Química dos Biocombustíveis CET: ESTTEB-TMR3 Termoquímica Valentim M B Nunes Unidade Departamental de Engenharias Instituto Politécnico de Tomar, Abril, 2012 Energia Discutimos no Capítulo 2 as relações de massa entre reagentes e produtos. Vamos agora analisar as variações de energia que acompanham as reacções químicas. “Energia” é um conceito abstracto que, ao contrário da matéria, é conhecida através dos seus efeitos. A energia é normalmente definida como a capacidade de realizar trabalho. Os químicos definem trabalho como uma variação de energia resultante de um determinado processo. A energia cinética, devida ao movimento de um objecto, é importante para os químicos. Outras formas de energia incluem a energia radiante, energia térmica, associada ao movimento aleatório dos átomos e moléculas, a energia química , armazenada dentro das unidades estruturais das substância químicas, e energia potencial. Os cientistas concluíram que, embora a energia possa assumir diferentes formas elas são interconvertíveis, e a energia não pode ser criada ou destruída. Por outras palavras, a energia total do Universo permanece constante: Lei da conservação da energia. Variações de Energia em reacções químicas As variações de energia que ocorrem em reacções químicas são por vezes mais importantes que as relações massa. Por exemplo, a combustão do gás natural ou do petróleo são mais importantes pela energia térmica que libertam do que pelos produtos de combustão! Praticamente todas as reacções absorvem ou libertam energia, geralmente na forma de calor. O calor é a transferência de energia térmica entre dois corpos a temperaturas diferentes. Ao estudo do calor posto em jogo em reacções químicas chama-se TERMOQUÍMICA. Tipos de Sistemas a) aberto ; (b) fechado; (c) isolado Tipos de processos Qualquer processo que liberte calor (isto é, transferência de energia térmica para o exterior) chama-se processo exotérmico. Num processo endotérmico tem de se fornecer calor ao sistema, a partir do meio exterior. Entalpia Uma grande parte das transformações ocorre a pressão constante. Para quantificar o fluxo de calor para dentro ou para fora de um sistema a química utiliza o conceito de entalpia, H. A variação de entalpia, ou entalpia de reacção, H, é a diferença entre a entalpia dos produtos e a entalpia dos reagentes: H H produtos H reagentes Por outras palavras, o H é igual ao calor libertado ou absorvido. Entalpia de reacções A entalpia da reacção pode ser positiva ou negativa. Para um processo endotérmico (é absorvido calor pelo sistema a partir da vizinhança), H é positivo, H > 0. Para um processo exotérmico (é libertado calor para a vizinhança) o H é negativo, H < 0. H = - 890.4 kJ H = + 6.01 kJ Exemplo: combustão do metano Sabemos por experiência que a combustão do metano (principal constituinte do gás natural) fornece calor ao meio exterior, tratando-se portanto de um processo exotérmico cujo H deve ser negativo: CH4(g) + 2 O2(g) CO2(g) + 2 H2O(l) H = - 890.4 kJ As equações que mostram simultaneamente as relações de massa e variação de entalpia designam-se por equações termoquímicas. Equações termoquímicas 1. Ao escrever equações termoquímicas devemos indicar os estados de agregação: CH4(g) + 2 O2(g) CO2(g) + 2 H2O(g) H = - 802.4 kJ 2. Quando se inverte uma equação o valor de H permanece o mesmo, mas o sinal muda: H2O(l) H2O(s) H = - 6.01 kJ 3. Se multiplicarmos ambos os lados de uma equação por um factor n então H deve vir multiplicado pelo mesmo factor: 2 H2O(s) 2 H2O(l) H = 2 6.01 = 12.02 kJ Calorimetria O calor posto em jogo em processos físicos e químicos mede-se com um calorímetro. A calorimetria é a medição das trocas de calor. Para compreender a calorimetria precisamos dos conceitos de calor específico e capacidade calorífica. Calor específico, c: é a quantidade de calor necessária para elevar em 1 °C a temperatura de 1 g de substância; unidades: J.g-1.K-1 Capacidade calorífica, C: é a quantidade de calor necessária para elevar em 1 °C a temperatura de uma dada quantidade da substância. Se for um mole é a capacidade calorífica molar; unidades: J.mol-1.K-1 Q mct ou Q nCt Q é a quantidade de calor, m é a massa, n é o número de moles e t é a variação de temperatura. Calores específicos Subst. Al Au C(graf.) c / J.g-1.K-1 0.900 0.129 0.720 C(diam) Cu Fe 0.502 0.444 0.139 4.184 0.385 Hg H2O etanol 2.460 Exercício 1 Uma amostra de 466 g de água é aquecida de 8.50 °C a 74.6 °C. Calcule a quantidade de calor absorvida pela água. Exercício 2 Uma barra de ferro com massa igual a 869 g arrefece de 94 °C até 5 °C. Calcule o calor libertado pelo metal. Exercício 3 Um fragmento de prata com a massa de 362 g tem uma capacidade calorífica de 85.7 J.g-1. Qual o calor específico da prata? Calorimetria a V constante e a p constante Alguns cálculos Não havendo perda de massa e calor para o exterior temos: Qsist = Qágua + Qbomba + Qreacção = 0 Qreacção = - (Qbomba + Qágua) Qágua = mágua 4.184 J.g-1.K-1 t Qbomba = Cbomba t Exercício 4 Fez-se a combustão de 1.435 g de naftaleno (C10H8) num calorímetro de bomba de volume constante. A temperatura da água elevou-se de 20.17 °C até 25.84 °C. Se a quantidade de água que rodeia o calorímetro for exactamente 2000 g e a capacidade calorífica do calorímetro for 1.8 kJ/°C, calcular o calor de combustão molar do naftaleno. Exercício 5 Fez-se a combustão de 1.922 g de metanol (CH3OH) num calorímetro de bomba a volume constante. A temperatura da água aumentou 4.2 °C. Sabendo que a quantidade de água é 2000 g e a capacidade do calorímetro 2.02 kJ/°C, calcular o calor molar de combustão do metanol. Valores calóricos Combustível Hcombustão (kJ/g) Carvão de lenha -35 Carvão de pedra -30 Gasolina -34 Querosene -37 Gás natural -50 Madeira -20 Entalpias de formação padrão A entalpia de formação padrão, H°f , é a variação de entalpia quando se forma um mole de composto a partir dos seus elementos à pressão de 1 bar (1 atm). Por convenção, a entalpia de formação padrão de qualquer elemento na sua forma mais estável é zero a qualquer temperatura. H°f(O2) = 0; H°f (O3) 0; H°f (C,grafite) = 0; H°f (C,diamante) 0 H2(g) + 1/2 O2(g) H2O(l) H°f = -286 kJ/mol 3/2 H2(g) + 1/2 N2(g) NH3(g) H°f = - 46 kJ/mol 2 C(s) + H2(g) C2H2(g) H°f = + 227 kJ/mol Dados termodinâmicos a 1 atm e 25 °C. Substância H°f (kJ.mol-1) B2O3 (s) - 1263.6 CO(g) - 110.5 CO2(g) - 393.5 CH4(g) - 74.7 C2H2(g) + 226.6 C2H5OH(l) - 276.98 C6H6(l) + 49.04 H2O(g) - 241.8 NH3(g) - 46.3 Entalpias de reacção padrão Uma vez conhecidos os valores das entalpias de formação padrão podemos calcular a entalpia de reacção padrão, H°r Hr0 H 0f ( produtos) H 0f (reagentes) Para uma reacção acertada, a A + b B c C + d D H°r = cH°f (C) + dH°f (D) - aH°f (A) + bH°f (B) 4 NH3(g) + 5 O2(g) 4 NO (g) + 6 H2O(g) H°r = 4H°f (NO) +6H°f (H2O) - 4H°f (NH3) + 5H°f (O2) H°r = 490 +6(- 286) - 4 (- 46) + 5 0 H°r - 1172 kJ Lei de Hess Muitos compostos não podem ser preparados directamente a partir dos seus elementos. Como obter o H°f ? Método indirecto! Lei de Hess: Quando reagentes são convertidos em produtos, a variação de entalpia é a mesma quer a reacção se dê num passo ou numa série de passos. Por outras palavras, se pudermos decompor a reacção que nos interessa numa série de reacções para as quais H°r possa ser medido, podemos calcular a variação de entalpia para a reacção global. Exercício 6 Calcular a entalpia de formação padrão do metano, a partir das seguintes entalpias de reacção: C(grafite) + O2(g) CO2(g) H°r = -393.5 kJ 2 H2(g) + O2(g) 2 H2O(g) H°r = -571.6 kJ CH4(g) + 2 O2(g) CO2(g) + 2 H2O(g) H°r = - 890.4 kJ Exercício 7 O pentaborano, B5H9, é uma substância muito reactiva que pode explodir quando exposta ao oxigénio, segundo a reacção: 2 B5H9(l) + 12 O2(g) 5 B2O3(s) + 9 H2O(l) Nos anos 50 foi considerado um combustível potencial para foguetões uma vez que produz uma enorme quantidade de calor (a ideia foi abandonada pois forma-se um sólido que destruía rapidamente o tubo de descarga). Calcular o calor libertado (em kJ) quando um grama de composto reage com oxigénio. A entalpia de formação padrão do B5H9 é 73.2 kJ/mol. Exercício 8 A combustão do benzeno, C6H6, em ar produz dióxido de carbono e água. Calcule o calor libertado, em kJ, quando 1 g de composto reage com oxigénio. A entalpia de formação padrão do benzeno é 49.04 kJ/mol. Exercício 9 A partir das equações seguintes e das respectivas variações de entalpia, (a) C(grafite) + O2(g) CO2(g) (b) H2(g) + ½ O2(g) H2O(l) (c) 2 C2H2(g) + 5 O2(g) 4 CO2(g) + 2 H2O(l) H°r = - 393.5 kJ H°r = - 285.8 kJ H°r = - 2598.8 kJ Calcular a entalpia de formação padrão do acetileno (C2H2) a partir dos seus elementos: 2 C(grafite) + H2(g) C2H2(g) Exercício 10 A partir das entalpias de formação padrão, calcule o H°r da reacção: C6H12(l) + 9 O2(g) 6 CO2(g) + 6 H2O(l) sabendo que H°f do C6H12(l) = - 151.9 kJ/mol. Exercício 11 O etanol (C2H5OH) e a gasolina, aqui considerada como octano puro, C8H18, são usados como combustíveis para automóvel. Se a gasolina for vendida a 1.7€ por litro, qual será o preço do etanol necessário para produzir a mesma quantidade de calor? Os dados são: H°f (C8H18) = - 249.9 kJ/mol ; (C8H18) = 0.7025 g/mL; H°f (etanol) = - 277 kJ/mol; (etanol) = 0.7894 g/mL.