A teoria antropológica do didático Prof. Dr. Saddo Ag Almouloud PUC/SP Rupturas provocadas pelas teoria das situações • uma primeira ruptura: matemática como a essência dos fenômenos didáticos • Segunda ruptura:O desejo de elaborar uma ciência desses fenômenos, o que levou a explicitar os modelos utilizados e submetê-los às leis de uma “epistemologia experimental; • Terceira ruptura epistemológica fundamental: Ela supõe, de fato, que os conhecimentos matemáticos só podem ser compreendidos através das atividades que eles permitem realizar, ou então através dos problemas que permitem resolver Rupturas provocadas pela teoria das situações(Cont.) • Além disso, trata-se de uma atividade estruturada, na qual se pode destacar diferentes fases: ação, formulação e validação, bem como a devolução e a institucionalização. Transposição didática • Nesse sentido, a noção de transposição didática, deve ser interpretada como desenvolvendo a dupla ruptura epistemológica provocada pela teoria das situações, pois, essa noção mostra que o saber matemático (saber científico, ensinado ou a ensinar) está no centro de toda problematização didática. • A conseqüência desse fato é que esse saber jamais pode ser considerado algo inquestionável e que as pesquisas em Didática da Matemática serão condicionadas pelo tipo de modelização escolhida. A modelização antropológica da matemática • A “ antropologia Didática da Matemática” estudo do homem frente a situações matemáticas. • No inicio a teoria da transposição didática situa o saber matemático num projeto de uma análise epistemológica do saber do ponto de vista didático. • Essa análise se enuncia essencialmente em termos de objetos de saber, os quais são divididos simplesmente em objetos matemáticos, protomatemáticos e paramatemáticos. Didática da matemática sob o ponto de vista antropológico • considera o seguinte: tudo é objeto, fazendo a distinção dos tipos de objetos particulares: as instituições, os indivíduos e as posições que os indivíduos ocupam nas instituições. Os indivíduos são os sujeitos das instituições. • O conhecimento - e o saber como sendo uma certa forma de organização de conhecimentos- entra então em jogo com a noção de “rapport”: um objeto existe se um sujeito ou uma instituição o reconhece. • A noção de “rapport” trata das práticas sociais que se realizam na instituição e que envolvem o objeto em questão. Chevallard Postula • As noções de (tipo de) tarefa, (tipo de) técnica, tecnologia e teoria, vão permitir modelizar as práticas sociais em geral e, em particular, a atividade matemática. Para usar essa teorização, baseia-se em três postulados: • 1- “Toda prática institucional pode ser analisada, de diferentes pontos de vista e de diferentes maneiras, em um sistema de tarefas relativamente bem delineadas....”. Postulado 2 2“O cumprimento de toda tarefa decorre do desenvolvimento de uma técnica” A palavra técnica sendo usada como uma “maneira de fazer” particular e não sendo um procedimento estruturado e metódico, ou algoritmo, caso particular de uma técnica. O “rapport” institucional a um objeto, para uma dada posição institucional, depende do conjunto de tarefas que as pessoas, ocupando essa posição, devem cumprir pelo uso de determinadas técnicas. Postulado 3 • “a ecologia das tarefas, quer dizer, as condições e entraves que permitem sua produção e sua utilização nas instituições”. • Supõe-se que, para existir numa instituição, uma técnica deve ser pelo menos compreensível, legível e justificada. Trata-se aqui de uma condição mínima para permitir o seu controle e garantir a eficácia das tarefas feitas, que são geralmente tarefas supondo a colaboração de vários atores. Postulado 3(cont.) • Essa condição (exigências) ecológica implica então a existência de um discurso descritivo e justificativo das tarefas e técnicas que Bosch e Chevallard chamam a tecnologia da técnica. • Toda tecnologia precisa também de uma justificação, que os autores chamam a teoria da técnica. Noção de praxeologia Um conjunto de técnicas, de tecnologia e de teorias organizadas para um tipo de tarefa, forma uma organização “praxeológica” (ou praxeologia) pontual. Exemplo de organização praxeológica Por exemplo, no Ensino Médio, pode-se falar: • de uma organização praxeológica pontual no que diz respeito à resolução de um dado tipo de problema de proporcionalidade organização que responderia à seguinte questão “como resolver um problema desse tipo?”; • de uma organização local no que diz respeito à resolução de diferentes tipos de problemas de proporcionalidade; • enfim, de uma organização regional, no que diz respeito, por exemplo, à noção de função numérica (que envolve todo um campo da Matemática ensinada no Ensino Médio). O problema da natureza dos objetos • O problema da “natureza” dos objetos matemáticos e o de seu funcionamento na atividade matemática, levou a distinguir dois tipos de objetos: os objetos ostensivos, e os objetos nãoostensivos. • objetos ostensivos, para se referir a todo objeto tendo uma natureza sensível, uma certa materialidade, e que, desse fato, tem para o sujeito uma realidade perceptível. • Os objetos não-ostensivos são todos esses “objetos” que, como as idéias, as instituições ou os conceitos, existem institucionalmente sem que, no entanto, eles sejam vistos, ditos, escutados, percebidos ou mostrados por conta própria. Objetos não-ostensivos Eles só podem ser evocados (interpretados) ou invocados pela manipulação adequada de certos objetos ostensivos associados (uma palavra, uma frase, um gráfico, uma escrita, um gesto, ou um discurso). Assim os objetos “função” e “primitiva de uma função” são objetos não-ostensivos que apreendemos a identificar e a ativar por meio de certas expressões, escritas, e gráficos colocados em jogo nas práticas e situações específicas. A dialética do ostensivo e do nãoostensivo • Bosch e Chevellard (1999) usam o termo genérico “manipulação” para designar os diversos usos possíveis dos objetos ostensivos pelo sujeito. • A diferença entre “objetos ostensivos” e “objetos não-ostensivos” reside no fato dos objetos ostensivos podem ser manipulados. • A notação de log e a palavra “logaritmo” são objetos ostensivos. Mas a noção de logaritmo é um objeto não-ostensivo, é impossível manipulá-la (no sentido acima). Pode-se torná-la presente - apresentá-la - pela manipulação de certos objetos ostensivos associados, tal que a notação log, por exemplo. Voltando à abordagem antropológica • dizemos que o desenvolvimento de uma técnica se traduz pela manipulação de objetos ostensivos regulados pelos objetos não-ostensivos. • Os objetos ostensivos constituem a parte perceptível da atividade. • A percepção dos ostensivos é natural explica, na maioria dos casos, a teoria das situações evidenciou sob o nome de estratégias didáticas de ostensão. Co-ativação dos objetos ostensivos e não-ostensivos • A co-ativação de objetos não-ostensivos e de objetos ostensivos é sempre presente e aparece em todos os níveis da atividade, bem como em nível da técnica e de seu ambiente tecno-teórico. • A técnica que conduz a escrever (x3 + x + 1) + (x2 + 4x 2) = -1+ 5x +x2(1 +x) supõe uma manipulação de objetos ostensivos escritos (parênteses, letras, cifras, etc.), orais (pequenos discursos do tipo “x mais 4x, 5x....”) e gestuais (por exemplo para agrupar os termos de mesmo grau e verificar que não se esqueceu de nenhum). Continuação • Essa manipulação é monitorada por objetos não-ostensivos, dentre dos quais a noção de arranjos de termos por ordem decrescente dos expoentes, a noção de “termos (ou monômios) de mesmo grau, a noção de “fatoração por x2”, ou ainda a noção de “resto de ordem 2”, etc. Cont. • Na análise da atividade matemática, a dialética ostensivo/não-ostensivo é geralmente concebida em termos de signos e de significação: os objetos ostensivos são signos de objetos não-ostensivos que constituem o sentido ou a significação. • Os autores caracterizam os diferentes objetos ostensivos pelo registro (oral, da escrita, gráfico, gestual, material). A dimensão ostensiva da atividade matemática • A noção de registro ostensivo bem como a importância da articulação dos registros ativados no desenvolvimento de uma praxeologia matemática devem ser relacionadas à noção de registro de representação semiótica proposta por Raymond Duval na sua abordagem cognitiva da aprendizagem da Matemática e do princípio segundo o qual a mobilização de uma pluralidade de registros tem um papel fundamental em Matemática. Diferença entre as duas abordagens • Duval o objeto de estudo o “funcionamento cognitivo decorrendo da aquisição de conhecimentos matemáticos”; • Faz uma distinção clara entre a descrição da atividade matemática e a do funcionamento cognitivo dos sujeitos que realizam essa atividade; • Questão essencial: o estudo das operações cognitivas necessárias ao desenvolvimento dos diferentes tipos de tarefas matemáticas Diferença entre as duas abordagens(continuação) • Critica de Chevallard: Ora, no estudo desse funcionamento cognitivo, considera-se a tarefa como sendo evidente, como se as tarefas matemáticas em si fossem já descritas e bem decompostas como tarefas matemáticas. Continuação • É nesse ponto que as duas teorizações se diferenciam. • O que é apresentado como sendo uma mudança de registros que só dependeria do funcionamento cognitivo do sujeito, é visto na teorização de Chevallard como sendo uma prática cuja realização efetiva deve ser ligada à existência de uma praxeologia matemática local construída em torno de um dado tipo de problema e cujos erros de execução não podem ser entendidos sem, de antemão, conhecer os elementos dessa praxeologia que foram disponibilizados aos alunos observados. Estudo comparativo entre três abordagens teóricas: teoria das situações, a teoria antropológica e a dialética ferramenta-objeto • Perrin-Gloriam (1999), fez um estudo comparativo entre três abordagens teóricas: a teoria das situações (Brousseau) a teoria antropológica (Chevallard) e a dialética ferramenta-objeto (Douady). Ela apresenta uma tabela resumindo os pontos comuns e as diferenças entre essas teorizações. Momentos na teoria antropológica Primeiro encontro: A obra ou a organização praxeológica começa a existir para o aluno, mais freqüentemente pela emergência de um campo de problemas, de um tipo de tarefas. Exploração do tipo de tarefas e elaboração de uma técnica: Fazer conjecturas, resolver problemas particulares do campo, utilizar uma técnica matemática para resolvê-los. Constituição do ambiente tecnologia-teoria relativo ao tipo de tarefa. Este momento está em inter-relação estreita com cada um dos outros momentos. Em geral, a primeira etapa nas estratégias de direção de estudo tradicional. Fases da dialética ferramenta-objeto a) antigo: o enunciado do problema tem sentido para os alunos. Eles podem mobilizar objetos conhecidos do saber como ferramentas explícitas para engajar um procedimento de resolução ou resolver efetivamente uma parte do problema. Trabalho técnico: melhorar a técnica para torná-la mais eficaz e mais eficiente e aumentar sua dominação. Institucionalização: explicitar exatamente o que é a organização matemática elaborada. e) Institucionalização: o mestre dá um estatuto de objeto a alguns dos conhecimentos explicitados. b) Pesquisa: o problema não pode ser resolvido totalmente pelos conhecimentos antigos. O objeto do ensino é a ferramenta adequada para resolver o problema. c) Explicitação-institucionalização local: confrontação das produções e justificação das declarações. Certos elementos que tiveram um papel importante na etapa anterior estão formulados, seja em termos de objeto, seja em termos de prática com suas condição de emprego do momento. A despersonalização está engajada, mas não a descontextualização. f) Familiarização-reinvestimento: exercícios usando como ferramenta o saber institucionalizado Teoria das situações didáticas Tipos de situações Devolução de um problema: o professor deve continuamente ajudar o aluno a tirar da situação todos os artifícios didáticos. Estratégia básica que permitirá compreender o problema e reconhecer uma resposta ao problema. Situação adidática de ação: O conhecimento serve a tomar decisões para tentar ganhar (a situação é modelizada por um jogo). Ele funciona como um modelo implícito da ação. Situação didática de formulação: a comunicação é necessária para a ação sobre o meio para ganhar. Situação adidática de validação: As mensagens trocadas com o meio são asserções, teoremas, demonstrações. Institucionalização: o professor define as relações que podem existir entre as produções dos alunos e o saber cultural ou científico e o projeto didático: ele faz uma leitura de suas atividades e lhes dá um estatuto. Estatuto do conhecimento Aspecto didático: conhecimento implícito no problema a resolver. O professor sabe o conhecimento envolvido, e poderá usá-lo para negociar a relação didática. Saber disponível para o professor, mas ainda não para o aluno. Modelo implícito: O aluno precisa desse conhecimento para resolver o problema, mas ele não precisa tomar consciência disso. O conhecimento funciona como uma noção protomatemática. Conhecimento formulado: Existe uma linguagem para falar do conhecimento, o que permite ao professor identificar o objeto e torná-lo explícito. Para o aluno, é um conhecimento paramatemático ainda não analisado. Conhecimentos estruturados, com provas, tomados como objeto de conhecimento com outros conhecimentos. Ele toma para o aluno o estatuto de conhecimento matemático. Conhecimento institucionalizado: considerado como adquirido e que é tratado como objeto. Se retomarmos este conhecimento, será para aplicá-lo ou tomá-lo como ponto de partida para a construção de novos conhecimentos. Comentários • O processo pára na institucionalização na teoria das situações, • enquanto a dialética ferramenta-objeto prevê uma fase de familiarização depois da institucionalização, • a teoria antropológica prevê um momento de trabalho da técnica antes da institucionalização. Além disso, a teoria antropológica identifica a avaliação como um momento a parte, mas ligado à institucionalização. Comentários (cont.) 1. Na teoria das situações, tem-se: • de um lado, características das situações que determinam relações do aluno com o saber • e por outro lado, características sobre o estado do conhecimento em jogo dos alunos. • A ação do mestre, para realizar as condições, só é explícita no momento da devolução e da institucionalização. Comentários(continuação) 2. Na dialética ferramenta-objeto, percebe-se: • transparecer o jogo do professor nas diferentes fases que correspondem às ações diferentes do professor, bem como às atividades diferentes do aluno, ao mesmo tempo em que as condições sobre o problema correspondem a características das situações concernentes o saber. 3. Na teoria antropológica, não se distinguem os papéis do professor e do aluno nos diferentes momentos. Os papéis do professor e do aluno estão presentes na teoria antropológica, mas suas posições institucionais diferentes correspondem a “rapports” diferentes ao saber.