OS DIREITOS DO CONTRIBUINTE
Kátia Rubinstein Tavares
Em matéria sobre o estudo dos ilícitos tributários tem se debatido na atual conjuntura a
respeito das medidas coercitivas utilizadas pelo Estado, principalmente na área penal,
esperando ser possível aumentar a arrecadação de impostos, por meio de intimidação da pena
privativa de liberdade atribuída ao contribuinte, e, por consequência, para tornar efetiva a
execução das sanções criminais em condutas administrativas e fiscais. Muitas são as teses
ainda sem equacionamento adequado nesse âmbito.
Como questão principal que se discute é a razão pela qual o legislador optou pela
criminalização da conduta do contribuinte, que vem a descumprir seus deveres fiscais. Sobre o
tema, a nossa doutrina e, sobretudo, a do direito espanhol vêm advertindo que a infração
tributária pode ser resultado da seguinte alegação inconsistente: a comprovação estatística
aponta para o fato de que quase todos os cidadãos sonegam e, por isso, seria preciso haver o
constrangimento de um processo criminal contra eles a fim de coibir essa conduta. Tal
raciocínio é inadmissível, porque se pretende usar a sanção penal, com fins meramente
utilitaristas, para obrigar o contribuinte a pagar seus impostos, encobrindo o fracasso do
próprio sistema tributário.
Ademais, não se pode afirmar que o Fisco é imparcial na arrecadação dos impostos no país. Ao
contrário, o nosso sistema tributário apresenta-se de forma confusa, omissa e muitas vezes
injusta com o contribuinte, já que não examina se a tributação é proporcional à capacidade
econômica da empresa, bem como a de quem está sendo tributado. Na verdade, o Fisco, como
arrecadador de impostos, no Brasil, tem pouca ou nenhuma consideração com os direitos do
contribuinte. Logo, não é possível, pois, esperar-se que este se sinta estimulado ao
cumprimento de seus deveres fiscais. Além disso, há o anseio no meio dos diversos segmentos
sociais que vêm reclamando sobre a necessidade de uma reforma do nosso sistema tributário,
demonstrando que é preciso realmente haver uma reestruturação nesse setor, a fim de que
haja mais respeito às suas normas, também em relação à pessoa do contribuinte.
Portanto, é razoável concluir-se que a criminalização do inadimplemento de obrigações fiscais
representa uma verdadeira intimidação na arrecadação dos impostos, haja vista o
constrangimento que se estabeleceu contra os contribuintes, acarretando graves violações
constitucionais, tais como: a incompetência do Poder Judiciário para aplicar as sanções penais
em matéria estritamente administrativa e a ausência das formalidades processuais destinadas
à garantia da ampla defesa, da liberdade, além do direito ao silêncio universalmente
reconhecido aos acusados (art. 5º, incisos LIV, LV e LXVIII, da Constituição Federal).
Outra questão que se insurge é quanto o limite à devassa fiscal dos contribuintes. É inegável
que o órgão da Receita Federal tem o poder de averiguar pessoas físicas, empresas ou
estabelecimentos comerciais. Aliás, o Código Tributário Nacional, em seu art. 196, deixa bem
claro que autoridade administrativa tem o “direito de examinar mercadorias, livros, arquivos,
documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes, industriais ou
produtores...”. Assim, é admissível que através dos trabalhos de inspeção analise-se a
contabilidade da empresa.
O Supremo Tribunal Federal, em consonância com a preocupação dos operadores do direito
acerca do tema, editou a seguinte orientação de que “estão sujeitos à fiscalização tributária ou
previdenciária quaisquer livros comerciais, limitado o exame ao ponto objeto da investigação”
(Súmula 439). Logo, não resta dúvida de que a autoridade administrativa tem o poder de
vistoriar a contabilidade de uma empresa, para fins de averiguação específica. O que não se
aceita é a extrapolação desse limite, com a invasão numa empresa pelo órgão da
administração pública, e a tentativa de apreensão aleatória de documentos ou livros contábeis
do comerciante, podendo configurar arbitrariedade, além do abuso de poder da autoridade.
Observe-se, tanto a citada súmula do Supremo Tribunal Federal quanto o Código Tributário
Nacional foram publicados bem antes da atual Constituição Federal, que consagrou a
inviolabilidade do domicílio como direito fundamental, sem determinação de ordem judicial
(inciso XI, do art. 5°). Ressalte-se ainda que a Lei Penal equipara ao conceito de casa qualquer
compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (art. 150, §
4º, inciso III, do CP).
Não se diverge sobre a possibilidade de os agentes da administração pública procederem
regularmente uma análise na contabilidade da empresa, conforme determina o relatório fiscal.
Entretanto, parece evidente que todas as normas reguladoras do poder de investigação devem
se subordinar aos preceitos da Constituição Federal, encontrando os seus limites nas garantias
individuais, sob pena de nulidade da diligência, em virtude do reconhecimento da produção de
prova obtida por meio ilícito (inciso n° LVI do art. 5º), especialmente em se tratando de crime
contra a ordem tributária. Em suma: é imprescindível destacar que a origem da fiscalização
não pode se basear em prova ilícita, porquanto contraria garantias individuais, afrontando a
ordem constitucional vigente. Por fim, é inaceitável que funcionários da administração
tributária possam adentrar no recinto de uma empresa, e dela tentem levar documentos e
livros contábeis, sob o pretexto de estarem realizando uma inspeção. Ainda, para que haja
uma apreensão deste porte, faz-se necessário existir, no mínimo, um processo em trâmite. E
mais, é indispensável ordem ou mandado de busca e apreensão expedido pelo Juízo
competente determinando especificamente os limites de atuação do órgão da fiscalização.
Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros. Advogada Criminal.
pela Universidade de Buenos Aires
Doutoranda
* O texto publicado não reflete necessariamente o posicionamento do IAB
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