimento do dever estatal com a formação do cidadão
(obrigação jurídica).
Desde o início da implantação das políticas neoliberais pelos governos
brasileiros, nos anos de 1990, sobre a influência das agências credoras internacionais, a
prioridade escolar tem se restringido à expansão e universalização do Ensino
Fundamental, direcionado ao público infantil. Sendo tratado como uma ação de
progressiva obrigatoriedade, o Ensino Médio foi usualmente, operacionalizado com
recursos provisórios, obtidos por meio de convênios com empresas privadas ou agências
internacionais (como o Programa de Melhoria e Expansão no Ensino Médio –
PROMED, instituído pela Resolução/CD/FNDE nº 023, de 28 de maio de 2007). Logo,
os percentuais de recursos direcionados a educação secundária têm definido o formato e
a qualidade de ensino ofertado, que tem se apresentado como de baixa qualidade, visto
que o financiamento do Ensino Médio se apresenta em proporções, custo por aluno,
bem inferiores aos recursos destinados aos alunos ingressos no Ensino Fundamental
(GOMES; MORGADO, 2007).
Por conseguinte, a precariedade das formas de financiamento do Ensino Médio e
a busca do governo central pela elevação das taxas de rendimento escolar, são fatores
que contribuem para implantação de programas político-pedagógicos que negligenciam
as necessidades formativas dos alunos futuros ou ativos trabalhadores e contribuem com
os processos de precarização do trabalho e da formação do professor do Ensino Médio.
Embora o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) represente um avanço no
financiamento do ensino secundário, visto que já em 2007, a definição dos valores do
custo-aluno foi maior para as séries finais do Ensino Fundamental e para o Ensino
Médio (SOUSA JUNIOR, 2007), a ampliação do número das vagas e principalmente a
estrutura operacional física e humana das escolas ainda é uma questão preocupante para
os gestores estaduais.
Neste quadro, o estudo apresenta algumas das conclusões finais do curso de
mestrado e iniciais da investigação de doutoramento, em curso, sobre a relação públicoprivado na constituição do Ensino Médio em Pernambuco. A discussão desenvolvida se
estrutura como uma reflexão sobre os efeitos da supressão da participação constitutiva,
provocados pela realização das parcerias entre o setor público estatal e as entidades
sociais de serviço (Fundações e Institutos) em médio e longo prazo, sobre a formação
ético-política do professorado.
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Tendo como objeto de investigação o Projeto Avançar, ação educativa
desenvolvida de 2001 até 2008 e atualmente denominada de Projeto Travessia,
buscaremos como subsídio teórico, a ser confrontado, as propositivas de Pedro Demo
(1988, 1999, 2000, 2004) sobre a participação e os fundamentos do materialismo
histórico dialético (MÉSZÁROS 2005, 2006; LUKÁCS, 2007) sobre a condição social
do ser humano para desenvolver os princípios da participação constitutiva. As
teorizações inquiridas possibilitaram desenvolver a propositiva de que a participação
caracteriza-se como condição à formação cultural e identitária do ser humano. A partir
desta direção, o estudo demonstra que só com participação direta na formulação das
propostas curriculares, na atuação e monitoramentos das práticas de Ensino Médio, é
possível o desenvolvimento profissional qualificado e o comprometimento éticopolítico na (re) criação da escola pública, objetivada para o desenvolvimento do gênero
humano e superação da sociedade do capital.
Por conseguinte, os efeitos do regime de parceria sobre rede estadual de ensino
público em Pernambuco e os mecanismos que promovem a alienação da participação
constitutiva nas práticas de Ensino Médio na modalidade EJA foram capturados da
análise de discursos dos egressos sobre a atuação e formação do professores.
Ensino e Professor medianos
A medida que se expande os programas fechados de Ensino Médio, instituídos
em regime de parceria entre instituições públicas e privadas, a formação do professor se
torna mais precária, pois os cursos adquiridos, por meio de parcerias ou convênios, não
se apresentam como espaços para o diálogo, partilhamento informações, expressão das
expectativas e discussão das prioridades formativas dos alunos e professores. São
programas curriculares “acabados” e implantados de forma vertical, que observam o
professor como executor de métodos e técnicas de ensino (FONSECA, 1998).
Por conseguinte, elaborados por equipes técnicas distanciadas físico e
politicamente dos espaços de atuação dos professores, e mesmo das redes de ensino que
compram ou recebem, os programas educativos de Ensino Médio atendem as exigências
(mínimas) oficias do MEC, em relação as cargo horária, cronograma, programa de
disciplinas e formação técnica dos professores para o uso dos recursos didáticos, mas
pouco atende as necessidades do corpo discente e, ainda, se apresentam como um
obstáculo ao desenvolvimento de práticas curriculares diversificas e à formação
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político-social e profissional do professor. A falta de domínio epistemológico e teórico
sobre o campo de trabalho dificulta a atuação autônoma do corpo docente e a
identificação dos mecanismos de silenciamento impostos pelo regime de parceria aos
programas curriculares de Ensino Médio, restringindo assim as possibilidades de
desenvolvimento de práticas de resistência. Isto ocorre porque a intervenção tecnicista
na subjetividade do professor provoca [...] a individualização crescente, que inclui a
destruição das solidariedades baseadas numa identidade profissional comum [...]
(BALL, 2004, p. 1118). Ainda, “[...] o que não é ensinado ou é silenciado condicionará
de alguma maneira as análises de muitas situações e problemas sociais, impedirá que se
levem em conta algumas alternativas, restringirá possibilidades de intervenção social
[...]” (SANTOMÉ, 2003, p. 214).
Cabe expor que a instituição que elabora e executa os projetos de Ensino Médio
para pessoas jovens e adultas em Pernambuco (a FRM) é procedente do setor
corporativo empresarial, cujo ideário formativo é reproduzir na escola pública a
consciência corporativista mercantil. Para tanto, a participação, condição constitutiva ao
desenvolvimento humano, vem sendo suprimida das unidades escolares, sendo
substituída por as propostas de ensino de qualidade vertical, que limitam o potencial
inventivo e o desenvolvimento das habilidades cognitivas e ético-políticas do corpo
docente. Este fenômeno carece de maior atenção da sociedade civil porque o controle da
escola pública por instituições a serviço do capital impossibilita o desenvolvimento das
práticas de contra-internalização (MÉSZÁROS, 2005).
Participação: condição à formação político-profissional-identitária do professor e
instrumento de controle social da escola pública.
A participação é um imperativo constitucional, visto como instrumento de
consolidação da cidadania, desenvolvida pelo exercício dos direitos e deveres sociais e
individuais. Negar ou reduzir a participação do cidadão na gestão pública significa
limitar seu dever e negar seu direito (CONSTITUIÇÃO, 1988). Por conseguinte, ao
implantar programas de ensino, por meio de convênios e/ou parcerias e/ou compra de
protótipos educativos, sem a participação dos corpos docente e discente na formulação
das propostas, as secretarias de educação negligenciam o imperativo oficial.
A participação possibilita ampliar e qualificar as práticas democráticas, por meio
da partilhamento do poder e a inclusão político-social. A participação dos professores
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na formulação, implementação e monitoramento das propostas educativas estaduais,
além de cumprir com o imperativo jurídico, corresponde um processo de aprendizagem
e qualificação político-social dos trabalhadores-professores. Mesmo, tendo claro que a
centralidade política não se apresenta como instrumento de luta suficiente para um
radical combate aos mecanismos de controle do saber e do poder nas sociedades
capitalistas (BERTOLDO, 2009), é importante dispor deste lugar de resistência, porque
a política é a mais importante instituição de manutenção do sistema de controle
instituído pelo capital (ALVES, 2009).
Para Pedro Demo (1991), os projetos elaborados de forma vertical (sem a
participação dos sujeitos professores e alunos) têm como conseqüência a formação do
“cidadão” cada vez mais dependente e discriminado, inapto a formulação e vivência de
práticas alternativas às ações que perpetuam as desigualdades e discriminações sociais.
No processo de discussão, confronto e reflexão sobre a sua realidade social,
compreendida neste estudo como participação constitutiva, e por isso inventiva, os
sujeitos professores e alunos do Ensino Médio são capazes de identificar os fatores
históricos, econômicos e culturais que promoveram, perpetuam e legitimam os quadros
de marginalização sócio-políticas e econômicas em que se inserem, e são capazes,
portanto, de apresentar de forma consciente e sistemática propostas formativas mais
condizes com as suas necessidades e perspectivas. Pois mais que uma conquista política
(DEMO, 1999), a participação é condição ao desenvolvimento do homem.
A participação está diretamente vinculada ao desenvolvimento da identidade e
do comprometimento do professor, mais que a democratização do espaço político e a
associação para ganhos particularistas ou/e coletivos de grupos sociais específicos
(COUTINHO, 2002), a participação é condição imperativa ao desenvolvimento
histórico-cultural do ser humano.
Assim, a não-participação, bem como a perspectiva de participação política,
vista apenas como dever e direito, continua sendo formas de alienação da formação
integral do ser humano. Interpretar a participação a partir da perspectiva instrumental
e/ou política é alienar o ser humano de seu potencial cultural inventivo e autoformativo.
Logo, qualquer atividade político-pedagógica que negue ao homem sua condição de ser
partícipe de sua formação, volta-se para a captura de sua subjetividade e provoca a
desumanização do ser social, existência social estranhada (MARX, 2006, ALVES,
2007).
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Nos anos de 1980, a participação social e coletiva tinha caráter reivindicativo,
buscava-se a melhoria das condições sociais por meio do controle social e coletivo das
ações do Estado. Por conseguinte, nos anos de 1990, “em virtude da confluência dos
projetos e do enfrentamento em diferentes culturas políticas, a participação deixa de ser
um instrumento de confronto as diretrizes do Estado, para se caracterizar como
“participação negociada” na disputa entre projetos distintos. Um “processo de co-gestão
entre o Estado e a sociedade nos novos espaços públicos”. (NEVES, 2007, p. 46,).
Neste quadro de disputa de sentidos, distintas e contrapostas concepções de participação
têm constituído os discursos educacionais em diferentes perspectivas político-sociais.
Uma das concepções que tem se tornado hegemônica no campo específico da educação
é o ideário de participação como “habilitação social e empoderamento” (UNESCO,
2010). Nesta perspectiva, a participação é concebida como espaço de tomada de
decisões e acumulação de capital social e tem como objetivo desenvolver nos sujeitos a
capacidade de negociação e interlocução com o poder público.
Numa contraposição ao ideário instrumentalista, Pedro Demo faz referência à
participação como “o processo de histórico de conquista da autopromoção” [...], como
“um fenômeno essencialmente político”, (1988, p. 23), intrinsecamente vinculado a
base econômica das sociedades. Neste lugar de interpretação, os indivíduos são
observados como atores políticos que procuram consolidar de seus interesses na
organização e na criação uma forma de poder diferente (e confrontiva) da hegemônica
(DEMO, 1999).
Por conseguinte, fundamentado no materialismo histórico dialético, podemos
afirmar mais que instrumento de negociação e/ou de confronto, a participação é prática
sócio-histórica constitutiva das formações culturais humanas. É o lugar de
caracterização e de desenvolvimento ético, político, estético, físico, emotivo e cognitivo
do ser social (de formação integral). Logo, sem participação constitutiva não existe
possibilidade de formação, comprometimento e atuação político-profissional qualitativa
no campo educacional, isso porque o desenvolvimento de trabalhos prescritos (“projetos
parceiros” na escola) alimenta o processo de externalização estranhada, tão necessário
ao processo sócio-metabolismo da barbárie (do capital).
A subtração dos espaços participativos nos ambientes escolares, provocada pelo
regime de parceria estabelecido entre o Estado e organizações sociais (fundações e
institutos), resulta numa organização fragmentada e despolitizada do corpo docente e na
“depreciação da política e do político, e do público em relação ao privado” (NEVES,
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2002, p. 106, grifo meu). Como resultado, os trabalhadores da educação também se
desenvolvem como força de trabalho simples (NEVES, 1997), destituída do poder de
resistência às pressões do mercado sobre o currículo escolar. É imprescindível lembrar
que ao eliminar a participação (enquanto determinação ontológica do ser social), o
capital promove a despossessão das habilidades cognitivas e comportamentais do ser
social (ALVES, 2009).
Fundamentados na concepção tecnicista de aprendizagem (especificamente no
ideário do “aprender a aprender”) os projetos, estabelecidos por meio de parcerias ou
convênios entre o Estado e as fundações e os institutos, tem tratado o professor como se
fosse um sujeito social neutro e utiliza as capacitações continuadas como espaço de
instrumentalização tecnicista. Dessa forma, silencia os interesses e expectativas dos
professores, pois os conhecimentos (conteúdos e métodos de ensino) são procedidos, de
um centro técnico-científico, a agência/instituto/fundação, para uma periferia, as
escolas, não são desenvolvidos pela/na participação (SILVA, 2010). Assim, os
conhecimentos e práticas, desenvolvidas, ressignificadas e produzidas pelo professores
em sua formação profissional inicial e experiencial são silenciados e seu potencial de
desenvolvimento político, profissional-identitário e de comprometimento como
professor do Ensino Médio é restringido. No discurso da gerente-geral de Educação e
Implementação da Fundação Roberto Marinho, Vilma Guimarães, publicado no Jornal
O globo, em 02 de dezembro e 2010, no jornal o globo, é possível identificar a
perspectiva do Telecurso como ensino regular, mesmo sem a participação dos
professores na formulação da proposta educativa:
[...] Foi oferecido o material didático do programa Telecurso, a
metodologia de ensino e o programa de formação de professores. O
governo do estado [Manaus] cedeu as salas e os professores.
- Queremos que esse projeto seja o primeiro de muitos, porque temos
interesse em dar continuidade do programa em Manaus expandindo para o
ensino regular (grifo meu).
A subtração do controle na elaboração das propostas curriculares e a imposição
do fazer, já consolidados em Pernambuco, coloca o professor na condição de ser
reificado, realizador de um trabalho estranhado. Neste caso, o professor qualifica-se
como um decodificador de pacotes de saber produzidos em série (FRIGOTTO, 2001).
Diferentes pesquisadores têm apresentado estudos apontando a importância da
formação inicial e continuada dos professores e analisado os efeitos da omissão do
poder público no tratamento da questão (DI PIERRO; GRACIANO, 2003;
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MACHADO, 2000; MOURA, 2009; PAIVA, 2005; SOARES, 2002; TORRES, 2003,
OLIVEIRA, (2007). A partir destes estudos, podemos inferir que a formação qualitativa
do corpo docente deve se realizar em três eixos constitutivos e interdependentes:
formação inicial e continuada, atuação experiencial e participação constitutiva.
Cada eixo qualifica-se como condição ao desenvolvimento sócio-político do
trabalhador-professor. Por conseguinte, os processos iniciais e continuados de formação
no âmbito acadêmico propiciam conhecer os fundamentos teórico-metodológicos e
político-pedagógicos das práticas escolares e compreender as “características e
especificidades dos alunos, nos aspectos antropológico, histórico, filosófico, cultural,
psicológico, sociolinguístico (MOURA, 2009, p. 47, grifo meu). No eixo experiencial, o
professor inicia o processo de vivência e recriação dos saberes aprendidos nos cursos de
formação inicial e/ou continuados e a revisão, recriação e criação de sentidos e
significados das práticas de ensino-aprendizagem. Já a participação constitutiva, além
de fundamentar os eixos anteriores, deve ser o fundamento da elaboração dos programas
curriculares de Ensino Médio (de qualquer tipo), em âmbito governamental.
Do Professor-Educador ao Facilitador-Executor
Para o ato educativo qualitativo se materializar é imprescindível pensar o
professor como profissional do ensino e como educador político e social, assim, só é
possível, como dito anteriormente, uma atuação substantiva se a formação do professor
estiver alicerçada nos três eixos: formação inicial e continuada, atuação experiencial e
participação constitutiva. Vejamos as percepções dos egressos da EJA sobre a
qualificação docente e sobre a função social do professor:
E uma coisa que eu não achei muito legal, assim.... Porque, pronto, o
professor que mim ensinava era de matemática. Pronto, ele dominava
bem a matéria de matemática. Apesar dele ter feito capacitação, né, nas
outras matérias, mas sempre ficava assim, às vezes, uma dúvida, com
relação as outras matérias e algumas determinadas matérias, que não
eram bem dominadas, aí a gente128 tinha que pesquisar, mais por fora,
pra poder alcançar aquele objetivo, naquela matéria, domina aquele
objetivo. Foi a única coisa assim... negativa que eu vi do curso (Maria
José Ramos, 47 anos, grifo meu).
Mas a princípio, no caso, a turma toda era muito unida, unida o pessoal,
quando tinha pesquisa, a gente fazia, é...quando tinha dúvida, a gente
procura também, não espremia muito o professor, porque sabia que ele
dominava bem a matéria dele e... as matérias assim, por exemplo,
matemática e a de física também, as vezes ficava assim umas duvidazinhas
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no ar, mas nada que não pudesse ser resolvido (Maria José Ramos, 47
anos, grifo meu).
Tinha aulas assim..., de debate. Quando a gente recebeu o livro, aí melhorou,
porque quando, as pessoas liam as matérias, aí quando chegava no colégio,
era questão de já ter visto alguma coisa, aí só tirava mais dúvida né. [...]
Mas a princípio, no caso, a turma toda era muito unida, unida o pessoal,
quando tinha pesquisa, a gente fazia, é...quando tinha dúvida, a gente
procura também, não espremia muito o professor, porque sabia que ele
dominava bem a matéria dele e... as matérias assim, por exemplo,
matemática e a de física também, às vezes ficava assim umas
duvidazinhas no ar [...]. (Maria José Ramos, 47 anos, dona de casa, grifo
nosso).
Hum...Não, não, Não em relação ao trabalho, Em relação ao trabalho não.
Não, porque as aulas eram bastante cansativas. Vídeo...E a metade da
turma, num sei lá, num era muito acostumada a aulas de vídeo, aí
atrapalhava. O professor Vagner era um professor nota dez. Mas, sei lá,
ele tinha muita dificuldade de passar as aulas de vídeo à turma. E o
Projeto a Avançar, falando sério, era muito cansativo. Porque, fita de
duas horas, uma hora e meia, duas horas: só vídeo, só vídeo, só vídeo, só
vídeo. A turma num. Sei lá. Pudia variar, porque era módulo né, de dois em
dois meses: só matemática, matemática, depois só português, português. Aí
ficava meio complicado. Era sempre a mesma disciplina por dois meses.
(Marcos Gomes Santos, 34 anos, grifo meu).
Como observado nos depoimentos dos egressos do Ensino Médio na modalidade
EJA (Projeto Avançar), a formação precária do professor, para ensinar todas as
disciplinas do Ensino Médio, associada à inabilidade técnica-pedagógica, resultante
possivelmente da má qualidade dos processos formativos do projeto, são uma clara
demonstração dos efeitos negativos provocados pela alienação da participação
constitutiva na formação e atuação docente.
É importante destacar que os nomes expressos dos ex-alunos citados no texto
são fictícios para preservar a identidade do depoente, mas foram mantidos os formatos
de construção dos argumentos e termos usados pelos egressos do Projeto Avançar, para
conservar os sentidos e significados produzidos pelo falante.
Considerações Finais
O estabelecimento de ações de associadas para oferta da educação básica não
corresponde a um qualitativo movimento de participação, caracteriza-se como uma ação
autoritária do Estado, que de forma vertical define as ações educativas que serão
realizadas nas instituições de ensino de formal para promover a desqualificação
político-profissional e humana do corpo docente e viabilizar “uma estratégia de
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construção de consensos que viabilizem a coesão sócia necessária e premente”
(NEVES; PRONKO, 2008, p. 168).
Nenhum ser social é capaz de contribuir com a emancipação do ser humano sem
que seja partícipe do desenvolvimento da sociedade. Logo, a compreensão do projeto
social em que se insere e deseja desenvolver é uma condição à formação do educador
político, pois mais que um direito ou deve, a participação é o espaço de
desenvolvimento do humano e, por decorrência e necessidade histórica, do profissional.
A qualificação profissional do corpo docente realizada em parceria e sem a
participação do professor caracteriza-se como uma das formas criadas pela capital para
reduzir o potencial de resistência e criatividade nas escolas e, como em outros grupos de
trabalhadores, desqualifica a política e opera “intensa investida ideológica, buscando
anular o antagonismo de classe mediante o ideário da colaboração e harmonia social”
(NEVES; PRONKO, 2008, p.11).
A participação é constitutiva porque o ser histórico é um órgão vital de qualquer
sociedade. Independe da condição material (classe) em que se encontre o ser social, ele
é partícipe no corpo social porque nasce e desenvolve como parte constitucional de um
todo. Assim, devemos está atentos aos discursos que apresentam os processos
formativos e lugares identitários de professores como resultantes de condições políticas
e organizacionais externas ao fazer-se humano.
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Junqueira&Marin Editores
Livro 3 - p.002766
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