A DOUTRINA PLATÔNICA DAS
IDÉIAS
BIBLIOGRAFIA:
Platão: Collected Dialogues (Princeton: Princeton
University Press 1989), ed. Edith Hamilton e Huntinghton
Cairs.
Copleston, F.: History of Philosophy, vol. 1 (New York:
Image 1994)
Guthrie, W.K.C.: History of Greek Philosophy vol. V
(Cambridge: Cambridge University Press 1974)
Reale, G., D. Antiseri: História da Filosofia vol. 1 (São
Paulo: ed. Paulinas 1990)
Ricken, F.: Philosophie der Antike (Stuttgart: Kohlhammer
1996)
Platão desenvolveu a famosa doutrina das IDEIAS ou
FORMAS que quero discutir no que se segue.
Para ele:
SEMPRE QUE UMA PLURALIDADE DE
INDIVÍDUOS TEM UM NOME
COMUM,
ESSE NOME CORRESPONDE A UMA
IDEIA (ideai) OU FORMA (eidoh), UM
UNIVERSAL
Ex: a Bondade absoluta, a Beleza absoluta,
mas também a Humanidade absoluta...
Note que IDEIA no dizer ordinário significa
apenas um conceito na mente, como quando se
diz:
“é apenas uma ideia e nada de real”.
Mas Platão ao falar de idéia está falando do
CONTEÚDO OBJETIVO ou REFERÊNCIA de
nossos conceitos universais.
Objeção aristotélica: se essas idéias tem uma
existência em si mesmas, então não estaria Platão
DUPLICANDO OS MUNDOS?
Propriedades das ideias:
para Platão as idéias são ESSÊNCIAS que subsistem em
um
MUNDO TRANSCENDENTAL, fora da mente.
As idéias EXISTEM no sentido de possuirem
REALIDADE ESSENCIAL ... de um modo misterioso.
(Problema: tudo o que é real precisa estar em algum lugar)
As IDÉIAS não estão no ESPAÇO, pois são ESSÊNCIAS
INCORPÓREAS.
São IMUTÁVEIS: não mudam nem perecem.
Idéias constituem a SUBSTÂNCIA ou REALIDADE das
coisas.
--- Platão sugeriu que Deus-Demiurgo formou as
coisas do mundo tendo como MODELO as idéias.
Assim as IDÉIAS SEMPRE SUBSISTIRAM...
O Demiurgo seria símbolo da operação do intelecto
no universo...
---Reminiscência: também sugeriu que a alma préexiste ao corpo, RECORDANDO-SE então das
IDÉIAS com as quais teve contato na REGIÃO
SUPRACELESTE.
(Platão recorre ao mito quando não encontra
explicação científica, não devendo ser tomado
muito a sério... )
Problemas apontados:
1)DUPLICAÇÃO DO MUNDO REAL.
2)Supõe arbitrariamente um número infinito
de ESSÊNCIAS SUBSISTENTES.
3)Não explica a relação entre IDEIAS E
COISAS SENSÍVEIS (só por metáforas como
IMITAÇÃO E PARTICIPAÇÃO).
4) Não explica a relação entre IDEIAS E
IDÉIAS (Ex: espécie e genus)
Platão acreditava que as idéias existem À PARTE das
coisas sensíveis! Sim, no sentido de que são REAIS,
SUBSISTENTES,
Mas seguramente não no sentido de estarem em OUTRO
LUGAR, ESPACIALMENTE SEPARADO, posto que elas
são ESSÊNCIAS INCORPÓREAS.
Platão sugere no Fedon que elas são os VERDADEIROS
SERES, as ESSÊNCIAS DAS COISAS:
a Justiça em si mesma,
o Bem em si mesmo,
o Belo em si mesmo,
a Igualdade abstrata etc.
Prova da imortalidade da alma:
Nosso juizo do que é mais ou menos igual ou belo... requer um
STANDARD. Se é assim é porque já tivemos contato com esse
standard antes de virmos para esse mundo. Mas então não parece
razoável pensar que após deixarmos esse mundo continuaremos a
existir em contato com esse standard, em um plano puramente
intelectual?
Na República o filósofo é quem busca conhecer A VERDADEIRA
NATUREZA das coisas... Que não está em sua multiplicidade, mas
em sua ESSÊNCIA. Ex: a Beleza e não as coisas belas. Os que
conhecem só a multiplicidade tem apenas OPINIÃO (doxa) e não
CONHECIMENTO (episteme). Eles conhecem a APARÊNCIA, O
FENÔMENO, que está a meio caminho entre o ser e o não ser...
....................................................
A idéia principal é a do BEM, que como o sol ilumina os
outros objetos do conhecimento
Ele também identifica O BEM com O UNO,
dizendo que “as idéias são a causa da essência de
todas as coisas e o uno é a causa e a essência de
todas as idéias”.
Assim,
o Bem excede as ideias em dignidade e poder!
Em carta ele pede aos seus amigos para jurar
lealdade em nome do deus que é capitão de todas
as coisas presentes (as idéias?) e futuras e ao pai do
capitão de todas as coisas (o uno? o Bem?), que é
indizível...
Ontologicamente falando, o SENSÍVEL, o
PARTICULAR, só pode ser objeto de JUÍZO E
CONHECIMENTO se for subsumido sob as
IDÉIAS,
ou seja, se PARTICIPAR de uma forma.
O SENSÍVEL PARTICULAR como tal,
considerado somente em sua particularidade, é
INDEFINÍVEL E INCOGNOSCÍVEL, NÃO
SENDO VERDADEIRAMENTE REAL!!!
Para Platão o mundo sensível é ilusório e irreal,
uma cópia imperfeita do mundo das idéias
Aristóteles opôs-se a essa separação!
Por isso ele sugeriu que FORMA E MATÉRIA
ambos pertencem
inseparáveis:
ao
MUNDO
SENSÍVEL,
sendo
A FORMA ESTÁ INCORPORADA NA MATÉRIA,
NÃO PODENDO SER DELA SEPARADA!
Platão às havia separado injustificadamente...
O universal real é o UNIVERSAL
DETERMINADO, que é um ASPECTO
INSEPARÁVEL DO REAL:
ele é DEFINIÇÃO INCORPORADA NA
MATÉRIA...
A IDÉIA DO BEM é o princípio absoluto do valor.
O BEM ABSOLUTO é um TELOS, mas não como
um fim inexistente a ser alcançado, mas como um
telos
existente,
um
princípio
ontológico
supremamente real, a causa exemplar, o absoluto, o
uno (lembra Kant: ideia-ideal normativo).
Inicialmente a idéia era restrita a conceitos como o
do Bem, do Belo, do Uno... Possuindo conotação
DEFINIDAMENTE VALORATIVA (carregados
de qualidades morais e estéticas). Só mais tarde foi
estendida para cobrir toda a espécie de conceitos...
Isso levou a problemas considerados na crítica que Platão
fez à própria doutrina das idéias no diálogo Parmênides...
Diálogo Parmênides:
Aqui Sócrates admite as idéias da Semelhança, do
Um e do Muitos, do Justo, Belo, Bom...
A questão é se existem idéias do Homem, do Fogo,
da Água?
Ou ainda, idéias de Cabelo, Lama, Sujeira?
Certamente não! Diz Sócrates, mas ele se admite
confuso, receoso de cair em um poço de
absurdidades...
Surgem além disso outros problemas:
- Está a idéia de homem presente em cada homem
individual?
-Ou apenas parcialmente presente? (imagem da vela)
Argumento do terceiro homem: se o homem
individual é semelhante à idéia, não devemos
postular uma terceira idéia de homem, com a qual
tanto o homem individual como a idéia sejam
semelhantes?
Mas se postularmos essa terceira idéia não seremos
conduzidos a um regresso ao infinito?
(Essa é uma crítica feita por Aristóteles, mas já antecipada
por Platão no Parmênides.)
E quanto à relação entre IDEIA e INDIVÍDUOS?
Como explicá-la?
Platão tem duas metáforas explicativas:
1)PARTICIPAÇÃO (metexis): O
OBJETO PARTICULAR PARTICIPA
DA IDÉIA.
2)CÓPIA (mímesis): O OBJETO
PARTICULAR É CÓPIA DA IDÉIA.
Nenhuma das metáforas é satisfatória.
Consideremos a metáfora da PARTICIPAÇÃO:
Ou cada indivíduo participa de toda a idéia ou de
parte dela.
1) Se participa de toda a idéia, A IDEIA SE
DIVIDE, perde sua unidade e não explica mais
a unidade do múltiplo.
2) Se participa de apenas parte da idéia, ENTÃO
A IDÉIA É UNITÁRIA E DIVISÍVEL
(MUITAS) AO MESMO TEMPO!
Além disso, se coisas iguais são iguais pela
participação em certa quantidade de igualdade,
então elas são iguais pelo que é menos que
igualdade...
E se uma coisa é grande pela participação na
grandeza, então é grande por possuir algo menor do
que a grandeza...
..................................................................................
Sócrates sugere então a teoria da CÓPIA,
IMITAÇÃO:
Objetos particulares são CÓPIAS das IDEIAS,
as quais em si mesmas são MODELOS ou
EXEMPLARES.
Contra essa nova teoria da imitação Parmênides argumenta
que:
se coisas brancas são como a Brancura, então a Brancura
deve ser como as coisas brancas!
Portanto,
se a similaridade entre coisas brancas é explicada
pela postulação da FORMA DA BRANCURA,
então
a semelhança entre a Brancura e as coisas brancas
deveria também ser explicada pela postulação de
um ARQUÉTIPO, e assim indefinidamente.
Aristóteles também argumenta assim,
mas tudo o que se conclui disso é que:
A IDEIA NÃO É UM OBJETO PARTICULAR ENTRE
OUTROS
E A RELAÇÃO ENTRE OBJETOS PARTICULARES E
IDEIAS NÃO PODE SER TRATADA COMO UMA
RELAÇÃO ENTRE OBJETOS PARTICULARES E
OBJETOS PARTICULARES.
A objeção apenas aponta para a necessidade de
REFINAMENTOS SUBSEQUENTES...
Como a de que a idéia é SUI GENERIS,
NÃO É AUTOPREDICATIVA ETC.
A doutrina das idéias poderia explicar a objeção de que
não pode haver enunciados falsos porque não há nada
para eles significar...
Considere a frase:
Teeteto está sentado.
Digamos que ele esteja realmente sentado e que Platão
diga:
Teeteto está voando.
Essa última frase é falsa, mas o predicado ‘está voando’
se refere a algo, qual seja, à IDÉIA DE VOAR. Por isso a
frase FAZ SENTIDO mesmo não correspondendo a um
fato como um todo no mundo.
No Sofista há uma forma totalmente pervasiva, a forma do
SER
Aristóteles diz que para Platão as formas são NÚMEROS
(tentativa de pan-matematização)
No mundo sensível há o CAÓTICO, que enquanto tal é
inapreensível ao intelecto. Embora ele não seja SER ele
não é NÃO-SER!
Daí que: A REALIDADE É A SOMA DE TUDO, DO
QUE NÃO MUDA E DO QUE MUDA, INCLUINDO
VIDA, ALMA E INTELIGÊNCIA...
“A realidade é a soma das coisas”
EVENTOS e FATOS FÍSICOS são para Platão NÃO
MAIS DO QUE IMITAÇÕES ou IMAGENS-ESPELHO
das IDÉIAS.
daí que:
O MUNDO SENSÍVEL é, portanto, uma SOMBRA, um
IMAGEM FLUTUANTE do MUNDO DAS IDÉIAS!
Eis porque essa filosofia é chamada de IDEALISMO
PLATÔNICO, a realidade é o mundo das idéias e o
mundo sensível possui para ele menos realidade...
Nietzsche acusou Platão de ser inimigo desse mundo,
um escapista, uma idéia que parece ter algo de
verdadeiro.
Crítica de Bertrand Russell:
A doutrina das idéias resulta de um conhecimento
insuficiente de lógica.
Da similaridade gramatical entre frases predicativas
e frases universais resultantes da nominalização de
termos gerais:
Ex: “Sócrates é mortal”....... Forma Fa,
Ex: “O belo é agradável”
“O bem é desejável”
Parecem ter a forma Fa, mas a forma lógica é outra,
ela é (x) (Bx → Ax) e (x) (Bx → Dx)
respectivamente.
O platonismo de Gottlob Frege
Frege foi, no final do século XIX, o criador da
moderna filosofia da linguagem, através de artigos
como “Sentido e Referência” e “O pensamento”.
Frege fez talvez a mais relevante defesa do
platonismo pós-platão, em conexão com sua
filosofia da linguagem.
Para frege existem três níveis: dos signos, dos
sentidos e das referências. O nível dos sentidos é o
dos MODOS DE APRESENTAÇÃO da referência,
ele é baseado em CONVENÇÕES.
Uma frase predicativa singular (do tipo Fa) tem um
SENTIDO DO TERMO SINGULAR,
um SENTIDO DO TERMO GERAL,
e um SENTIDO DA PRÓPRIA FRASE, que é o
PENSAMENTO por ela expresso.
O platonismo abraçado por Frege diz respeito ao status
ontológico dos SENTIDOS. PARA ELE OS SENTIDOS
SÃO ENTIDADES PLATÔNICAS.
EX: Teorema de Pitágoras, “a soma dos quadrados dos
catetos é igual ao quadrado da hipotenusa”.
O PENSAMENTO expresso pelo teorema de Pitágoras é
DESCOBERTO.
Ele não passou a existir depois de ter sido descoberto, ele
SEMPRE EXISTIU, esse pensamento É ETERNO
(ATEMPORAL), ETERNAMENTE VERDADEIRO.
É IMUTÁVEL, não-sensível, mas intersubjetivamente e
intelecutalmente acessível.
............................................
Frege estabelece então uma ONTOLOGIA DOS TRÊS
REINOS:
O REINO DO OBJETIVO REAL (mundo físico).
O REINO DO SUBJETIVO REAL (mundo psicologico)
O REINO DO OBJETIVO NÃO-REAL (mundo
platônico)
Para chegar a isso ele aplica certos critérios...
CRITÉRIOS DE REALIDADE:
- ACESSO ESPAÇO TEMPORAL
CRITÉRIOS DE OBJETIVIDADE:
- ACESSO INTERSUBJETIVO, INDEPENDÊNCIA DA
VONTADE
O MUNDO FÍSICO: É OBJETIVO E REAL
O MUNDO PSICOLÓGICO: É SUBJETIVO E REAL
O MUNDO PLATÔNICO DOS SENTIDOS E
PENSAMENTOS:
É OBJETIVO (INTERSUBJETIVAMENTE
ACESSÍVEL) MAS NÃO REAL (NÃO ESTÁ NO
ESPAÇO E NO TEMPO)
fim
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