ADVOGAR EM CAUSA PRÓPRIA Advogo em causa própria, cada vez que, no exercício da profissão que tanto gosto, me sinto incapaz de defender os interesses de clientes que, não raras vezes plenos de razão, têm que se defender da prepotência da Administração Tributária em diversas e inarticuladas frentes processuais. Actualmente, a regra é que a cada acção inspectiva da Administração Tributária a uma contribuinte pessoa colectiva corresponde uma decisão conducente a uma liquidação adicional de imposto – IRC/IVA; decisão esta a que precede a notificação da contribuinte do projecto de decisão para que exerça o seu surdo direito de audição. Esta decisão, não raras vezes intrinsecamente errada, determina a liquidação adicional do imposto e, não raras vezes, à instauração de procedimento contra-ordenacional. Por sua vez, por parte da inconformada contribuinte, esta decisão vai dar origem proceder à impugnação administrativa da mesma, mediante reclamação graciosa, à apresentação de oposição à execução fiscal, entretanto instaurada, e à apresentação de defesa em processo contra-ordenacional. Isto é, a decisão de correcção oficiosa de imposto, dá origem, sublinhe-se em regra, à pendência de, pelo menos, três processos diferentes, que correm termos em entidades diferentes. Aos indicados três processos soma-se, o que para a contribuinte se afigurará como mais determinante, a saber: o incidente de prestação de garantia que, a ser procedente, travará a precipitada execução do património do contribuinte. Após a reacção do contribuinte nas três referidas frentes processuais, temos então três processos com valores cumulativos para efeitos de estatísticas da eficiência da máquina fiscal, i.e., valores em cobrança no montante cumulado de três processos com o mesmo objecto. Entretanto, o contribuinte, com o decurso do tempo, e na hipótese de ter logrado suspender a instância executiva e a instância contra-ordenacional pela prestação de garantia em montante que se afigure adequada à salvaguarda dos interesses patrimoniais do Estado, ficará anos, exercícios fiscais, a aguardar que os Tribunais Administrativos e Fiscais, acabem por reconhecer a bondade da sua pretensão. Acontece que, não raras vezes, a incapacidade incapacitante de tais tribunais em ajuizar atempadamente as pretensões dos contribuintes, conduz à temerária deterioração das condições de exploração das sociedades, ou seja, conduz ou pelo menos contribui para a sua situação de insolvência, senão de facto, pelo menos iminente. Nestes casos, e não obstante se aguardar a decisão do TAF acerca da ilegalidade da pretensão tributária, o Estado não se envergonha em reclamar de imediato a totalidade dos seus créditos, incluindo aqueles que se encontram sob litígio. E mais, considerando a cega obediência às instruções emanadas à luz de um espírito de eficiência da máquina fiscal, tal qual a constante de ofício circulado de Fevereiro de 2011, nos termos do qual caso das contas apresentadas pela contribuinte resulte uma insuficiência patrimonial, ainda que longe daquela que impõe as medidas previstas no artigo 35.º do CSC, a Administração Tributária procede de imediato à reversão da alegada dívida contra os seus gerentes e administradores. Na última década verificou-se de facto o que a Política Legislativa pretendia aquando da entrada em vigor do Regime Geral das Infracções Tributárias, uma mudança de mentalidades. Com efeito, ao reconhecimento social do foragido a impostos, sucedeu uma perseguição social e administrativa de quem o faz. Contudo, a ideia de que o Estado é uma pessoa de bem, cujas decisões são inominadas e criteriosas, foi atropelada pela alegada e pretendida eficiência da máquina fiscal que inunda de liquidações tributárias, e de sucessivas manifestações de ignorante prepotência, os escritórios dos advogados que, nas perseguições autistas aos seus clientes, decifram a distância que separa a Lei do que sucede na prática. Humildemente, entendo que a solução contra este inquestionável Estado de perseguição fiscal contra as empresas, reside na sindicância judicial das decisões da Administração Tributária. Acontece que, como é consabido, os Tribunais Administrativos e Fiscais se encontram inoperantes face às suas pendências. Entendo, contudo, que não é a criar task forces para dirimir os processos de valor superior a 1.000.000€ que se resolvem os problemas que a competitividade, resultante da fixação de objectivos aos serviços tributários, criou. Antes, defendo que se devem reforçar os quadros especializados dos TAFs, porque as mais confrangedoras situações de perseguição fiscal, não se reportam a contribuintes devedoras de tamanhos montantes. E no que à cobrança coerciva dos valores alegadamente em dívida concerne, defendo uma reforma das Leis Processuais Fiscais, no sentido de consignar como regime regra a suspensão da cobrança coerciva da alegada dívida - que actualmente é impulsionada em momento anterior ao terminus do prazo para reclamar da decisão que a legitima - até que um Tribunal de competência especializada decida meritoriamente sobre a pretensão da contribuinte. Diferente situação processual, apenas deverá ser admitida caso a Administração Tributária comprove a essencialidade da promoção da execução em momento prévio ao da sindicância judicial. Com as medidas propostas, defendo que se reequacionem os interesses a proteger e se dê prevalência à eficiência e competência de decisões de mérito, em detrimento de decisões administrativas que têm por base interesses de eficiência e cumprimento de objectivos, por regra, desinteressados, senão avessos, à determinação da verdade fiscal. Pela impotência que sinto, enquanto profissional, face à prepotência da administração do Estado, cuja actividade muito embora contribuía positivamente para a pendência dos escritórios de advogados, com várias acções de igual objecto, não raras e lamentáveis vezes, precipita a deterioração das condições de exploração das sociedades, advogo em causa própria, porque advogo na defesa dos interesses que partilho enquanto cidadã, contribuinte, e advogada. Conclusões: a) Reforço dos quadros especializados dos TAFs, concretamente dotando estes Tribunais de um maior número de Magistrados, com competências adquiridas na especialidade, assim como Magistrados do Ministério Público; b) A reforma das Leis Processuais Fiscais, no sentido de consignar como regime regra a suspensão da cobrança coerciva da alegada dívida fiscal até que um Tribunal de competência especializada decida meritoriamente sobre a pretensão da contribuinte. Joana Sá Pereira Largo de São Domingos, 14 – 1º 1169-060 LISBOA-PORTUGAL Tel. +351 21 8823556 | + 351 236 209 650 [email protected] www.oa.pt