OS MEIOS DE CONTROLE DO SUJEITO NO MUNDO PÓSMODERNO: UMA RELEITURA DA INSTITUIÇÃO PRISIONAL Introdução Neste estudo é apresentada uma releitura histórica da instituição prisional. De que forma ela atinge o individuo nos aspectos sociais e psicológicos, baseando-se na literatura científica do período de 1960 a 2005, publicadas em banco de dados informatizados: Scielo e Lilacs, bibliotecas universitárias, artigos, jornais e revistas. Objetiva-se com o presente trabalho compreender a instituição prisional; qual seu intuito numa forma geral. Seja de recuperação e reestruturação do indivíduo; bem como a interferência na subjetividade e ressocialização do presidiário com o meio externo. Segue-se abordando a repercussão histórica dos presídios e das formas de punir, de opressão do século XVII ao XXI, a interferência do sistema penal na vida dos homens que por essas instituições passam, mais especificamente. Destacando-se, como a literatura científica observa o fenômeno. INSTITUIÇÃO PRISIONAL E SEUS SIGNIFICADOS O termo pena procede do Latim (poena), com derivação do grego (poinê) que tem como significado dor, castigo, expiação, penitência, submissão, vingança e recompensa. A pena é uma instituição muito antiga, seu surgimento se registra nos primórdios da civilização. Cada povo em seu período histórico teve seu questionamento penal. A princípio, uma manifestação natural do homem primitivo para conservação de sua espécie, em termos morais e de integridade; após um meio de retribuição e intimidação, com formas cruéis e sofisticadas de punição. Hoje, a instituição presídio pretende se afirmar com uma função recuperadora e terapêutica. (OLIVEIRA, 1984) INSTITUIÇÃO PRISIONAL: A HISTÓRIA DAS PENAS Entre os séculos XVIII e XIX, pode-se observar mudanças na forma de suplicio e utilização do tempo que não punem os mesmos gêneros de delinqüentes, não sancionam os mesmos crimes, mas já definem bem um certo estilo penal. (FOUCAULT, 1987) Início do Iluminismo, movimento no campo das idéias e da filosofia, um conjunto de transformações na esfera das sociedades e na ciência. Segundo Foucault (1987), é época em que toda a economia do castigo foi redistribuída, “escândalos” para a justiça tradicional, projetos de reformas, novas teorias para a lei e o crime, nova justificação da moral ou da política do direito de punir, abolição de antigas leis, costumes, projetos e redações de códigos “modernos”. “O desaparecimento dos suplícios”. A HISTÓRIA DAS PENAS A punição foi deixando de ser uma cena, tudo que a transformasse em espetáculo era tido como de cunho negativo, tais rituais igualavam o criminoso ao carrasco, tornando os juizes também assassinos, invertendo assim aos olhos do povo os papéis. A justiça, ao matar ou ferir, já não mais glorifica sua força, torna-se um elemento próprio a ela, que a mesma é obrigada a tolerar e que muito lhe custa ter o que impor. Desde então é a própria condenação que marcará o criminoso com sinal negativo. Há publicidade então dos debates e da sentença. Já a execução é tida como uma vergonha sendo confiada sob a marca do sigilo. (FOUCAULT, 1987) Segundo Oliveira (1984), a evolução da função repressiva da pena dividiu-se em etapas sendo elas: Vingança privada, a qual pode ser dividida entre vingança individual, que se ocasionava através de uma reação puramente distintiva do ofendido, a satisfação do lesado contra quem lhe causara o mal. Vingança coletiva, que surgiu com a organização ainda primitiva do clã e do grupo imbuídos de um espírito de solidariedade na proteção da coletividade. Vingança da paz social, surgiu através do aparecimento da estrutura familiar a penalidade se expressava sobre a privação da paz social. Vingança do sangue, ainda dentro da estrutura familiar era conhecido como outro tipo de pena, ou seja, uma vingança, pelo sangue do crime praticado Talião Material, estabelecia uma proporcionalidade entre ação e reação do delito cometido através da pena imposta. A pena punia o mal com mal. “Oculum pro óculo – dentem pro dente”. O SURGIMENTO DAS PRISÕES Os povos primitivos quase que ignoravam completamente as penas privativas de liberdade e as prisões. A detenção aparece na história como medida preventiva para, só depois, tomar um caráter repressivo tornando-se assim um tipo de penalidade. A medida que a sociedade se desenvolve, cresce a vida coletiva, a responsabilidade torna-se individual, não podendo mais um grupo responder pelo atos de um de seus membros. A mais velha prisão encontra-se na idade média em Roma, porém sabe-se muito pouco das prisões primitivas, pois as condições econômicas e sociais da época não permitiam a construção de presídios adequados, utilizando-se assim os mais variados sistemas de aprisionamento, como buracos, fossas, onde o condenado era remetido e lá apodrecia sobre a sujeira em meio aos vermes. (OLIVEIRA, 1984) Segundo Foucault (1979), surgiu o sistema caracterizado como panótico: O panóptico de Benthan é a figura arquitetural dessas composições. O principio é conhecido na periferia: Uma construção em anel; no centro uma torre; esta é vazada de largas janelas que se abrem sobre a face interna do anel, a construção periférica é dividida em celas, cada uma atravessando toda espessura da construção; ela tem duas janelas, uma para o interior correspondendo as janelas da torre ou outra que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central. A primeira penitenciária panótica foi construída nos Estados Unidos em 1800, na cidade de RichmondVirginia. O sistema panótico freqüentemente levava o preso a distúrbios psicóticos, podendo levá-lo à loucura, devido ao isolamento ao qual era submetido. Face à extrema rigidez do sistema, pensou-se em outro para substituí-lo e decorrentemente a isso foi criado o sistema auburniano, nos Estados Unidos, mais particularmente em Nova York. Nesse sistema combinou-se o isolamento celular apenas noturno com aprisionamento coletivo diurno. Permite, ele, trabalho em comum entre os presos, porém em silêncio. O sistema auburniano facilita o aumento da produção no trabalho, assim como propicia melhores condições para reeducação profissional e a ressocialização mais fácil do preso. (FERNANDES, 2000) Foi adotado a partir de 1954, nas prisões da Irlanda o sistema penitenciário progressivo, sem dúvida o de cunho menos rigoroso. Segundo Fernandes, (2002), a prisão é cumprida em quatro etapas: período inicial, com prazo indeterminado onde o condenado fica enclausurado na cela; período de encarceramento noturno combinado com trabalho coletivo diurno; semi-liberdade, ou seja liberdade condicional com fiscalização. O Brasil o adotou fazendo, todavia, com características peculiares. È a pena de reclusão responsável pelo nosso modelo penal punitivo dos dias de hoje. A prisão, desde sua origem, esteve ligada a um projeto de transformação dos indivíduos. Acreditava-se que a prisão era uma espécie de depósito de criminosos. Desde o princípio a prisão deveria ser um instrumento funcional como a escola ou o hospital, e agir diretamente de forma positiva sobre os indivíduos. Segundo Foucault, (1979), o fracasso do sistema prisional foi imediato e registrado quase ao mesmo tempo que o próprio projeto. OS DIREITOS HUMANOS SOBRE O TRATAMENTO DOS PRESOS Segundo Fernandes, (2000) os mais importantes instrumentos internacionais que comprometem o Brasil claramente afirmam que os direitos humanos também se estendem às pessoas que estão encarceradas. O pacto internacional sobre direitos civis e políticos postula que, reforma e readaptação dos condenados é a finalidade essencial do sistema carcerário. Também por eles é determinado que toda pessoa privada de liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. Vários documentos internacionais adicionais detalham os direitos humanos das pessoas encarceradas fornecendo normas básicas de como os governos devem cumprir com suas obrigações perante ao Direito Internacional. LEI Nº. 7.210, DE 11 DE JULHO DE 1984. Art. 10. A assistência ao preso e ao internado é dever do Estado, objetivando prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. Parágrafo único. A assistência estende-se ao egresso. Art. 11. A assistência será: material;à saúde; jurídica; educacional;social; religiosa. Documentos e leis reafirmam os princípios de que os presos conservam seus direitos humanos fundamentais, “princípios básicos”, porém não nos resta dúvida de que o processo de encarceramento para qualquer ser humano pode ser visto como catastrófico. O discurso de que a prisão venha a promover a reinserção do indivíduo no meio social. As penas nos moldes que são aplicadas, em nosso atual sistema prisional, estão longe de serem ressocializadoras. (LIMA, 2003) Lei de Execuções Penais: Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Segundo Fernandes, (2000) a lei de execução penal (LEP) tenta estabelecer através de vários mecanismos o monitoramento dos estabelecimentos prisionais para fazer valer os direitos humanos, são estes seis grupos: Juízes de Execução Penal, Conselho Nacional de Política Penal e Penitenciária, Departamento Penitenciário, Ministério Público, Conselhos Penitenciários, e os Conselhos de Comunidade das várias Varas de Execução Penal. Apesar da aparente abundância de autoridades responsáveis, grande parte de estabelecimentos penais não recebem visitas desses grupos por meses e até anos. Há quase três décadas a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, divisão da Organização dos Estados Unidos Americanos é incumbida da proteção e promoção de direitos humanos, fiscaliza as condições carcerárias do Brasil. Sua primeira denúncia a respeito das prisões do país surgiu em 1970. Desde então, tem julgado casos envolvendo abusos de presos, inclusive o caso do Carandiru em 1992. O SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO Segundo Fernandes (2000), em uma análise do sistema penitenciário contamos com cerca de 170.000 detentos agrupados em 512 prisões, milhares de delegacias e vários outros estabelecimentos. O Brasil administra um dos dez maiores sistemas penais de todo o mundo, a taxa aproximada é de 108 presos por 100.000 habitantes. A população carcerária no Brasil, como no resto do mundo, é formada basicamente por jovens, pobres, homens com baixo nível de escolaridade. Pesquisas sobre o sistema prisional indicam que mais da metade dos presos tem menos de 30 anos; 95% são pobres, 95% do sexo masculino e dois terços não completaram o primeiro grau. Devido a pobreza e a antecedentes à margem da sociedade eles e seus familiares possuem pouca influência política, o que traduz em poucas chances de obter apoio para colocar um fim nos abusos cometidos contra eles. Brasileiros presos, normalmente são forçados a viver em terríveis condições de vida, tantos nos presídios, cadeias ou delegacias. Existe a “superlotação”, muitos de nossos detentos dormem no chão de suas celas, no banheiro, próximos ao buraco do esgoto. Estabelecimentos mais lotados, nem no chão há espaço livre, dormem amarrados às grades, ou pendurados em redes. Em sua grande maioria a estrutura física dos estabelecimentos, são deteriorados. Por lei, os detentos deveriam no mínimo ter o básico para se viver, materialmente, assistência médica, assistência jurídica, educacional, social e religiosa. Em nossos estabelecimentos penais, os presos usam suas próprias roupas, aquilo que usavam quando foram presos, ou o que suas famílias trouxeram. Não é oferecido vestuário por parte do governo, com exceção de alguns estabelecimentos penais femininos. Geralmente recebem “rações” mínimas adequadas, nunca em grande quantidade. Já se ouviu-se no Brasil Denuncias de corrupção e distribuição desigual de comida em diversos presídios, e queixas quanto a qualidade da comida. A LEP, tendo como seu objetivo a reabilitação e ressocialização, determina que os presos tenham acesso a diversos tipos de assistência, inclusive jurídica e médica que é oferecida ao mínimo para grande maioria dos presos. Em termos de assistência médica doenças como a tuberculose e AIDS atingiram níveis elevadíssimos entre a população carcerária. As armas e as drogas também são fatores determinantes no problema do sistema penitenciários brasileiro. Diariamente temos visto e ouvido nos noticiários, o grande número de armas e a grande quantidade de drogas que são apreendidos nos presídios de nosso país. Impera dentro dessas instituições a lei do mais forte, ou seja, quem tem poder ou força, oprime e subordina os mais fracos. O crime é organizado dentro do próprio presídio, através de aparelhos telefônicos, de mensagens levadas pelos próprios parentes e ou por aqueles que visitam os presos. (FERNANDES, 2000) EFEITOS PSICOLÓGICOS PRODUZIDOS PELA PRISÃO: O PSICÓLOGO NA INSTITUIÇÃO Os questionamentos referentes aos efeitos psicológicos que a prisão produz, começaram no início do século XIX. As primeiras observações são de ordem literária. A partir da implantação do regime celular, se inicia um interesse específico pela relação reclusão e dano psicológico. Os processos pelos quais as o eu da pessoa é mortificado são padronizados na maioria das instituições, principalmente a prisional. A barreira colocada entre o presidiário e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu. (GOFFMAN, 1961) O Código de Ética do Profissional Psicólogo, afirma que o psicólogo atuará na instituição de forma a promover ações para que estas possam tornar-se um lugar de crescimento dos indivíduos, mantendo uma posição crítica que garanta o desenvolvimento da instituição, e da sociedade. No sistema penitenciário alguns psicólogos se limitam a “laudos e pareceres”, por comodidade, ou talvez por ser a única exigência do sistema judiciário, já outros profissionais buscam formas de aperfeiçoar seu trabalho, mesmo com regras, controle e disciplina, pode-se ser um foco de luta e resistência. Apesar dos malefícios da prisão acredita-se sempre haver “linhas de fuga” para a preservação mental não só dos detentos, mas também daqueles que com eles trabalham. A potencialização do indivíduo para que possam fazer outras escolhas de suas vidas, apresentando uma nova perspectiva, baseada na realidade, prevenindo a reincidência. (BANDEIRA, 2005) Deve caber ao psicólogo, dentro do contexto prisional, direcionar seu olhar, escutar os conflitos e os discursos manifestos, tanto pelos sujeitos, quanto pelos funcionários que trabalham na instituição, utilizando de suas intervenções como possibilidade de alteração dos sentidos, produzindo novos discursos que até então não se produziram. Conclusões Segundo Foucault, (1979), o fracasso do sistema prisional foi imediato e registrado quase ao mesmo tempo que o próprio projeto. O custo por apenado é bem elevado nas nossas cadeias, em torno de R$ 450 (em média) para manter um status degradante e angustiante dentro de nossas cadeias. O prisioneiro deveria ter as suas horas preenchidas com alguma atividade profissionalizante, que o ajudasse a recuperar a auto-estima e fosse uma fonte de renda para quando tivesse de enfrentar o mundo fora do presídio. Condições mínimas de saúde, o fim das superlotações nas celas, o fim das agressões físicas e sexuais dos agentes carcerários e de outros presos, ter os seus direitos constitucionais assegurados. A ocorrência de fugas e rebeliões diminuiria consideravelmente em conseqüência da situação favorável do meio, sendo os presos tratados e vistos como pessoas e não como animais. NATASHA ELIZA TARRAGÓ! Em determinado momento de nossa sociedade percebeu-se, segundo a economia do poder que o mais eficaz e rentável é vigiar e punir. (FOUCAULT, 1979) FIM ... ! HU HU HU !