SEMINÁRIO INTERNACIONAL DA OMPI
SOBRE O USO ESTRATÉGICO DA
PROPRIEDADE INTELECTUAL PARA O
DESENVOLVIMENTO SOCIAL E
ECONÔMICO
Rio de Janeiro, 21 a 25 de maio de 2007
O Impacto das Patentes sobre o
Acesso à Saúde
Secretaria da OMPI
1. Introdução - As duas dimensões das
patentes
2
a) a dimensão estática - o direito de dizer
não ao uso desautorizado das invenções
b) a dimensão dinâmica - encorajar (dando
o direito de dizer não) a alocação de
recursos escassos para a P&D
3
1. Sem a dimensão estática, não existe dimensão
dinâmica. Isto é, sem a garantia de poder dizer não
contra terceiros, nenhuma empresa privada vai investir
na criação de invenções que amanhã qualquer um
poderia utilizar.
2. Porque a patente lhe dá o direito de dizer não, o titular
pode recuperar os custos de P&D e auferir lucros que
lhe permitam remunerar os investidores de risco. Em
linguagem mais expressiva, a patente permite a uma
pessoa que oferece um almoço circular a conta pelos
convidados e exigir deles que a paguem.
4
3. Mas, sob a perspectiva multilateral da OMC, a questão
assume condicionamentos especiais.
5
A) Em primeiro lugar, a Convenção de Paris permitia que
alguns dos convidados se recusassem a pagar a conta;
agora não podem mais.
Pelo princípio do tratamento nacional, um Membro da
União não era obrigado a conceder patentes para
produtos farmacêuticos inventados por estrangeiros
desde que não concedesse patentes para invenções de
nacionais.
6
B) E, em segundo lugar, há governos que não só não estão
interessados em pagar a conta: eles não têm sequer
interesse em que o almoço seja servido.
Com efeito, as patentes induzem ao investimento em P&D. Mas um certo
governo pode preferir canalizar os escassos recursos que tem para um
dado campo tecnológico (por exemplo, a produção de etanol). Portanto,
para este país, conceder patentes em outros campos técnológicos pode ser
contraproducente, pois isso poderá incentivar alguns de seus cidadãos a
desperdiçar recursos com P&D nesses outros campos, os quais, se as
patentes só estivessem disponíveis para etanol, seriam investidos em
desenvolver novas variedades de cana e novos métodos de produção.
O Brasil, por exemplo, excluíu as patentes farmacêuticas do Código de 71
porque queria favorecer as importações de ingredientes ativos mais
baratos. O Brasil não queria promover a invenção de novas moléculas.
7
C) O impacto das patentes em matéria de acesso à saúde
pública reveste assim uma conotação diferente
dependendo de que país se trata:
(i) no país onde a P&D se realiza, a falta do sistema de
patentes pode levar a que a P&D não se realize (tudo
depende da dimensão do mercado; há países que
realizam P&D na área farmacêutica mas cujo mercado
interno é pequeno - estes países necessariamente
dependem da existência de patentes em outros
mercados)
8
(ii) no país onde a P&D se realiza, a existência da
patente não só, portanto, incentiva essa realização como
também estabelece condições de competitividade, pois,
ao divulgar a invenção, e tendo como pano de fundo a
possibilidade de “inventar em volta,” ajuda os
concorrentes do inventor a criar suas próprias
invenções, proporcionando assim ao mercado a
existência de vários produtos concorrentes
9
(iii) num país onde a P&D não se realiza,* a função da
patente é ajudar a pagar a conta do almoço que foi
servido em outro país;
(iv) num país onde a P&D não se realiza, se o mercado
interno é considerável e razoavelmente livre, a patente
desempenha ainda o papel de estabelecer condições
competitivas para importar o produto (dos países onde
ele está patenteado)
* Isto se aplica tanto a países desenvolvidos quanto a países em
desenvolvimento
10
(v) num país onde a P&D não se realiza, o
estabelecimento de um regime de patentes serve
também de moeda de barganha para induzir os países
em que a P&D se realiza a outorgar-lhe melhores
condições de acesso ao seu mercado (TRIPS, TLCs)
(vi) o problema das patentes com relação ao acesso a
medicamentos só existe na medida em que o inventor
usa o direito exclusivo para internalizar no preço o custo
de P&D (além do custo da fabricação, da distribuição, e
dos lucros)
11
(vii) mas se há no mercado produtos que concorrem
com o medicamento patenteado, a capacidade de o
inventor estabelecer o preço é limitado (existe a idéia
errada de que patentes são monopólios; não são: as
invenções patenteadas competem com
- produtos que já existiam anteriormente no mercado
- produtos que são desenvolvidos depois e que são
também patenteados
- produtos que podem vir a existir (e ser também
patenteados)
- ameaças de concessão de licenças obrigatórias
- risco de violação de patentes)
12
(viii) não é correto dizer que as patentes geram preços
mais elevados:
- se os produtos patenteados são inteiramente novos,
não há como dizer que são “mais caros” pois antes não
existiam
- se eles concorrem com produtos existentes no
mercado, e se forem mais caros do que estes, os
consumidores preferirão os já existentes
13
(ix) mas é verdade que muitos países têm visto
aumentar os custos da saúde pública; isso é
resultado de fatores como:
- envelhecimento da população
- aparecimento de novas doenças
- aumento da sofisticação das novas
tecnologias, o que as faz mais caras
14
(x) além disso, em 2001, só 5% dos 300
medicamentos listados pela OMS como
essenciais estavam cobertos por patentes*; mas
a sua grande maioria, incluindo os genéricos,
são protegidos por marcas
*Segundo um relatório da OMC; sintomaticamente, esse relatório não examinou quantos
estavam protegidos por marcas...
15
A propósito: quantas vezes você foi ao médico e
ele lhe passou uma receita contendo o número
da patente de um medicamento?...
... e quantas vezes ele lhe passou uma receita
contendo uma marca?...
16
Pois é, quando se trata de acesso a
medicamentos, nos países em que há um
sistema formal de saúde, a marca é
geralmente muito mais importante do que
a patente; e a lealdade à marca por parte
de quem passa ou avia a receita tem
muito mais influência e poder de mercado
do que uma patente, pois ela é que decide
sobre o acesso ao produto, quer exista
patente ou não!!!
17
(xi) além das marcas, também a proteção dos
dados de testes tem um impacto maior do que o
das patentes, pois aquela proteção incide sobre
as novas entidades químicas, patenteadas ou
não, patenteáveis ou não - isto é, os dados de
teste incidem sobre produtos que, se não fosse
a sua proteção, estariam disponíveis para
fabricação por empresas concorrentes ou para
importação
18
(D) Portanto, o que é preciso reter é que as
patentes podem ter um impacto sobre o acesso
a medicamentos na medida em que os
respectivos titulares podem dizer “não” contra
empresas concorrentes. Mas esse impacto é
menor do que o causado por outros
mecanismos de apropriação de tecnologias ou
de good will. Além disso esse impacto é limitado
pelas condições de mercado e pelo fato de as
patentes incidirem apenas sobre (alguns)
produtos de ponta.
19
(E) Além disso, ainda que perdidas as
assimetrias da Convenção de Paris, os países
interessados em utilizar as patentes para
perseguir fins de políticas públicas em matéria
acesso a medicamentos, podem, à luz dos
TRIPS, implementar obrigações de maneira
flexível. Essa flexibilidades podem ser usadas
com seis objetivos diferentes:
20
(i) promover a criação local de invenções na área de
saúde - a solução é a de adotar regras que
beneficiem as empresas de pesquisa (os TRIPS
podem não ser suficientes e, por isso, esses países
adotam “TRIPS plus” - flexibilidades para cima);
e/ou
(ii) promover a criação de invenções em outros
países (flexibilidades para cima); ou
21
(iii) promover a importação de produtos
farmacêuticos (em detrimento da montagem ou da
invenção local) (explorar flexibilidades para baixo)
(iv) promover a importação de ingredientes ativos
para beneficiar a montagem local (flexibilidades
para baixo)
(v) promover a engenharia reversa e a fabricação
local (flexibilidades para baixo junto com medidas
de incentivo ao desenvolvimento tecnológico local)
22
(vi) usar as regras de patentes não para promover
diretamente uma política (qualquer que seja) em
matéria de acesso a medicamentos mas com vistas
a obter concessões comerciais em áreas de maior
prioridade e onde se prevejam maiores ganhos
(flexibilidades para cima por meio de TLCs)
23
2. Flexibilidades no campo das
patentes
24
Os TRIPS permitem 4 modalidades de
flexibilidades
25
Flexibilidades quanto ao método de
implementação dos TRIPS
Flexibilidades quanto aos direitos
concedidos (flexibilidades para cima ou
para baixo)
Flexibilidades quanto às medidas de
observância
Flexibilidades quanto às áreas nãocobertas pelos TRIPS
26
(i)
Flexibilidades quanto ao método de
implementação
(a) A patente como fonte de disseminação tecnológica (local content disclosure
requirement ; fully enabling disclosure)
(b) Proibir emendas ao pedido de patente que ampliem a matéria inicialmente
reivindicada
(c) Obter informação sobre resultados de buscas e de exames em outros
países
(d) Integração de agências governamentais especializadas na análise
substantiva do pedido: quando a invenção reivindique ou se refira a uma
indicação terapêutica (substância x para tratar doença y), a agência
sanitária pode (e deve) analisar os respectivos dados de testes (não se
trata de condicionar a concessão da patente ao registro sanitário, e sim de
verificar a veracidade e a credibilidade da utilidade da invenção)
27
(ii)
Flexibilidades quanto aos direitos
(a) Exclusões da patenteabilidade
- definição rigorosa da invenção (exclusão de sais, de
esteres, de polimorfismos, de primeiros ou segundos
usos de substâncias conhecidas, etc;
- substâncias naturais não modificadas, ainda que
purificadas, sintetizadas ou isoladas da natureza;
- animais e plantas e respectivas partes
(b) Exceções e limitações
28
Exceções - reduções do direito (subjetivo) de impor
atos ou abstenções de atos a terceiros sem afetar a
integridade parcial ou total desse direito; quando
afetam parcialmente a integridade do direito, as
exceções requerem autorização e geralmente (mas
nem sempre) implicam pagamento
Limitações - eliminam o direito subjetivo; este deixa de
poder ser exercido no todo ou em parte (por
exemplo, a exaustão é uma limitação parcial pois
apenas se aplica aos atos de natureza comercial)
29
Exceções - Artigo 30
- as exceções têm que ser limitadas
- podem conflitar de forma razoável com a exploração
normal da patente
- podem prejudicar de forma razoável os interesses
legítimos de seu titular, levando em conta os interesses
legítimos de terceiros*
*Esta é a leitura do Art. 30 por dois painéis da OMC. Mas, a meu ver, a tomada em
consideração dos interesses legítimos de terceiros deveria ser uma quarta condição
(autônoma), e não parte da terceira.
30
As exceções do Artigo 30, porque sujeitas ao limite
da razoabilidade, não afetam os interesses
comerciais do titular ao ponto de exigir
autorização e pagamento de remuneração. As
exceções do Artigo 30 representam uma
autorização (legal) de uso por terceiros sem
qualquer necessidade de comunicação ao titular.
31
Exemplos de exceções consideradas
“permitidas”:
a) atos praticados para fins experimentais (de natureza
acadêmica ou comercial)*
b) atos praticados para obter dados necessários para
aprovação regulamentar**
* Em certos países a engenharia reversa com o fim de obter ganhos financeiros de
qualquer natureza sofre limitações.
** Conhecida como a exceção Bolar. Os produtos eventualmente fabricados para os fins
de obter os dados deverão ser destruídos após a concessão do registro.
32
Exemplo de exceções aceitas por um número amplo
de Membros da OMC (mas cujo valor é discutível):
a) atos praticados pelo usuário anterior*
b) atos praticados para preparação de medicamentos em
farmácias ou atos praticados mediante o uso de
medicamentos assim preparados**
* A exceção do usuário anterior é de valor muito discutível pois premia o primeiro
inventor que preferiu esconder a sua invenção em vez de pedir uma patente. Em
alguns países essa exceção é limitada.
** Se a manipulação de certo medicamento patenteado for generalizada, há prejuízos
efetivos ao titular e a exceção deixa de ser limitada e razoável.
33
Exemplos de exceções que não são
possíveis:
a) fabricar para estocar e vender após a expiração da patente*
b) fabricar para exportar**
* Decisão de painel da OMC.
** No início dos debates que levaram à proposta de emenda dos TRIPS (Artigo 31bis), as
Comunidades Européias e o Grupo Africano sugeriram o recurso ao Artigo 30. Mas os
EUA opuseram-se a isso. Fabricar para exportar não seria uma exceção limitada e
razoável. Por isso, a utilização do mecanismo do Artigo 31bis pressupõe pelo menos
uma licença obrigatória no país exportador.
34
Exceções - Artigo 31 (licenças compulsórias)
Justificativas possíveis para conceder licenças obrigatórias:
a) remediar uma prática anti-competitiva (TRIPS, Art. 31(k));
b) permitir a exploração de uma patente dependente (TRIPS,
Art. 31(l));
c) prevenir abusos resultantes do exercício do direito (Conv. de
Paris, Art. 5(A)(2)(3));
d) suprir a falta de ou a insuficiente exploração da invenção
(Conv. de Paris 5(A)(2)(3)); e
e) em geral, atender o interesse público (do qual o Art. 31(b)
dos TRIPS dá exemplos) (as licenças compulsórias relativas à
saúde pública geralmente enquadram-se aqui)
35
Os direitos de patente podem sofrer
limitações por meio de:
(a) desapropriação
(b) reduções do período de vigência em razão de atrasos
na concessão da patente
(c) reduções dos efeitos da exclusividade em razão de
atrasos na concessão do registro sanitário
(d) exaustão (nacional ou regional, internacional ou
internacional controlada)
36
(iii) Flexibilidades quanto às medidas
de observância
- aplicação por parte dos tribunais do princípio da
eqüidade - recusa em conceder preceitos
cominatórios (cautelares ou definitivos) quando
esses preceitos causarem um prejuízo injustificado à
sociedade, sem prejuízo do pagamento de
indenização por violação da patente (neste caso,
estamos falando de um tipo muito mais rápido e
simples de licenças obrigatórias)
37
Exemplo: quando há um tempo atrás houve a tentativa de
importação do Kaletra (protegido por uma patente
pipeline), um juiz brasileiro emitiu uma medida cautelar
proibindo a internalização do produto no mercado
brasileiro; esse juiz cumpriu os TRIPS;* mas ele teria
igualmente cumprido os TRIPS se tivesse autorizado a
importação, dado o interesse público em obter esse
medicamento a um preço mais baixo e considerando
que: a) o produto tinha sido legitimamente fabricado na
origem (num país onde não havia patente) e b) o titular
da patente no Brasil obteria o ressarcimente mediante o
pagamento de royalties
* Mas não é bem assim. Nem a Convenção de Paris nem os TRIPS cuidam de patentes
pipeline.
38
Obrigado
Perguntas relativas a esta apresentação
poderão ser dirigidas à Secretaria da OMPI*
*[email protected]
39
Download

The economic importance of industrial property