Com 494.598 presos, o Brasil possui a terceira maior população carcerária do mundo, atrás somente dos Estados Unidos, com 2.297.400 de pessoas presas, e China, com 1.620.000. O perfil do preso brasileiro Os presos, em sua maioria são jovens oriundos das camadas sociais mais pobres, já marginalizados socialmente, filhos de famílias desestruturadas, que não tiveram e não têm acesso à educação nem à formação profissional. São, portanto, pessoas que estão numa situação já delicada e, se não encontrarem as condições necessárias nos presídios, jamais poderão voltar à sociedade como cidadãos de bem. Há quem sustente que a pena deve ter função retributiva pelo dano causado, outros valorizam-lhe o aspecto intimidativo, que visa reprimir futuros atos ilícitos e outros ainda afirmam que a pena deve ter caráter reeducativo. Parece ser essa última opção mais condizente com a nossa realidade. É preciso que o infrator tenha uma marca na alma, no intelecto, da pena a ele aplicada, e não em seu corpo físico, como freqüentemente ocorre. O investimento de R$ 1 bilhão que o governo Dilma Rousseff vai anunciar nos próximos dias para socorrer os presídios estaduais é visto com otimismo por quem entende do assunto, mas ainda é pouco se o objetivo for acabar com a superlotação do sistema prisional brasileiro. Entre 2005 e 2010, o número de presos cresceu quase três vezes mais que o número de vagas criadas – último ano apurado pelo Ministério da Justiça. Levantamento exclusivo feito pelo Ministério da Justiça mostra que os Estados criaram 58 mil vagas em presídios nos últimos cinco anos. No mesmo período, 135 mil pessoas foram parar atrás das grades. Hoje, 496.251 pessoas se amontoam para caber nas 298.275 vagas oferecidas pelo sistema. Ou seja, faltam 200 mil vagas nos presídios do país. Alguns Estados investiram mais do que outros, como Minas Gerais, que criou 10.038 vagas com a ampliação de unidades prisionais que já existiam. Em outros lugares do Brasil, no entanto, pouca coisa foi feita. No Tocantins, só 30 vagas foram criadas entre 2005 e 2011. O cientista político e pesquisador do assunto na UnB (Universidade de Brasília), Alexandre Rocha, ficou surpreso com o tamanho do investimento federal no setor. -Só há investimento quando acontece alguma crise no sistema, como rebeliões. É muito interessante que isso esteja ocorrendo sem que nada tenha acontecido. O que indica uma boa mudança. Ele diz que o “sistema prisional foi sucateado nos últimos anos” e que agora “é necessário fazer esse investimento para alcançar mudanças”. OEA lamenta morte de 21 presos em rebeliões em presídios no Brasil Órgão ressaltou que o Brasil tem "o dever de adotar medidas concretas" para evitar atos de violência nas prisões A advogada e ex-procuradora do Estado de São Paulo Beatriz Rizzo é menos otimista. Ela acha que o “déficit do sistema carcerário nunca vai acabar”, e lembra que a superlotação cresceu 143% entre 1995 a 2005. - Nesses anos foram construídos muitos presídios, muitos deles no Estado de São Paulo, que concentra quase metade da população carcerária brasileira [170.916]. E sempre há déficit. Ela acha que “essa política de construir presídio para acabar com déficit carcerário é como cachorro correndo atrás do próprio rabo”. - Mas vai dizer isso para uma população em pânico com o crime? Alexandre Rocha diz que “é preciso ver como será feita a execução” desse R$ 1 bilhão, “que provavelmente ficará com os Estados”. É importante que o dinheiro não sirva só para aumentar a capacidade dos presídios, mas também seja usado para ajudar a ressocializar os detentos, investindo em trabalho, estudo, saúde e atendimento psicológico. Especialistas defendem a humanização do sistema prisional sistema prisional brasileiro é sem dúvida um dos principais problemas do Brasil. Celas superlotadas, falta de higiene e de atendimento médico, tortura, dor, castigo e sofrimentos formam o cenário de um filme de terror que já é comum na maioria dos presídios. O Com mais de meio milhão de detentos, o sistema prisional do país necessita ser humanizado. Isso é o que defendem diversos especialistas, que afirmam inclusive que a privação da liberdade tem como objetivo a ressocialização dos presos e não o castigo pelos atos praticados. Já a advogada acha que esse dinheiro todo ajudaria mais se fosse investido para “reduzir o número de presos” e tornando o sistema “menos arbitrário, menos corrupto, gerido e servido por pessoal mais qualificado”. - Não é com dinheiro investido em presídio, mas sim em outras políticas públicas que se pode, no longo prazo, melhorar o sistema penitenciário de um país. Os representantes do grupo das Nações Unidas se reuniram com o juiz auxiliar a presidência do CNJ, Luciano Losekan, que coordena as políticas de fiscalização do sistema penitenciário, para analisar os números do sistema prisional brasileiro. Com esses dados, o SPT/ONU pretende avaliar em que locais os direitos humanos dos jovens estão sendo desrespeitados. Principalmente onde há indícios de prática de tortura. Questionado sobre os problemas do sistema carcerário brasileiro, o juiz Losekan afirmou que é a superlotação o maior deles. É a partir dela, explicou, que surgem outros problemas e dificuldades no tratamento penal dos detentos. Para ele, “o sistema carcerário brasileiro é um verdadeiro depósito de seres humanos”. No momento em que a Câmara dos Deputados instalava, na quinta-feira (23/08) a CPI que investigará o sistema carcerário brasileiro, 25 detentos morriam queimados na superlotada carceragem da delegacia de polícia de Ponte Nova, localidade distante 180 km de Belo Horizonte. A chacina teria sido provocada pela disputa do comércio de drogas entre bandos rivais. Superlotação e ausência de programas de recuperação são traços marcantes do sistema carcerário brasileiro. O Jornal de Debates pergunta: existe alguma forma efetiva de recuperação dos presos para a sociedade ou os presídios são escolas do crime? “É preciso evitar que as pessoas precisem ir à cadeia. Como, em geral, elas não oferecem boas condições, deixam de cumprir sua finalidade. Não raro, o sujeito chega como ladrão e sai como homicida”, diz Coutinho. “Só que, no meio desse processo, alguém vai se transformar em vítima inocente”, acrescenta. Recuperação de Criminosos em Presídios-Modelo Vista do pátio destinado aos detentos que cumprem pena em regime fechado no Centro de Detenção em Santa Luzia, MG. O estado de um presídio após uma rebelião A necessidade de um novo modelo Diante de todos esses problemas enfrentados pelo sistema penitenciário brasileiro tornou-se clara a necessidade de um novo modelo que respondesse aos anseios da sociedade. Centenas de crianças brasileiras vivem com suas mães nos presídios. Trabalho e estudo reduzem pena dos detentos e podem desafogar presídios superlotados Falta de interesse, poucas parcerias e medo. Essas são algumas razões para que apenas 19% dos 496.251 presos brasileiros trabalhem e só 8% deles estudem. Números que deveriam aumentar por um punhado de motivos. Ao ter uma ocupação, os detentos ganham dinheiro, aprendem uma profissão, recuperam a auto-estima e ainda desafogam os presídios, já que a pena é reduzida para quem trabalha e estuda. No Mato Grosso do Sul, onde 4.257 presos trabalham e 986 estudam, o empresário Edson Germano emprega 20 detentas no presídio feminino de Campo Grande. Dono da Agosto Uniformes, já passaram por sua confecção 170 pessoas nos quatro anos em que o projeto Vestindo a Liberdade funciona. Ele nega que tenha procurado o presídio em razão dos baixos salários. - Eles [do Estado] me deram um espaço precário, mas botei tudo. Não me deram nem uma lata. A qualidade do serviço das presas é muito boa, mas não tem produção. Enquanto na fábrica as funcionárias produzem 10 mil peças por mês, na cadeia a média é de 3.000. Germano paga R$ 423 para cada detenta, contra R$ 700 para quem trabalha em sua empresa. De acordo com o Ministério da Justiça, o salário dos presos vai direto para uma conta judicial, e só pode ser sacado quando o detento cumpre a pena ou quando a família ganha na Justiça o direito de resgatá-lo. A pena reeducativa é capaz de cumprir essa tarefa e desviar o preso do processo que, segundo Alessandro Baratta, ele sempre acaba sendo vítima.Processo esse que divide-se em duas fases: a desculturalização do indivíduo para conviver junto aos seus semelhantes, em sociedade, uma vez que, dentro da prisão ele têm sua auto-estima, sua vontade e o senso de responsabilidade reduzidos, ele se vê longe dos valores da sociedade. A segunda fase desse processo citado por Baratta compreende-se numa aculturação, onde o preso é obrigado a aprender as regras de convivência dentro da instituição, seguindo o caminho ditado pelos que dominam o meio carcerário, tornando-se assim um criminoso sem recuperação, ou lutar contra tudo isso e assumir o papel de “bom preso”, tendo um bom comportamento e se conformando com sua realidade. Em 1972, na cidade de São José dos Campos, nasce algo totalmente inusitado e revolucionário. Um modelo de administração penitenciária capaz de tornar a taxa de reincidência de seus internos inferior a 5 por cento, enquanto a média dos presídios comuns gira em torno de 85 por cento. No ano de 1974, sob a liderança do então Juiz das Execuções Dr. Sílvio Marques Netto, foi instituída a APAC – Associação de Proteção e Assistência aos Condenados, uma entidade jurídica sem fins lucrativos, visando auxiliar a Justiça na execução da pena, recuperando o preso e protegendo a sociedade. , , Pelo fato de apresentar índices de reincidência tão pequenos ( inferiores a 5 por cento ) , e tratar o preso como um ser humano detentor de direitos e deveres, tal modelo tem alcançado repercussão no Brasil e no exterior. Hoje existem cerca de 100 unidades espalhadas pelo país e outras tantas no exterior: no Equador, na Argentina, no Peru, nos EUA, na África do Sul, Nova Zelândia e Escócia. No Brasil, um dos melhores exemplos do método APAC é a unidade de Itaúna – MG. Onde há um reduzidíssimo número de fugas e ausência total de mortes, rebeliões ou violências. Administra há cinco anos os três regimes de cumprimento de pena: fechado, semi-aberto e aberto, sem policias civis, militares ou agentes penitenciários. O trabalho possibilita ao condenado que ele alcance sua recuperação mais facilmente. No entanto deve fazer parte do contexto, da proposta, não deve ser o elemento principal da proposta, visto que somente o trabalho não é suficiente para recuperar o preso.