XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 28 EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: UM CONCEITO EM TRANSFORMAÇÃO Luiz Fernando Conde Sangenis – FFP/UERJ RESUMO: O conceito de extensão universitária, nas duas últimas décadas, tem transitado da polissemia a um entendimento mais uníssono por parte da própria comunidade acadêmica. Como causas desta transformação, podemos apontar a criação do Fórum de Pró-Reitores das Universidades Públicas Brasileiras e o surgimento do Edital ProExt, de responsabilidade do MEC/Sesu, indutor de ações extensionistas que se caracterizam pela preocupação com a inclusão social. De prima pobre e com status inferior, antes o ensino e a pesquisa, a extensão tem buscado encontrar o seu lugar e o seu papel no âmbito da universidade brasileira. Entendida, cada vez mais, como vocacionada à grande articuladora da tríade que forma a extensão, com o ensino e a pesquisa, torna-se responsável por uma reforma da autocompreensão da universidade e das suas relações internas, e desta com a comunidade. Pretende retirar da extensão o caráter de "terceira função" para dimensioná-la como filosofia, ação vinculada, política, estratégia democratizante, metodologia, sinalizando para uma universidade voltada para os problemas sociais com o objetivo de encontrar soluções através das pesquisas básica e aplicada, visando realimentar o processo ensino-aprendizagem como um todo e intervindo na realidade concreta. Em sua relação com a pesquisa, juntas, seriam responsáveis pela criação e recriação de conhecimentos capazes de provocar transformações sociais. Por seu turno, em relação ao ensino, propugnaria transformações curriculares que determinariam um novo conceito de sala de aula e de aprendizagem. Palavras-chave: extensão universitária, concepção de extensão, universidade pública 1. Extensão: oceano de pluralidades Da tríade indissociável que caracteriza a ação universitária, a extensão – que com o ensino e a pesquisa a compõem – é a que mais causou equívocos e interpretações das mais variadas, especialmente, quando partimos para o enunciado das definições. O que é extensão, o que a caracteriza, quais seus objetivos, qual seu papel dentro e fora da universidade? Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006044 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 29 Num oceano de pluralidades, nem sempre conseguimos o consenso dos que aportam em terra segura. Ao contrário do ensino e da pesquisa, a extensão tem sentido polissêmico. E isso não se deve à abundância de produções bibliográficas que venham discutir o tema. A reduzida produção sobre a extensão, tomando por critério comparativo a correspondente literatura sobre o ensino ou a pesquisa, ainda é marcada por divergências quanto ao objetivo e o significado da extensão universitária. Considerando esta insipiente literatura, destacamos os trabalhos de Botome (1996), de Mesquita (1997) e de Nogueira (2005). Consultando-os encontramos diversos conceitos de extensão universitária. Mesquita menciona, ao menos, dezenove conceitos diferentes, aos quais classifica de “vulgares”; divide-os em cinco categorias, assim caracterizadas: (1) oferta de cursos; (2) prestação de serviços; (3) atividade complementar ao ensino e à pesquisa; (4) compensação ou “remédio” para suprir as falhas do ensino regular; (5) e, finalmente, instrumento político-social. Pesquisa realizada pela Comissão Permanente de Avaliação da Extensão (CPAE) do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Bra¬sileiras, em 2007, levantou informações sobre as concepções de extensão das Instituições Públicas de Educação Superior referentes aos anos de 1993 e 2004. Concepção de Extensão nas Instituições Públicas de Educação Superior – 1993 Concepção Função de articulação entre a Sociedade e a Universidade Função que leva a Universidade ao cumprimento de sua missão social Função de prestação de serviço por parte da Universidade Função de politização da Universidade Função de alimentação/retroaliment ação do ensino e da pesquisa (resposta espontânea) Função de articulação do ensino com a pesquisa (resposta espontânea) Outras f 61 % 98,4 55 88,7 40 64,5 34 54,8 5 8,1 4 6,4 16 25,8 Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006045 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 30 Concepção de Extensão nos instrumentos legais nas instituições públicas de educação superior – 2004 Concepção Articulação entre a universidade e a sociedade Articulação do ensino Articulação da pesquisa Promoção de interdisciplinaridade Transmissão do conhecimento produzido pela universidade Prestação de serviços Cumprimento da missão social da universidade Outros f 71 % 98,6 66 65 58 91,7 90,3 80,6 58 80,6 55 64 76,4 88,9 6 8,3 2. Extensão: um conceito em mutação A origem da extensão brasileira foi marcada pelo assistencialismo e por uma atitude soberba da universidade, entendida como torre do saber, que, benemeritamente, concedia à comunidade a chance de ilustrar-se ou de resolver seus problemas ao usufruir das conquistas do saber acadêmico e científico. Vigorava uma dicotomia entre ensino, pesquisa e extensão. Ao longo de anos esta realidade não se alterou significativamente. Os primeiros registros oficiais sobre Extensão Universitária aparecem no Estatuto da Universidade Brasileira / Decreto-Lei no 19.851, de 1931 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no 4.024, de 1961, centrados na modalidade de transmissão de conhecimentos e assistência. A Reforma Universitária de 1968, Lei 5.540, tornou a Extensão obrigatória em todos os estabelecimentos de ensino superior e nas universidades, como cursos e serviços especiais estendidos à comunidade. Com o fortalecimento da sociedade civil durante os anos 80 é discutido um novo paradigma para a universidade brasileira, sua relação com a sociedade e o papel da extensão. Nesse movimento é criado, em reunião na UnB, o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas (1987), que expressa o novo conceito no I Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006046 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 31 Encontro Nacional de Pró-Reitores de Extensão. Em 1988 é aprovada na Constituição o princípio da indissociabilidade ensino – pesquisa – extensão. O conceito de Extensão definido pelo Fórum, naquela época, foi básico para o desenvolvimento conceitual, expresso no Plano Nacional de Extensão que explicita sua praxis nos princípios da indissociabilidade e ação transformadora, com interação social e interdisciplinaridade. Após o Plano Nacional de Extensão (1999-2001), elaborado pelo FORPROEX Fórum dos Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras e pela Secretaria de Educação Superior, e mais as iniciativas das políticas indutoras do MEC, ficou fortalecida a ideia de que a finalidade da extensão universitária é a de servir de instrumento de política social com o objetivo de superação das desigualdades sociais existentes. A extensão entendida como prática acadêmica que interliga a Universidade nas suas atividades de ensino e de pesquisa, com as demandas da maioria da população, possibilita a formação do profissional cidadão e se credencia, cada vez mais, junto à sociedade como espaço privilegiado de produção do conhecimento significativo para a superação das desigualdades sociais existentes. (Brasil, MEC/Sisu, FORPROEXT) O MEC procura consolidar esta concepção de extensão na comunidade acadêmica utilizando instrumentos indutores, dos quais o mais destacado é o ProExt, em razão de ser uma das poucas possibilidades de financiamento das ações de extensão. O próprio MEC veicula em seu portal a seguinte informação: O Programa de Extensão Universitária (ProExt) tem o objetivo de apoiar as instituições públicas de ensino superior no desenvolvimento de programas ou projetos de extensão que contribuam para a implementação de políticas públicas. (grifo nosso) (Brasil, Portal do MEC) Criado em 2003, o ProExt abrange a extensão universitária com ênfase na inclusão social. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006047 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 32 Os temas do ProExt deixam clara a tônica na inclusão social: * formação de professores para o sistema educacional; * atenção integral à família; * combate à fome; * erradicação do trabalho infantil; * combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes; * juventude e desenvolvimento social; * geração de trabalho e renda em economia solidária; * promoção e/ou prevenção à saúde; * violência urbana; * direitos humanos; * educação de jovens e adultos; * atenção à pessoa idosa, à pessoa com deficiência e às populações indígenas e quilombolas; * atividades complementares ao Programa Brasil Alfabetizado; * educação ambiental e apoio ao desenvolvimento comunitário; * inclusão étnica; Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006048 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 33 * apoio à organização e desenvolvimento comunitário; * inclusão social dos usuários de drogas; * inclusão digital; * apoio às atividades de escolas públicas; * ensino de ciências; * Educação de jovens e adultos, incluindo apoio ao desenvolvimento de sistemas locais e regionais de educação, alfabetização e letramento. (BRASIL, MEC/Sisu) Não é sem razão que, apesar da palavra declarada, a extensão ainda sofre para deixar de se tornar atividade menos nobre da tríade – hierarquicamente encabeçada pela pesquisa, e seguida pelo ensino – e, consequentemente, a prima pobre da universidade. Numa mesma instituição, constatamos o desvalor dos que também cuidam da prática, que se imiscuem no mundo das coisas, enquanto outros, por dedicarem-se unicamente à pesquisa, ao inventar realidades, longe do burburinho da rua, têm o direito garantido de manter seus laboratórios e gabinetes aquinhoados com verbas de editais generosos quando encontram méritos e competências investigativas. A universidade custa a superar antigas hierarquias entre tipos de saber que remontam a tradição aristotélica. Por sua vez, aqueles que se dedicam à extensão tentam, com esforço, enobrecer a ação extensionista. Talvez, daí, segundo um ponto de vista, se defenda como meritória a concepção de universidade que mantém relação com a população com o objetivo de oxigenar a vida acadêmica. Em consequência, a produção do conhecimento, via extensão, se faria na troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, tendo como consequência a democratização do conhecimento, a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade e uma produção resultante do confronto com a realidade. Esta nova concepção de extensão pretende superar a compreensão tradicional de disseminação de conhecimentos produzidos pela universidade, a ciência, a técnica e a arte. Cursos, conferências, seminários, simpósios foram os meios preferenciais para a Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006049 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 34 divulgação do conhecimento científico; o conhecimento técnico, por sua vez, ensejava a prestação de serviços, via assessoriais, consultorias e ações assistenciais; e, finalmente, os eventos de difusão cultural, divulgariam a produção de arte e cultura. 3. Extensão: um novo conceito em formação Houve a necessidade de questionamento sobre as ações desenvolvidas pela extensão; de função inerente à universidade, a extensão começou a ser percebida como um processo que articula o ensino e a pesquisa. A produção do conhecimento, via extensão, se faria na troca de saberes sistematizados, acadêmico e popular, tendo como conseqüência a democratização do conhecimento, a participação efetiva da comunidade na atuação da universidade e uma produção resultante do confronto com a realidade. A pesquisa, tanto a básica quanto a aplicada, deveria ser sistematicamente direcionada ao estudo dos grandes problemas, podendo fazer uso de metodologias que propiciassem a participação das populações na condição de sujeitos, e não na de meros espectadores. Concebida e institucionalizada como processo educativo, cultural e científico, caberia à extensão articular o ensino e a pesquisa e viabilizar a relação transformadora entre a universidade e a sociedade. Trata-se de uma reforma da autocompreensão da universidade e das suas relações internas, e desta com a comunidade. Pretende retirar da extensão o caráter de "terceira função" para dimensioná-la como filosofia, ação vinculada, política, estratégia democratizante, metodologia, sinalizando para uma universidade voltada para os problemas sociais com o objetivo de encontrar soluções através das pesquisas básica e aplicada, visando realimentar o processo ensinoaprendizagem como um todo e intervindo na realidade concreta. A afirmação de que a extensão é parte indispensável do pensar e fazer universitários, exige um esforço pela institucionalização dessas atividades, tanto do ponto de vista administrativo como acadêmico, o que implica a adoção de medidas e procedimentos que redirecionam a própria política das universidades. A partir desta nova compreensão do papel articulador da extensão, com relação à pesquisa, haveria muitas possibilidades de articulação do trabalho da academia com setores da sociedade. Priorizando as metodologias participativas, universidade e comunidade seriam, juntas, responsáveis pela criação e recriação de conhecimentos Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006050 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 35 capazes de provocar transformações sociais, bem como identificar o que deve ser pesquisado e para quais fins e interesses se buscam novos conhecimentos. Quanto ao ensino, discutem-se formas alternativas de superação da forma tradicional da organização curricular, estruturado em torno de um conjunto rígido de disciplinas. Os currículos tornar-se-iam mais flexíveis e abertos. Para tanto, é necessário criar um novo conceito de sala de aula, que não se limite ao espaço físico da dimensão tradicional, mas compreenda outros os espaços, dentro e fora da universidade. Atividades complementares, por exemplo, abririam possibilidades de envolvimento, em que se realiza o processo histórico-social com suas múltiplas determinações, passando a expressar um conteúdo multi, inter e transdisciplinar, como exigência decorrente da própria prática. O estágio curricular é outra possibilidade promissora para viabilizar a extensão enquanto momento da prática profissional, da consciência social e do compromisso político. Idealmente, poderiam ser obrigatórios para todos os cursos, iniciando-se, de modo desejável, nos primeiros períodos, e estar integrado a projetos decorrentes dos projetos pedagógicos dos cursos e à temática curricular. Referências Bibliográficas: BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Superior. Fórum de PróReitores de Extensão nas Universidades Públicas Brasileiras. Comissão Permanente de Avaliação da Extensão Universitária. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, Editora Universitária, 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Superior. Fórum de PróReitores de Extensão nas Universidades Públicas Brasileiras. Indissociabilidade entre ensino-pesquisa-extensão e a flexibilização curricular: uma visão da extensão. Porto Alegre: UFRGS; Brasília: MEC/Sesu, 2006. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Superior. Fórum de PróReitores de Extensão nas Universidades Públicas Brasileiras. Plano Nacional de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006051 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 Extensão Universitária: 36 http://www.renex.org.br/documentos/Colecao-Extensao- Universitaria/01-Plano-Nacional-Extensao/Pl BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Ensino Superior, disponível em http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12241&Ite mid=487, acesso em 03/03/2012. BOTOME, S.P. Pesquisa alienada e ensino alienante: o equívoco da extensão universitária. Petrópolis: Vozes, 1996. MESQUITA FILHO, Alberto. “Integração Ensino-Pesquisa-Extensão.” Revista Integração, v. 9, p. 138-143, 1997, disponível em: http://ecientificocultural.com/ECC2/artigos/epe.htm, acesso em 01/03/2012. NOGUEIRA, Maria das Dores Pimentel. Políticas de Extensão Universitária Brasileira. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2005. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.006052