Análise econômica dos contratos de consumo Daniela Barcellos e Antônio Porto Contratos de Consumo Identificação Caso 1: Plano de Saúde Uma empresa contrata com operadora um plano de saúde tendo como beneficiários os seus empregados e dependentes. Anos mais tarde, encerra suas atividades devido a graves problemas financeiros e, por conseguinte, cancela o contrato de plano de saúde. Na ocasião da rescisão contratual, um dos empregados mais idosos da empresa encontrava-se em tratamento médico para se recuperar de cirurgia do coração. Caso 1: Plano de Saúde O empregado pleiteou continuar vinculado ao plano de saúde. É possível? Qual é o fundamento jurídico da resposta? (STJ. AgRg no Ag 857.924/RJ, Rel. Min. Sidneu Beneti, 3ª.T, j. em 19/06/2008) Problema Contratual: método de análise 1. Qual é o fato jurídico que dá origem ao vínculo? 2. Sendo contrato: é nominado ou inominado? 3. Sendo nominado: qual é sua definição legal? 4. Análise nos 3 planos do mundo jurídico: existência, validade, eficácia. 5. É uma relação de consumo? 6. Quais são as regras que incidem? 7. Quais são os princípios que incidem? 8. Qual é a solução do caso proposto? 1. Qual é o fato jurídico que dá origem ao vínculo jurídico? •Vínculo jurídico: Contrato de plano privado de assistência à saúde •Contratante: Empresa A •Contratado: Empresa B 2. É contrato típico ou atípico? Contrato Nominado: Contrato de plano privado de assistência à saúde Contrato Típico: Lei 9.656/98 3. Qual é sua definição legal? Art 1º., I, da Lei 9.656/98 Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente, escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor; 4.1. Existiu? Acordo de vontades (proposta + aceitação) 4.2. É válido? Possui os os requisitos de validade? (Art. 104 do CC) I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei. • Apresenta alguma nulidade? (Art. 166 ou do 167 do CC) •Apresenta alguma anulabilidade? (Art. 171 do CC) Apresenta algum defeito? Erro (Art. 138-144 do CC) Coação (Arts.151-155 do CC) Dolo (Arts. 145 -150 do CC) Estado de perigo (Art. 156 do CC) Lesão (Art. 157 do CC) Fraude contra credores (Art. 158 do CC) 4.3. É eficaz? Possui algo que o torne ineficaz? Condição? (Art. 121-130 do CC) Termo? (Art. 130-135 do CC) Outra razão legal de ineficácia? Art. 288 do CC; Art. 662 do CC; Art. 684 do CC; Art. 786,§ 2º, do CC; Art. 997, parágrafo único, do CC. 5. É um contrato de consumo? O contrato de consumo é um contrato pelo qual, um dos contratantes, na condição de consumidor, adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, ao passo que o outro oferece produtos e serviços dentro de um contexto no âmbito de sua atividade profissional, ou seja, como fornecedor. Contrato de consumo SUJEITOS 1. Consumidor Consumidor em sentido próprio (art. 2º., caput, do CDC) Consumidor equiparado (art. 29 do CDC) 2. Fornecedor OBJETO 1. Dar produto (art. 3º., §1º., do CDC) 2. Fazer serviço (art. 3º., § 2º., do CDC) Consumidor em sentido próprio Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. (Art. 2°, caput, do CDC) 6 Características: •pessoa física ou jurídica; • adquirente ou usuário; • destinatário final; • não profissional ; • mais fraco; • dimensão relacional. Usuário dependente de plano de saúde PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE AD CAUSAM. BENEFICIÁRIO DE PLANO DE SAÚDE. O beneficiário de plano de saúde, seja por contratação direta, seja por meio de estipulação por terceiros, tem legitimidade para exigir a prestação dos serviços contratados; se o ajuste contiver cláusula abusiva, poderá também contrastá-la, como resultado da premissa de que os contratos não podem contrariar a lei, no caso o Código de Defesa do Consumidor. (STJ. EDcl no AgRg no Ag 431.464/GO, Rel. Min. Ari Pargendler, 3ª. T, j. em 04.10.2005,) Consumidor equiparado exposto à práticas abusivas Para os fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. (Art. 29 do CDC) 3 Características: não ser consumidor; exposição a práticas abusivas (Arts. 29 a 54 do CDC); vulnerabilidade (Art. 4º., I, do CDC). Fornecedor Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (Art. 3º., caput, do CDC) 2 Características: atividade de fornecimento; caráter profissional (habitualidade ou habilitação). Objeto de contrato de consumo Dar produto Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. (art. 3º., § 1º, do CDC) 1 Característica: objeto dotado de valor econômico Fazer serviço Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista. (art. 3º., § 2º, do CDC) 2 Características: atividade não trabalhista + remuneração Objeto do contrato de plano de saúde A relação de consumo caracteriza-se pelo objeto contratado, no caso a cobertura médico-hospitalar, sendo desinfluente a natureza jurídica da entidade que presta os serviços, ainda que se diga sem caráter lucrativo, mas que mantém plano de saúde remunerado. (STJ. REsp 469.911/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, 4ª. T., j. em 12.02.2008) 6. Quais são as regras que incidem? Constituição Código Civil Código de Defesa do Consumidor Lei dos Planos de Saúde Decretos e Portarias da ANS Vide: www.abramge.com.br 7. Quais são os princípios que incidem? CF/88 dignidade da pessoa humana; direito à saúde; direito à proteção do consumidor CC/02 autonomia privada; força obrigatória; relatividade, função social; boa-fé; equidade; CDC vulnerabilidade; transparência, confiança, (ampliação do vínculo jurídico). O que muda com a aplicação do CDC? Incide o CDC – Lei 8.078/1990 Prazo de reflexão Obrigações de informação Força vinculante da oferta Proteção contra cláusulas abusivas Proteção nos contratos de adesão Proibição de práticas abusivas Art. 7º do CDC: diálogo das fontes AGRAVO REGIMENTAL. PLANO DE SAÚDE EMPRESARIAL. EMPREGADOR QUE ENCERRA AS ATIVIDADES E CANCELA O CONTRATO DE SEGURO SAÚDE MANTIDO COM A RÉ. EMPREGADO IDOSO EM TRATAMENTO DE GRAVE DOENÇA CARDÍACA ANTERIORMENTE AO FATO. ACÓRDÃO QUE DETERMINA A CONTINUIDADE DO CONTRATO MESMO APÓS A DEMISSÃO DOS EMPREGADOS COM BASE EM DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA STF/283. I - Considerando as peculiaridades fáticas da causa, por se tratar de empregado idoso que havia se submetido a grave cirurgia no coração, determinou o Tribunal de origem fosse ele mantido como segurado da ré, mesmo após o seu antigo empregador ter encerrado suas atividades, e, por conseguinte, cancelado o plano de saúde que mantinha para os seus empregados. Assim procedeu o Colegiado estadual devido à necessidade de serem protegidos os direitos básicos do consumidor, relacionados à saúde e à vida, bem como pela exigência de que as cláusulas contratuais sejam interpretadas da maneira que lhe for mais favorável (artigos 6º, I, e 47 do Código de Defesa do Consumidor). II - Esses fundamentos, suficientes, por si sós, para manter a conclusão do julgado, não foram impugnados nas razões do especial, atraindo, à hipótese, a aplicação da Súmula 283 do Supremo Tribunal Federal Agravo improvido. (AgRg no Ag 857.924/RJ, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19.06.2008, DJe 01.07.2008) . Ação de obrigação de fazer. Empregado demitido.Pretensão à permanência em plano de saúde oferecido pela empresa. Direito previsto no art. 30 da Lei n.º 9.656/98. Exercício condicionado à regulamentação pela ANS, por força do art. 4.°,XI, da Lei n.° 9.961/2000. Desnecessidade. Norma auto-aplicável. Interpretação das leis ordinárias para dar máxima eficácia ao direito fundamental à saúde, assegurado no art. 196 da CF. O art. 30 da Lei n.° 9.656/98 confere ao consumidor o direito de contribuir para plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, decorrente de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, assegurado-lhe o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma também o pagamento da parcela anteriormente de responsabilidade patronal.O art. 30 da Lei n.° 9.656/98 é norma auto-aplicável(...) O inciso XI, do 4.°, da Lei n.° 9.961/2000, não tem o propósito de regulamentar o direito conferido pelo art. 30 da Lei n.° 9.656/98, mas ampliá-lo, determinando que a ANS adote medidas “para garantia dos direitos assegurados” nesse dispositivo. (STJ. REsp 820.379/DF, Rel. Min. Nancy Andrhighi, 3ª. T, j. em 28.06.2007,)