KERNICTERUS Apresentação: Gabriela Berigo Coordenação: Márcia Pimentel de Castro Internato em Pediatria HRAS/HMIB 2014 Medicina – ESCS / 6º ano www.paulomargotto.com.br Brasília, 2 de junho de 2014 • IDENTIFICAÇÃO: Filho de RCR, 5 dias de vida, natural de Brasília, residente e procedente em São Sebastião/DF. • QP: “Diminuição da mamada há 01 dia”. • HDA: Pais relatam que há 01 dia criança apresentou pico subfebril (37.7º) associado a diminuição das mamadas e agitação. Também referem que notaram criança um pouco mais amarelada há 01 dia. • BEG, icterícia até zona IV, hidratada, acianótico, ativo, • • • • • • afebril ao toque. Peso atual: 2.300g. Perda de 12% em 5 dias. AR: MV fisiológico bilateral, sem RA, sem sinais de esforço respiratório, eupneica. ACV: RCR em 2T, BNF, sem sopros. ABD: Plano, flácido, indolor a palpação superficial e profunda, ausência de massas palpáveis ou VMG. RHA+. EXT: Bem perfundidas (enchimento capilar < que 2 seg), sem edema. SNC: Ausência de sinais meníngeos. Nível de consciência preservado. • BT 34,82 BD 3,15 BI 31,67 • Ca 9,7 • • • • • • • Cl 106 Na 141 K 4,9 Cr 0,7 U 31 Glicemia 37 Relação bilirrubina/ albumina: 9,7 PT 6,2 Albumina 3,5 globulina 2,7 TGO 40 TGP 30 Hb 16,3% Ht 46,6% Leuco 14.000 3B /71S /15L Reticulócitos 7% Plaquetas 231.000 • Nascido de parto vaginal, em boas condições de • • • • • • • vitalidade, em serviço privado. IG: 37 semanas Peso: 2630 g Estatura: 48 cm PC: 33 cm APGAR: 9/10 TS: B +, CD – (MAE: O -) Recebeu alta do ALCON com 48h de vida, em boas condições, porém com relato de leve icterícia, sem dosagem de bilirrubinas antes de alta médica . • G4P3A0. • TS: O• Sorologias: HIV, VDRL, Hep B e C no 3ºTrimestre: Não Reagentes Rubéola IgG+ IgM- 3º Tri CMV IgG+ IgM- 3º Tri. • Intercorrências na gestação: Nega • Mãe tem traço falciforme. • Antecedentes: Vacinação desatualizada (falta BCG e Hep B), AME até o momento. Nega internações prévias. Nega uso diário de medicamentos ou alergia medicamentosa. Nega cirurgias prévias . • História Familiar: Mãe e pai , hígidos Três irmãos, sendo que dois irmãos: Apresentaram icterícia ao nascimento, não necessitaram de exsanguineotransfusão, apenas fototerapia. Mãe relata ter feito ROGAN nas duas últimas gestações. Qual a principal hipótese diagnóstica? Foi adequada a alta médica com 48h de vida? Quando realizar dosagem de bilirrubinas antes da alta? Qual o motivo da perda de peso de 12% no 5° dia de vida? Qual a causa mais provável da hipoglicemia apresentada durante admissão? • Fototerapia contínua • Imunoglobulina EV 1g/kg • Albumina EV • Solicitação de vaga em UTIN e indicação de exsanguíneotransfusão • Paciente REG, Ictérico zona V de Kramer (+4/4+), desidratado (+1/4+), acianótico. • Foi puncionado ACV em subclávia direita e realizada intubação orotraqueal por depressão respiratória após sedação. 22/03 às 14:30 Extubação acidental, colocado sob HOOD. 22/03 às 14:55 RN apresentou movimentos tipo descerebração; Ataque com Fenobarbital 10mg/kg EV 22/03 às 17:48 ( 11 horas após admissão) Realizado exsanguíneotransfusão • Pós 1° exsanguíneotransfusão (22/03) 17h BT: 21,77 BD: 2,09 BI:19,68 Conduta: Nova exsangíneotransfusão • Pós 2° exsanguíenotransfusão (23/03) 02:30h BT: 18,54 BD: 1,47 BI: 17,07 Conduta: Dosagem de bilirrubinas e albumina EV Controle (24/03) BT: 11,66 BD: 2,37 BI: 9,29 • Paciente segue choroso, em fototerapia, apresentando movimentos de extensão de MMSS leves e permanece com MMII cruzados. Conduta: Solicitação de ECO transfontanela e avaliação da neuropediatria Avaliação Neurológica: “No caso de Kernikterus neste momento ainda é cedo para fazer afirmações , porém a primeira fase de uma impregnação importante nós observaríamos uma hipotonia importante e uma síndrome apática... em seguida a atitude hipertônica e hiperexcitável. Assim o prognóstico possa ser melhor. Mas devemos manter em observação rigorosa. Reavalio em uma semana.” Ecotransfontanela: Sem alterações Criança evolui bem, realizando fototerapia por 5 dias, com persistência de movimentos hipertônicos. É avaliado pela neuropediatria, com recomendação de acompanhamento ambulatorial pós alta devido realização de movimentos hipertônicos. Recebe alta médica no 13° DIH, em uso de fenobarbital e mamando bem ao seio materno. 1. 2. 3. 4. 5. 6. Qual a classificação da icterícia? Icterícia fisiológica ou patológica? Qual a indicação para o uso de imunoglobulina? Qual indicação de fototerapia? Qual indicação de exsanguineotransfusão? Qual critério de alta hospitalar? Icterícia: coloração amarelada da pele, mucosas e escleróticas devido a uma elevação da concentração de bilirrubinas séricas Icterícia fisiológica: Inicio após as 24h de vida RN a termo -níveis séricos até 13mg% -duração de 1 semana RN pré-termo -níveis séricos até 15 mg% -duração até 2 semanas A bilirrubina forma-se principalmente pela degradação da hemoglobina (75%) e de outras proteínas 25%. Heme Heme oxigenase Biliverdina Biliverdina Redutase BI A bilirrubina indireta(lipossolúvel): Livre ou ligada à albumina BI Captada no hepatócito conjugada sob ação glicoruniltransferase BD Aumento da produção: Isoimunização Rh, ABO e subgrupos; Esferocitose hereditária; Deficiência enzimática do eritrócito: G-6 PD; piruvatoquinase e outras; Hematomas; Policitemia; Drogas (Vitamina K ) Aumento da circulação enterohepática (aumento de BI): Jejum prolongado Sangue deglutido Obstrução intestinal Íleo paralítico (induzido por drogas) Diminuição da conjugação: Deficiência congênita da glucoronil-transferase; Hipotireoidismo congênito; Inibição enzimática; Drogas e hormônios (novobiocina e pregnanediol); Galactosemia (inicial); Leite humano; (Diagnóstico de exclusão) Recém-nascido (RN) de diabética; Prematuridade; Síndrome de Down. Nas primeiras 24h de vida (sempre patológica) Eritroblastose fetal, hemorragia oculta, infecções congênitas, sepse, hematomas. 2º a 3º dias: Fisiológica, icterícia (da falta) do aleitamento materno Do 3º dia à 1ª semana: Sepse, infecções congênitas, ITU Após a 1ª semana: Leite materno, sepse, atresia de vias biliares, def. G6PD, fibrose cística (Causa de aumento de BD- causa de conjugação) Inicia-se antes de 24 horas de vida, Bilirrubina >13 mg% nos RN a termo e > 15mg% nos RN pré-termo Formas eritrocitárias jovens (reticulócitos) e anormais (eliptócitos e esferócitos) Incompatibilidade ABO Incompatibilidade Rh Avaliação quanto à intensidade (número de cruzes) e a abrangência da icterícia (zona de Kramer): Kramer et al, 1969 • Dosagem de bilirrubinas (total e frações) • Dosagem de albumina • Determinação de grupo sanguíneo e Rh maternos e do RN • Teste de Coombs direto do sangue do RN • Determinação do hematócrito • Contagem de reticulócitos (caso hematócrito normal ou baixo) Diminuição da circulação enterohepática Fototerapia intensiva Exsanguíneotransfusão • Promove transformação fotoquímica da bilirrubina nas áreas expostas a luz, permitindo eliminação renal e hepática, sem sofrer modificações metabólicas e sem passar por barreira hematoencefálica. Bilirrubinas Produtos hidrossolúveis energia luminosa • Indicação dependerá -Níveis séricos de bilirrubina -Tipo de icterícia (hemolítica ou não) -Características do RN (idade gestacional, peso de nascimento e fatores de risco para Kernicterus) Fatores de risco: Acidose, hipoxia persistente ,sepse, hipoalbuminemia, aumento da bilirrubina total Aparelho de fototerapia convencional Distância: 50 cm Bilitron- Luz azul Distância: 30 cm Fonte:http://riogrande-dosul.all.biz/sistema-de-fototerapia-convencional-g43608 FOTOTERAPIA DO TIPO HALÓGENA Distância: 40- 50cm(risco de queimadura) Recomendada imediatamente (até 12h de vida) se RN mostrar sinais de encefalopatia bilirrubínica ou: - Hb < 12,5g% - Hto < 40% - Coombs Direto + - BbT > 5mg% no sangue do cordão - elevação dos níveis de BbT > 0,5mg%/h na doença hemolítica pelo fator Rh, ou: < 12h vida --> BbT > 10 < 18h vida --> BbT > 12 < 24h de vida --> BbT > 14 VANTAGENS • O uso diminuiu a indicação de exsanguineotransfusão e de fototerapia, tanto na incompatibilidade Rh como ABO. • Diminui a duração da fototerapia e o tempo de hospitalização MODO DE AÇÃO • A gamaglobulina reduz a taxa de hemólise pelo bloqueio da ligação de macrófagos do sistema retículo-endotelial, inviabilizando destruição dos eritrócitos INDICAÇÕES • O uso da globulina hiperimune pode estar indicado tanto como profilático (nas primeiras horas de vida, antes da ocorrência da hiperbilirrubinemia), como nos casos de icterícia precoce/ anemia por incompatibilidade ABO/Rh com Coombs Direto +. Bilirrubina (Bb) é transportada no plasma ligada reversivelmente à albumina. O perigo para impregnação cerebral está na Bb livre . Cada grama de albumina carreia 8,5mg de Bb. Assim sendo, se albumina sérica = 3 a 3,5g/dl, é capaz de carrear 25 a 28mg% de Bb O uso da relação Bb / albumina funciona como uma informação adicional na determinação do risco e indicação de exsanguineotransfusão. Não substitui a dosagem total de bilirrubinas, apesar de auxiliar na decisão terapêutica. FUNÇÃO: Ligação à bilirrubina não-conjugada, evitando a encefalopatia (kernicterus). USO: Administração ENQUANTO se aguarda exsanguineotransfusão (terapia de choque!) a Bilimapa: Buthani VK et al. Pediatrics 1999;103:6-14 Ocorre devido à impregnação da BI livre (lipossolúvel) no SNC FASES Fase I: hipotonia, letargia e reflexo de sucção débil nos primeiros 2 a 3 dias; Fase II: espasticidade, opistótono e febre; Fase III: aparente melhora, instalando-se, geralmente, no fim da primeira semana, com diminuição da espasticidade; Fase IV: incide, geralmente, aos 2 a 3 meses de vida, com sinais sugestivos de paralisia cerebral. • Identifica a presença de anticorpos ou complementos ligados à superfície das hemácias • Adiciona o “soro de Coombs” (anticorpos antiglobulina humana) a uma gota de sangue -Se positivo, observará aglutinação da amostra -O teste poderá ser positivo após hemotransfusão – Reação aloimune -Pode reagir a qualquer anticorpo (IgG, IgM) • Margotto, PR; Paula MCA, Porto LC. Hiperbilirrubinemia neonatal. In.Margotto PR. Assistências ao Recém-nascido de Risco, ESCS, Brasília, 3ª Edição, 2013, pg.506-516 Hiperbilirrubinemia Neonatal-2012 Autor(es): Paulo R. Margotto, Liu Campelo Porto, Ana Maria C. Paula • Icterícia Neonatal, Conceição Quintas, Albina Silva - Consensos em Neonatologia • Icterícia neonatal, disponível em http://www.unasus.unifesp.br/biblioteca_virtual/esf/1 /casos_complexos/Danrley/Complexo_01_Danrley_Ict ericia.pdf Nota do Editor do site, Dr. Paulo R. Margotto Consultem também! Estudando Juntos! USO DO BILIRRUBINÔMETRO Como usar o bilirrubinômetro transcutâneo (como escolher o aparelho, qual padrão usar para interpretar resultados, uso em fototerapia, uso em pré-termos, uso pós-alta) Autor(es): O´Connor MC et al. Apresentação: Glenda G. Oliveira, Kamila Vieira Silva,Osmar Rabelo. Discussão: Paulo R. Margotto Para a bilirrubina transcutânea, o uso de um nomograma a partir da bilirrubina transcutânea resulta em melhor predição de significante hiperbilirrubinemia em recém-nascido a termo e próximo do termo:estudo piloto Autor(es): I. Mohamed, A.C,Blanchard, E. Delvin, J. Cousineau, A. Carceller (Canadá). Apresentação:Amani M. Hamidah, Bárbara V. Carneiro , Paulo R. Margotto Encefalopatia bilirrubínica (Kernicterus): Aspectos fisiopatológicos e clínicos Autor(es): Paulo R. Margotto A abordagem agressiva dos RN pré-termos, eliminando os fatores que transformam a bilirrubina em neurotoxina (hipoxemia, acidose, hipoglicemia, infecção) e dos RN que nos chegam com grave hiperbilirrubinemia (uso de 1g/kg de albumina seguida de exsangüineotransfusão, fototerapia intensiva e hidratação venosa) pode evitar seqüelas devastadoras. Atenção deve ser dada à amamentação inadequada e a alta precoce das nossas Unidades de RN com 35, 36 e 37 semanas (o risco destes RN apresentarem hiperbilirrubinemia acima de 20mg% é 5 vezes maior em relação ao RN a um RN de 40 semanas). O Kernicterus é devastador, porém, evitável. Causas da volta do Kernicterus! Kernicterus, ainda um desafio (Apresentação, 2006) Autor(es): Paulo R. Margotto Mudança de atitude: temos que nos preocupar com a icterícia! Kernicterus, ainda um desafio • Causa da volta do Kernicterus (AAP, 2004) • Alta precoce (menos de 48h) sem seguimento ambulatorial dentro das 48 h seguintes, especialmente em RN perto do termo (35 – 37 sem de gestação) • Falha em conhecer aos níveis de BT em RN ictérico nas 1as 24 h de vida. • Falha em reconhecer a presença de fatores de risco para hiperbilirrubinemia • Subestimar a gravidade da icterícia, utilizando apenas a avaliação clínica (visual) www.paulomargotto.com.br Tan, 1996 Kernicterus, ainda um desafio • Causa da volta do Kernicterus (AAP, 2004) • Deixar de diagnosticar a presença de icterícia clínica • Deixar de medir a BT em RN ictéricos francos ou de instalar fototerapia na presença de níveis elevados • Utilizar aparelhos de inadequados para fototerapia • Deixar de utilizar bilirrubinômetros transcutâneos, de fácil manipulação por todos os profissionais de saúde envolvidos. Eles apresentam uma correlação linear com as dosagens invasivas. • Falha em valorizar queixas familiares de icterícia, pobre sucção ou letargia. www.paulomargotto.com.br Tan, 1996 Conclusões A volta do Kernicterus : alta precoce do RN próximo ao termo (35, 36 semanas) e RN de 37 sem Icterícia pelo leite Materno X Icterícia pela amamentação ET – para RN c/ hiperbilirrubinemia extrema que não respondem a fototerapia intensiva Vigintofobia:deve ser mantida para os seguintes grupos Doença hemolítica RN de baixo Peso RN doentes RN com fatores de risco: Bil – neurotoxina Avaliar 1 – 2 dias após a alta precoce de RN próximo ao termo Avaliar a Bilirrubina Total no contexto da concentração de albumina sérica