Responsabilidade do Conselho de Administração
No contexto do acesso e divulgação de informações relacionadas às sociedades
anônimas, os membros do Conselho de Administração devem sempre ponderar as
responsabilidades que lhes são atribuídas em Lei.
Fernando Albino, Luciana Simões Rebello Horta e Fabiano de Melo Ferreira
AAA/SP – [email protected], [email protected] e [email protected]
Dentre o rol de competências atribuídas aos membros do Conselho de Administração de
uma sociedade anônima, o art. 142, inciso III, da Lei nº 6.404/76, a chamada “Lei das S/A”
ou “LSA”, prevê o ato de “examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia,
solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer
outros atos”.
Mais que uma competência, trata-se de uma verdadeira garantia dos Conselheiros, uma
vez que permite a estes obter todas e quaisquer informações que digam respeito aos
negócios da Companhia, sem que haja qualquer cerceamento que os impeça de exercer o
seu mandato na plenitude exigida pela Lei. Afinal, a mesma Lei das S/A impõe aos
administradores a observância de deveres gerais que demandam aquela prerrogativa,
quais sejam, o dever de diligência (art. 153), o dever de zelar pelos fins sociais e
interesses da Companhia (art. 154), o dever de lealdade (art. 155) e o dever de informar
(art. 157).
É evidente, porém, que a liberdade conferida por tal garantia impõe ao administrador
uma responsabilidade em contrapartida, qual seja, o dever de sigilo, previsto no art. 155,
§ 1º da LSA.
Tamanha é a importância desse dever que o § 2º do mesmo artigo impõe ao
administrador que zele para que a referida violação não seja praticada por subordinados
ou terceiros de sua confiança, ao passo que o § 3º garante a qualquer pessoa prejudicada
pelo vazamento de informação sigilosa o direito de haver do infrator a respectiva
indenização por perdas e danos. Consequentemente, e como decorrência lógica dos
primeiros parágrafos, o 4º e último parágrafo do art. 155 da LSA prevê que é “vedada a
utilização de informação relevante ainda não divulgada, por qualquer pessoa que a ela
tenha tido acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, no
mercado de valores mobiliários”.
No tocante às companhias abertas, por sua vez, a violação a esse dever é tipificada como
crime, conforme prevê a Lei nº 6.385/76, em seu art. 27-D, sujeitando o infrator à pena
de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos e multa, de até 3 (três) vezes o montante da
vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.
Ou seja, não resta dúvida de que se, por um lado, o administrador tem o direito ao amplo
acesso às informações que entender necessárias ao exercício do seu mandato, por outro,
sujeita-se ao dever do necessário sigilo, decorrente do dever geral de lealdade à
Companhia, previsto no art. 155 da LSA, sob pena de responder pela correspondente
violação nas esferas civil e criminal (no caso das companhias abertas), além de sujeitar-se
a eventual punição administrativa pela Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”),
também no caso das companhias abertas, conforme autoriza o art. 11 da Lei nº 6.385/76.
Todavia, se é certo que os administradores têm o dever de sigilo sobre as informações a
que tem acesso no exercício do seu mandato, por outro lado também é certo que ao
acionista deve ser garantido o direito à informação no que diz respeito à Companhia e a
seus administradores. Afinal, trata-se de prerrogativa que permite ao acionista exercer
outros direitos essenciais à sua condição, dentre os quais o direito de fiscalizar a gestão
social e o direito de voto, assim como o direito de comprar ou vender a sua
correspondente participação social no momento que entender mais adequado.
Necessário dizer, entretanto, que não se trata de direito irrestrito, eis que a própria LSA,
ao elencar os direitos essenciais do acionista em seu art. 109, prevê, em seu inciso III, que
o acionista não pode ser privado do direito de “fiscalizar, na forma prevista nesta Lei, a
gestão dos negócios sociais”. Ou seja, o direito que detém o acionista de fiscalizar os
negócios sociais e, portanto, de obter as informações relacionadas à Companhia ou aos
seus administradores deve se restringir aos limites da Lei.
Nesse sentido, a LSA elenca diversas hipóteses através das quais o acionista pode exercer
o seu direito de acesso à informação, dentre elas, aquelas previstas nos artigos 100, § 1º;
126, § 3º; 135, § 3º; 157, § 1º; e 163, § 6º.
Em suma, são direitos dos acionistas que decorrem do dever de informar, aplicado aos
administradores nos termos do art. 157 da LSA. Ocorre que mesmo este dever não é
absoluto no caso das companhias abertas, eis que o § 5º do art. 157 prevê que os
“administradores poderão recusar-se a prestar a informação (§ 1º, alínea e), ou deixar de
divulgá-la (§ 4º), se entenderem que sua revelação porá em risco interesse legítimo da
companhia, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários, a pedido dos administradores,
de qualquer acionista, ou por iniciativa própria, decidir sobre a prestação de informação e
responsabilizar os administradores, se for o caso”.
Portanto, diante de um pedido de informações encaminhado por acionista, podem os
administradores se recusarem a prestá-las, quando entenderem que a sua revelação porá
em risco interesse legítimo da Companhia. Todavia, para que tal entendimento não seja
uma decisão arbitrária de um único administrador, recomenda-se que esta decisão seja
tomada de forma colegiada, ou seja, por meio de deliberação em reunião do Conselho de
Administração devidamente convocada para este fim.
É o que se depreende da leitura do art. 157, § 5º da LSA, transcrito acima, cuja
interpretação já foi apreciada pelo Colegiado da CVM, no julgamento dos Processos
Administrativos Sancionadores nº RJ 2006/4776 (Rel. Diretor Pedro Oliva Marcilio de
Souza, julgado em 17.1.2007) e 25/03 (Rel. Diretor Eli Loria, julgado em 25.3.2008).
Portanto, considerando os dispositivos legais citados acima, resta claro que:
(i) os administradores têm direito ao amplo acesso às informações que
julgarem necessárias ao exercício de suas funções;
(ii) da mesma forma, os administradores devem observar o necessário
sigilo destas informações, sob pena de sanções de natureza,
administrativa, civil e criminal;
(iii)
aos acionistas é garantido o direito à obtenção de
informações, nos termos da Lei; e
(iv)
os
administradores
podem
se
recusar
a
prestar
determinadas informações, desde que considerem que a sua
apresentação coloque em risco interesse legítimo da Companhia.
Vale ressaltar, por fim, o papel central assumido pela CVM nesse contexto, no que se
refere às companhias abertas. Instituída pela Lei nº 6.385/76, a CVM tem, dentre as suas
diversas funções, o de “apurar, mediante processo administrativo, atos ilegais e práticas
não equitativas de administradores, membros do conselho fiscal e acionistas de
companhias abertas, dos intermediários e dos demais participantes do mercado”
(grifamos), nos termos do art. 9º, inciso V, da Lei nº 6.385/76.
Muito embora o conceito de “práticas não equitativas”, segundo a Instrução CVM nº 8/79
diga respeito a negociações com valores mobiliários, é preciso reconhecer a finalidade do
texto normativo acima, no sentido de que não seja permitido o tratamento privilegiado a
quaisquer participantes do mercado, impedindo assim a chamada assimetria
informacional, reconhecidamente danosa a um funcionamento perfeito e eficaz do
mercado de valores mobiliários.
Não é por outra razão que a CVM institui, por meio de diversas de suas Instruções, a
obrigatoriedade de prestação de informações regulares e padronizadas pelas companhias
abertas, de modo que o mercado, em geral, e os acionistas, em particular, tenham acesso
igualitário a todas as informações consideradas relevantes ao exercício dos seus direitos.
Nesse sentido, destacamos as obrigações previstas pela Instrução CVM nº 480/09.
Portanto, compete aos administradores e, no caso das companhias abertas, também à
CVM, zelar para que as informações a serem disponibilizadas o sejam de modo
transparente e igualitário aos acionistas e ao mercado, cuidado este que, mais que um
imperativo legal, atende às melhores práticas de governança corporativa.
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