Ministério da Educação Conselho Nacional de Educação Câmara de Educação Básica “Ensino fundamental de nove anos: ampliação do direito à educação e do dever de educar” Murílio de Avellar Hingel 1. Lei n. 11.114, de 16/05/2005 – Altera os artigos 6°, 30, 32 e 87 da Lei n. 9.394, de 20/12/1996 (LDBEN), com o objetivo de tornar obrigatório o início do ensino fundamental aos 6 anos de idade. 2. Parecer CNE/CEB n. 6/2005, de 8/6/2005 O ensino fundamental de nove anos, a partir dos seis anos de idade, deve ser assumido como direito público subjetivo; • as redes públicas devem assegurar a qualidade da educação infantil, preservando sua identidade pedagógica; • os sistemas de ensino e as escolas deverão compatibilizar a nova situação a uma proposta pedagógica apropriada à faixa etária dos seis anos: recursos humanos, organização do tempo e do espaço escolar; • os sistemas de ensino deverão fixar as condições para a matrícula de crianças de seis anos no ensino fundamental quanto à idade cronológica: que tenham seis anos completos ou que venham a completar seis anos no início do ano letivo; • o SAEB deverá adaptar-se à nova situação; • os princípios enumerados aplicam-se às escolas criadas e mantidas pela iniciativa privada. 3. Resolução CNE/CEB n. 3, de 3/8/2005 Define normas nacionais para a ampliação do ensino fundamental para nove anos de duração. Artigo 1° - A antecipação da obrigatoriedade de matrícula no ensino fundamental aos seis anos de idade implica na ampliação da duração do ensino fundamental para nove anos. Artigo 2° - A organização do ensino fundamental de nove anos e da educação infantil adotará a seguinte nomenclatura: Etapa de ensino Faixa etária prevista Educação Infantil Creche Pré-escola Até 5 anos de idade Até 3 anos de idade 4 e 5 anos de idade Ensino fundamental Anos iniciais Anos finais Até 14 anos de idade De 6 a 10 anos de idade De 11 a 14 anos de idade Duração 9 anos 5 anos 4 anos 4. Parecer CNE/CEB n. 18/2005, de 15/9/2005 – • As crianças que ingressarem aos seis anos no ensino fundamental deverão ter assegurados pelo menos nove anos de estudo nesta etapa da educação básica; • os sistemas de ensino devem administrar a convivência dos planos curriculares de ensino fundamental de oito anos com o de nove anos a partir de 2006; Ano civil 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 8 anos 1ª série 7 anos 2ª série 8 anos 3ª série 9 anos 4ª série 10 anos 5ª série 11 anos 6ª série 12 anos 7ª série 13 anos 8ª série 14 anos 9 anos 1° ano 6 anos 2° ano 7 anos 3° ano 8 anos 4° ano 9 anos 5° ano 10 anos 6° ano 11 anos 7° ano 12 anos 8° ano 13 anos 2014 9° ano 14 anos • o ensino fundamental de nove anos, assumido como direito público subjetivo, deverá ser objeto de recenseamento e chamada escolar pública; • os anos letivos de 2006/2007 deverão ser considerados como período de transição; • o projeto pedagógico de cada escola deve ser reelaborado para atender à nova situação, reorganizando os anos iniciais (5 anos) e os anos finais (4 anos) do ensino fundamental; • deverá ser previsto o atendimento das novas necessidades de recursos humanos, bem como a disponibilidade e organização do tempo e espaços pedagógicos, materiais didáticos, mobiliário e equipamentos; • as orientações aplicam-se às escolas mantidas pela iniciativa privada. 5. Lei n. 11.274, de 6/2/2006 – Altera a redação dos artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei n . 9.394, de 20/12/1996 (LDBEN), ..., dispondo sobre a duração de nove anos para o ensino fundamental com matrícula obrigatória a partir dos seis anos de idade. 6. O direito da criança à educação infantil A legislação, ao falar da antecipação da matrícula para crianças de seis anos no ensino fundamental e ao estabelecer a obrigatoriedade dessa matrícula e, em seguida, determinar a ampliação da duração do ensino fundamental para nove anos, sempre se refere à idade cronológica de seis anos (Art. 87, § 3°, inciso I, da Lei 9.394/96 – Art. 1° da Lei 11.114/05 e Art. 3° da Lei 11.274/06). Por sua vez, o Parecer CNE/CEB n. 6/2005 e a Resolução n. 3/2005, dele conseqüente, referem-se também à idade cronológica de seis anos, o que é repetido no Parecer CNE/CEB n. 18/2005. O CNE/CEB n. 6/2005 diz, textualmente, “os sistemas de ensino deverão fixar as condições para a matrícula de crianças de seis anos no ensino fundamental quanto à idade cronológica: que tenham 6 (seis) anos completos ou que venham a completar seis anos no início do ano letivo”. O Parecer n. 18/2005 afirma que “no ano letivo de 2006, considerado como período de transição, os sistemas de ensino poderão adaptar os critérios usuais de matrícula, relativos à idade cronológica de admissão no ensino fundamental, considerando as faixas etárias adotadas na educação infantil até 2005”. Por conseguinte, os Pareceres do CNE/CEB admitem duas formas de tolerância: a) que venham a completar seis anos no início do ano letivo; b) considerando os anos letivos de 2006/2007 como período de transição. Os dois Pareceres enfatizam a importância da educação infantil: a) nas redes públicas estaduais e municipais não devem ser prejudicadas a oferta e a qualidade da educação infantil, preservando-se sua identidade (a nomenclatura proposta na Resolução n. 3/2005 – CNE/CEB explicita que a etapa da educação infantil destina-se à faixa etária de até cinco anos de idade e a pré-escola destina-se às crianças de quatro e cinco anos de idade); b) a oferta e a qualidade da educação infantil, em instituições públicas – federais, estaduais e municipais – devem preservar sua identidade pedagógica e observar a nova nomenclatura com respectivas faixas etárias. É certo que também devem ser atendidos os princípios constitucionais e legais de provimento do ensino, especialmente os que dispõem sobre “a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”, o que, em síntese, significa um novo projeto político-pedagógico do ensino fundamental e o conseqüente redimensionamento da educação infantil. Esse projeto para o ensino fundamental de nove anos deve considerar com primazia as condições sócio-culturais e educacionais das crianças da comunidade e nortear-se para a melhoria da qualidade da formação escolar, zelando pela oferta eqüitativa de aprendizagens e ao alcance dos objetivos do ensino fundamental, conforme definidos em norma nacional. A essa altura, é importante refletir sobre a teoria sócioconstrutivista, que associa o pensamento de Jean Piaget ao pensamento de Lev Vygotsky. Segundo Vygotsky, a aprendizagem é a promotora do desenvolvimento (se confrontarmos o pensamento de Vygotsky com o de Piaget, do qual foi contemporâneo, é exatamente nessa afirmativa que reside o diferencial entre uma visão social da aprendizagem e uma visão biológica, que é, justamente, a proposta da epistemologia genética de Piaget). A epistemologia genética de Piaget destaca quatro estágios: sensório-motor (de 0 a 2 anos), pré-operatório (de 2 a 7 anos), operatório-concreto (dos 7 aos 11 anos) e operatório-formal (dos 11 aos 15 anos). De acordo com o pensamento de Piaget, a aprendizagem praticamente não interfere no curso do desenvolvimento. A ênfase nos processos internos e na atividade construtiva da própria criança resulta em uma concepção que considera a aprendizagem como dependente do processo de desenvolvimento. Ou seja, aquilo que a criança pode ou não aprender é determinado pelo nível de desenvolvimento de suas estruturas cognitivas. Estão aí resumidos os princípios do denominado “Construtivismo”. Por outro lado, há a teoria histórico-cultural, em que o vetor é do social para o individual. Essa teoria de Vygotsky vê o sujeito em sua totalidade, um sujeito concreto, datado, situado. Ela não vê apenas o desenvolvimento cognitivo, mas a integração de todos os desenvolvimentos e do sujeito com o meio. A aprendizagem realiza-se, sempre, em um contexto de interação, por meio da internalização de instrumentos e signos que levam à apropriação do conhecimento. Vygotsky confere, portanto, grande importância à escola (lugar da aprendizagem e da produção de conceitos científicos); ao professor (mediador dessa aprendizagem) e às relações interpessoais pelas quais o processo se completa. A escola trabalha com o conhecimento científico, relacionando-o ao conhecimento espontâneo ou cotidiano da criança. Os conceitos espontâneos são formados pela criança em sua experiência cotidiana, no contato com as pessoas de seu meio, de sua cultura, em confronto com uma situação concreta. Os conceitos científicos não são diretamente acessíveis à observação ou à ação imediata da criança, sendo adquiridos por meio do ensino, como parte de um sistema organizado de conhecimentos, mediante processos deliberados de instrução escolar. Há experiências de associação entre a teoria de Piaget e a de Vygotsky, no que se denomina “Sócio-construtivismo”. Devemos ter presente que a matrícula de crianças de 6 anos no ensino fundamental diminui o seu tempo de educação infantil (pré-escola). Introduz-se a criança de forma prematura no ensino formal, sem a devida preparação. Esse encurtamento da educação infantil vem acontecendo, na prática, já há algum tempo, pelo movimento de se apressar a alfabetização e se pretender que a pré-escola se assemelhe ao máximo ao ensino fundamental. A principal atividade da criança, até os 6 anos de idade, é o brinquedo: é nele e por meio dele que a criança vai se constituindo. Não se pode impor a seriedade e o rigor de horários de atividade de ensino para essa faixa etária. O trabalho com a criança, até os 6 anos de idade, não é enformado pela escola, mas por um espaço de convivência específica no qual o lúdico é o central. Precisa-se de uma educação infantil de qualidade, que atenda efetivamente a criança de 0 até 6 anos, compreendendo-a em suas especificidades, dando-lhe a oportunidade de ser criança e de viver essa faixa etária como criança. Por que diminuir esse tempo e forçar uma entrada prematura da criança na escolaridade formal? Não há ganhos nessa pressa e, sim, perdas. Perda do seu espaço infantil e das experiências próprias e necessárias dessa idade. Em conclusão: Ao estabelecer a idade cronológica de 6 anos completos ou a completar até o início do ano letivo, a legislação e as normas estabelecidas não se preocuparam, exclusivamente, com o aspecto formal. Preocuparam-se, acima de tudo, com o direito da criança de ser criança, isto é, o direito da criança à educação infantil (pré-escola). Para saber mais: •Freitas, Maria Teresa de Assunção. Vygotsky e Bakhtin – psicologia e educação: um intertexto. São Paulo: Ática, 1994. (O livro já se encontra em sua 6ª edição). •Lataille, Yves et alii. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.