Goiânia, 6 de Agosto de 2015.
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Direito fundamental ao silêncio também em
matéria tributária
Decifrando Tributos / Valor Econômico
06/08/2015
“Você tem o direito de ficar calado, tudo o que disser pode e será usado contra você
no tribunal”; “vou me utilizar do direito ao silêncio”. Essas duas frases ficaram famosas: a
primeira por estar em quase todos os filmes policiais de Hollywood e a segunda por
constantemente ser dia nos depoimentos em CPI. Trata-se do direito fundamental ao
silêncio, pelo qual ninguém pode ser obrigado a fazer prova contra si mesmo.
A criação do que vem sendo chamado de declaração de planejamento tributário, pela
Medida Provisória nº 685, contraria frontal e absolutamente esse direito do contribuinte.
Ao submeter a empresa a uma multa de 150% caso não informe previamente a Receita
Federal sobre escolhas na condução da sua atividade econômica, a MP 685 traz
dispositivo irracional e ilegal. Compromete ainda mais a legitimidade dessa declaração o
alto grau de subjetividade na definição das hipóteses em que ela deve ser elaborada.
Há diversos pontos a serem questionados sobre esse instrumento fiscal, conforme
abaixo relacionado.
Inconstitucionalidade da declaração
No Brasil, o direito fundamental ao silêncio está assegurado no artigo 5°, LXIII da
Constituição Federal de 1988. Confirma-se, assim, a sua natureza de direito individual,
cláusula pétrea que não pode ser suprido sequer por proposta de emenda constitucional.
No texto da Constituição, a referência expressa ao “preso”, porém, é lícito e necessário
que o direito fundamental ao silêncio seja estendido a outras pessoas e a outras
situações, como é o caso da matéria tributária.
Os estudos e as discussões sobre a relação entre direito humanos e tributação abordam
em mais detalhes o direito ao silêncio da matéria tributária. O primeiro limite imposto ao
direito ao silêncio do contribuinte reside no fato de que os agentes fiscais devem ter
acesso a todos os documentos exigidos pela legislação que sirvam de base para a
apuração e o pagamento de tributos. Não se defende que a empresa possa deixar de
entregar suas demonstrações contábeis em uma fiscalização de imposto sobre a renda
ou esconda notas fiscais na fiscalização do ICMS.
Apesar de não ser absoluto, o direito ao silêncio em matéria tributária garante o
exercício da livre iniciativa (também uma garantia constitucional), porque não exige que
o contribuinte, em qualquer operação que realize ou contrato que venha a firmar, informe
previamente as autoridades fiscais. Quem deve antecipar seu entendido sobre as
fronteiras da tributação e a interpretação que faz da legislação é a Administração
Tributária. E esse entendimento não vincula a conduta do contribuinte, que pode
questioná-lo, inclusive judicial, se com ele não concordar.
Às empresas contribuintes cabe produzir riqueza e, na exata medida da lei, transferir
parte dela aos Cofres Públicos. As empresas não podem ser obrigadas a “pedir a
benção” das autoridades fiscais a cada reestruturação operacional que pretendam
implementar, ainda mais sujeita à multa de 150% caso não informe previamente a
Receita Federal sobre sua opção. Se assim for, o contribuinte estará, mais uma vez,
exercendo um papel que é dos agentes fiscais: esses profissionais têm o poder de
fiscalizar as empresas e, no caso de não concordar com alguma coisa, exigir a correção
por meio de auto de infração, com imposição da multa regulamentar (75%).
Ineficácia como norma anti-elisiva
Tão logo a MP 685 foi publicado, várias opiniões foram ouvidas e lidas a respeito da
declaração de planejamento tributário. Um tema de discórdia na doutrina tributária
nacional foi quando à sua natureza de norma antielisiva (ou anti-elusiva). Esse debate
gira em torno da relação ou não dessa declaração com o disposto no artigo 116,
parágrafo único do Código Tributário Nacional (CTN), a norma geral para combater o
planejamento tributário.
De um lado, existem respeitados juristas que afastam a vinculação dessa parte da MP
685 da norma do CTN (Heleno Taveira Tôrres), enquanto outros sustentam a relação
entre os dispositivos legais (Ricardo Lodi Ribeiro). A implicação entre essas normas não
está muito clara, sequer na exposição de motivos da MP 685, porém, se essa tiver sido
a intenção do legislador tributário, o modo como foi feito é ineficaz.
A norma geral anti-planejamento tributário (artigo 116, parágrafo único do CTN) exige,
para ter eficácia plena, outra lei ordinária que discipline o procedimento administrativo
para a desconsideração de atos e negócios jurídicos praticados pelo contribuinte com o
intuito de esconder a ocorrência do fato gerador de tributo. Não é isso o que a MP 685
faz. Embora discipline um procedimento administrativo – recebido nos termos e nos
efeitos de uma consulta formal –, o seu propósito não é simplesmente afastar o efeito
tributário do negócio praticado, mas visa à vedação de tal negócio.
Insustentável subjetividade
● O elenco das hipóteses que obrigam o contribuinte a apresentar a declaração
de planejamento tributário demonstra, por si só, a sua subjetividade, o que não é aceito
pelo sistema tributário nacional, sob pena de se comprometer a segurança jurídica.
Essas hipóteses são as seguintes:
● Os atos ou negócios jurídicos praticados não possuírem razões extra tributárias
relevantes; A forma adotada não for usual, utilizar-se de negócio jurídico indireto ou
contiver cláusula que desnature, ainda que parcialmente, os efeitos de um contrato
típico; ou
● Tratar de atos ou negócios jurídicos específicos previstos em ato da Secretaria
da Receita Federal do Brasil.
Vejam-se alguns exemplos baseados em fatos reais:
Suponha uma empresa que se dedica à importação de mercadoria e sua revenda, sem
qualquer processo produtivo (distribuidora), tendo na sua carteira de clientes órgãos
públicos (compras sujeitas à licitação, portanto). Considere que um Convênio ICMS
autorize todos os estados brasileiros a concederem isenção no fornecimento da referida
mercadoria, quando o adquirente for órgão público. A mencionada distribuidora, então,
sugere a participação direta do fornecedor estrangeiro no processo licitatório, passando
a figurar como representante comercial (prestação de serviço), com o objetivo de
usufruir da isenção de ICMS. Por conta dessa alteração de modelo negocial, os tributos
federais da empresa considerada serão impactados, no sentido de reduzir a carga
tributária.
Pois bem: a empresa do exemplo acima deverá apresentar a declaração de
planejamento tributário? Que garantia ela tem de que não será enquadrada pelo auditor
fiscal em alguma das hipóteses da MP 685?
Suponha, agora, uma construtora que, em razão da volatilidade dos custos de materiais
e de mão de obra, decida transferir ao contratante o risco do aumento de custo. Para
tanto, altera seu modelo de negócio, passando a operar por meio da empreitada por
administração. Com isso, embora o fluxo de caixa possa ser mantido, a sua receita
diminui, reduzindo, consequentemente, os tributos federais a que está sujeita.
Essa construtora deverá apresentar a declaração de planejamento tributário? Em caso
negativo, o auditor fiscal concordará com sua posição?
Sugestão
Publicada a MP 685, o mercado se mobilizou para propor emendas no Congresso
Nacional e para a redação da instrução normativa que irá regulamentar a declaração de
planejamento tributário. Algumas ideias são até louváveis. Da minha parte, tenho uma
única sugestão: excluam-se os artigos 7° a 12 da MP 685.
Leia mais em: http://www.valor.com.br/legislacao/fio-da-meada/4167348/direitofundamental-ao-silencio-tambem-em-materia-tributaria
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