A alegoria do tempo governado pela prudência.
Tiziano Vecelli, 1565.
Escrito pelo próprio autor no auto da tela: “do
passado, o presente age prudentemente para
não estragar a ação futura”.
O que pensar dessa alegoria? Talvez signifique
que a virtude da prudência exige memória,
inteligência e previdência.
Reflita: os filósofos gregos, sobretudo
Aristóteles, atribuíam ao bom governante a
virtude da prudência.
Em que medida essas três características
seriam importantes na política?
1. A política como teoria
 Costuma-se dizer que a democracia nasceu na
Grécia , mais propriamente em Atenas.
 Foram os gregos os primeiros a refletirem
criticamente sobre a política, por isso,
costuma-se afirmar que eles “inventaram” a
política.
 Outros povos já haviam exercido o poder, mas
apenas entre os gregos a reflexão sobre a
política se desliga dos mitos e teoriza sobre a
possibilidade humana de engendrar por si
mesma as leis e a organização da vida coletiva.
2. A democracia grega
 A passagem do mundo rural e aristocrático da Grécia dos
tempos homéricos (séc XII a VIII a.C) para a formação
das primeiras aglomerações urbanas no período arcaico
(a partir do séc VIII) determinou mudanças na estrutura
social, política e econômica.
 Intensifica-se o sistema escravista.
 Gregos lançam-se ao mar em busca de terras mais férteis
e novos pontos de comércio, fundando colônias na Jônia
(atual Turquia) e na Magna Grécia (sul da atual Itália).
 Nas póleis destacavam-se dois lugares: a acrópole e a
ágora.
Atenas no período clássico
 Atenas teve uma sequência de legisladores:
Drácon, Sólon e Clístenes – que destacaram o
caráter humano das leis e não mais o divino.
 Promoveram a ideia de cidadania.
 Foi no governo de Clístenes, no final do séc. VI
a.C. que o regime ateniense se democratizou.
 O apogeu da democracia ateniense ocorreu no
séc. V a.C. quando Péricles era governante.
Segundo o historiador
Tucídides, Péricles exerce um poder de
liderança tendo sempre as rédeas na mão:
 “...quando a massa queria tomar o freio,
sabia como espantá-la e atemorizá-la , e
quando se deprimia ou desesperava
sabia dar-lhe alento. Deste modo,
Atenas “só de nome era democracia”,
sob o seu comando; “na realidade, era o
domínio de um eminente”, a monarquia
da superior habilidade política.”
Outra crítica à democracia
ateniense deve-se à constatação
de que o fato de morar na
mesma cidade não tornava seus
habitantes igualmente cidadãos.
Excluíam-se os estrangeiros, as
mulheres e os escravos.
3. Os sofistas e a retórica
 Elaboram teoricamente e legitimaram o ideal
democrático da nova classe em ascensão, a dos
comerciantes enriquecidos.
 Como mestres da virtude política, os sofistas
recorreram à retórica, utilizando a linguagem em um
discurso persuasivo.
 Com o brilhantismo da participação no debate público,
deslumbravam os jovens do seu tempo.
 Os sofistas desenvolveram o espírito crítico e
aprimoraram a expressão.
4. A teoria política de Platão
 O pensamento político de Platão (428-347 a.C.)
encontra-se nas obras A República e Leis.
 Seu verdadeiro nome era Arístocles. Ateniense de
família aristocrática e fascinado pela política, sofreu
pesados reveses ao tentar convencer Dionísio, o Velho,
rei da Sicília, a aplicar suas teorias.
 O século V a.C. “época das luzes” da Grécia, terminou
com a derrota de Atenas na guerra contra Esparta, a
condenação e a morte de Sócrates e as convulsões
sociais que agitaram a cidade, acentuando em Platão o
descrédito na democracia.
A utopia platônica: A República
 No livro VII de A República, Platão ilustra seu
pensamento com o famoso mito da caverna.
 Segundo a interpretação epistemológica,
aqueles que são prisioneiros na caverna e
tomam as sombras como se fossem a realidade,
ao serem libertos elevam-se da opinião à
ciência, alcançando o verdadeiro
conhecimento.
 Tornam-se, então, filósofos, e devem retornar
ao meio da pessoas comuns para orientá-las no
reto caminho do saber.
 A interpretação política decorre da pergunta: “Como
influenciar aqueles que não veem?”
 Cabe ao sábio ensinar, procedendo à educação política.
 Platão imagina então uma cidade utópica, a
Calípolis.
 Partindo do princípio de que as pessoas são diferentes,
e por isso ocupam lugares e funções diversas na
sociedade, Platão propõe que o Estado, e não a família,
assuma a educação das crianças até os sete anos,
evitando assim a cobiça e os interesses decorrentes dos
laços afetivos e das relações humanas inadequadas.
 O Estado orientaria também as práticas de eugenia
(melhoramento genético) para que não se
consumassem casamentos entre desiguais.
A educação das três classes
 A educação promovida pelo Estado seria
feita em etapas, de acordo com o tipo de
“alma” de cada um.
 Platão tem em vista preparar os
indivíduos para exercer as três funções
fundamentais da vida coletiva: as
atividades que atendem às necessidades
materiais, as de guarda e defesa da cidade
e as de governantes.
“Alma de bronze” (apetitiva)
 Até os 20 anos, todos deviam ser
educados da mesma maneira; após a
identificação, aqueles que possuíssem
“alma de bronze” deveriam se dedicar à
agricultura, ao artesanato e ao comércio,
cabendo-lhes, portanto, cuidar da
subsistência da cidade. A virtude por
excelência desse grupo é a temperança,
pela qual deveriam controlar os desejos
de prazer.
“Alma de prata” (irascível)
Os demais continuariam os estudos
por mais dez anos, até a segunda
seleção, quando seriam identificados
aqueles que têm “alma de prata”. A
eles seriam destinadas a guarda do
Estado, a defesa da cidade. A virtude
dos guerreiros é a coragem, exercida
pelo domínio sobre o caráter irascível
de sua alma.
“Alma de ouro” (racional)
 Os mais notáveis, que sobraram das
seleções anteriores, por terem a “alma de
ouro”, seriam instruídos na arte de pensar
a dois (arte de dialogar). Estudariam
filosofia, fonte de toda verdade, que eleva
a alma até o conhecimento mais puro.
Aos 50 anos, aqueles que passaram com
sucesso pela série de provas seriam
admitidos no corpo supremo dos
magistrados.
 Caberia a eles o governo da cidade, por
serem os únicos a ter a ciência da
política. Como homens mais sábios,
seriam alçados à função de manter a
cidade coesa. Também seriam os mais
justos, uma vez que justo é aquele que
conhece a justiça. Como virtude
principal, a justiça constitui a condição
de exercício das outras virtudes.
A sofocracia: o rei-filósofo
 Se para Platão a política é a arte de governar e o
político é aquele que conhece essa difícil arte, só
poderá ser chefe quem conhece a ciência política. Por
isso a democracia é inadequada, porque a igualdade
só é possível na repartição dos bens, mas nunca no
igual direito ao poder.
 Para o Estado ser bem governado, é preciso que “os
filósofos se tornem reis, ou que os reis se tornem
filósofos.
 Platão propõe um modelo aristocrático de poder, não
uma aristocracia da riqueza, mas aquela em que o
poder é confiado aos mais sábios.
As formas de governo
 Platão, observando a política real de seu tempo, alerta
para o poder degenerado, classificando-os em quatro:
 A timocracia – em que o culto da virtude é
substituído pelo impulso guerreiro;
 A oligarquia – na qual o exercício do poder é
destinado aos mais ricos;
 A democracia – em que o poder é atribuído aos mais
pobres. Nessa forma de governo acaba prevalecendo a
demagogia – característica do político que manipula
e engana. Platão critica a democracia porque o povo é
incapaz de adquirir a ciência política.
 A tirania, que resulta geralmente dos
abusos da democracia, o que exige um
guia que assuma todos os poderes. Com
o tempo, o tirano abusa desse poder
em proveito próprio, gerando a pior
forma de governo, exercida pela força
de um só e sem ter por objetivo o bem
comum. O tirano é a antítese do
magistrado-filósofo.
5. A teoria política de Aristóteles
 Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão,
mas crítico de seu mestre, recusa o
autoritarismo da utopia platônica, por
considerá-la impraticável e inumana. Recusa
também a sofocracia alegando que a exclusão
hierarquiza demais a sociedade.
 Não aceita que a família deva ser dissolvida
nem que a justiça, virtude por excelência do
cidadão, possa desvincular-se da amizade, da
philia.
A amizade e a justiça
 A palavra grega philia, embora se traduza por
“amizade”, assume sentido mais amplo quando se
refere à cidade: significa a concordância entre as
pessoas com ideias semelhantes e interesses comuns
de onde resulta o companheirismo.
 Daí a importância da educação na formação ética dos
indivíduos, por prepará-los para a vida em
comunidade.
 A amizade não se separa da justiça. Se a cidade é a
associação de iguais, a justiça é o que garante o
princípio da igualdade.
Quem é o cidadão?
 A democracia grega excluía da cidadania os
estrangeiros, as mulheres e os escravos. Aristóteles
também o faz.
 Embora na Atenas democrática os artesãos estivessem
entre os cidadãos, caso fossem atenienses, Aristóteles
prefere excluir da cidadania essa classe, bem como
comerciantes e trabalhadores braçais em geral.
 Em primeiro lugar, porque a ocupação não lhes
permite o tempo de ócio necessário para participar do
governo;
 Em segundo lugar porque esse tipo de atividade
embrutece a alma e torna quem o exerce incapaz da
prática de uma virtude esclarecida.
 Para Aristóteles, os homens livres e
concidadãos aprisionados em guerras não
deveriam ser escravizados, mas sim os
“bárbaros” – nome genérico atribuído aos
não gregos – que, por serem “inferiores”,
possuíam disposição natural para a
escravidão.
 Recomendava que o tratamento do
senhor ao escravo não fosse cruel,
devendo mesmo serem estabelecidos
laços afetivos.
Formas de governo
Critérios do valor
Critérios do
Número
Boas
Corrompidas
Um
Monarquia
Tirania
Poucos
Aristocracia
Oligarquia
Muitos
Politeia
Democracia
 Aristóteles prefere a última. As vantagens da
politeia ou democracia constitucional talvez se
devam à constatação de que a tensão política
sempre deriva da luta entre ricos e pobres e,
portanto, se um regime conseguir conciliar
esses antagonismos, será mais fácil assegurar a
paz social.
 Descobre na classe média – constituída pelos
indivíduos que não são muito ricos nem muito
pobres – as condições de virtude para criar uma
política estável, já que diminui a possibilidade
de ocorrência de revoltas.
6. O bom governo
 O bom governante deve ter a virtude da
prudência prática pela qual será capaz de agir
visando ao bem comum.
 Tanto Platão como Aristóteles elaboraram uma
teoria política de natureza descritiva, porque é
uma reflexão que parte da descrição dos fatos,
mas também de natureza normativa e
prescritiva, porque pretende indicar quais as
boas formas de governo. E essas normas estão
estreitamente ligadas à ideia do bom
governante.
7. Idade Média: política e religião
 No primeiro período da Idade Média, o
Império Romano esfacelou-se em diversos
reinos bárbaros. O desejo de unidade de
poder, de restauração da unidade perdida,
expressou-se na difusão do cristianismo, que
passou a representar o ideal de Estado
universal.
 Os intelectuais pertenciam às ordens
religiosas e as principais questões filosóficas
baseavam-se nas relações entre fé e razão.
Estado e Igreja
 Na Idade Média predominou a concepção negativa do
Estado – papel de intimidação para todos agirem
retamente.
 Daí a estreita ligação entre política e moral capaz de
obrigar todos a obedecer aos princípios da moral
cristã.
 Configuram-se duas instâncias de poder: a do Estado
– secular, temporal, voltada para as necessidades
mundanas, e sua atuação exercida por força física e a
da Igreja – de natureza espiritual, voltada para os
interesses da salvação da alma. Educação e persuasão.
8. Agostinho, bispo de Hipona
 Patrística – destaque para Santo Agostinho (354-430).
 Após uma juventude conturbada, voltada para os prazeres,
converteu-se ao cristianismo por influência de sua mãe,
igualmente canonizada: Santa Mônica. Adaptou o
platonismo à fé católica.
 Na obra A cidade de Deus, Agostinho trata das duas
cidades, a “cidade de Deus” e a “cidade terrestre”.
 Paralelismo entre dois planos de existência na vida de cada
um.
 A cidade terrestre é o reino do pecado e será aniquilada no
fim dos tempos. A cidade de Deus opõe a graça ao pecado
e a eternidade à finitude.
Agostinismo político
Doutrina que influenciou todo o
pensamento medieval. Essa teoria
define o confronto entre o poder do
Estado e o da Igreja pela
superioridade do poder espiritual
sobre o temporal.
Criou inúmeros conflitos entre reis
e papas e gerou facções políticas.
 Embora a oposição entre Estado e Igreja já
viesse de longa data, foi o beneditino Bernardo
de Claraval no século XII, que formulou de
maneira mais expressiva o pensamento
político-religioso medieval por meio da figura
da “luta das duas espadas”:
A espada espiritual e a espada material
pertencem, uma e outra, à Igreja; mas a
segunda deve ser manejada a favor da Igreja e a
primeira pela própria Igreja; uma está na mão
do padre, a outra na mão do soldado, mas à
ordem do padre e sob o comando do imperador.
9. A escolástica: Tomás de Aquino
 No século XIII, deu-se o apogeu da escolástica,
destacou-se a obra de Tomás de Aquino (12251274).
 O tomismo caracterizou-se pela grande síntese
do aristotelismo e pela densa discussão a
respeito das verdades teológicas da fé cristã.
 Com o renascimento das cidades e a
intensificação do comércio, o debate das ideias
nas universidades e a provocação das heresias
desafiavam a ortodoxia religiosa.
 Coerente com a visão religiosa do mundo,
conclui que o Estado conduz o ser humano
até um certo ponto, quando então é
necessário o concurso do poder da Igreja
que cuidará da dimensão sobrenatural de
seu destino.
 Atento ao risco da tirania, entende a paz
social como resultado da unidade do Estado
e valoriza a virtude do governante, dando
continuidade à versão da política grega que
prescreve o comportamento virtuoso do
governante.
10. Tempos de ruptura
 A sociedade medieval transformava-se gerando
anseios de laicização, o que se deveu a vários
acontecimentos de ruptura, tais como o
renascimento das cidades e do comércio e as
expressões anticlericais das heresias.
 Para combater as heresias, a partir do século XII a
Igreja criou a Inquisição (ou Santo Ofício), com
tribunais que julgavam os “desvios da fé”.
 As penas variavam da prisão perpétua à
condenação à morte, geralmente na fogueira.
Teóricos pré-renascentistas
 Os teóricos do final da Idade Média,
considerados pré-renascentistas elaboraram
novas ideias que valorizava o poder do Estado
em detrimento do poder pontifício.
 Dante Alighieri (1265-1321) propõe a eliminação
do papel mediador do papa. Segundo ele,
Deus, criador da natureza, nos dotou de livre
raciocínio e vontade que nos permitem a
perfeita condução do Estado.
 Prenuncia a doutrina do direito divino dos reis
e o fortalecimento da monarquia.
 Na Inglaterra, Guilherme de Ockam (1270-1347,
franciscano e teólogo, recorreu às Escrituras e à
Patrística para criticar a indevida ingerência da
Igreja nas leis civis.
 Esses pensadores do declínio da Idade Média
prenunciavam as novas expressões de poder civil
que se sobrepunham ao poder eclesiástico.
 O conjunto desses fatos concorreu para a
valorização dos poderes seculares, fortalecendo a
soberania do Estado – formação das monarquias
nacionais, a ser levada a efeito na Idade Moderna
pela aliança entre a burguesia e os reis.
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Cap. 23 - A política normativa