ESCOLA SUPERIOR DA MAGISTRATURA CAMPO GRANDE/MS DIREITO PROCESSUAL CIVIL HEITOR MIRANDA GUIMARÃES MESTRE EM DIREITO PROCESSUAL CIVIL ESPECIALISTA EM D. CIVIL E PROCESSO CIVIL ADVOGADO I. Considerações gerais O conceito de norma, princípio, regra, garantia e direito tem sido objeto de acirrados debates acadêmicos em sede de direito constitucional, teoria geral do direito e no campo da filosofia. Existem diversas construções e sistematizações sobre o tema, das quais destacam-se Robert Alexy, Ronald Dworkin e Canotilho. Essas construções têm elementos positivos e negativos, vantagens e desvantagens, as quais adaptam-se ou não ao direito positivo de um Estado. II. Direitos Fundamentais Os direitos fundamentais e humanos são considerados institutos indispensáveis para a democracia, tendo em vista serem normas que fundamentam o Estado Democrático, onde a violação a essas diretrizes descaracteriza o próprio regime democrático (Nery Jr., 2009, p. 21). Os direitos fundamentais passam, pois, a ter recomendação dogmática perante as normas e regras estatuídas no sistema jurídico dos países onde vigem instituições democraticamente organizadas, motivo pelo qual leva a um aprofundamento dos conceitos e paradigmas do direito processual, voltando-o a uma idéia constitucionalista de processo. III. Distinção entre texto e norma Para o melhor entendimento dos conceitos impingidos na utilização dos textos legais e princípios gerais, é preciso traçar um conceito de norma. Desse modo, considera-se norma o sentido atribuído a qualquer disposição, sendo que disposição é parte de um texto ainda a interpretar. Portanto, norma é a parte de um texto interpretado (Alexy, 2002, p. 241). Segundo Muller (2005, p. 38), em sua teoria estruturante da norma, a precriçao juspositiva é apenas o ponto de partida na estruturação da norma, visto que a prescrição literal serve, em regra, para a elaboração do programa da norma. A normatividade é essencial à norma resulta dos dados extralingüísticos de tipo estatal-social: de um funcionamento efetivo, de reconhecimento efetivo e de uma atualidade efetiva desse ordenamento constitucional para motivações empíricas na sua área. Portanto, o resultado da interpretação do texto é que se apresentará como norma, não necessariamente o texto da norma, pois a interpretação é sempre aplicação e aplicação do direito é sempre uma atividade produtiva e criadora. (Nery, 2009, p. 23) A normatividade não se relaciona com o texto da norma, é o resultado da interpretação que se apresenta como norma jurídica. O que, diferentemente, caracteriza “o texto da norma” é a sua validade, que consiste, de um lado, na obrigação dirigida aos destinatários da norma de conformarem com esta o seu comportamento e, de outro, na obrigação dirigida ao juiz de utilizar na sua integralidade os textos das normas jurídicas adequados ao caso particular e de trabalhar corretamente de um ponto de vista metódico. Norma seria a interpretação conferida a um texto (enunciado), sendo que não existe norma antes da interpretação. Interpretar é produzir uma norma, a qual será o produto do intérprete. IV. Princípios segundo Robert Alexy Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Segundo Alexy (2002, p. 86), os princípios são mandamentos de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, e de que seu cumprimento não somente depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. Alexy ainda complementa que o âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostas. No entanto, são diferentes no caráter da direção que cada um deles empreende. As regras são aplicáveis tendo em vista a idéia de tudo-ou-nada. Dentro dos fatos que a regra estipula, ou essa regra é válida e deve ser aceita ou, ao revés, a regra não é válida e, portanto, em nada contribui para a decisão. Partindo desse entendimento, pode-se vislumbrar que princípios são distintos de regras, não sendo a distinção entre eles problema de semântica. V. Princípios processuais derivados do due process of law O due processo of law, em sua amplitude de cláusula, faz tornar-se desnecessário qualquer dogmatização principiológica relativamente ao direito processual. Entretanto, mostra-se pertinente fixarem-se os limites dessa incidência, de sorte a não tornar os direitos e garantias fundamentais como direitos absolutos, oponíveis a tudo e a todos, o que confrontaria a o estado de direito e o interesse público. Assim, serão estudados e analisados os princípios realmente fundamentais do ponto de vista de sua predominância constitucional, sem levar em consideração, necessariamente, a aplicação na esfera civil, penal, administrativa e trabalhista. V.1 Princípio da isonomia O princípio da isonomia vem estabelecido no inciso I e caput do artigo 5º da Constituição Federal, o qual estabelece que todos são iguais perante a lei. Esse princípio indica que os litigantes do processo devem receber do juiz tratamento idêntico, o que levou o disposto no art. 125 do Código de Processo Civil a ter recepção integral em face do novo texto constitucional. O art. 4º do CDC reconhece o consumidor como a parte mais fraca na relação de consumo, sendo que a norma consumerista ainda estabelece, no art. 6º, VIII, como direito básico do consumidor, a inversão ao ônus da prova. Esses artigos não são inconstitucionais, tendo em vista que tratam desigualmente os desiguais, desigualdade essa reconhecida pela própria lei, o que, processualmente, chegar a ser a concessão da oportunidade de se igualarem as armas. Válido ainda frisar a negativa da norma processual, calçada na jurisprudência e doutrina, de não se admitir a intervenção de terceiros, requerida pela parte, quando esta for o fornecedor de produtos ou serviços, também à luz do CDC, o que, se permitido fosse, levaria ao total desequilíbrio da relação triangular processual. V.2 Princípio do juiz natural (CF, 5º, XXXVII e LIII) Tem grande importância na garantia do estado de direito, bem como na manutenção dos preceitos básicos de imparcialidade do juiz na aplicação da atividade jurisdicional, atributo esse que se presta à defesa e proteção do interesse social e do interesse público em geral. Esse princípio coloca-se de modo triangular, tendo em vista que: Não haverá juízo ou tribunal ad hoc; Todos têm direito de se submeter a um julgamento por juiz competente; O juiz competente tem de ser imparcial. Já que a jurisdição é força e poder “exclusivo” do Estado, o mínimo que se deve garantir, para se valerem os direitos acima, é que o jurisdicionado tenha acesso a uma atividade lidimamente justa, garantida infra e constitucionalmente. Não confundir: Tribunal de exceção com prerrogativa de foro (CPC, 100); Juízo ad hoc com juízo/justiça especializada. V.3 Princípio da inafastabilidadde do controle jurisdicional e do direito de ação (CF, art. 5º, XXXV) Essa norma constitucional destina-se, principalmente, ao próprio legislador, apesar de atingir a todos indistintamente, valendo dizer, não pode o Estado nem ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão, a exemplo do que vergonhosamente ocorreu nos sistemas jurídicos dos Estados totalitários (AI-5/1968). Desse modo, é amplamente garantido a todos o acesso à justiça para postular tutela jurisdicional preventiva ou reparatória relativamente a um direito, sejam eles individuais, difusos ou coletivos. O direito de ação passou a ser, a partir de 1988, um direito cívico e abstrato, sendo um direito subjetivo à sentença tout court, seja de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação (CPC, 267, VI) e os pressupostos processuais (CPC, 267, IV). AI-5/1968, Art. 11. Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus Atos Complementares, bem como, os respectivos efeitos. V.4 Princípio do contraditório e da ampla defesa (CF, LV) Tal princípio é corolário constitucional, pois sua recomendação tem sido respeitada a longo tempo, valendo dizer: CI/1824, art. 179; CF/1891, art. 72; CF/1934, art. 113; CF/1937, art. 122; CF/1946, art. 141; CF/1967, art. 150; CF/1969, art. 153. Constitui-se fundamentalmente em manifestação do princípio do estado de direito, pois tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o direito de ação quanto o direito de defesa são manifestações do princípio do contraditório. Assim, o autor, réu, litisdenunciado, opoente, chamado ao processo, assistente (litisconsorcial e simples) e Ministério Público, ainda que atue como fiscal da lei, são abrangidos pelo contraditório. O contraditório caracteriza-se pela garantia de dar conhecimento da existência da ação e de todos os atos do processo às partes, e, de outro lado, a possibilidade deas partes reagirem aos atos que lhes sejam desfavoráveis. Garantir o contraditório significa a realização da obrigação de noticiar. No processo civil o contraditório e a ampla defesa não tem essa amplitude, sendo suficiente dar a oportunidade para os litigantes se fazerem ouvir no processo, por intermédio do contraditório recíproco, da paridade de tratamento e da liberdade de discussão da causa, onde os erros ou omissões praticados pelas partes/procuradores, são a elas exclusivamente delegados. No processo civil nem mesmo o julgamento antecipado da lide (CPC, 330) ou a sentença liminar de improcedência (CPC, 285-A) podem ser sequer considerados violação a estes princípios. V.5 Princípio da proibição da prova ilícita Aplicação do artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, em consonância com o artigo 332 do CPC. V.6 Princípio da publicidade dos atos processuais Aplicação do art. 93, IX, da CF-1988, em consonância com o art. 155 do CPC. V.7 Princípio do duplo grau de jurisdição O duplo grau de jurisdição foi tratado pelas Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas, com a existência da previsão de recursos. Seguindo sua evolução sistemática o princípio em comento alcançou maiores contornos na Revolução Francesa, (1789) nesse sentido pretendiase abrir portas às reformas de sentenças de juízes viciados, permitir o aperfeiçoamento do Judiciário e suas decisões partindo da idéia de que menor a possibilidade de erro em segunda instância que em uma única, e atender a anseios psicológicos do vencido na demanda. (PORTANOVA 2001, P.264) No Brasil a partir a partir do regulamento 737 de 1850 em seus artigos 639 e ss passamos a observar a previsão dos embargos, as apelações, a revista e os agravos. Sobre a matéria, a Constituição do Império de 1824, outorgada por D. Pedro I, e inspirada no constitucionalismo inglês, preconizou em seu artigo: Art. 158. Para julgar as causas em segunda e última instância haverá nas Províncias do Império as Relações, que forem necessárias para comodidade dos povos. As “Relações” declinadas na norma em epígrafe referiam-se aos tribunais, ou seja, evidenciava-se a garantia do duplo grau de jurisdição, ainda que de forma não absoluta e explícita, as demais constituições, segunda assevera Nery Junior (1996, p.163) limitaram-se apenas a traduzir e mencionar a existência dos tribunais e sua competência recursal, ressaltando a garantia implícita do duplo grau de jurisdição. A peculiaridade declinada acima, ganha relevância na medida em que a inexistência de garantia expressa da Constituição Federal possibilita a limitação ao direito de recorrer por lei infraconstitucional, sem que a mesma alcance contornos de inconstitucionalidade. A Constituição Federal de 1969 em seu artigo 119 parágrafo 1° acrescido pela Emenda n.° 7 de 1977, contemplou a possibilidade de restrição de acesso ao recurso extraordinário, valendo transcrever: Art. 119 [...] Parágrafo 1° - As causas a que se refere o item III, alíneas a e d, deste artigo, serão indicadas pelo Supremo Tribunal Federal no Regimento Interno, que atenderá à sua natureza, espécie e valor pecuniário e relevância de questão federal. Importante observar que a limitação imposta no regime de ditadura militar através de incontáveis emendas, é praticamente reproduzida nos dias atuais através da Emenda Constitucional 45/2004 que incluiu como pressuposto de admissibilidade de recurso extraordinário a exigência de repercussão geral da questão constitucional suscitada. V.8 Princípio da motivação das decisões judiciais Art. 93, IX e X (decisões administrativas dos tribunais devem ser motivadas), da CF-1988, em consonância com os arts. 165, 458 do CPC. V.9 Princípio da celeridade e da duração razoável do processo A CF-1988 acrescentou ao rol dos direitos fundamentais do art. 5º o inciso LXXVIII, garantindo a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. A nível de direito constitucional brasileiro adotou-se o princípio da duração razoável do processo e celeridade de sua tramitação. Esse dispositivo nada mais é do que um desdobramento do princípio do direito de ação (CF, art. 5º, XXXV), o qual é garantidor do direito de se obter a tutela jurisdicional adequada. Prevê, neste sentido, o Pacto de San José da Costa Rica (Convenção Interamericana de Direitos Humanos), de 22.11.1969, aprovado por nosso Congresso Nacional em 1992, que todos devem ser ouvidos em prazo razoável. Deve-se, entretanto, levar em consideração as circunstâncias e peculiaridades de cada região brasileira, do caso levado à lide, do juízo (comum ou especializado), etc., bem como, o procedimento adotado (rido ordinário, sumário ou juizado especial). É preciso apontar medidas para solucionar a morosidade do sistema judiciário, bem como implementarem soluções de gestão de qualidade, carreiras, salários, mão-de-obra qualificada, tecnologia, etc., caso contrário, tudo não passará de breve utopia! Questões: 1. Fazendo uma análise crítica, explique o princípio da isonomia à luz do princípio da legalidade. 2. Como podemos confrontar o sentido da norma com o significado do princípio sem causar desgaste à idéia de conceito basilar de direito? 3. Qual foi a aplicação prática da inserção do inciso LXXVIII no rol das garantias fundamentais da CF-88? Referências: BIBLIOGRAFIA: Alexy, Robert. Teoría de los derechos fundamentals. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002. 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