Emenda Constitucional n. 45 Reformas relevantes Art. 5., LXXVIII – prazo razoável Traz à lume a problemática do tempo do direito e do tempo do processo, como segue. O TEMPO DO DIREITO Prof. Dra. Jânia Maria Lopes Saldanha Abril/2006 Século XX – A Era dos Extremos As três eras do “breve século XX” segundo Eric Hobsbawm Era das Catástrofes Era do Ouro Era do Desmoronamento O Breve Século XX ERA DAS CATASTROFES = 1914 até 1945 – grandes guerras mundiais ERA DE OURO = 1946 até déc.70 – avanços tecnológicos e sociais jamais experimentados em espaço tão exíguo de tempo. ERA DO DESMORONAMENTO = 1970... – nova fase de catástrofes e involuções (“armagedon da raça humana”, “fim dos tempos”, “fim da história”) Crise de Paradigmas As engrenagens da história movimentamse e surge a necessidade de transformação do modelo de pensamento do Homem para trabalhar com as questões contemporâneas e superar o paradoxo da comunicação e responder à complexidade contemporânea. O Direito na Sociedade Esse contexto atingirá inevitavelmente o cenário do Direito na Sociedade, obrigando o Homem a (novamente) questionar o seu discurso científico, a repensar seus paradigmas e rediscutir os fenômenos vistos como paradoxos. Os séculos XIX e XX pautaram-se pela busca de uma racionalidade que fosse capaz de transformar o Direito em uma ciência. O papel da teoria e da dogmática no Direito era apontar para um método previsível, determinado, calculado e infalível. O Direito na Sociedade Esse modelo de racionalidade (paradigma racionalista) tem como berço as ciências naturais do século XVI, que embebidas em um modelo autoritário, supunham que somente poderia nomear-se como ciência aquilo que acompanhasse seus padrões metodológicos e epistemológicos. Predominavam compreensões do tipo: "conhecer é quantificar", "conhecer é classificar". Fenômenos considerados relevantes eram aqueles possíveis de quantificar e medir. O Direito na Sociedade O modelo de Aristóteles (forma e substancia) e o padrão de Descartes (objetos fragmentáveis e simplificáveis) formavam/formam a base desse paradigma científico. Almejava-se a cientificidade do direito. Desejava-se a sua previsibilidade, sua linearidade. Considerações de cunho político, econômico ou mesmo de caráter ético não eram assuntos para o Direito, consagrando-se, assim, um positivismo científico clássico. O Direito na Sociedade Paulatinamente, no entanto, a linearidade desse pensamento e o reducionismo das soluções alçadas vão cedendo espaço ante a preocupação com a produção de uma nova forma de pensar o Direito e a Sociedade. Era preciso reconstruir os paradigmas científicos e repensar a Ciência Jurídica diante dos paradoxos da modernidade. Emerge a necessidade de encontrar um novo paradigma que não incorpore no seu discurso qualquer forma de dogmatismo e de autoridade. Globalização Cinco questões que surgem na Sociedade globalizada e hipercomplexa: COMPLEXIDADE - pensar o Direito é pensar o excesso de perspectivas de nossos horizontes temáticos PARADOXO - não se pode afastar a contradição. A descrição do Direito, hoje, exige pensar-se no contraditório, no paradoxo. A existência de contradições é condição para a observação RISCO - qualquer discussão sobre o Estado, o Direito ou a Sociedade exigem indagar sobre a dificuldade contingencial das conseqüências das decisões políticas e jurídicas. NOVOS DIREITOS - a programação condicional do normativismo não atende mais os direitos da Sociedade moderna (novos direitos não se encaixam no modelo dogmático) TEMPO - decidir é fazer, é participar do processo de produção do futuro, logo, decidir é produzir tempo. O Tempo deve ser compreendido como uma instituição social dependente do Direito; O Direito é uma estrutura da Sociedade; O valor atribuído a uma regra de Direito é temporal; A produção de sentido é uma produção temporal; Não existe comunicação sem tempo Relações sintagmáticas e associativas Se diz, linearmente, sintagmaticamente, algumas coisas, mas associativamente, sempre se diz muito mais. Ou seja, a relação sintagmática/associativa, do ponto de vista temporal, diz associativamente muito mais que o sentido literal (sempre se fala mais do que aparentemente se diz). Se há relações associativas, a interpretação é sempre mais ampla (riqueza infinita da língua X limite espacial da fala). A Sociedade globalizada rejeita a noção linear do Tempo, rejeita a racionalidade ligada à idéia de tempo e espaço newtoniano (tempo e espaço são fenômenos que ocorrem conjuntamente) A teoria da relatividade (Einstein) destrói a noção linear de tempo. Não há mais o tempo do antes e do depois, o passado e o futuro. Assim, deixa de ter sentido toda epistemologia montada numa racionalidade ligada à idéia de Tempo e espaço newtoniano. Na modernidade tudo é instantâneo, não existe mais a separação rígida entre passado, presente e futuro. O tempo é imediato, impedindo que a teoria do Direito possa se desenvolver dentro dos padrões normativistas kelsenianos. Novas matrizes jurídicas que visam superar a matriz normativista-positivista: MATRIZ HERMENÊUTICA (Hart, Dworkin, Heidegger, Gadamer...) MATRIZ SISTÊMICA (Luhmann, Teubner, Giddens, Beck...) Tempo do Direito (François Ost) MEMÓRIA = o Direito é a memória da Sociedade (cartórios, arquivos, documentos, contratos) – tradição – o Direito constrói a Sociedade (não existe Direito sem passado, sem memória, sem tradição) PERDÃO = Direito seleciona o que vai esquecer. O perdão é o momento da maturidade no Direito. Seleção de esquecimento. O perdão é realizado por um terceiro (Judiciário) Tempo do Direito (François Ost) PROMESSA = tentativa de ligar-se com o futuro, de construção do futuro. Rompe com a tradição, mas de forma sofisticada (questionamento). QUESTIONAMENTO = não se trata nem de um rompimento com as promessas, nem de um rompimento com a memória. Romper com as promessas é negar o novo; romper com a memória é negar o passado e a história. O Direito deve que ter a capacidade de construir, reconstruir e desconstruir o tempo e a si IMPÉRIO DO EFÊMERO (Lipovski) – os valores são provisórios. Paradoxo – temos que institucionalizar valores e, ao mesmo tempo, saber que amanhã eles poderão não valer mais nada (era da incerteza). Questão da urgência (medidas provisórias, processo cautelar, tutela antecipada, execução provisória) X tempo de reflexão Efetividade X Segurança jurídica (dilema de chronos) Função do Direito = reduzir a complexidade social por meio da construção da Sociedade, fornecendo valores fundamentais para o “questionamento” Se o Direito não conseguir estruturar-se as dificuldades temporais serão cada vez maiores (ex.: Direito penal, Direito família, Direito trabalho) Direito Penal Mentalidade vingadora Gerir o risco criminal (Bentham e Beccaria) Multiplicação das incriminações Implementar penas que dissuadissem os potenciais Aumento das tarifas de delinquentes e assegurassem repressão emenda daqueles com Alongamento da duração comportamento desviado média das penas (prevenir o mal) – DEFESA Restrição dos regimes de SOCIAL liberdade Políticas sociais susceptíveis Vigilância eletrônica do de conter o crime antes de domicílio acontecer (tutela preventiva) Controle penal estende-se e a – habitação, educação, repressão endurece drogas Paradoxo – é uma segurança imediata (tempo) que é reclamada e não a redução da criminalidade a longo prazo Direito Penal Dois pesos, duas medidas = Justiça a várias velocidades: ultra-rápida para os pequenos delinquentes, e lenta, quase parada, para os mais poderosos que podem esperar a prescrição (F. Ost) Direito Penal O DISCURSO DA SEGURANÇA INVADIU O IMAGINÁRIO SOCIAL Uma Sociedade não tem como instituirse de forma durável a partir unicamente da ameaça da repressão. É preciso refletir sobre diretivas da política criminal (justiça restauradora) Direito de Família Durante muito tempo, a família foi a instituição que, por excelência, resistia ao tempo (perenidade do parentesco, diferença dos sexos e das gerações) Progressivamente a família parou de desafiar o tempo, ficando exposta a ele. A família transformou-se hoje numa rede de relações afetivas e de solidariedade. Todas as relações passam a ser escolhidas e desejadas. Direito de Família Ex.: teoria da paternidade sócio afetiva Direito do Trabalho O que é trabalho hoje? Ainda existe trabalho (relação entre empregado x empregador) no mundo de hoje sob o ponto de vista globalizado, mas a tendência é a desinstitucionalização do trabalho. Talvez a concepção tradicional de trabalho desapareça (F. Ost) Para uns a falta trabalho e a inutilidade para o mundo, e para outros o excesso de trabalho e a indisponibilidade para o mundo. Ruptura do modelo salarial clássico conduz a pensar sobre as condições de pluriatividades e da concordância com a flexibilidade do trabalho e estabilidade das proteções. “A Sociedade está mudando numa velocidade muito grande, forçando que o jurista tenha consciência de que nós só seremos sujeitos da construção do Tempo histórico, se nós tivermos a velocidade, a capacidade de decidir, a partir de teorias que levem em conta essa complexidade: os paradoxos e os riscos que começam a surgir a partir daí” (Rocha) Tempo e o Processo Lentidão judicial – sintoma relevante da crise da Justiça É um fenômeno global O tempo é um fatos de erosão da prova do processo Primeira especificação ⇨ Conceito de tempo: A administração da justiça envolve vários tempos em tensão, por exemplo: “O tempo não é um fator neutro no processo” É preciso considerar: 1- O tempo que conta para a prática dos atos processuais (ato do escrivão, ato do juiz, ato da parte…hoje, o juiz que retém os autos além do prazo legal não é promovido – art. 93, II, e, CF) – ESSE TEMPO É O TEMPO PROCESSUAL Ao “tempo processual” opõe-se o TEMPO SOCIAL – a DIFERENÇA entre eles corresponde ao período de suspensão dos prazos processuais. Dentro do tempo processual temos vários períodos de tempo, como o dos prazos processuais e o tempo dos magistrados, por exemplo Em tensão com aqueles prazos há o TEMPO DA REFERÊNCIA DA SOCIEDADE EM GERAL como: a- o tempo dos negócios; b- o tempo das vítimas; c- da opinião pública. Segunda especificação ⇨ O que se mede quando se fala de duração e morosidade? – duração – medida desde o início até a última data em que o processo é movimentado. Morosidade – é um conceito negativo que denota um anormal lapso de tempo Ponderações Prazo razoável? – art. 6. CEDH e EC/45 Efetividade? – decisão imediata Certeza Jurídica? – ampla cognição do juiz Alguns dados estatísticos Grau de confiabilidade dos brasileiros 58% - Igreja 54% - Noticiário de TV 53% - Forças Armadas 21% - Justiça 19% - Polícia 10% - Partidos Políticos 8% - Congresso Nacional Dados referentes a 2001 TEMPO “REAL” O que é tempo razoável para o autor, que terá de esperar a solução do litígio para obter a tutela pretendida, se estiver diante de uma situação em que a espera conduzirá ao perecimento do seu direito ou lesões de difícil reparação? Ou seja, a ineficácia do provimento final? (IN)EFETIVIDADE!? NÃO HAVENDO EFETIVIDADE, CONCOMITANTEMENTE ESTARÁ EMPOBRECIDO, SENÃO MACULADO, O ANSEIO DO ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA, DEMONSTRADA, GERALMENTE, A INEFICIÊNCIA DOS INTRUMENTOS EXISTENTES (IN)EFETIVIDADE!? A EFETIVIDADE NÃO SE PROCLAMA, SE EXECUTA!! “Una Justicia que tarda en administrarse varios años es una caricatura de la Justicia” (Jesús González Pérez - El derecho a la tutela jurisdiccional) Tempo e o Processo O processo judicial permanece estanque tal qual concebido no início do século XX, sendo incapaz de tutelar novas situações da sociedade contemporânea Tempo e o Processo A legislação processual nacional ainda é inadequada para solucionar os novos conflitos surgidos a partir de 1988, conflitos esses cada vez mais complexos e multilaterais Tempo e o Processo O sistema judiciário não possui condições de atender a todos. Os “sem direitos” são uma realidade no Brasil e outros países. Excluídos que são das políticas judiciárias, esse grupo busca tutela em organismos não convencionais de solução dos litígios, criando, à margem do Estado, uma verdadeira justiça paralela. Tempo e o Processo A declaração de direitos, quando desacompanhada de mecanismos concretos para sua efetiva tutela, é inexpressiva, já que de nada adianta o reconhecimento, se não existirem meios efetivos para sua proteção e reivindicação Tempo e o Processo A ORDINARIZAÇÃO DO PROCESSO REVELA A DIFICULDADE DO SISTEMA PROCESSUAL EM CONVIVER COM JUÍZOS DE VEROSSIMILHANÇA – INDISPENSÁVEIS AO COMPROMISSO DO PROCESSO COM SUA EFICÁCIA INSTITUCIONAL!!! Tempo e o Processo Por vias mais ou menos harmoniosas, busca-se o difícil equilíbrio entre MANUTENÇÃO DO PASSADO E ABERTURA DO PRESENTE, que é também uma divisão delicada de atribuições entre juiz, legislador e administração Tempo e o Processo Diante da inaptidão para a proteção de situações de emergência, que muitas vezes não podem suportar o tempo do processo, tornou-se necessária a construção de um “contraveneno do tempo” (Candido R. Dinamarco – A instrumentalidade do Processo). Buscou-se um processo de resultados, centrado mais na efetividade do que na certeza e segurança – Surge, nesse contexto, a tutela de urgência “Por certo minha rebelião é contra um tipo de mentalidade exibida por uma quantidade – lamentavelmente já incontável – de ‘legalóides’ – os quais, inscrevendo a razão nos códigos e na ‘ciência’, não resta tempo para mexer na vida. Eles são os que têm um abuso de consciência normativa (jurídica e epistêmica)”. Luis Alberto Warat A ciência jurídica e seus dois maridos, 2000