A DISPERSÃO ACIONÁRIA E O DESAPARECIMENTO DA FIGURA DO CONTROLADOR Modesto Carvalhosa Introdução A recente dispersão da propriedade acionária no Novo Mercado da BMF&Bovespa projeta questionamentos sobre o tema do controle, que é fundado no requisito da permanência. Controlador Lei n. 6.404/76: “Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembléia-geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.” Permanência O vocábulo “permanente”, constante da redação do artigo 116 da Lei n. 6.404/76, faz referência à existência de um acionista ou um grupo de acionistas que não pode ser destituído (por parte de qualquer outro acionista ou grupo de acionistas) do seu direito de eleger a maioria dos administradores e que, diante disso, exerce efetivamente o seu poder de controle da sociedade. Os controladores são os árbitros do bem comum Os controladores, por força do artigo 116, parágrafo único, da Lei n. 6.404/76, tornaram-se os árbitros do bem comum no âmbito de suas atribuições de levar a companhia a cumprir sua função social. Cabe, portanto, aos controladores dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Os controladores são os árbitros do bem comum Para tanto, os controladores devem: - orientar a companhia para os fins previstos em seu objeto social; - promover políticas que tenham por finalidade o interesse da companhia; - tutelar os interesses dos minoritários, dos trabalhadores da companhia, e dos seus investidores; - eleger administradores e conselheiros fiscais com aptidão moral e técnica para o exercício de seus cargos; - abster-se de contratar com a companhia quando estiver em situação de conflito de interesses e em termos não equitativos; - abster-se de aprovar contas irregulares dos administradores da companhia; - apurar denúncia ou suspeita de irregularidades praticadas pelos administradores da companhia. Estabilidade Com efeito, o atributo da permanência do controlador reveste a administração por ele eleita do atributo da estabilidade. Dispersão acionária Contudo, o atributo de permanência do controle desaparecerá quando houver dispersão acionária, ou seja, quando não houver mais a figura do acionista ou grupo de acionistas vinculados por acordo de voto com percentual de ações votantes igual ou superior a 50% mais uma, que lhes assegure em caráter permanente a maioria de votos nas deliberações da assembleia geral. Desaparecimento da figura do controlador Assim, quando desaparece a figura do controlador, a companhia passa a ser governada por seus administradores (incumbent board e incumbent management). Impermanência Além disso, a convergência eventual e acidental de determinados blocos minoritários caracteriza o fenômeno da impermanência do comando gerencial das companhias com ações dispersas. Instabilidade E essa impermanência do comando acarreta a instabilidade do exercício da administração dessas companhias com ações dispersas. Volatilidade Isso porque, diante da volatilidade dos acionistas dispersos, não há uma identidade dos interesses de eventuais blocos minoritários com os da administração da companhia. Volatilidade Assim sendo, os acionistas que tenham, em um primeiro momento, se associado a um bloco minoritário para eleger a atual administração da companhia poderão, em um segundo momento, desligar-se desse bloco e se associar a outro grupo minoritário que adote uma política empresarial diametralmente oposta e vise eleger uma outra administração para o futuro. Tomada do comando Assim, ainda que haja uma certa identidade entre os acionistas de um determinado bloco minoritário, estes estarão a todo o tempo sujeitos à tentativas de tomada de comando por outros blocos minoritários mais agressivos, que visam estabelecer uma nova política para a companhia com ações dispersas. Novo Mercado Num cenário de dispersão, como é o caso do Novo Mercado da BMF&Bovespa, o papel de eleger o incumbent board que irá comandar a companhia cabe, portanto, a um grupo minoritário eventual: Proxy Machinery Contudo, quando a dispersão for significativa e não seja possível a formação de um grupo minoritário prevalecente, a eleição da administração da companhia caberá aos próprios administradores, que se utilizarão da proxy machinery (Instrução CVM n. 481/09). Comando gerencial Em qualquer circunstância, diante do desaparecimento da figura do acionista controlador e da entrega da condução da companhia aos seus administradores surge o chamado comando gerencial (incumbent management). Nesse novo contexto, a primeira preocupação dos administradores passa a ser a defesa da sua posição de comando. Diante disso, pergunta-se: Onde se situa o interesse social frente à necessidade dos administradores de se defenderem a todo o tempo das investidas de grupos minoritários interessados em reverter o seu comando na companhia? Não se pode mais presumir que, diante do comando gerencial das companhias, exista uma coincidência dos interesses dos administradores com os de todos os acionistas e com o interesse social, tal como se dá com o poder de controle instituído no artigo 116 a lei societária. Portanto, diante da ausência de uma maioria permanente de ações votantes, os administradores assumem toda a responsabilidade pela condução da sociedade. Nesse novo contexto nasce uma necessidade inadiável de repensar e de revisar muitos dos conceitos clássicos do direito societário brasileiro. Isso porque o pressuposto de que o exercício do poder de controle coincide com o interesse social passa agora a ser questionado nas companhias sem controlador e, portanto, sujeitas diretamente ao comando dos administradores. Volta-se, portanto, à situação que existia sob a égide da Lei n. 2.627/40, marcada pelo comando dos administradores, diante da inexistência do instituto do controle, trazido, posteriormente, pela Lei n. 6.404/76 (art. 116). Problemas da ausência da figura do controlador na recuperação judicial Lei n. 11.101/05: “Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros: (...) II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente; III – alteração do controle societário; IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos; V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar; VI – aumento de capital social; (...) XIV – administração compartilhada; (...) XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.” Problemas da ausência da figura do controlador na recuperação judicial Lei n. 11.101/05: “Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com: (...) VI – a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; (...)” Instrução CVM n. 481/09 Diante do desaparecimento da figura do controlador nas companhias com ações dispersas, a CVM regulamentou o instrumento da outorga de procurações. Instrução CVM n. 481/09 Assim, a Instrução CVM n. 481/09, dentre outras providências, regulou, no âmbito do mercado de capitais, os pedidos públicos de procuração, ou seja, regulamentou o processo da proxy machinery e da proxy contest. Instrução CVM n. 481/09 Com efeito, além das solicitações de mandato de voto feitas pelos administradores (proxy machinery), a CVM regulou as solicitações feitas por qualquer pessoa que deseje obter voto (proxy contest) para as deliberações das assembléias gerais das companhias abertas, visando, notadamente, as companhias com ações dispersas (art. 28 da Instrução CVM n. 481/09). Instrução CVM n. 481/09 “Art. 22. Para os fins desta Instrução, são considerados pedidos públicos de procuração: I – os pedidos que empreguem meios públicos de comunicação, tais como a televisão, o rádio, revistas, jornais e páginas na rede mundial de computadores; II – os pedidos dirigidos a mais de 5 (cinco) acionistas, quando promovidos, direta ou indiretamente, pela administração ou por acionista controlador; e III – os pedidos dirigidos a mais de 10 (dez) acionistas, quando promovidos por qualquer outra pessoa. (...)” Instrução CVM n. 481/09 “Art. 28. As procurações objeto de pedido público promovido pela administração referentes à eleição de administradores e membros do conselho fiscal devem facultar ao acionista votar tanto nos candidatos indicados pela administração, como em candidatos indicados por acionistas representando, no mínimo, 0,5% (meio por cento) do capital social. (...)” Instrução CVM n. 481/09 “Art. 31. A companhia que aceita procurações eletrônicas por meio de sistema na rede mundial de computadores deve permitir que acionistas titulares de 0,5% (meio por cento) ou mais do capital social incluam pedidos de procuração no sistema. (...)” Instrução CVM n. 481/09 Jornal Valor Econômico, de 7 de junho de 2010: Polo pede procuração contra Oi A Polo Capital, gestora de recursos e detentora de 0,85% do capital da Brasil Telecom (BrT), lançou um pedido público de procuração para que os acionistas da empresa rejeitem a proposta de incorporação pela Telemar Norte Leste (Oi), na assembleia do dia 16. É o primeiro feito por minoritários desde que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulou o tema, no fim de 2009. A Oi não votará no encontro. O maior acionista da BrT é a BlackRock, com 2,3% das ações da operadora.A incorporação está gerando polêmica desde meados de janeiro, quando a Oi decidiu reduzir as condições da transação para os minoritários da BrT após ter encontrado a necessidade de provisões adicionais na empresa de R$ 2,3 bilhões. A companhia foi comprada pela Oi em abril de 2008, quando foi feito o anúncio da incorporação, já com as condições.A Oi já argumentou várias vezes que votar contra a transação é prejudicial a ambas as companhias, Telemar Norte Leste (TMAR) e BrT. Às críticas, a operadora explicou que o estudo da provisão não foi previamente comunicado porque sua intenção era apenas confirmar ajustes feitos antes e não buscar novos. Assim, a provisão foi surpresa também para a Oi, que não poderia deixar de ajustar a relação de incorporação, pois prejudicaria os seus minoritários. (GV) [email protected]