EFICÁCIA DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NAS RELAÇÕES INTERPRIVADAS Ivani Contini Bramante SUMÁRIO: 1. Introdução -2. Histórico e conceito dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa - 3. Posição do princípio do contraditório e ampla defesa na Constituição brasileira - 4. Os destinatários do princípio do contraditório e ampla defesa - 5. Conteúdo dos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa - 6. Eficácia do princípio do contraditório e ampla defesa nas relações interprivadas - 7. Conclusão. 1. INTRODUÇÃO O cerne do presente estudo radica no campo de aplicação do princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa. Para tanto, fazse mister a investigação do seu conceito e do respectivo conteúdo, bem como, a identificação dos seus destinatários. 2. HISTÓRICO E CONCEITO DOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA A idéia de um direito a defesa é universal, radica mesmo no direito natural. É princípio universal inscrito no coração dos homens e nas legislações dos povos cultos: ninguém poderá ser privado de sua vida, liberdade e propriedade sem direito à defesa. Cuida-se do princípio dueprocessoflaw, cuja formulação escrita foi dada, pela primeira vez, na Carta Magna de João sem Terra, em 1215, na Inglaterra. Assimilado pelas Cartas das colônias inglesas, posteriormente erigidas a Estados-Membros dos Estados Unidos da América do Norte; recolhido pelas Emendas V e XIV da Constituição Americana de 1787 e, também, constante na 1 Declaração Universal do Direitos Humanos, o princípio do contraditório e da ampla defesa é considerado como uma das dimensões do dueprocessoflaw e, condensa, hodiernamente, o Direito Constitucional da maioria dos países democráticos. Esse aspecto da questão é bem acentuado por PINTO FERREIRA que vê, como os outros, o conteúdo dessa garantia no devido processo legal do direito inglês. Mais precisamente, na linguagem correntia anglo saxônica, lawoftheland, que contém, também, o conceito de direito a defesa, evidenciado no preceito bythelawoftheland do direito inglês, o qual passou para a cláusula bydueprocessoflaw do direito americano. A lawoftheland, conforme explica WEBSTER, é a lei que ouve antes de condenar, que obra mediante investigação dos fatos e não sentencia, senão no termo do processo. Ela assegura aos cidadãos a vida, a liberdade, a propriedade, todos os seus direitos e imunidades, pondo-os sob proteção dos dispositivos gerais que regem a comunhão. 1 A expressão dueprocessoflaw, ou devido processo de lei, é empregada de maneira a exprimir, na linguagem comum, um processo justo e adequado. Registre-se, que atualmente, a expressão ganhou significação mais ampla. É, hoje, cláusula de proteção dos direitos fundamentais, em seu sentido formal e material. Significa, em suma, que: I) ninguém pode ser privado da sua vida, da liberdade e da propriedade, senão em virtude de lei emanada do Parlamento que representa a vontade do povo, II) ninguém será privado dos direitos à vida, à liberdade e à propriedade, sem que lhe seja assegurado o direito à defesa; III) ninguém poderá ter os seus direitos fundamentais restringidos, desarrazoadamente e desproporcionalmente, além da medida necessária para a pacífica convivência social. 2. 1 FERREIRA, Luiz Pinto. "Curso de Direito Constitucional", São Paulo: Saraiva, 1974, 2º volume, página 539. 2 Ver, sobre o princípio da proporcionalidade como garantia dos direitos fundamentais contra as leis arbitrárias ou restritivas de direitos: DANTAS, F.C. San Tiago. "Problemas de direito positivo, estudos e pareceres, igualdade perante a lei e dueprocessoflaw: contribuição ao estudo da limitação constitucional do Poder Legislativo", Rio de Janeiro: Forense, 1953. Ver, também, SIQUEIRA CASTRO, Carlos Roberto. "O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil", Rio de Janeiro: Forense, 1989. 2 Quanto ao conceito, com procedência assinala PONTES DE MIRANDA que não existe um conceito para a ampla defesa, mas existe algo mínimo, aquém do qual não existe a defesa. 3 Esse teor mínimo irredutível do direito à defesa vem expressado na publicidade e na dilação probatória. 4 Por outras palavras, a decomposição do princípio do contraditório revela o seu núcleo essencial, o seu conteúdo inafastável: o direito à informação e o direito à reação, 5 que nada mais significa que o direito do qual têm o réu e os acusados, em geral, de serem informados sobre a existência e conteúdo da imputação e do processo e de se fazerem ouvir. Tal princípio espelha, enfim, uma característica bifronte: garantia de direito de ação e garantia de defesa para ambas as partes. 6 Daí, o porquê do conceito do princípio do direito a defesa girar em torno do seu conteúdo mínimo irredutível. CANUTO, assim, adota um conceito clássico do princípio do contraditório como ciência bilateral dos atos e termos do processo, com a possibilidade de contrariá-lo. 7 Esse princípio vem conceituado por ROSENBERG para quem o contraditório significa poder de deduzir ação em juízo alegar e provar fatos constitutivos de seu direito e, quanto ao réu, ser informado sobre a existência e conteúdo do processo e fazer-se ouvir. 8 A importância político-constitucional da garantia do direito ao contraditório e a ampla defesa reside, em essência, na proteção conferida 3 PONTES DE MIRANDA. "Comentários a Constituição de 1967", São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, páginas 220-221. 4 TORRES PEREIRA JUNIOR, Jessé. "O direto à defesa na Constituição de 1988 - o processo administrativo e os acusados em geral", Rio de Janeiro: Renovar, 1991, página 29. 5 LA CHINA, Sergio. L'esecuzioneforzata e ledisposizionigeneralidelcodicediproceduracivile, Milano, 1970, p. 394, para quem o princípio do contraditório se articula nelle sue manifestazionetecniche, ildueaspetti o tempo essenziali: informazione, reazione; necessaria sempre la prima, eventualelaseconda (manecessario chi sia resapossible) Ver, também, DINAMARCO, Cândido Rangel. "Princípio do contraditório", in Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo, 1986, nº 48, página 93. 6 Na síntese das palavras de NERY JUNIOR, Nelson. "Princípios..." página 125, com base nas lições de COMOGLIO, Luigi Paolo e ROSENBERG, SCHWAB, GOTTWALD, o princípio do contraditório, além de fundamentalmente constituir-se em manifestação do princípio do estado de direito, tem íntima ligação com o da igualdade das partes e o do direito de ação, pois o texto constitucional, ao garantir aos litigantes o contraditório e a ampla defesa, quer significar que tanto o "direito de ação quanto o direito de defesa são" manifestações do princípio do contraditório. 7 CANUTO MENDES DE ALMEIDA, Joaquim. "A contrariedade na instrução criminal", São Paulo: Saraiva, 1937, página 109. 8 ROSENBERG, SCHWAB, GOTTWALD. Apud NERY JUNIOR, Nelson. "Princípios do processo civil na Constituição Federal", página 125, nota 219. 3 aos direitos fundamentais e no fato de ser uma das expressões do Estado de Direito. As garantias, objetivas-institucionais e as subjetivas-funcionais, asseguram que nem o Estado e nem o particular imiscuirão na esfera jurídica da pessoa sem que esta seja ouvida e que tenha a oportunidade de defesa dos seus direitos e interesses. 3. POSIÇÃO DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA A Carta Federal, no Título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu artigo 5º, inciso LV, traz o Direito a Defesa, consoante verbis: Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. A Constituição anterior remetia à lei a missão de assegurar aos acusados a ampla defesa. Tal diretriz propiciou uma interpretação restritiva, no sentido de que a garantia a defesa dependia da lei e os meios e recursos da defesa seriam aqueles previstos em lei, o que levou a Suprema Corte Federal a considerar que o exercício da ampla defesa, assegurado na Constituição, está submisso a disciplina da lei, desde que esta não o negue. 9 A Constituição de 1988 trouxe uma novidade importante: eliminou a referência à lei, a qual estava presente nas Cartas anteriores, para o exercício da ampla defesa. Trata-se, agora, de norma self-executing, bastante em si, auto-executável, que dispensa a interpositiolegislatoris e, portanto, não autoriza uma negação do direito, tampouco, comporta a espera de normas regulamentadoras procedimentais para o exercício do direito. De outro enfoque, uma segunda novidade importante diz respeito a amplitude do direito, ou seja, o seu campo de aplicação quanto aos sujeitos ou destinatários. O direito a defesa vem inscrito na Constituição 9 Supremo Tribunal Federal-MS nº 19.968, Pleno, 03.10.73, in RDA 118:99. 4 de modo alargado, refere-se aos litigantes e aos acusados em geral. Esta última expressão é conceito jurídico indeterminado suscetível de concretização. O direito a defesa não é mais restrito ao processo judicial em geral, mas, também, é aplicável ao processo administrativo em geral, alcunhado de processo administrativo inominado; ao processo administrativo disciplinar; e ainda, a qualquer procedimento no âmbito particular estatutário ou contratual de que resulte uma instância decisória que venha, de qualquer modo, imiscuir-se na esfera jurídica da pessoa. 4. OS DESTINATÁRIOS DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA A literalidade da norma indica que os destinatários do direito a defesa são: os litigantes e os acusados em geral. De partida, insta registrar que na doutrina assente considera-se litigante aquele que discute em juízo os seus interesses. 10 Litigante é aquele que litiga. Litígio, à sua vez, é na concepção carnelutiana: o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida. 11 Na expressão comum significa contenda; demanda; questão; pleito; pendência; peleja; lida. 12 Já a expressão, acusados, vem utilizada na acepção ampla e não, apenas, no sentido da terminologia técnica do processo penal, ou seja, a pessoa sobre quem recai a acusação. 13 As terminologias, litigantes e acusados, constituem, para nós, termos ou expressões oriundas de conceito de origem extrajurídica, da corrente linguagem comum. Válidas são as lições de TORRES PEREIRA quando exprime que a redação do artigo 5º, inciso LV, da Carta Federal, ao tratar do direito a defesa parece sugerir que há dois destinatários do direito à defesa; aos litigantes em processo judicial e administrativo, e aos acusados em geral, diz o preceito, destacando dois sujeitos do direito. E assim, continua o 10 DE PLÁCIDO E SILVA. "Vocabulário Jurídico", Rio de Janeiro: Forense, volume III, página 953. CARNELUTTI, apud MARQUES, Frederico. "Instituições de direito processual civil", Rio de Janeiro: Forense, 2ª edição, revista, 1962, página 26. 12 "Novo Dicionário Básico da Língua Portuguesa Aurélio", São Paulo: Editora Nova Fronteira, 1995. 13 CRETELLA JUNIOR, José. "Comentários à Constituição de 1988", volume II, Rio de Janeiro: Forense, 1989, página 532. 11 5 jurista: Note-se que o primeiro - litigantes - está vinculado ao processo judicial ou administrativo, ao passo que o segundo - acusados em geral não está associado ao processo e é referido de modo indeterminado. A ser verdadeiro que duas são as classes de titulares do direito a defesa, o que a Constituição estaria a estabelecer é que o direito à defesa não socorre o cidadão apenas quando litiga com ou perante o Estado, seja o Estado-Juiz (processo judicial) ou o Estado-Administrador (processo administrativo); quer a Constituição pôr o cidadão a recato também quando defrontado com o arbítrio de outras instâncias de poder, cujos atos sejam dotados de cogência suficiente para submetê-lo unilateralmente a seus desígnios. 14 Essa é a melhor exegese, porque o legislador constituinte, ao recolher as expressões litigantes e acusados, utilizou o sentido da linguagem comum, como sói acontecer nos textos constitucionais, que são elaborados pelo povo e para o povo. Posto, possa parecer, à primeira vista, uma atecnia jurídica em relação ao processo penal, processo civil e ao processo administrativo, porque não se pode falar em acusados na esfera administrativa, mas em indiciados. Destarte, o direto ao contraditório e à ampla defesa alcançam no processo civil, não só as partes litigantes, como também, aos interessados que tiverem alguma pretensão material a ser deduzida no processolitisdenunciado, opoente, chamado ao processo, assim como o assistente simples e litisconsorcial ou ainda o Ministério Público, mesmo como fiscal da lei. 15 No processo administrativo, em geral, no âmbito da Administração Pública, alcança o agente político, o funcionário, o empregado público e os administrados em geral, desde que tenham um interesse jurídico ou um direito a defender. Nas relações estatutárias, na seara do Direito Privado, também há campo para a operatividade do direito constitucional a defesa, já que as relações dessa índole resultam nas chamadas normas estatutárias, a que 14 TORRES PEREIRA Junior, Jessé. "O direito à defesa na Constituição de 1988", Rio de Janeiro: Renovar, 1991, páginas 36-37. 15 NERY JUNIOR, Nelson. "Princípios do processo civil na Constituição Federal", São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, página 132. 6 estão sujeitos, para alinhar situações mais evidentes, os sócios de clubes e associações, os integrantes do corpo discente das Universidades, os filiados aos entes controladores do exercício profissional, entre outras, porque é de natureza estatutária e não contratual, a relação de direito entre a pessoa jurídica e o associado. 16 Trata-se da aplicação do pensamento doutrinário germânico, conhecido por Drittwirkung - que significa a eficácia dos direitos fundamentais frente a terceiros - incluído aí a incidência imediata do princípio constitucional do direito a defesa sobre o direito privado. Este direcionamento eficacial adquire um alcance decisivo, seja como garantia constitucionais da afirmação fundamentais, seja e da subsistência como impulsora dos direitos do seu desenvolvimento. 17 Posto isso, não se descarta, antes confirma, a existência de uma modalidade de processo não estatal e não jurisdicional, no qual é perfeitamente possível a imposição de reprimendas, devendo, nesse caso, imperar a observância direta e imediata dos direitos fundamentais constitucionais em tais relações, incluído o direito a defesa, sob pena de nulidade do ato. Concluindo o presente enfoque, o princípio do contraditório e da ampla defesa decorre do princípio jurídico, 18 cujo conceito retrata a garantia da bilateralidade da audiência, abrangente, não só das relações 16 Tribunal da Justiça Rio de Janeiro - I Grupo de Câmaras Cíveis, apelação nº 329.290/85, Relator Desembargador SÉRGIO MARIANO; 2ª Câmara Cível, apelação nº 2.173/86, Relator Desembargador SAMPAIO PERES. 17 HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y Derecho Privado, trad. IGNACIO GUTIÉRREZ GUTIÉRREZ, Madrid: Civitas, 1995. Expõe o constitucionalista, com maestria, acerca das relações entre o Direito Constitucional e o Direito Privado e a respectiva eficácia da norma constitucional dos direitos fundamentais frente a terceiros, denominada de Drittwirkung, que significa: "os direitos fundamentais constitucionais operam de maneira imediata nas relações sociais". Para HESSE Constituição Federal também impõe sua vigência nas relações privadas, em especial, frente a determinadas formas de poder social organizado. 18 Segundo MANCINI-PISANELI-SCIALOIA, constituem princípios informativos gerais ideais do processo, verdadeiros axiomas: o princípio lógico que consiste na escolha de um complexo de atos coordenados aptos a atingir o fim a que se destina; o princípio político retratado na máxima realização da garantia social com o mínimo de sacrifício dos direitos; o princípio econômico que consiste na busca da solução de conflitos com o mínimo de gastos, garantindo assim o acesso à justiça; o princípio jurídico que proporciona aos litigantes a igualdade na demanda e justiça nas decisões. Ver P.S. MANCINI, G. PISANELI; A. SCIALOIA. Comentários delCodicediProceduraCivile, Torino, AmministrazionedellaSocietàEditrice, 1855, v.2, p. 10. 7 do processo penal, civil, administrativo, mas, inclusive, das relações estatutárias de direito privado com estrutura de processo decisório. 5. CONTEÚDO DOS PRINCÍPIOS DO DUE PROCESS OF LAW E DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA A cláusula do devido processo legal é continente que comporta vasto conteúdo de direitos e princípios, selecionados e sintetizados por MELLO FILHO 19 nos seguintes: I) o direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; II) o direito a um rápido e público julgamento; III) o direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; IV) direito ao procedimento contraditório; V) direito de não ser processado, julgado ou condenado por alegada infração às leis ex post facto; VI) direito a plena igualdade entre acusação e defesa; VII) direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; VIII) direito de não ser acusado nem condenado com base em provas ilegalmente obtidas; IX) direito a assistência judiciária, inclusive gratuita; X) privilégio contra a auto-incriminação. Evidentemente esse rol não é exaustivo, porque, na esteira da afirmação de BOBBIO, os direitos não nascem todos de uma vez e de uma vez por todas. 20 O prazo razoável na entrega das decisões vem sendo inserido como conteúdo do princípio vetor do dueprocessoflaw. Tal se justifica, porque a 19 MELLO FILHO, José Celso de. "A tutela judicial das liberdades". Revista dos Tribunais 526/292. BOBBIO, Norberto. "A era dos direitos"; tradução CARLOS NELSON COUTINHO, Rio de Janeiro: Campus, 1992, página 6. 20 8 demora na entrega da prestação jurisdicional ou no desfecho de qualquer decisão, inclusive no âmbito da Administração, além de prolongar as lesões, restrições, ou ameaças aos direitos, acaba, ao final, por retirar o conteúdo do próprio direito ou, ainda, a perecer o fim útil da decisão que se aguarda. Impera, na plenitude, o restaurado brocardo de que justiça tardia é negação de justiça. Afinal de contas, como lembra INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO: Prazos demasiadamente longos para a prática dos atos processuais de iniciativa dos órgãos de acusação e, mesmo, para a próprio julgamento, são materialmente incompatíveis com o princípio da presunção de inocência, porque implicam, em concreto, redução significativa da liberdade a que todos têm direito, sejam ou não acusados, estejam ou não respondendo a processo perante juízes e tribunais. 21 A durataragionevoledel processo é textual e constante no direito internacional e comunitário, vem codificado no artigo 6º da Convenção Européia e no artigo 8º da Convenção Americana, e assente seja no artigo 10 da Declaração Universal de Direitos, seja no artigo 14 do Pacto Internacional. É oportuno ressaltar que referido princípio, do prazo razoável, faz contemporâneos parte dos do catálogo Estados. dos Portanto, princípios agrega a constitucionais constelação de princípios consagrados entre nós, por força da recepção contida no disposto no artigo 5º, parágrafo 2º, da Constituição Federal que, em norma aberta, estatui: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Tal se explica pelo fenômeno da cláusula de abertura constitucional de recepção de novos direitos fundamentais, pois o Brasil, pelo Decreto nº 678, de 06.11.92, ratificou e promulgou no ordenamento jurídico interno a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1969, também cognominada do Pacto de São José da Costa Rica, que 21 "O acusado e seu defensor. A garantia da ampla defesa e os recursos a ela inerentes", Arquivos do Ministério da Justiça, Ano 47, nº 183, janeiro/junho 1994, página 36. 9 expressamente reconhece à pessoa humana o direito de ser ouvida e julgada dentro de prazo razoável. 22 A propósito é a colocação de MÁRTIRES COELHO: qualquer dilação temporal, no particular, implica restrição de direito, incompatível com a ontológica liberdade de que são dotadas as criaturas. Se o homem é, ontologicamente, um ser livre - não um ser para a morte, nem para a servidão -, se a sua vida é, por isso, um contínuo de liberdade e um descontínuo de proibições, estas hão de ser entendidas, sempre, como exceções àquela condição natural, jamais como regras ilimitadamente estabelecidas ao arbítrio de qualquer legislador. 23 É certamente o caso de meios de racionalização do processo, sob o manto da emergência da justiça. Não é por acaso as numerosas disposições que vêm sendo adotadas, suscetíveis de ser agrupadas sob a rubrica de combate à morosidade, ou à deflação endoprocessual. 24 Trata- se de meios voltados a incidir sobre aquelas distorções e instrumentais utilizados no processo que se qualifica, unanimemente, com a palavra abuso, no sentido de eliminar esse fator de ineficiência, principalmente, no juízo de primeiro grau, que repercute negativamente sobre a compressiva economia processual, determinando um incentivo para a proposição de apelo ou de recurso de cassação. 25 O princípio da proporcionalidade ou razoabilidade também é considerado como conteúdo do substantive processoflaw. De partida, cumpre fixar a noção sobre princípio. A doutrina assinala a proximidade do conceito de princípio e o de standart. ROSCOE POUND, conceitua o standart como uma regra muito geral de conduta, suscetível de adaptar-se 22 O Pacto de São José da Costa Rica, de novembro de 1969, expressa "toda pessoa tem o direito de ser ouvido, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um Juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente pela lei, para sustentação de qualquer acusação formal formulada contra ela, ou para determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil trabalhista fiscal ou de qualquer outro caráter." 23 MÁRTIRES COELHO, Inocêncio. "O acusado e seu defensor. A garantia da ampla defesa e os recursos a ela inerentes", Arquivos do Ministério da Justiça, Ano 47, nº 183, janeiro/junho 1994, página 36. 24 CHIARLONI, La domandadigiustizia: deflazione e/o rispostedifferenziate? inRiv. Trim. Dir. Proc. Civ., 1988, p. 752 ss, que discorre sobre o fenômeno, sempre mais difuso, de abuso processual, fator de multiplicação de recursos e cassações e da deflação endoprocessual. 25 Nesse sentido, CAPPONI, Bruno. Luci edombrenelleriformeurgentidel processo civile, in Studi in onore a Vittorio Denti, Padova: Cedam, 1994, p. 27 e ss. 10 ás particularidades de cada espécie determinada. 26 A seu turno, JUAN FRANCISCO LINARES, define-o como uma fórmula legal pelo qual se coloca como antecedente ou conseqüente na norma jurídica um objeto cultural ergológico, e exemplifica com a boa-fé, justo, razoável; ou um objeto cultural não ergológico cuja conotação conceitual deixa ao órgão aplicador da norma um amplo arbítrio. 27 No que tange a denominação, o primeiro problema que se põe consiste na não uniformidade de tratamento terminológico do princípio da proporcionalidade. Para alguns, a preferência recai nas denominações: princípio da racionalidade ou da razoabilidade. Racionalidade é a qualidade daquilo que é racional. E racional é o dotado de razão, ou conforme a razão, sendo que razoabilidade é a qualidade do razoável. A própria definição gramatical equipara as expressões racionalidade e razoabilidade. 28 A expressão proporcionalidade, do latim proportionalitate é a qualidade ou propriedade do proporcional, do latim proportione que significa regularidade, harmonia, simetria, conformidade, identidade, igualdade entre duas razões. Assim, tornar proporcional é observar a proporcionalidade, harmonizar, acomodar, no sentido da justa medida. PLÁ RODRIGUES, inclina sua preferência para a expressão razoabilidade, pois a palavra racional costuma ser utilizada com maior freqüência para referir-se ao ser dotado de razão e, porque melhor se ajusta ao sentido do princípio a que nos referimos. Assevera que: o ser racional pode não atuar razoavelmente se deixar levar pela paixão ou pelo interesse desmedido. 29 De qualquer sorte, é quase uníssona na doutrina a designação de princípio da proporcionalidade no sentido de justo, de conforme a razão. Indica aquilo que é razoável, ponderado, e racional. 26 Apud, PLÁ RODRIGUEZ, Américo. "Princípios de Direito do Trabalho", tradução de WAGNER D. GIGLIO, São Paulo: LTr, Editora Da Universidade de São Paulo, 1978, nota 456, página 253. 27 LINARES, Juan Francisco. Razoanabilidad de lasLeyes. El Debido Processo como Garantia InnominadaenlaConstitución Argentina, Buenos Aires, 1970. 28 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. "Princípios de Direito do Trabalho", tradução de WAGNER D. GIGLIO, São Paulo: LTr, Editora Da Universidade de São Paulo, 1978, páginas 250-251. 29 PLÁ RODRIGUEZ, Américo. "Princípios de Direito do Trabalho", tradução de WAGNER D. GIGLIO, São Paulo: LTr, Editora Da Universidade de São Paulo, 1978, p. 251. 11 Insta ressaltar, de início, que o princípio da proporcionalidade tratase de um princípio geral de direito que vincula os poderes, órgãos e agentes do Estado no exercício de suas competências, atribuições ou funções. Outra observação, que deve ser feita, é o enfoque que vê o princípio da proporcionalidade como fundamento do controle da constitucionalidade das leis ou atos normativos. Isto porque, o aludido princípio, se afirma, hodiernamente, com especial vigor jurídico-normativo, como meio de assegurar os direitos e liberdades dos cidadãos, contribuindo para afirmação inequívoca de um princípio mais amplo: o princípio da justiça. Ainda, outra observação radica em que o princípio da proporcionalidade possui largo espectro, o que, por vezes, subsume, sobrepõe ou apresenta zonas de intersecção com outros princípios não menos importantes e, por vezes, é tido como mero sub-princípio, sem qualquer autonomia. Por derradeiro, convém registrar que o princípio da proporcionalidade, apesar dos numerosos pontos de contato com outros princípios, ou de intersecção entre as respectivas esferas de atuação, possui uma funcionalidade, tem um conteúdo próprio e um campo de aplicação importante, porque, como afirmado, em seu aspecto funcional serve de fundamento para o controle da constitucionalidade das leis. Vê-se, pois, que hodiernamente são agregados ao elenco ou conteúdo do princípio do devido processo legal, também, o princípio do prazo razoável e o princípio constitucional da proporcionalidade. Logo, a cláusula do dueprocessoflaw, além de englobar a cláusula do contraditório e a ampla defesa, é aberta à recepção de novos direitos. O devido processo legal, no dizer de ADA PELLEGRINI, indica o conjunto de garantias processuais a serem asseguradas à parte para a tutela de situações que acabam legitimando o próprio processo. 30 Como se vê o princípio do contraditório e da ampla defesa acha-se incluído no princípio vetor maior que é o devido processo legal. 30 GRINOVER, Ada Pellegrini. "O processo em sua unidade - II", Rio de Janeiro: Forense, 1984, página 58. 12 Se o processo é uma garantia, se o dueprocessoflaw garante o processo, então é ele uma garantia da garantia. Como corolários ou instrumentos do princípio dueprocesslaw junta-se uma constelação de princípios e direitos que gravitam em torno desse, por assim dizer, princípio-mater. Em nossa concepção, esses princípios ou subprincípios podem assim ser agrupados, em rol não taxativo, mas meramente exemplificativo, pois sendo o dueprocessoflaw uma open endedclauses, a cada dia comporta novos direitos, a saber: 31 I) Princípio da isonomia (artigo 5º, caput, Constituição Federal); II) Princípio da proteção judiciária, denominado de princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, nele embutido o monopólio judiciário, pois a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça de direito e, nem permitirá tribunais de exceção, garantia de poder invocar a atividade jurisdicional (direito de ação); direito de acesso facilitado ao Judiciário (direito a assistência jurídica gratuita e direito a gratuidade processual); III) Princípio do contraditório, da ampla defesa; IV) Princípio do juiz e do promotor natural, denominado dejuiz legal pelos alemães; V) Princípio da proibição de prova ilícita; VI) Princípio da publicidade dos atos e decisões; VII) Princípio da fundamentação ou motivação dos atos e decisões; VIII) Princípio do prazo razoável na entrega das decisões;. IX) Princípio da razoabilidade e da proporcionalidade das leis restritivas de direito. 31 Ver, NERY JUNIOR, Nelson. "Princípios do processo civil na Constituição Federal", São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. Agregamos ao rol os princípios: do prazo razoável e o princípio da proporcionalidade. 13 Conclui-se que o princípio do dueprocessoflaw, cláusula aberta, apresenta polivalência de conteúdo. 33 32 O conteúdo que informa o princípio do contraditório e da ampla defesa, segundo os destacados autores, como JOÃO BARBALHO EPONTES DE MIRANDA vem assinalado por seu conteúdo mínimo, que demarca o teor irredutível do direito a defesa: I) a publicidade e; II) a dilação probatória. PONTES DE MIRANDA afirma: com a plena defesa são incompatíveis e, portanto, inteiramente inadmissíveis os processos secretos, inquisitoriais, as devassas, a queixa ou depoimento de inimigo capital, o julgamento de crimes inafiançáveis na ausência do acusado, ou tendo-se dado à produção de testemunhas da acusação sem ao acusado se permitir reinquiri-las, a incomunicabilidade depois da denúncia, o juramento do réu, o interrogatório dele sob coação de qualquer natureza, por perguntas sugestivas ou capciosas, e em geral, todo procedimento de que qualquer maneira embarace a defesa ..., esse inaferível direito dos acusados. 34 Com razão, TORRES PEREIRA JUNIOR afirma que o direito à defesa, possuindo um conteúdo mínimo irredutível, prescinde de definição normativa infra constitucional, porque é um atributo imediato da personalidade e o processo é uma garantia constitucional especial do direito à defesa, retratado nas suas duas dimensões: publicidade e dilação probatória. 35 32 MIRANDA, Daniel Calhman, nos estudos da obra de ELY, John Hart, DemocracyandDistrust, para quem o problema das cláusulas abertas radica em que, a densificação valorativa de normas abertas, em Ely, significa a introdução de conteúdos estranhos do texto Constitucional. A legitimação dessa revisão por via interpretativa da Constituição requer critérios que sirvam para identificar adequadamente os conteúdos passíveis de introdução. O principal problema é justificar a prioridade das opções valorativas dos juízes, em face das opções valorativas do legislador, obra citada, páginas 171-172. 33 Para um estudo do dueprocessoflaw na sua polivalência de conteúdo, ver, especialmente, Vigoriti, Garanziecostitucionalidel processo civile... verComoglio e achar editora e local) 34 PONTES DE MIRANDA. "Comentários a Constituição de 1967", São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968, páginas 220-221. 35 TORRES PEREIRA JUNIOR, Jessé. "O direto à defesa na Constituição de 1988 - o processo administrativo e os acusados em geral", Rio de Janeiro: Renovar, 1991, páginas 23-30. 14 6. EFICÁCIA DO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA NAS RELAÇÕES INTERPRIVADAS Sendo, como são, princípios constitucionais e direitos fundamentais, não há como negar a evolução e a expansão do princípio do devido processo legal, em sentido formal e material, e princípio do contraditório e da ampla defesa. O alcance do direito à defesa vem evoluindo e pode se afirmar: onde houver imputação e ou instância decisional acerca de direitos, em sentido lato e laico, pública ou privada, incidirá o direito de informação e o direito de reação e, por conseguinte, o direito ao contraditório e à ampla defesa e aos meios e recursos a ela inerentes. O princípio do dueprocessoflaw e a garantia do processo caminham para o alargamento do instituto, para além do campo do direito público e, assim, alcançar o direito privado. Além da jurisdição estatal judicial, o princípio do devido processo legal e as respectivas constelações de subprincípios norteiam hoje, também, o agir da jurisdição administrativa em geral; da jurisdição parlamentar; da jurisdição dos chamados equivalentes jurisdicionais (a conciliação, a mediação, a arbitragem) e; na esfera dos processos ou procedimentos concernentes às relações oriundas da autonomia privada, no campo do direito privado, máxime nas relações estatutárias. O histórico-evolutivo do direito a defesa demonstra que, inicialmente assegurado no processo judicial, passou para o processo administrativo no sistema contencioso; depois para o processo administrativo disciplinar, encontrando, na atualidade, sede no processo administrativo inominado, ou seja, presente em todas as categorias de processos administrativos, inclusive naqueles que tratam de atos da Administração Pública negociais e de licitações. Registra-se, também, na doutrina 36 e na jurisprudência, a ampliação do direito a defesa na seara privada, nas relações estatutárias 36 TORRES PEREIRA JUNIOR, Jessé. "O direto à defesa na Constituição de 1988 - o processo administrativo e os acusados em geral", Rio de Janeiro: Renovar, 1991. O desenvolvimento e a aplicação do direito à defesa vem, magistralmente, exposto pelo referido autor, que traz, igualmente, casos concretos julgados, de aplicabilidade do referido direito na esfera privada nas relações estatutárias. 15 associativas, 37 pois é hoje um direito conferido não só os litigantes, mas aos acusados em geral. A Suprema Corte reconheceu, na relação interprivada, a nulidade de punição, porque aplicada sem que fosse assegurada a oportunidade de defesa, cuja ementa vem assim vazada: DEFESA - DEVIDO PROCESSO LEGAL - INCISO LV DO ROL DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS EXAME LEGISLAÇÃO COMUM. A intangibilidade do preceito constitucional assegurador do devido processo legal direciona ao exame da legislação comum. Daí a insubsistência da óptica segundo a qual a violência à Carta Política da República, suficiente a ensejar o conhecimento de extraordinário, há que ser direta e frontal. Caso a caso, compete ao Supremo Tribunal Federal exercer o crivo sobre a matéria, distinguindo os recursos protelatórios daqueles em que versada, com procedência, a transgressão a texto constitucional, muito embora torne-se necessário, até mesmo, partir-se do que previsto na legislação comum. Entendimento diverso implica relegar à inocuidade dois princípios básicos em um Estado Democrático de Direito - o da legalidade e do devido processo legal, com a garantia da ampla defesa, sempre a pressuporem a consideração de normas estritamente legais. COOPERATIVA - EXCLUSÃO DE ASSOCIADO - CARÁTER PUNITIVO - DEVIDO PROCESSO LEGAL. Na hipótese de 37 Trata-se de caso ocorrido em primeiro grau, decisão irrecorrida, em que o clube impôs a penalidade de suspensão ao associado, sem a observância do direito à defesa. Entendeu o julgador que é de natureza estatutária e não contratual a relação entre pessoa jurídica e o associado, e que a imperiosidade do contraditório rejeita a imposição de sanções de índole preventiva, proferidas sem o cotejo dialético das provas. Posto isso, deferiu o pedido de liminar requerido para que o associado tenha assegurado o ingresso e a participação, sujeita às normas regulamentares, em todas as atividades do Clube, até que se decida a ação principal anunciada ou, não sendo esta ajuizada no prazo legal, até que o Conselho Deliberativo do clube decida, após o devido contraditório, sob a pena de suspensão aplicada pela Diretoria. Outra decisão é apresentada de aplicação do direito à defesa em sede de relações privadas, de regência estatutária, na qual impetrou-se habeas data para obter informações acerca das razões que teriam presidido a eliminação de sócio, cuja ementa, após peroração do instituto do Habeas Data, vem, assim, vazada: Pela jovialidade entre nós, sem maior tratamento no campo da doutrina ou a purificação pretoriana, no que concerne ao seu alcance, esse peregrino remédio constitucional, na sua efetiva aplicação, há de guardar identidade à legislação alienígena tomada como modelo, fonte de inspiração ao cauto e arrojado constituinte brasileiro, de modo que não frustre o cidadão acreditado nessa força instrumental à aurora de uma sociedade aberta à informação, sem que ninguém tenha sua vida em escaninhos ou seu passado prisioneiro em labirintos. Não há mais bastilha à informação. Os tempos são outros, e cabe ao Judiciário a missão primordial de assegurar essa conquista, fiel ao desígnio constitucional. Uma entidade recreativa formada de quadro associativo, a todas as luzes se enquadra, perfeitamente, no conceito de caráter público, tal como visto e previsto pelo preceptivo fundamental (8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Relator Desembargador ELLIS FIGUEIRA, Ementário nº 43, Diário Oficial do Estado, de 13.12.90, apud TORRES PEREIRA JUNIOR, Jessé. "O direito à defesa na Constituição de 1988", Rio de Janeiro: Renovar, 1991, página 42. 16 exclusão de associado decorrente de conduta contrária aos estatutos, impõe-se a observância ao devido processo legal, viabilizado o exercício amplo da defesa. Simples desafio do associado à assembléia geral, no que toca à exclusão, não é de molde a atrair a adoção de processo sumário. Observância obrigatória do próprio estatuto da cooperativa. - Recurso Extraordinário - 158.215-4 - Rio Grande do Sul, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Diário da Justiça 07.06.96, página 19.830. Trata-se de julgamento de recurso extraordinário, em que foi considerado vulnerado o princípio do devido processo legal, posto as normas processuais do contraditório e da ampla defesa achem-se em estatutos de associações civis e, portanto, decorrentes de relações estatutárias de direito privado. A Suprema Corte considerou que o princípio do devido processo legal - dueprocessoflaw -, nele incluído o princípio do contraditório e da ampla defesa, aplica-se, também, aos processos administrativos decorrentes de relações de direito privado, de índole estatutárias, tais como as relações entre os sócios e as associações civis. O referido julgado traz em seu bojo importante avanço, na medida em que retrata uma interpretação ampla do princípio do contraditório e da defesa, de observância obrigatória, não só, nas relações do processo judicial civil, penal, trabalhista, militar, eleitoral e processo administrativopúblico, mas, também, reconhece a aplicação desse princípio nos processos inerentes as entidades ou associações de direito privado, concernente a imposição de penalidades por infração às normas estatutárias de direito privado. A Suprema Corte considerou que a punição, ainda que aplicada no âmbito das relações de direito privado, deve ser imposta em regular processo, com a obrigação de notificar o infrator e, ainda, de conceder-lhe a faculdade de interposição de defesa em um prazo razoável. Sob esse aspecto, a evolução para uma proteção ampla do direito a defesa conta, de maneira decisiva, com o papel da jurisprudência, pelo reconhecimento da eficácia imediata, nas relações privadas, das normas constitucionais, segundo uma moderna doutrina alemã da DRITTWIRKUNG, cujo termo indica a agora tradicional corrente de 17 pensamento que admite a eficácia dos direitos fundamentais nos confrontos de terceiros, quer dizer de sujeitos estranhos a relação Estadocidadão, que historicamente constitui o incontestável objeto e a razão principal da normativa constitucional. 38 A tarefa das normas constitucionais, reconhecidamente, não se limita a frear o poder estatal. Outra missão, não menos importante, imputa-se às normas constitucionais: a de controle do exercício da autonomia privada. É o apelo aos direitos constitucionais nas relações interprivadas, 39 e, portanto, uma maior relação e interação com o direito privado. KONRAD HESSE chama a atenção para as novas relações entre o Direito Constitucional e o Direito Privado, que até agora tem recebido tratamento escasso, mais propriamente, a questão da norma constitucional quanto laeficacia frente terceros (DRITTWIRKUNG) de losderechosfundamentales. 40 Isto porque, a finalidade protetora dos direitos básicos deve ter alcance universal, com o mesmo nível de proteção se comparável nas relações com Poder Público, principalmente nas áreas em que prevalecem, na prática, as empregatício, na relações posição de do poder assimétricas, consumidor final e, como no demais vínculo relações particulares que submetem o indivíduo a um vínculo de subordinação ou às instâncias decisionais privadas. Assim, os direitos fundamentais constitucionais passam a ser vinculantes com relação a terceiros, com transcendência imediata e direta para o Direito Privado e, por corolário, merecedores de proteção seja frente às intervenções do Poder Público ou do particular. A moderna e atual Constituição brasileira vem orientada no sentido da preservação das liberdades públicas civis e políticas e dos direitos individuais e coletivos não só contra as ações arbitrárias do Estado mas, 38 PERONE, Gian Carlo; SCHIPANI, Sandro. "Princípios para um código-tipo de direito do trabalho para a América Latina", São Paulo: LTr, página 179. 39 Sobre a incidência das normas de direitos fundamentais nas hipóteses de manifestações de autonomia privada em conflito com os valores constitucionais, ver P. RESCIGNO, I diritticivilidellaCostituzione e ildirittoprivato, in Trattatodidirittoprivato coordenado por P. RESCIGNO, Torino, 1982, I, 48. 40 HESSE, Konrad. Derecho Constitucional y derecho privado; tradução Ignácio Gutiérrez Gutiérrez, Madrid: Editorial, 1995. 18 também, pela imposição de respeito, aos seus preceitos fundamentais, pelos particulares, inclusive, no que concerne ao direito do contraditório e a ampla defesa. 7. CONCLUSÃO I) O artigo 5º, inciso LV, nossa Carta Federal, traz o princípio do contraditório e da ampla defesa, uma das dimensões do princípio do devido processo legal - dueprocessoflaw; II) O princípio do contraditório e da ampla defesa é de observância obrigatória, não só, nas relações do processo judicial civil, penal, trabalhista, militar, eleitoral e processo administrativo-público, mas, também, nas relações de direito privado; III) O princípio do contraditório e da ampla defesa aplica-se, também, com relação a terceiros, administrativos no campo decorrentes de particular, relações e assim, nos interprivadas processos de índole estatutárias, inerentes às entidades ou associações de direito privado, máxime na seara da imposição de penalidades por infração às normas estatutárias de direito privado. IV) A eficácia dos direitos constitucionais fundamentais, nas relações interprivadas, nada mais significa do que a corrente de pensamento que admite a eficácia dos direitos fundamentais nos confrontos com terceiros DRITTWIRKUNG; V) Destarte, é mister que a punição, ainda que aplicada no âmbito das relações de direito privado, seja precedida de um devido processo legal justo e adequado, com a obrigação de notificar o infrator e, ainda, de conceder-lhe a faculdade de interposição de defesa em um prazo razoável. VI) Assim, viola o artigo 5º, LV, da Carta Federal, se não houver processo regular e, ou se os estatutos sociais, das associações de direito privado, não asseguram ao interessado o exercício do contraditório e da ampla defesa. Nada justifica a imposição de penalidade sem a garantia ao exercício do direito constitucional encravado no artigo 5º, LV, da Lei Maior. 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BOBBIO, Norberto. 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