1 ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: DOS ASPECTOS LEGAIS À ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA PELA CRIANÇA Vanessa Marisia Lanes1 Augusta Padilha2 RESUMO O presente trabalho tece algumas considerações acerca da organização da escola atual no que tange ao Ensino Fundamental de 9 anos. Considera-se importante focalizar a escola e os anos iniciais de escolarização, que, por meio da reorganização promovida pelo Ministério da Educação, no Brasil, tem passado por inúmeras alterações, sendo uma delas o fato da matrícula obrigatória na idade de 5 a 6 anos no 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos, conforme descrito na Lei Federal nº 11.274/06. Com vistas a esse processo de escolarização, a proposta para o trabalho de conclusão de curso de Pedagogia é identificar elementos da reorganização do ensino fundamental de nove anos, tanto no que se refere à prática docente, em especial no processo de iniciação da alfabetização e letramento, quanto apresentar considerações sobre o desenvolvimento da escrita pela criança. O objetivo, com o intuito de contribuir com a prática docente, se estrutura em dois focos de estudos: um que corresponde em apontar aspectos legais e teóricos que dão amparo ao ensino de nove anos e outro em registrar considerações sobre a desenvolvimento da escrita pela criança, as quais se compreendem importantes para a complementação dos estudos acadêmicos quanto para o conhecimento dos professores que atuam com a alfabetização e letramento de crianças nos anos iniciais de sua escolarização. PALAVRAS-CHAVE: Ensino Fundamental; Desenvolvimento da Escrita; Prática docente 1 Vanessa Marisia Lanes acadêmica do curso de Pedagogia na Universidade Estadual Maringá (UEM) Câmpus Regional de Cianorte . 2 Doutorado em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos da Educação, Universidade Estadual de Maringá, PR. 2 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso (TCC), além de ser requisito para obtenção do título de Licenciado em Pedagogia, aqui é também considerado uma oportunidade de iniciação à pesquisa. O interesse em realizar esta pesquisa justifica-se por dois motivos: a) a dicotomia verificada no período de estágio no Ensino Fundamental, realizado no município de Cianorte - Paraná, entre a lógica utilizada nos documentos oficiais e a aplicada pelos professores no trabalho em sala de aula. O que se tem é um verdadeiro paradoxo, pois, em termos teóricos, os documentos apontam uma prática docente baseada nos pressupostos e fundamentos necessários para a reorganização do Ensino Fundamental, que passou de oito para nove anos, ao passo que os professores, principalmente os do 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos, apresentam em seu cotidiano escolar uma concepção do processo de ensino e de aprendizagem que preserva a ideia da antiga estruturação para ministrar suas aulas; b) o estudo do processo da desenvolvimento da escrita pela criança como complemento à formação obtida no curso de Pedagogia que se encerra com este artigo. Neste estudo, o foco é identificar elementos da reorganização do Ensino Fundamental de nove anos no que se refere à prática docente, em especial no processo de iniciação da alfabetização e letramento, e apresentar considerações sobre o desenvolvimento da escrita pela criança. Se na antiga organização do Ensino Fundamental o desenvolvimento da escrita na 1ª série, por exemplo, era uma exigência para a aprovação da criança de sete anos de idade, com a mudança estrutural, quais características do desenvolvimento das crianças os profissionais da Educação devem levar em conta para realizar seu trabalho pedagógico com as crianças de 5 a 6 anos de idade? No Brasil, o Ministério da Educação tem se preocupado com a questão e apresentado algumas diretrizes, principalmente no documento “Ensino Fundamental de nove anos: passo a passo do processo de implantação”, segundo o qual o primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos se constitui numa possibilidade para qualificar o ensino e a aprendizagem dos conteúdos da 3 alfabetização e do letramento, mas, por outro lado, não se deve restringir o desenvolvimento das crianças de seis anos de idade exclusivamente à alfabetização. Assim, pensando em contribuir com a prática docente, nesse artigo, o texto se estrutura em duas fases. A primeira fase consiste em apontar aspectos legais e teóricos que dão suporte ao ensino de nove anos; e a segunda fase tece considerações sobre a desenvolvimento da escrita pela criança, que se considera importante para o conhecimento dos professores que irão atuar com a alfabetização e letramento de crianças nos anos iniciais de sua escolarização. APONTAMENTOS LEGAIS A organização escolar foi reformulada com a ampliação do Ensino Fundamental de oito para nove anos, com uma sequência de documentos editados até o ano de 2008, entre os quais se encontram: Parecer CNE/CEB nº 24/2004, de 15 de setembro de 2004 (reexaminado pelo Parecer CNE/CEB 6/2005): Estudos visando ao estabelecimento de normas nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração. Parecer CNE/CEB nº 6/2005, de 8 de junho de 2005: Reexame do Parecer CNE/CEB nº24/2004, que visa o estabelecimento de normas nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração. Resolução CNE/CEB nº 3/2005, de 3 de agosto de 2005: Define normas nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental para nove anos de duração. Parecer CNE/CEB nº 18/2005, de 15 de setembro de 2005: Orientações para a matrícula das crianças de seis anos de idade no Ensino Fundamental obrigatório, em atendimento à Lei nº 11.114/2005, que altera os arts. 6º, 32 e 87 da Lei nº 9.394/96. Parecer CNE/CEB nº 39/2006, de 8 de agosto de 2006: Consulta sobre situações relativas à matrícula de crianças de seis anos no Ensino Fundamental. Parecer CNE/CEB nº 41/2006, de 9 de agosto de 2006: Consulta sobre interpretação correta das alterações promovidas na Lei nº 9.394/96 pelas recentes Leis nº 11.114/2005 e nº 11.274/2006. Parecer CNE/CEB nº 45/2006, de 7 de dezembro de 2006: Consulta referente à interpretação da Lei Federal nº 11.274/2006, que amplia a duração do Ensino Fundamental para nove anos, e quanto à forma de trabalhar nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Parecer CNE/CEB nº 5/2007, de 1º de fevereiro de 2007 (reexaminado pelo Parecer CNE/CEB nº 7/2007): Consulta com base nas Leis nº 11.114/2005 e n° 11.274/2006, que tratam do 4 Ensino Fundamental de nove anos e da matrícula obrigatória de crianças de seis anos no Ensino Fundamental. Parecer CNE/CEB nº 7/2007, de 19 de abril de 2007: Reexame do Parecer CNE/CEB nº 5/2007, que trata da consulta com base nas Leis nº 11.114/2005 e n° 11.274/2006, que se referem ao Ensino Fundamental de nove anos e à matrícula obrigatória de crianças de seis anos no Ensino Fundamental. Parecer CNE/CEB nº 4/2008, de 20 de fevereiro de 2008: Reafirma a importância da criação de um novo Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória para as crianças a partir dos seis anos completos ou a completar até o início do ano letivo. Explicita o ano de 2009 como o último período para o planejamento e organização da implementação do Ensino Fundamental de nove anos que deverá ser adotado por todos os sistemas de ensino até o ano letivo de 2010. Reitera normas, a saber: o redimensionamento da educação infantil; estabelece o 1º ano do Ensino Fundamental como parte integrante de um ciclo de três anos de duração denominado “ciclo da infância”. Ressalta os três anos iniciais como um período voltado à alfabetização e ao letramento no qual deve ser assegurado também o desenvolvimento das diversas expressões e o aprendizado das áreas de conhecimento. Destaca princípios essenciais para a avaliação (BRASIL, 2009, p. 07-08). Como se pode constatar, o processo foi organizado legalmente e introduz uma novidade no Ensino Fundamental. A esfera administrativa da Educação nacional, representada pela Secretaria de Educação Básica (SEB)/Departamento de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental (DPE)/Coordenação Geral do Ensino Fundamental (COEF), ao lançar as orientações gerais do programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos, aponta relevantes questões referentes ao aluno e ao professor. A Lei Federal N.º 11.274/06, por exemplo, prevê um maior tempo da criança no processo de escolarização, também aponta para a questão de maiores oportunidades de aprendizado, estabelecendo, dessa forma, relações entre as orientações gerais para os profissionais da educação, a garantia da permanência das crianças na escola e soluções para problemas de evasão escolar, trabalho infantil, prostituição, etc. De acordo com as orientações gerais do Ministério da Educação, É justamente por tomar como ponto de partida a realidade brasileira que se deve apontar para a existência dos seus diversos patamares desiguais e contraditórios. Assim, ao lado da escola com a estrutura curricular tal como foi considerada anteriormente, existe, também, uma nova escola já em construção em vários lugares do Brasil. Ela resulta de um amplo e recente movimento 5 de renovação pedagógica, pensando a necessidade de alçar o ensino a um patamar democrático real, uma vez que o direito à educação não se restringe ao acesso à escola. Este, sem garantia de permanência e de apropriação e produção do conhecimento pelo aluno, não significa, necessariamente, o usufruto do direito à educação e à inclusão (BRASIL, 2004, p.11). O Plano Nacional de Educação previu a implantação do Ensino Fundamental de nove anos de forma progressiva, devendo incluir as crianças de 6 anos no 1º ano da Educação Básica. A intenção, segundo a Lei N.º 10.172/2001 (BRASIL, 2004, p. 14) é “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período de escolarização obrigatória e assegurar que ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade”, objetivando o desenvolvimento integral das crianças nos aspectos físico, psicológico, intelectual e social, para assim formar um cidadão crítico. Os documentos e leis para o Ensino Fundamental de nove anos especificam a necessidade de garantir o direito ao acesso e permanência na escola, porém as pesquisas realizadas expõem que os documentos oficiais não deixam claro o que fazer com essas crianças mais novas e parecem ignorar a real dificuldade que a escola está enfrentando no processo de alfabetização das crianças de 5 a 6 anos, visto que problemas de alfabetização e letramento se arrastam desde o Ensino Fundamental de oito anos, como pode ser verificado pelos resultados da Provinha Brasil, Saeb e Pisa. Para as pesquisadoras Galuch e Sforni (2009, p. 79), Os resultados de exames oficiais de avaliação como a Prova Brasil, o Saeb e Pisa, têm revelado que, nos últimos anos, os estudantes brasileiros estão concluindo a 4ª e 8ª séries do Ensino Fundamental, bem como o 3º ano do ensino médio, sem atingir os níveis de desempenho esperados para as respectivas séries. De acordo com Batista (2005 apud GALUCH, SFORNI, 2009, p.79), em “[...] 2001, apenas 4,48% dos alunos de 4ª série possuiriam um nível de leitura adequado ou superior ao exigido para a continuação de seus estudos no segundo segmento do Ensino Fundamental”. Esses são dados reais do ano de 2001, quando ainda não havia sido implementado o ensino de nove anos, portanto os problemas de alfabetização e 6 letramento não decorrem somente da nova organização do ensino. A realidade por eles apresentada não condiz com os objetivos da Lei N.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as vigentes Diretrizes e Bases da Educação Nacional e cujo artigo 32 está assim redigido: Art. 32. O Ensino Fundamental, com duração mínima de oito anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante: I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo; II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; III - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo em vista o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores como instrumentos para uma visão crítica do mundo; IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. Neste momento, mesmo que de forma sucinta, pode-se perceber que o que está previsto na LDB de 1996, de acordo com as pesquisas, não se concretizou em 2001. Do lado da lei federal busca-se a formação de cidadãos críticos e tudo mais; por outro lado, as pesquisas provam a incapacidade dos alunos para mínimas leituras e interpretações. Como ser cidadão crítico se incapaz de ler e interpretar? ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E PRÁTICA O Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação e a Câmara de Educação Básica baixaram a Resolução N.º 7, de 14 de dezembro de 2010, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos. Essa resolução mantém, obviamente, os princípios da Lei N.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, nos quais focalizamos, no item abordado anteriormente, a questão do desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo em vista o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores como instrumentos para uma visão crítica do mundo. 7 No que se refere ao aspecto científico do que se entende por visão crítica do mundo, é importante ressaltar a concepção de crítica que se defende nesta pesquisa. Neste sentido, recorre-se ao que afirma Marx (1994 apud BARROS; LAZARETTI; MORAES, PADILHA, 2010, p. 06): A crítica deve consistir em comparar, confrontar, cotejar um fato, não com uma idéia, mas com outro fato. Para a crítica importa apenas que os fatos sejam pesquisados com maior exatidão possível e que, um em relação ao outro, representem realmente diferentes fases do desenvolvimento, assim como suas conexões sejam estudadas com um rigor não menor ... Por essa concepção de crítica, compreende-se que o que se constatou no mundo escolar não atende a interesses individuais, mas decorre de problemas que estão ocorrendo na escola e são manifestos para todos que vivem a realidade organizada pela ordem social burguesa e pelo modo capitalista de produção. Eis o que observam os autores supracitados: Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, nem dogmas. [T] São os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas, como as produzidas por sua própria ação. [T] tal e como realmente são, isto é, tal e como atuam e produzem materialmente e, portanto, tal e como desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos e condições materiais, independentes de sua vontade (MARX e ENGELS apud BARROS; LAZARETTI; MORAES, PADILHA, 2010, p.06). O que se pode dizer quando a legislação prevê a formação do cidadão crítico, mas na realidade o que se tem é a grande maioria sem condições mínimas de leitura e interpretação? Uma forma de discutir essa distorção pode ser fazê-lo pela proposta de estudo da pedagogia no Brasil a ser implantada nos cursos de formação de professores, a exemplo do que vem sendo insistentemente proposto pela Pedagogia Histórico-Crítica, com os estudos e Dermeval Saviani e seus seguidores. Sem condições aqui de aprofundar estudos neste sentido, pode-se focalizar a pedagogia baseada no método dialético. A Pedagogia Dialética propõe 8 a elaboração de novos conhecimentos a partir dos já adquiridos. O planejamento das práticas educativas para elaborar novos conhecimentos é feito com base no conceito de homem e sociedade e no perfil do sujeito que se quer formar. A relação dialética entre a teoria e a prática pedagógica seria um caminho para romper as orientações para o ensino vigentes na atualidade. A Pedagogia Dialética, conforme Schmied-Kowarzik (1983), é uma ciência da prática e para a prática educativa contextualizada, voltada para a transformação da realidade. A dialética seria o pensamento anterior (teoria) à atividade (prática) para uma ação transformadora; ou seja, não se pode entender teoria e prática sem relação de dependência, pois a prática deve ser o ponto de partida, e a teoria, a base dessa prática. Selma Garrido Pimenta, outra autora que trabalha com a análise da Pedagogia Dialética, usa como referência para defini-la estudos de SchmiedKowarzik, mas traz um elemento importante do processo de humanização do homem, o qual ocorre quando este tem o conhecimento produzido historicamente para mudar a sua realidade. Para essa autora, a pedagogia [...] será dialética na medida em que, partindo do interesse libertário do conhecimento de uma teoria crítica da sociedade, voltado à emancipação e libertação dos homens (humanização), tornar possível a ela (a Pedagogia) a antecipação de uma práxis educacional transformadora (PIMENTA, 2006, p. 53-54). A prática educativa deve ser teorizada para o educador conscientizar-se de sua atividade, descobrindo nos elementos nela ocultos a relação de poder, conhecimento fragmentado, alienação, processos excludentes da sociedade e das políticas públicas. A dialética, mais do que um conjunto de conhecimentos fatuais, é a interpretação sistemática do mundo. Através da pedagogia ela torna os educadores agentes da práxis educacional. São os educadores que na práxis operam transformação para que a educação seja um processo de humanização do homem. Em síntese, a Pedagogia Dialética é a ciência da prática contextualizada e voltada para a transformação, ou seja, é o processo de pensamento da transformação social (práxis), a atividade educativa sistematizada e intencional. Os educadores, agentes da práxis educacional, efetuam o processo de 9 humanização dos homens, tornando-os emancipados, e assim provocam mudanças da realidade social por meio de uma prática transformadora (práxis). Os educadores, nessa concepção, seriam agentes da prática educativa: a educação transforma o homem e este transforma a sociedade; ou seja, Somente na medida em que a ciência da educação se compreende dialeticamente a partir de interesse libertário do conhecimento de uma teoria crítica da sociedade, voltado à emancipação e libertação dos homens, torna-se possível a ela criticar, por sua vez, a realidade educacional descoberta empiricamente mediante a determinação do sentido da educação e a determinação do sentido explicada hermeneuticamente mediante sua realização na experiência, antecipando, deste modo emancipatório, uma práxis educacional (Schmied-Kowarzik, 1983, p.14). Atualmente, as discussões sobre a formação de professores estão sendo frequentes e buscam uma educação de maior qualidade. Tendo-se em vista que a formação do profissional da educação escolar não é o único caminho para entender como se pode ofertar um ensino de qualidade, a análise do funcionamento do sistema educacional é fundamental e deve levar em consideração um conjunto de fatores que influenciam a prática dos professores, entre eles o histórico, o político, o econômico e o social. Como observam alguns estudiosos, o discurso de buscar uma qualidade de ensino esta embasada, muitas vezes, em uma proposta neoliberal que desconsidera aspectos da realidade, como “[T] condições de trabalho (salários, qualificação e reconhecimento profissional, etc.); a descentralização de poderes, tanto pedagógico quanto financeiro; a política educacional excludente” (BARROS, MORAES, 2002, p. 16). Uma prática docente de qualidade supõe também, uma formação contínua de qualidade, que diferente de cursos rápidos de reciclagem, alheios à prática do professor e à dinâmica da escola, como demonstram Barros e Moraes (2002, p. 16): [T] a qualificação profissional deve ser sistematizada, articulada com as diferentes instituições de ensino superior e realizada num processo que possibilite a articulação entre a formação inicial e formação continuada de professores. 10 Na formação inicial, pode-se ver que a organização curricular para a formação de professores exige primeiro uma formação acadêmica que forneça conhecimentos que ajudem a apreender os conteúdos curriculares específicos da área, e depois, uma formação pedagógica que capacite metodologicamente o professor para ensinar os conteúdos. Como ocorre no modelo dominante de organização curricular, organizado em um agrupamento de disciplinas do bloco teórico, no início do curso, e nas disciplinas do bloco prático, não existe integração entre teoria e prática, não se tem uma relação dialética entre as disciplinas dos dois blocos, quando se sabe que, conforme Mediano (1984 apud BARROS; MORAES, 2002, p. 19), "uma teoria que não serve para a prática não é teoria; por outro lado, uma prática esvaziada de teoria não tem sustentação”. Assim, sendo as várias disciplinas estudadas como autossuficientes, ocorre um distanciamento entre os respectivos conteúdos. O que se constata na atual realidade escolar é que, com este tipo de formação e o trabalho fragmentado das diferentes matérias escolares, o professor não compreende o fenômeno educacional como um todo - processo que muitos autores chamam de alienação, porque o professor acaba aceitando, de forma natural e rotineira, modismos teóricos, propostas governamentais e o livro didático como o principal mestre, isto é, como o material dirigente do processo pedagógico. A formação de profissionais da Educação, como alternativa à forma dominante na atualidade, deve ser organizada de modo que o futuro docente possa entender o processo de ensino-aprendizagem como unidade de teoria e prática (práxis), de forma e caráter dialéticos, de interação recíproca para transmitir o conhecimento historicamente elaborado pelos homens. OBSERVAÇÕES ACERCA DE ESTUDOS QUE A LEI NÃO CONTEMPLA Nos marcos de 2006, a inserção de mais um ano de escolaridade - o Ensino Fundamental de nove anos - e o fato de a escola receber as crianças com 5 a 6 anos no primeiro ano mobilizam os profissionais da Educação a uma nova organização do ensino. Como o próprio Ministério da Educação enfatiza, 11 (...) não se trata de transferir para as crianças de seis anos os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos em um Ensino Fundamental de nove anos, considerando o perfil de seus alunos (BRASIL, 2006, p. 17). A ampliação do Ensino Fundamental corresponde à inclusão de todas as crianças de seis anos, pelo fato de “[...] as crianças de seis anos da classe média e alta já se encontrarem majoritariamente incorporadas ao sistema de ensino - na pré-escola ou na primeira série de Ensino Fundamental” (BRASIL, 2004, p. 17); mas pergunta-se: qual a garantia que um tempo mais longo no sistema escolar traz para os alunos no que se refere à sua aprendizagem e desenvolvimento intelectual? De acordo com as Orientações Gerais do Ministério da Educação (BRASIL, 2004, p. 21), “pelo fato de viverem numa sociedade cuja cultura é letrada, desde que nascem as crianças constroem conhecimentos prévios sobre o sistema de representação e o significado da leitura e escrita”, isto é, a criança, antes de entrar na escola, já possui pré-requisitos para apreensão do conhecimento, pois exercita a capacidade de usar várias linguagens, como a gestual, a plástica, a oral, a escrita, a musical e a do faz-de-conta, todas importantes para ingressar no mundo letrado. Não obstante, ainda de acordo com o Ministério da Educação, possibilitar o acesso aos diversos usos da leitura e da escrita não é suficiente para que as crianças se alfabetizem. “É necessário, além disso, um trabalho sistemático, centrado tanto nos aspectos funcionais e textuais, quanto no aprendizado dos aspectos gráficos da linguagem escrita e daqueles referentes ao sistema alfabético de representação” (BRASIL, 2006, p. 21). Neste sentido, pela Resolução N.º 7, de 14 de dezembro de 2010, o Ministério da Educação estabelece as diretrizes curriculares para efetivar as políticas introdutórias do ensino de nove anos propostas no ano de 2004: Art. 2º: As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos articulam-se com as Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010) e reúnem princípios, fundamentos e procedimentos definidos pelo Conselho Nacional de Educação, para orientar as políticas públicas educacionais e a elaboração, implementação e avaliação das 12 orientações curriculares nacionais, das propostas curriculares dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, e dos projetos político-pedagógicos das escolas (BRASIL, 2010). A Resolução N.º 7, de 14 de dezembro de 2010 CNE/CEB, ainda define, no que se refere à matrícula: Art. 8º O Ensino Fundamental, com duração de 9 (nove) anos, abrange a população na faixa etária dos 6 (seis) aos 14 (quatorze) anos de idade e se estende, também, a todos os que, na idade própria, não tiveram condições de frequentá-lo. § 1º É obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental de crianças com 6 (seis) anos completos ou a completar até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, nos termos da Lei e das normas nacionais vigentes. § 2º As crianças que completarem 6 (seis) anos após essa data deverão ser matriculadas na Educação Infantil (Pré-Escola) (BRASIL, 2010). Quanto aos conteúdos a serem trabalhados, normatiza: Art. 24: A necessária integração dos conhecimentos escolares no currículo favorece a sua contextualização e aproxima o processo educativo das experiências dos alunos. Parágrafo único. Como protagonistas das ações pedagógicas caberá aos docentes equilibrar a ênfase no reconhecimento e valorização da experiência do aluno e da cultura local que contribui para construir identidades afirmativas, e a necessidade de lhes fornecer instrumentos mais complexos de análise da realidade que possibilitem o acesso a níveis universais de explicação dos fenômenos, propiciando-lhes os meios para transitar entre a sua e outras realidades e culturas e participar de diferentes esferas da vida social, econômica e política (BRASIL, 2010, p. 07). Pode-se perceber que este é um processo bem-pensado em termos de legislação e normatização, porém a estrutura hierárquica da educação brasileira poderia fazer chegar a cada professor da Educação Básica, especialmente aos docentes do Ensino Fundamental de 9 anos, uma formação para garantir os conhecimentos necessários sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento intelectual da criança, de forma que os professores pudessem organizar ou programar o ensino com mais fundamentação. 13 Neste sentido, cabe considerar os estudos realizados pelos estudiosos da Psicologia Histórico-Cultural, entre eles Vigotski, Leontiev e Luria. É importante que o professor estude e compreenda que O momento em que uma criança começa a escrever seus primeiros exercícios escolares em seu caderno de anotações não é, na realidade, o primeiro estágio do desenvolvimento da escrita. As origens deste processo remontam a muito antes, ainda na préhistória do desenvolvimento da formas superiores do comportamento infantil; podemos até mesmo dizer que quando uma criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de habilidades e destrezas que a habilitará a aprender a escrever em um tempo relativamente curto (LURIA, 2006, p.143). O professor pode relacionar a teoria e prática da criança com os momentos em que esta passa por vários níveis desenvolvimento para criar as técnicas primitivas de linguagem escrita, como os gestos, os brinquedos e o desenho, até chegar à chamada escrita primitiva, que é a pré-história da linguagem escrita da criança e se formula primeiramente nas representações que esta faz. Através dos gestos e criança expressa a origem do uso de signos escritos, isto é, por meio de gestos ela representa a escrita. Para Vigotski (2007, p.128), [...] os gestos estão ligados à origem dos signos escritos. O primeiro é o dos rabiscos das crianças. Em experimentos realizados para estudar o ato de desenhar, observamos que frequentemente, as crianças usam a dramatização, demonstrando por gestos o que elas deveriam mostrar nos desenhos; os traços constituem somente um suplemento a essa representação gestual. Também é importante discutir com os professores o que é essencial para as crianças, sobretudo o lúdico como atividade inerente ao processo de aprendizagem. O professor perceberá que a criança estabelece uma relação entre os gestos e a linguagem escrita por meio do desenvolvimento do simbolismo no brinquedo. A criança elabora jogos com objetos e, considerando o objeto como um brinquedo, ela cria, para representar um objeto como brinquedo, significados diferentes da função social atribuída a ele. 14 Como afirma Vigotski (2007, p. 130), "O mais importante é a utilização de alguns objetos como brinquedos e a possibilidade de executar, com eles, um gesto representativo. Essa é a chave para toda função simbólica do brinquedo das crianças”. Compreender que as crianças utilizam o brinquedo para simbolizar a comunicação gestual, atribuindo outros significados aos objetos na brincadeira, pode trazer ao professor inúmeras oportunidades de registros de escrita. Ele deve observar como as crianças brincam de faz-de-conta, que gesticulam como se fossem pessoas adultas, brincam de fazer “comidinha” ao preparar o almoço em uma caixa de papelão que se parece com um fogão e o substituem por um objeto que para elas representa o objeto real. Na leitura de Vigotski (2007, p.130), “O próprio movimento da criança, seus próprios gestos é que atribuem a função de signo ao objeto e lhe dão significado”. Neste sentido, o movimento da criança é sempre um indicador para observar seu desenvolvimento intelectual. A criança, ao desenhar, utiliza-se da fala para representar o que não consegue desenhar, transformando um desenho que inicialmente tinha determinado significado e atribuindo-lhe outro semelhante. Para Vigotski (2007, p. 136), “ (T) o desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a linguagem verbal”. A criança em idade escolar que não sabe letras, por exemplo, faz uso de desenhos para representar a escrita, ou em um ditado representa cada palavra com um desenho diferente. Esses momentos do processo de aprendizagem mostram seu desenvolvimento intelectual e constituem indicadores para o professor programar o ensino. Todo professor dos anos iniciais de escolarização precisa compreender a pré-história da escrita da criança para trabalhar com o conhecimento dessa criança. Ela passa a ser respeitada como ser de conhecimento, que interage, que avalia, que aprende, que internaliza e atua. Para o professor que conhece essas etapas da aprendizagem e desenvolvimento intelectual da criança, a concepção de processo é essencial para perceber que ela faz uso deste conhecimento da escrita como um caminho para internalizar a forma convencional de escrita, para compreender o conceito de escrita e sua função. Para Luria (2006, p. 144), [T] podemos razoavelmente presumir que mesmo antes de atingir a idade escolar, durante, por assim dizer, esta “pré-história” 15 individual a criança já tinha desenvolvido, por si mesma, um certo número de técnicas primitivas, semelhantes àquilo que chamamos escrita e capazes de, até mesmo, desempenhar funções semelhantes, mas que são perdidas assim que a escola proporciona à criança um sistema de signos padronizado e econômico, culturalmente elaborado. Estas técnicas primitivas, porém, serviram como estágios necessários ao longo do caminho. Destarte, é essencial que o professor conheça os estágios de desenvolvimento da criança desde quando ela desempenha a atividade de criar técnicas primitivas e individuais para compreender a escrita até ser inserida no processo de escolarização para apreender o sistema de signos padronizados e elaborados econômica e culturalmente. Logo ele poderá perceber “[...] quando uma criança desenvolve sua habilidade para escrever e os fatores que habilitaram a passar de um estágio para outro, superior” (LURIA, 2006, p. 144), pois cada estágio anterior à entrada da criança no processo de escolarização foi um caminho para ela se desenvolver e se apropriar do saber sistematizado. Outro aspecto importante para o conhecimento docente é que “a escrita pode ser definida com a função que se realiza culturalmente, por mediação” (LURIA, 2006, p.144). O referido autor descreve duas condições para a criança desempenhar a atividade de escrever ou anotar: Em primeiro lugar, as relações da criança com as coisas a seu redor devem ser diferenciadas de forma que tudo o que ela encontra inclua-se em dois grupos principais: a) ou as coisas representam algum interesse para a criança, coisas que gostaria de possuir ou com as quais brinca; b) ou os objetos são instrumentais, isto é, desempenham apenas um papel instrumental ou utilitário, e só têm sentido enquanto auxílio para a desenvolvimento de algum outro objeto ou para a obtenção de algum objetivo, e, por isso, possuem apenas um significado funcional para ela. Em segundo lugar, a criança deve ser capaz de controlar seu próprio comportamento por meio desses subsídios, e nesse caso eles já funcionam como sugestões que ela mesma invoca (LURIA, 2006, p.145). Também importa compreender que a criança se esforça por atuar no mundo dos adultos, se esforça para agir como um adulto. Luria (2006) desenvolveu uma pesquisa para determinar a pré-história da escrita das crianças, e para isso selecionou algumas crianças da faixa de três a cinco anos. O método consistia em realizar o estudo com crianças que ainda não 16 sabiam ler. A essas crianças foi solicitado que relembrassem algumas sentenças ditadas, mas elas se recusaram a escrever, porque se percebiam incapazes de fazê-lo. Diante disso lhes era entregue um pedaço de papel e elas se dispunham a escrever. Eram-lhes apresentadas quatro ou cinco séries de seis ou oito sentenças simples, curtas e não relacionadas, que elas escreviam sem entendêlas. Isso mostra que os adultos de fato escrevem conscientemente, mas as crianças o fazem por mera imitação. A pesquisa pretendia verificar como crianças de três a cinco anos reagem a uma situação imposta. Em seu estudo observou até que ponto a criança chegar a desempenhar o que era pedido sem ter o conhecimento da estrutura formal da língua escrita. Observou que [...] o pedaço de papel, o lápis e os rabiscos que fazia no papel deixavam de ser simples objetos que interessavam, brinquedos, por assim dizer, e tornavam-se um instrumento, um meio para atingir algum fim: recordar um certo número de ideias que lhe foram apresentadas (LURIA, 2006, p. 147). No registro das sentenças Luria pôde observar que as crianças eram incapazes de utilizar a escrita como um meio, elas escreviam de forma puramente casual, que é um processo externo, e não interno, de domínio dos conhecimentos para escrever, um ato imitativo dos adultos. A escrita não possui um instrumento da memória, não tem um significado funcional como signo auxiliar da escrita. [T] A criança só está interessada em “escrever como os adultos”; para ela, o ato de escrever não é um meio para recordar, para representar algum significado, mas um ato suficiente em si mesmo, um brinquedo (LURIA, 2006, p.149). As crianças realizavam o registro das sentenças ditadas mesmo antes de ouvi-las. Havia uma Total ausência de compreensão do mecanismo da escrita, uma relação puramente externa com ela e uma rápida mudança do “escrever” para uma simples brincadeira e que não mantém qualquer relação funcional com a escrita são características do primeiro estágio da pré-história da escrita na criança. Podemos chamar esta fase de pré-escrita ou, de forma mais ampla, de fase pré-instrumental (LURIA, 2006, p.154). 17 A apreensão da função da escrita se dá quando a criança passa de um rabisco não diferenciado para um signo diferenciado, ou seja, quando ela entende o porquê de utilizar a escrita. Na escola, o professor, com sua mediação, vai encaminhando a criança a ter esta compreensão. Primeiramente ela faz uso de objetos próximos a ela; depois, iniciando-se na noção de quantidade, ela passa de um rabisco não diferenciado para diferenciado. Este rabisco seria uma forma primitiva de uso da escrita. Quando, por exemplo, “Há duas árvores no pátio” foi seguida pela sentença “Há muitas árvores na floresta”, a criança tentou reproduzir o mesmo contraste e por isso não pôde escrever as duas sentenças com a mesma marca e, em vez, foi forçada a produzir uma escrita diferenciada (LURIA, 2006, p.165). A criança, a partir do momento que consegue diferenciar a sua escrita de simples rabiscos, organiza-se mentalmente na construção de “[...] novas e complexas formas culturais; as mais importantes funções psicológicas não mais operam por meio de formas naturais e primitivas e começam a empregar expedientes culturais” (LURIA, 2006. p. 189). O professor, ao desprezar a pré-história da escrita da criança, deixa em segundo plano o caminho de desenvolvimento percorrido por ela, isto é, os seus conhecimentos anteriores. Como bem demonstram os estudos de Vigotski (2007) e Luria (2006) sobre a pré-história da escrita, pode-se constatar que a criança, ao iniciar a vida escolar, tem uma “bagagem histórica” de conhecimentos, pois nasceu num mundo já “feito”, e deve então assimilar os usos e costumes do mesmo modo como assimila as experiências de trabalho. Desse modo, toda criança se orienta pela história humana, que está generalizada de forma universal. Não deveria haver “problema” em alfabetizar e letrar as crianças, pois, a não ser em casos de deficiências psicossociais, todas dominam um nível de conhecimento real e efetivo e têm potencial para aprender e desenvolver-se intelectualmente, o que significa que têm condições de dominar as práticas sociais de leitura e as competências de leitura e escrita. O processo de alfabetização e letramento não é um ensino somente para o reconhecimento e decodificação de letras, mas consiste em saber interpretar o 18 que está sendo lido. Ser alfabetizado é dominar o sistema convencional de escrita e as técnicas de ler e escrever, e letramento é o domínio e uso da técnica da alfabetização, o uso de todas as técnicas para a vida; portanto, alfabetização e letramento Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2003, p. 14). As crianças de 5 a 6 anos podem ser letradas e alfabetizadas. Entender que elas são muito novas para isso é basear-se em uma linha maturacional de ensino, supondo-se que a criança tem que desenvolver pré-requisitos biológicos para depois desenvolver conteúdos sociais, como a aprendizagem da leitura e escrita, por exemplo. Para Vigotski, recebendo ajuda de perguntas-guia e demonstrações, as crianças podem iniciar seu desenvolvimento potencial, tendo por base também sua individualidade. Vigotski (2006, p. 111) dá o seguinte exemplo: Suponhamos que submeteremos a um teste duas crianças, e que estabelecemos para ambas uma idade mental de sete anos. Mas quando submetemos as crianças a provas posteriores, sobressaem diferenças entre elas. Com auxílio de perguntas-guia, exemplos e demonstrações, uma criança resolve facilmente os testes, superando em dois anos o seu nível de desenvolvimento efetivo, enquanto a outra criança resolve testes que apenas superam em meio ano o seu nível de desenvolvimento efetivo. Para Vigotski (2006, p. 114), “o único bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento”. A prática dos professores, sem esses conhecimentos da Psicologia Histórico-Cultural, entre outros, fica fadada ao abandono dos conceitos e dos conteúdos científicos, os quais são trocados pelo ensino de cidadania e outros valores, por exemplo, as comemorações cívicas. Pesquisas vêm apontando que A defesa da formação para a cidadania como a finalidade da escola tem sido fundamentada na ideia de que as práticas educacionais comprometidas com a transformação social são 19 aquelas que trazem a realidade do aluno para a sala de aula, que buscam desenvolver nos estudantes valores de solidariedade, justiça social e participação política (Sforni, 2010, p. 98-99). O ensino de valores e atitudes também é função primordial da escola, mas deve coincidir com a aprendizagem promotora de desenvolvimento intelectual do aluno em uma perspectiva dialética, ou seja, o trabalho com os conteúdos escolares deve promover o mesmo caráter do processo do pensamento humano. O desenvolvimento da criança é um processo complexo, caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções da consciência, bem como pela transformação qualitativa de uma forma em outra, pelo entrelaçamento de fatores internos e externos e por processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra (VIGOTSKI, 2007). Não é intenção, neste texto, aprofundar estudos sobre a relação entre aprendizagem e desenvolvimento da criança, apesar de ressaltar-se a importância e a necessidade desses estudos para a prática docente. O que se põe em relevo, neste momento da caminhada acadêmica, refere-se às alternativas que podem ser construídas para a categoria profissional dos professores para que as crianças sejam bem-sucedidas em sua faixa etária de alfabetização e letramento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entende-se que o estudo em pauta, apesar de sucinto, contribui para a formação acadêmica, tanto como trabalho de conclusão de curso quanto para a mudança de concepção de homem ou para um melhor entendimento da concepção teórica que anteriormente se tinha enquanto aluno de graduação. Espera-se que ele contribua também com os educadores, como início de discussão ou como orientação em estudos posteriores. Conforme se constata nos documentos oficiais - por exemplo, no artigo 1º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais, nas organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Na prática isto pode ser realizado com políticas públicas adequadas para a educação 20 nacional e com a implantação de um sistema nacional de educação que priorize a formação dos professores em sua totalidade. Outro aspecto não menos importante é propiciar aos professores condições salariais para eles se estruturarem como pessoas que participam da vida política do país. Cada reformulação ou reorganização da estrutura da Educação Básica precisa contar com o professor e uma “nova” prática docente, pois, de outra forma, como implantar uma verdadeira reforma no ensino? Alguns apontamentos são registrados pelos órgãos ou instâncias do Governo que pensam e legislam sobre a reorganização do Ensino Fundamental, como se vê na citação abaixo: (...) é essencial assegurar ao professor programas de formação continuada, privilegiando a especificidade do exercício docente em turmas que atendem a crianças de seis anos. A natureza do trabalho docente requer um continuado processo de formação dos sujeitos sociais historicamente envolvidos com a ação pedagógica, sendo indispensável o desenvolvimento de atitudes investigativas, de alternativas pedagógicas e metodológicas na busca de uma qualidade social de educação (BRASIL, 2004, p. 25). A escola deve propiciar um ambiente prazeroso para os educandos aprenderem, de modo a melhorar a qualidade de ensino. Também fazem parte do discurso de muitos documentos oficiais ideias igualmente veiculadas no cotidiano escolar, como: - os professores devem estar preparados para receber as crianças que ingressam com seis anos no Ensino Fundamental; - as crianças podem ser alfabetizadas e letradas mesmo sendo um ano mais novas; - a formação do professor deve se pautar na continuidade, ou seja, na construção e reconstrução dos conhecimentos para empregá-los com suas aulas; - o professor pode promover para seus alunos a aprendizagem dos conteúdos escolares; - a educação escolar deve fazer a crítica da realidade social. O que não se consegue responder, por enquanto, é por que, com tantos documentos oficiais e extraoficiais determinando como deve ser a estrutura do Ensino Fundamental, desde antes da reformulação para nove anos, os resultados 21 no ano de 2001 mostraram que apenas 4,48% dos alunos de 4ª série possuíam um nível de leitura adequado ou superior ao exigido para a continuação de seus estudos, como mostrado anteriormente. Em todos os cursos de graduação, até onde se pode compreender, existem os professores e os alunos, e para que o professor desenvolva um trabalho educativo que vise ao desenvolvimento das potencialidades intelectuais do aluno, é essencial que ele valorize, conheça e compreenda as bases psicológicas da formação das funções psíquicas superiores, como condição primordial para a realização do trabalho docente. Sem intenção de responder ou perguntar sobre algumas contradições que visualizamos, compreendemos que muito é preciso trabalhar para que o Brasil apresente uma proposta para a educação escolar que possa atingir toda a sua população, especialmente as crianças. REFERÊNCIAS: BARROS, M. S. F.; LAZARETTI, L. M., MORAES, S. P. G. de L.; PADILHA, A. Fatos, Acontecimentos e Comportamentos dos Homens na Atualidade: Um Exercício para Entender a Crítica Segundo Marx. UEM/ DTP/ Cnpq, 2010, p. 01 12. BARROS, M. S. F.; MORAES. S. P. G. de. Formação de Professores: Expressão da Prática Pedagógica. In: Formação de Professores e Prática pedagógica. Maringá: Eduem, 2002, p. 15 - 31. BRASIL. Ensino Fundamental de Nove Anos: Passo a Passo do Processo de Implantação.<http://portal.mec.gov.br/dmdocuments/passo_a_passo_versão_atua l_16_setembro.pdf>. Acesso em: 15 de outubro de 2011. ______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino Fundamental de Nove Anos: Orientações Gerais. 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