DIREITOS SUBJETIVOS FUNDAMENTAIS COMO DIREITOS JANETE RICKEN LOPES DE BARROS 1 RESUMO: O presente artigo visa tratar da importância de conhecer as competências positivadas no texto constitucional, para poder protegê-las, por meio da garantia de institutos, e, com isso, expandir o âmbito de autodeterminação do indivíduo em uma sociedade cada vez mais fragmentada. Nesse contexto, é essencial entender a perspectiva dos direitos subjetivos como espécie do gênero direitos fundamentais e sua tríplice divisão de posições exposta na Teoria Analítica de Robert Alexy: direitos a algo, a liberdades e a competências. A teoria parte da dogmática dos direitos fundamentais, tendo por objeto de estudo o direito positivo de uma determinada ordem jurídica como uma disciplina tridimensional integrativa: normativa, empírica e analítica. A definição semântica dos termos utilizados se torna necessária para a compreensão desse estudo, para tanto Alexy assume a linha de que, diante da diversidade daquilo que é designado como “direito subjetivo”, é recomendável que a expressão seja utilizada como um supra conceito para posições em si bastante distintas, para que, a partir daí, sejam feitas distinções e classificações terminológicas. O autor desenvolve a teoria analítica tratando das posições, sendo que o direito subjetivo engloba liberdades e competências. O conceito de liberdade será desenvolvido para se alcançar o sentido de liberdade jurídica negativa, o que corresponde estar diante de possibilidades, já o termo competência será utilizado no sentido de poder, como um acréscimo à capacidade do indivíduo, que lhe é atribuída pelo ordenamento jurídico. Restrições aos direitos fundamentais serão abordadas, mediante um processo de sopesamento, fundamentado na argumentação jurídica. PALAVRAS CHAVES: Direitos fundamentais, direitos subjetivos, liberdades, direitos de defesa, proteção das competências e dos institutos, tridimensionalidade dos direitos fundamentais e teoria analítica. 1 BARROS, Janete Ricken Lopes de. Analista Judiciário. Diretora de Secretaria da 1ª Vara Cível de Samambaia do TJDFT. Especialização em Processo Civil. Mestranda em Direito Constitucional do IDP. 2 “Por meio do reconhecimento de competências, a margem de ação do indivíduo é expandida.” (Robert Alexy) 2 INTRODUÇÃO Na teoria de Robert Alexy, para a compreensão dos direitos fundamentais é imprescindível entender o conceito de competência, partindo da premissa de que não há dúvidas de que existem competências do cidadão que gozam de proteção e não podem simplesmente ser revogadas, sob pena de violação do próprio direito fundamental. Inicialmente, busca-se apoio em Ingo Sarlet 3 para esclarecer que, ao menos na ótica semântica, o termo “direitos fundamentais” é o gênero, o qual engloba as demais variações utilizadas em todo o texto constitucional brasileiro, a saber: direitos do homem, direitos humanos, direitos subjetivos públicos, liberdades públicas, direitos individuais, direitos humanos fundamentais, dentre tantos outros, a saber: há que se levar em conta a sintonia desta opção (direitos fundamentais) com a terminologia (neste particular inovadora) utilizada pela nossa Constituição, que, na epígrafe do Título II, se refere aos “Direitos e Garantias Fundamentais”, consignando-se aqui o fato de que este termo – de cunho genérico – abrange todas as demais espécies ou categorias de direitos fundamentais, nomeadamente os direitos e deveres individuais (Capítulo I), os direitos sociais (Capítulo II), a nacionalidade (Capítulo III), os direitos políticos (Capítulo IV) e o regramento dos partidos políticos (Capítulo V). Neste sentido, salienta-se que atreladas às categorias específicas do gênero direitos fundamentais estão as diferentes funções exercidas por eles, tais como os direitos de defesa, os quais asseguram a igualdade e as liberdades individuais, que serão o enfoque do presente estudo, bem como os direitos de cunho prestacional, nestes incluídos os direitos sociais e políticos na sua dimensão positiva, e, ainda, os direitos-garantia e as garantias institucionais. Esclarece-se, apenas com intuito de identificar os termos que serão utilizados, que a expressão “direitos humanos” tem sido doutrinariamente vinculada ao direito internacional, no âmbito de validade universal, consistente nas posições jurídicas que são reconhecidas ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com uma determinada ordem constitucional, enquanto “direitos fundamentais” é expressão para os direitos reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional de um determinado Estado. 2 3 ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2008, p. 246. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 10ª ed, 2009, p. 28. 3 Os direitos subjetivos outorgados pela Constituição às pessoas são sobretudo a segurança de manter uma autodeterminação individual, um espaço livre de interferências estatais indevidas, no contexto de uma sociedade globalizada na qual tudo parece estar se coisificando, se despersonalizando. Para desenvolver o tema dos direitos subjetivos como espécie dos direitos fundamentais, Alexy inicia trazendo para o debate o problema de conceituar o direito subjetivo por ser um dos mais discutidos na literatura jurídica, o que também já era censurado por Kelsen, diante da falta de um questionamento concreto e preciso. Alexy revisita as posições de liberdade de vários teóricos, a exemplo de Kant que tratava a liberdade como um atributo do ser humano enquanto racional, consistente na prerrogativa de ser coagido pelo arbítrio de outrem. Traz a visão de Larenz, que entende a liberdade como um direito de alguém de ser respeitado por todos como pessoa e, ao mesmo tempo, o seu dever, em relação aos outros, de respeitá-los como pessoas. Quer seja, o direito de uma pessoa é aquilo que lhe cabe ou lhe é devido enquanto pessoa. Tratando da relação entre liberdade e competência, Alexy 4 afirma que Uma expansão das competências do indivíduo significa – desde que se pressuponha que o exercício da competência não é nem obrigatório, nem proibido - um aumento da sua liberdade jurídica. A liberdade jurídica, que é a que será tratada no presente estudo, de se realizar um ato jurídico, pressupõe a competência para fazê-lo, e o direito a uma competência está associado tanto ao conceito de garantia de institutos quanto ao conceito de liberdade. 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS E LIBERDADES Antes de adentrar na Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy, após ter definido os termos semânticos, é importante fazer algumas considerações iniciais acerca do significado dos direitos fundamentais, características e diferentes funções, especialmente diante do destaque atribuído a eles na Constituição Federal Brasileira de 1988. Diante da complexidade do sistema de direitos fundamentais, Gilmar Mendes 5 afirma que são necessários esforços para precisar os elementos essenciais dessa categoria e esclarece que Os direitos fundamentais são, a um só tempo, direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva. Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus 4 5 ALEXY, Robert, op. cit, p. 246. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, 3 ed, 2004, p.2. 4 interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamental da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – forma a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático. Decorre desses ensinamentos uma dupla perspectiva dos direitos fundamentais: uma subjetiva e outra objetiva 6 . Fica então consignado, conforme preleciona Ingo Sarlet 7 , que os direitos fundamentais não se limitam à função precípua de serem direitos subjetivos de defesa do indivíduo contra atos do Poder Público. Os direitos fundamentais passaram a se apresentar como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da ação positiva dos poderes públicos, e não apenas garantias negativas de interesses individuais. Nesse norte, pode-se afirmar que para a validade dos direitos fundamentais não se pressupõe uma uniformidade, na realidade são condutores de peculiariedades, as quais são encontradas por Konrad Hesse 8 ao tratar da importância da unidade política de uma Constituição, e, em apertada síntese, por não ser o objeto de fundo desse artigo, estão em garantir um processo político livre, estabilizador, racionalizar e limitar o papel do Estado, tudo para garantir as liberdades individuais. Destaca-se que: La unidad política que debe ser constantemente perseguida y conseguida en el sentido aqui adoptado es una unidade de actuación posibilitada y realizada mediante el acuerdo o el compromiso, mediante el asentimiento tácito o la simple aceptación y respeto, llegado el caso, incluso, mediante la coerción realizada con resultado positivo; en una palabra, una unidad de tipo funcional. La cual es condición para el que dentro de um determinado territorio se puedan adoptar y se cumplan decisiones vinculantes, para que, em definitiva, exista “Estado” y no anarquia o guerra civil. É de se ressaltar que a sociedade se organiza, transfere os poderes para o Estado e legitima o texto constitucional, com a função principal de salvaguardar a dignidade da pessoa humana 9 , o que significa que os direitos subjetivos devem ter ampla margem de efetividade e de proteção. 6 Canotilho, ao tratar da divisão de poderes, visualiza também essas duas dimensões subjetivas e objetivas, nos seguintes termos: “As três dimensões anteriormente analisadas – juridicidade, constitucionalidade, direitos fundamentos – indiciam já que o princípio do estado de direito é informado por duas idéias ordenadoras: (1) idéia de ordenação subjectiva, garantindo um status jurídico aos indivíduos essencialmente ancorado nos direitos fundamentais; (2) ideia de ordenação objectiva, assente no princípio da constitucionalidade, que, por sua vez, acolhe como princípio objectivamente estruturante o princípio da divisão de poderes. Essas duas dimensões não se divorciam uma da outra, mas o acento tônico caberá agora à ordenação funcional objectiva do Estado de direito.” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. , 2003 p. 250.) 7 SARLET, Ingo Wolfgang., op. cit., p. 143. 8 HESSE, Konrad. Concepto y Cualidad de la Constitucion, Escritos de Derecho Constitucional, 1983, p. 8. 9 O princípio da dignidade da pessoa humana como orientador de todo o ordenamento jurídico merece um estudo a parte. De tal monta a importância que se registra a relação desse princípio como os direitos a liberdades e garantias no entendimento de Canotilho: “A densificação do sentido constitucional dos direitos, liberdades e garantias é mais fácil do que a determinação do sentido específico do enunciado – 5 Gilmar Mendes 10 lembra que, na sua concepção tradicional, os direitos fundamentais são direitos de defesa, destinados a proteger determinadas posições subjetivas contra a intervenção do Poder Público. Essa situação pode se estabelecer pelo não-impedimento da prática de determinado ato, seja pela não-intervenção em situações subjetivas ou pela não-eliminação de posições jurídicas. Alexy avança nessa concepção liberal clássica de direito centrado apenas na defesa e apresenta os direitos fundamentais como direitos subjetivos, correspondendo a posições jurídicas ocupadas pelo indivíduo de fazer valer sua pretensão frente ao Estado, não podendo esse eliminar tais posições do titular do direito, para tanto estabelece uma tríplice divisão das posições, a saber: direito a algo, a liberdades e a competências. Contudo, a garantia das liberdades individuais previstas no texto constitucional não é absoluta no sentido de que essas garantias dizem respeito ao indivíduo e estariam livres de afetação. É importante ressaltar que são necessárias restrições, a fim de garantir os direitos fundamentais de terceiros, nisso resulta em uma relativização do conceito de incompatibilidade com os direitos fundamentais, conforme ensina Alexy 11 Direitos fundamentais têm certamente também o objetivo de garantir um estado global de liberdade, do qual todos se beneficiem. Nesse sentido, eles têm uma relação com a situação de outros titulares de direitos fundamentais. Seus próprios direitos fundamentais é que devem cumprir esse objetivo. Nesse sentido, há uma diferença fundamental entre normas de competência e direitos fundamentais de terceiros, e essa diferença justifica não examinar direitos fundamentais de terceiros no âmbito do controle de intervenções em direitos fundamentais. Nessa esteira afirma-se que são aceitas restrições aos direitos fundamentais, porém também se faz necessário preservar o chamado núcleo de liberdade constitucionalmente protegido. Conforme esclarece Ingo Sarlet 12 a garantia de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais aponta para a parcela do conteúdo de um direito sem a qual ele perde a sua mínima eficácia, deixando, com isso de ser reconhecível como um direito fundamental. Para reforçar a garantia da força normativa da Constituição, são criados mecanismos, nos quais se encontram os institutos jurídicos de direito privado, com o objetivo de conservar o núcleo essencial dos direitos consagrados. Portanto, os direitos fundamentais objetivam assegurar a liberdade do indivíduo, o que só terá sucesso diante de uma sociedade livre, na dignidade da pessoa humana. Pela análise dos direitos fundamentais, constitucionalmente consagrados, deduz-se que a raiz antropológica se reconduz ao homem como pessoa, como cidadão, como trabalhador e como administrado.” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. 2003, p. 248). 10 MENDES, Gilmar, op. cit., p. 2. 11 ALEXY, Robert. op.cit, p.391-392. 12 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais, 10ª ed., 2009, p. 402. 6 qual os cidadãos estejam conscientes para participar das decisões acerca de seus interesses e da comunidade. Para Alexy, é essencial entender o conceito de competência para a compreensão da estrutura dos direitos fundamentais, tanto em relação ao cidadão quanto em relação às competências do Estado e isso só é alcançado da análise da relação das competências com direitos a algo e às liberdades. A teoria da garantia de institutos, criada por Martin Wolff, é uma vedação dirigida ao legislador contra a extinção de determinadas competências dos cidadãos, oportunidade em que se reconhece a existência de um direito fundamental prima facie a uma competência garantida pelos institutos jurídicos de direito privado, núcleo dogmático da referida teoria, nos termos trazidos por Alexy 13 Institutos jurídicos de direito privado são complexos de normas formadas essencialmente por normas de competência. Portanto, a garantia de institutos é, sobretudo, uma proibição, endereçada ao legislador, contra a eliminação de determinadas competências dos cidadãos. Se a essa proibição não corresponde nenhum direito, então a proteção é (meramente) objetiva. A teoria das garantias dos institutos restringe-se à alegação de que existe uma tal proteção objetiva. Se à proibição correspondem direitos dos cidadãos, então, a proteção é (também) subjetiva. É, portanto, no próprio texto constitucional que se encontram as garantias dos institutos, o que vem a significar um complexo de normas que regulam o instituto da propriedade, da herança, do casamento, da família, da adoção, dentre outros tantos. Alguns desses institutos, a exemplo do direito de defesa e do acesso à justiça, que têm caráter normativo, dependem da atuação do legislador para a real concretização do direito correspondente, o que corresponde a um dever constitucional de legislar. 3 A TRIDIMENSIONALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS A dogmática dos direitos fundamentais na Teoria de Alexy tem por objeto de estudo o direito positivo de uma determinada ordem jurídica e é uma disciplina tridimensional integrativa, a saber: normativa, empírica e analítica. 14 13 ALEXY, Robert, op. cit., p. 245. As dimensões dos direitos fundamentais recebem outras qualificações na doutrina, além da tridimensionalidade da teoria de Alexy. A exemplo de Paulo Bonavides que trata esses direitos em quatro gerações. A primeira geração é aquela em que aparecem as liberdades públicas, as quais correspondem a direitos e garantias dos indivíduos a uma omissão do Estado em intervir no núcleo essencial dos direitos. A segunda geração está relacionada aos direitos sociais a prestação pelo Estado para alcançar as necessidades coletivas. Na terceira geração os sujeitos de direitos não são nem o individuo nem a coletividade, mas a integralidade do meio ambiente e do direito dos povos ao desenvolvimento. Por fim, os direitos de quarta geração advindos da institucionalização do Estado Social, a teor do direito à democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 7ª ed., p. 524 e ss.). 14 7 Canotilho 15 também trata os direitos fundamentais como uma categoria dogmática nessas três perspectivas, as quais serão também colacionadas neste breve estudo. Quanto à dimensão normativa, ressalta que é importante sobretudo em sede de aplicação dos direitos fundamentais, dado que esta pressupõe, sempre, a fundamentação racional e jurídico-normativa dos juízos de valor (ex: na interpretação e concretização). O enfoque jurídico-dogmático é aquilo que é válido no sistema jurídico, o que é chamado por Alexy de dimensão de peso entre cada um dos direitos fundamentais. Defrontando-se com a pergunta se um sujeito tem um determinado direito subjetivo, para obter a resposta, remeter-se-á a um processo interpretativo. Surge, assim, na prática a importância de saber se uma norma jurídica confere direitos subjetivos no direito processual, uma vez que essa demonstração poder vir a ser condição de admissibilidade e de êxito de uma determinada demanda. É preciso, portanto, fundamentar enunciados normativos que vão além do que está estabelecido, isso significa que para entender corretamente a posição de Alexy passa-se pela análise das duas categorias de normas de direito fundamental por ele concebidas, conforme ensina Jairo Schafer 16 , as positivadas (estatuídas diretamente no Texto Constitucional) e as anexas (adscritas). Ou seja, às normas de direitos fundamentais diretamente previstas na Constituição estão relacionadas uma série de normas de conteúdo diferenciado, residindo uma boa parte da problemática do estudo da teoria do direito fundamental em sua elucidação. A dimensão normativa se encaminha para o resultado da razão prática, porque é nessa seara que se resolve o que Alexy denomina de problemas de complementação e fundamentação. Para Canotilho, o interesse da perspectiva empírico-dogmática está no fato de que os direitos fundamentais, para terem verdadeira força normativa, obrigam a tomar em conta as suas condições de eficácia e o modo como o legislador, juízes e administração os observam e aplicam nos vários contextos práticos. A dimensão empírica observa tanto o direito positivado quanto o direito jurisprudencial para se chegar a efetividade como validade do direito e, Willis Santiago Guerra Filho colaciona os estudos de Konrad Hesse e traz que, no direito alemão, os direitos fundamentais têm uma dimensão subjetiva e uma objetiva, figurando-se um duplo caráter, preconizando que a figura do status é mais adequada do que a do direito subjetivo para caracterizar os direitos fundamentais. A dimensão objetiva é aquela onde os direitos fundamentais se mostram como princípios conformadores do modo como o Estado que os consagra deve organizar-se e atuar. Enquanto situação subjetiva o status seria a mais adequada dessas figuras porque é aquela donde “brotam” as demais, condicionando-as. (GUERRA FILHO, Willis Santiago, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais, 1999, p. 39). 15 CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2003, p.1253. 16 SCHAFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições, 2001, p. 30. 8 isso se faz essencial, diante da abertura das normas, fator que reflete na importância da jurisdição constitucional, exercida principalmente no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal. Alexy ressalta que o lado empírico relacionado aos direitos subjetivos é mais perceptível na esfera dos argumentos históricos e teleológicos, a exemplo de estabelecer o surgimento, o conceito e a função social do respectivo direito em um determinado contexto. Portanto, necessário se torna associá-lo a enunciados normativos. Nesse momento, percebe-se claramente o caráter integrativo das dimensões tratadas por Alexy, em que se complementam a normativa e a empírica. A dimensão analítica está associada ao estudo sistemáticoconceitual do texto constitucional, consistente na análise dos conceitos fundamentais, a exemplo do que é a liberdade, das construções jurídicas, do suporte fático dos direitos fundamentais e suas respectivas possibilidades de restrições, incluindo o exame da estrutura do sistema jurídico, assim como o efeito irradiador desses direitos e, por fim, a fundamentação, tratada por Alexy pelo sopesamento. Portanto, a dimensão analítica é a primeira e principal a ser estudada na teoria de Alexy, na qual para explicar as relações decorrentes entre o sujeito e um objeto, divide as posições dos direitos subjetivos em direitos a algo e a liberdades e/ou competências. Canotilho atrela a dimensão analítica como indispensável ao entendimento dos direitos fundamentais, nos seguintes termos: A perspectiva analítica dogmática, preocupada com a construção sistemático-conceitual do direito positivo, é indispensável o aprofundamento e análise de conceitos fundamentais (exs: direito subjectivo, dever fundamental, norma), à iluminação das construções jurídico-constitucionais (exs: âmbito de proteção e limites dos direitos fundamentais, eficácia horizontal de direitos, liberdades e garantias) e à investigação da estrutura do sistema jurídico e das suas relações com os direitos fundamentais (ex: eficácia objectiva dos direitos fundamentais). Para tratar analiticamente as questões dos direitos subjetivos, Alexy estabelece inicialmente que uma norma é aquilo que um enunciado normativo expressa, surgindo daí a importância de clarificar a diferença entre norma e posição. Antes, porém, de abordar as posições assumidas pelos direitos fundamentais, é preciso fazer algumas considerações sobre as normas jurídicas. A dogmática moderna, ressalta Luís Roberto Barroso 17 , avaliza o entendimento de que as normas em geral e as normas constitucionais em particular enquadram-se em duas grandes categorias diversas dos princípios e das regras. 17 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição, 2004, p. 350 e ss. 9 A importância dessa diferenciação se deu na superação do positivismo clássico legalista, onde somente as regras eram consideradas normas jurídicas. A partir de então, a Constituição passa a ser vista como um sistema aberto de princípios e regras, este submetido a valores jurídicos supra positivos, no qual passam a desenvolver um papel essencial as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais. Por regras, pode-se entender que são relatos objetivos, descritivos de determinadas condutas, que são aplicáveis a um número delimitável de situações. Ao ocorrer a hipótese prevista no seu texto, a regra incidirá por meio da chamada subsunção. Assim, a regra opera na modalidade do tudo ou nada, quer seja, ou ela incide na sua inteireza ou ela é afastada. Entrando em conflito duas regras, uma será afastada. Os princípios contêm um grau maior de abstração, não vêm com uma conduta específica a ser seguida, podendo ser aplicados a um conjunto amplo de situações. Apesar da característica da abstração, os princípios também são elementos normativos. Entretanto, diante de um modelo social plural, dialético e democrático, os princípios apontam para várias soluções e, não por outra razão, devem ser aplicados mediante ponderação, na qual caberá ao intérprete aferir o peso que cada princípio deverá desempenhar no caso concreto, mediante concessões recíprocas, a fim de preservar o máximo de cada um. Neste ponto encontra-se a conexão entre a teoria dos princípios e a máxima da proporcionalidade, conforme ensina Alexy 18 : Essa conexão não poderia ser mais estreita: a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade, e essa implica aquela. Afirmar que a natureza dos princípios implica a máxima da proporcionalidade significa que a proporcionalidade, com suas três máximas parciais da adequação, da necessidade (mandamento do meio menos gravoso) e da proporcionalidade em sentido estrito (mandamento de sopesamento propriamente dito), decorrem logicamente da natureza dos princípios, ou seja, que a proporcionalidade é dedutível desse princípio. Por outro lado, tratar de posições é necessário quando está a se falar em relações normativas entre pessoas e ações. Os direitos subjetivos compreendidos como posição e relações jurídicas podem levar a três possíveis distinções: (1) razões para direitos subjetivos, (2) direitos subjetivos como posições e (3) relações jurídicas e a exigibilidade dos respectivos direitos. A finalidade prática está no centro da posição adotada por Jhering como o momento substancial que constitui o conceito de direito subjetivo, a realização do próprio ato, consistente em utilidade, vantagem e lucro. Por sua vez, o momento formal está na proteção jurídica, na possibilidade de uma ação judicial. 18 ALEXY, Robert. op. cit., p.116. 10 Na ótica da teoria da vontade de Hart o ponto central é o controle do titular do direito, expresso na capacidade de demandar como uma livre escolha. A crítica de Alexy em se adotar a teoria da vontade está no fato de não poder se falar em livre escolha quando se trata de direitos inalienáveis. Assim, o debate acerca das três distinções atinentes a posição e as relações jurídicas, decorrentes da relação entre os enunciados sobre a proteção e as razões dos direitos são para Alexy 19 questão nuclear para a teoria dos direitos subjetivos: A relação entre enunciados sobre razões (1) e enunciados sobre direitos (3) é relativamente simples de ser definida. Tratase de uma relação de fundamentação. A razão para um direito é uma coisa, outra é o direito que se baseia nessa razão. Ambas têm ser consideradas em uma análise abrangente que, como afirmado por Jhering, pretenda “alcançar o interior do direito e sua essência”. Isso não impede, contudo, que em um primeiro momento se tenha a estrutura lógica do direito em si como objeto da análise; pelo contrário, isso é até mesmo exigível, pois a indagação acerca da razão para algo pressupõe o conhecimento daquilo que deve ser fundamentado. Porém, Alexy afirma que a problemática maior está em estabelecer a relação entre enunciados sobre direitos e enunciados sobre a proteção desses, porque outras questões envolvem essa relação, como a capacidade jurídica para exigibilidade de um direito, indo ao encontro da teoria da norma de Kelsen que define tecnicamente o direito subjetivo como o poder de fazer valer a satisfação de um dever existente. Justamente por causa do problema de não ser passível de sustentação que juridicamente obrigado a uma conduta só é o indivíduo que tenha capacidade de exercício, é que Kelsen não aceita a definição de direito subjetivo como interesse juridicamente protegido, mas sim como poder jurídico, a saber 20 : Se por direito subjectivo se entende o poder jurídico, isto é, a capacidade que é conferida a um indivíduo pela ordem jurídica de fazer valer, através de uma acção, o não cumprimento de um dever jurídico que um outro indivíduo tem em face dele, então o incapaz não pode ter qualquer direito subjectivo, pois não tem esta capacidade de exercício. Só o seu representante legal tem esta capacidade. É a ele, e não ao menor ou ao doente mental, que a ordem jurídica confere este poder jurídico. Porém, é obrigado a exercer tal poder jurídico no interesse do incapaz por ele representado. Alexy vai além e afirma que a utilização de enunciados sobre direitos é possível e conveniente mesmo quando se pressupõe que um direito subjetivo somente existe se existir uma capacidade jurídica para exigi-lo, o que ocorre é que se limita a admissibilidade da utilização desses enunciados 19 20 Ibid., p. 188. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito, 1974, p. 226. 11 somente àqueles casos nos quais estão presentes a capacidade jurídica para exigi-los. A partir do momento que a Constituição abre a via judicial para todo aquele que tenha tido um direito violado pelos Poderes Públicos, prevê o acesso à justiça, não é suficiente vincular a exigibilidade de um direito subjetivo ao poder para demandar judicialmente, diante até da diversidade desses direitos. Alexy 21 assume a linha de que, diante da diversidade daquilo que é designado como “direito subjetivo”, é recomendável que a expressão “direito (subjetivo)” seja utilizada, seguindo seu uso corrente, como um supra conceito para posições em si bastante distintas, para que, a partir daí, sejam feitas distinções e classificações terminológicas. Nesse contexto, Alexy desenvolve a teoria analítica tratando das posições que devem ser designadas como “direitos”, nos quais o “direito subjetivo” (como supra conceito) engloba liberdades e competências. 4 TEORIA ANALÍTICA: uma tríplice divisão de posições Para a teoria analítica de Alexy os direitos ocupam uma tríplice divisão das posições: direitos a algo, a liberdades e a competências. O objeto do direito a algo é uma ação do destinatário e decorre da relação triádica entre um titular, um destinatário e um objeto, é a razão do destinatário fazer parte dessa relação, assim descrita: A (titular) tem em face de B (destinatário) um direito a G (objeto). Dessa estrutura básica surgem diversas outras questões, a depender do titular ser uma pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, bem como de quem vem a ser o destinatário, que pode ser o Estado ou um particular e, ainda, o objeto, que pode ser uma ação positiva ou uma abstenção. Ressalta-se que, para Alexy, é exatamente o objeto o principal diferencial entre os direitos. O direito a ações negativas do Estado, também chamado de direito de defesa, consiste em que o Estado não impeça ou dificulte determinadas ações do titular do direito, não afete determinadas características ou situações do titular e, ainda, que o Estado não elimine determinadas posições jurídicas desse titular. Importante nessa esteira revisitar a teoria dos quatro status de Jellinek, desenvolvida no século passado, na qual se analisa a posição do indivíduo em face do Estado e as situações dela decorrentes quanto aos direitos e deveres. Em breve síntese, Jellinek 22 identifica o status passivo quando o indivíduo está em situação de subordinação aos poderes públicos, consistente na detenção de deveres para com o Estado. O status negativo decorre da 21 22 ALEXY, Robert, op. cit., p. 192-193. Ibid, p. 255. 12 necessidade de se salvaguardar algum âmbito de liberdade para o homem em face do império do Estado. Quando o indivíduo tem o direito de exigir uma prestação do Estado em seu favor, estamos diante do status positivo. E, em se tratando de direitos políticos, em que a pessoa goza de competência para influir sobre a formação da vontade do Estado, encontramos o status ativo. A partir dessa teoria, que foi recebendo depurações ao longo do tempo, afirma Paulo Gustavo Gonet Branco 23 que se podem decalcar as espécies de direitos fundamentais mais freqüentemente assinaladas – direitos de defesa (ou direitos de liberdade) e direitos a prestações (ou direitos cívicos), bem como a dos direitos de participação. Das pluralidades de conceitos para o direito à liberdade, partindose de uma perspectiva superficial, a liberdade é uma qualidade que pode ser atribuída a pessoas, ações e sociedades. Para Alexy 24 a base do conceito de liberdade é constituída por uma relação triádica entre um titular de uma liberdade (ou de uma nãoliberdade), um obstáculo à liberdade e um objeto da liberdade. Ao tratar de liberdade jurídica, que é uma manifestação especial do conceito amplo de liberdade, está a se falar quando o objeto da liberdade for uma alternativa de ação, o que significa dizer uma “liberdade negativa”. Nesses termos, a distinção entre liberdade positiva e a negativa está no fato de na primeira o objeto da liberdade ser uma única ação, já na segunda o objeto consiste em uma alternativa de ação. Assim, para a criação de uma situação de liberdade jurídica é necessária apenas uma abstenção estatal, quer seja, uma ação negativa. No entender de Alexy 25 a liberdade negativa em sentido estrito equivale à concepção liberal de liberdade. Uma liberdade negativa em sentido estrito é sempre uma liberdade negativa em sentido amplo, mas nem toda liberdade negativa em sentido amplo é também uma liberdade negativa em sentido estrito: Se a transformação da situação de não-liberdade econômica em uma situação de liberdade econômica tiver que ocorrer de uma forma juridicamente garantida pelo Estado, então, a ele pode ser concedido um direito a uma prestação em face do Estado, ou seja, um direito a uma ação estatal “positiva”. Já para a criação de uma situação de liberdade jurídica é necessário, ao contrário, apenas uma abstenção estatal, ou seja, uma “ação negativa”. Para a garantia da liberdade não é necessário um direito a prestação, apenas, um direito de defesa. Nestes termos, o conceito negativo e democrático de liberdade está baseado em possibilidades, enquanto a liberdade em sentido positivo está atrelada a realidade e implica na participação efetiva do cidadão em sociedade, compartilhando responsabilidades. 23 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, 2002, p. 140. 24 ALEXY, Robert, op. cit., p. 220. 25 Ibid., p. 223. 13 Quando Alexy fala em concepção liberal de liberdade, mister se faz esclarecer o que é a liberdade segundo a doutrina liberal, pela qual o termo é utilizado como um estado de não-impedimento, caracterizada pela ampliação da esfera de permissões e pela diminuição das obrigações. Bobbio 26 recolhe as lições dos clássicos, a exemplo de Montesquieu, Rousseau, Benjamin Constant e, especialmente, Kant, para estabelecer os dois modos predominantes de se entender a palavra “liberdade”, afirmando que ora é a faculdade de cumprir ou não certas ações, sem o impedimento dos outros que comigo convivem, ou da sociedade, como complexo orgânico ou, mais simplesmente, do poder estatal; ora o poder de não obedecer a outras normas além daquelas que eu mesmo impus. A partir dessas duas visões, Bobbio 27 esclarece os respectivos significados advindos da doutrina liberal e da doutrina democrática, da seguinte forma: O primeiro significado é aquele recorrente na doutrina liberal clássica, segundo a qual “ser livre” significa gozar de uma esfera de ação, mais ou menos ampla, não controlada pelos órgãos do poder estatal. O segundo significado é aquele utilizado pela doutrina democrática, segundo a qual “ser livre” não significa não haver leis, mas criar leis para si mesmo. De fato, denomina-se “liberal” aquele que persegue o fim de ampliar cada vez mais a esfera das ações não-impedidas, enquanto se denomina “democrata” aquele que tende a aumentar o número de ações reguladas mediante processos de auto-regulamentação. Donde “Estado liberal” é aquele no qual a ingerência do poder público é o mais restrita possível; “democrático”, aquele no qual são mais numerosos os órgãos de autogoverno. Depreende-se desses ensinamentos que do ponto de vista da doutrina liberal há uma ampliação da esfera da autodeterminação individual, restringindo-se a esfera do poder coletivo, enquanto que na visão da doutrina democrática há uma ampliação da esfera da autodeterminação coletiva, na qual ocorre restrição da esfera individual. Observa-se, assim, que no Estado moderno temos uma interação das duas correntes doutrinárias. Bobbio 28 identifica em Kant o conceito para liberdade jurídica, alertando que na teoria kantiana há coincidência dos conceitos de liberdade e autonomia política, a saber: “Melhor é definir a minha liberdade externa (isto é, jurídica) como a faculdade de não obedecer a outras leis externas senão àquelas às quais eu pude dar a minha anuência”. Portanto, Kant endente por liberdade jurídica o poder de dar coletivamente leis a si mesmos, quer seja, a faculdade de não obedecer a outra lei senão àquela com a qual o cidadão consentiu. 26 BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política, 2000, p. 101. Ibid., p. 101. 28 Ibid., p. 105. 27 14 As liberdades jurídicas podem estar ou não protegidas, segundo classifica Alexy. As liberdades não-protegidas estão relacionadas à permissão no sentido de negação de deveres e proibições, podem ser tanto um fazer quanto um não fazer. Assim, a liberdade não-protegida consiste na mera ligação entre a permissão de um fazer e a de um não-fazer, uma combinação de negações do dever-ser. Importante frisar que as liberdades não-protegidas não implicam o direito de não ser embaraçado no gozo dessas liberdades, é distinta de uma combinação de permissões, porque a partir do momento que esse direito é passível de restrições, a liberdade antes não-protegida se transmuda em liberdade protegida. As normas de direitos fundamentais são normas permissivas explícitas, a partir do momento em que por meio delas algo é permitido. A importância dessa afirmação está em que essas normas estabelecem “os limites do dever ser” em relação às normas hierarquicamente inferiores, que por sua vez, serão tidas como inconstitucionais caso ordenem ou proíbam algo que uma norma de direito fundamental permite fazer ou deixar de fazer. A liberdade protegida está associada a normas objetivas que garantem ao titular do direito fundamental a viabilidade de praticar a ação permitida. Em síntese, o direito negativo de liberdade em face do Estado está na junção de uma liberdade jurídica, um direito contra o Estado, a um nãoembaraço e uma competência para questionar judicialmente a violação desse direito. Por sua vez, uma proteção positiva de uma liberdade em face do Estado deflui da soma de uma liberdade com um direito a uma ação positiva. A Constituição programática inclui em seu texto os direitos sociais, os quais geram direitos a prestações por parte do Estado para que se torne possível a fruição daquele direito. Alexy esclarece que utiliza o termo competência não no sentido organizacional, mas no sentido de “poder”, o que abrange o poder jurídico, autorização, capacidade, direito formativo e capacidade jurídica, uma vez que esses demais termos podem por si só levar a outras concepções. A principal característica para estabelecer se estamos diante de uma competência é a capacidade de alterar as posições jurídicas dos sujeitos de direito submetidos à norma. Por sua vez, uma permissão de praticar um determinado ato não gera individualmente obrigações e deveres passíveis de reclamação judicial, a exemplo de um contrato firmado por um incapaz legalmente. Nada proíbe de firmá-lo, contudo não é capaz de fazê-lo no sentido jurídico, quer seja, não tem poder, não tem competência. A competência é um acréscimo à capacidade do indivíduo que lhe é conferida pelo ordenamento jurídico, mediante regras jurídicas, que originariamente por sua própria natureza, o indivíduo não possui, e nisso diferem de meras normas de conduta. 15 Para Alexy a garantia de institutos de direito privado é, sobretudo, uma proibição endereçada ao legislador, contra a eliminação de determinadas competências dos cidadãos. Daniel Sarmento 29 sustenta, inclusive, a necessidade de extensão dos direitos humanos à esfera das relações entre particulares, para que os indivíduos não fiquem desprotegidos diante de atores privados cada vez mais poderosos. Nesse viés, fundamenta sua tese na dimensão objetiva dos direitos fundamentais, determinante para uma interpretação que venha a fortalecer esses direitos, afirmando que A dimensão objetiva justifica também a idéia de que o Estado deve não apenas abster-se de violar os direitos humanos, mas também defendê-los ativamente de ameaças e agressões provenientes de terceiros, inclusive particulares. Esta concepção vale também para os direitos individuais clássicos – que eram vistos tradicionalmente como meros direitos de defesa em face dos poderes públicos – e enseja o enriquecimento do seu conteúdo. Para restringir um direito fundamental, a teoria de Alexy 30 se utiliza da “lei do sopesamento”, colocada nos seguintes termos: quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro. Por meio da referida lei se torna necessário fundamentar, quer seja, se utilizar da argumentação jurídica, para justificar o enunciado de preferência que representa o resultado desse processo, correspondente ao grau de afetação e importância. Concluindo, o que se propõe é um modelo fundamentado na argumentação jurídica no sentido de otimizar os princípios e não os colocar em conflito. CONCLUSÃO Os direitos fundamentais na ótica trazida correspondem aos direitos humanos reconhecidos e positivados constitucionalmente numa determinada comunidade jurídica. O constitucionalismo moderno está calcado no equilíbrio entre os poderes transferidos para as mãos do Estado e o respeito e conseqüente realização dos direitos fundamentais. As diversas funções exercidas pelos direitos fundamentais qualificam as espécies desses direitos, dentre as quais a liberdade e a igualdade, como direitos de defesa do indivíduo. Na teoria de Alexy, por meio do reconhecimento das competências há um ganho de expansão na margem de ação do indivíduo, no exercício dos direitos subjetivos. 29 30 SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2 ed, 2008, p. 324. ALEXY, Robert, Op. cit, p. 167-168. 16 Para que as liberdades, no sentido jurídico, estejam a salvo, é imprescindível fortalecer os institutos, para garantir e aumentar a efetividade dos direitos subjetivos positivados na ordem constitucional. É importante ressaltar que os institutos são endereçados ao legislador para que este não suprima competências do indivíduo. O difícil é estabelecer até onde vai a autonomia privada e a intromissão institucional autorizada. No atual estágio da sociedade, cada vez mais plural e complexa, nos termos do Estado Social Democrático de Direito adotado pela Constituição brasileira, percebe-se a aproximação das esferas públicas e privadas, consistente em uma ampliação da esfera da autodeterminação individual, restringindo-se a esfera do poder coletivo, noção absorvida da doutrina liberal, bem como, agregando-se à doutrina democrática, pela qual ocorre uma extensão da esfera da autodeterminação coletiva, podendo resultar em restrições do ponto de vista meramente individual. Para tanto, é necessário um trabalho hermenêutico de ponderações. O que se coloca como reflexão no presente artigo é quanto do âmbito privado de liberdade de cada indivíduo permanece inviolado. Pelo que foi exposto, a liberdade individual vem sendo reduzida e a saída para a não institucionalização total da liberdade, consistente em atitudes ora negativas ora positivas, tanto do ser humano quanto do Estado, é lutar firmemente pela a expansão das competências, ou seja, a força de permanecer com o poder de decidir e participar das decisões da vida em sociedade como ser livre da coerção das outras pessoas. BIBLIOGRAFIA ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva da 5 ed. alemã. São Paulo: Malheiros, 2008. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997. BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política: filosofia política e as lições dos clássicos. Tradução de Daniel Beccaccia Versiani. Rio de Janeiro: Campus, 2000. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003. GUERRA FILHO, Willis Santiago, Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999. 17 HESSE, Konrad. Escritos de Derecho Constitucional. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1983. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado, 3 ed. Coimbra: Armênio Amado, 1974. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas, 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. SCHAFER, Jairo Gilberto. Direitos fundamentais: proteção e restrições. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.