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ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: DOS ASPECTOS LEGAIS À
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO DA ESCRITA
PELA CRIANÇA
Vanessa Marisia Lanes1
Augusta Padilha2
RESUMO
O presente trabalho tece algumas considerações acerca da organização da
escola atual no que tange ao Ensino Fundamental de 9 anos. Considera-se
importante focalizar a escola e os anos iniciais de escolarização, que, por meio da
reorganização promovida pelo Ministério da Educação, no Brasil, tem passado por
inúmeras alterações, sendo uma delas o fato da matrícula obrigatória na idade de
5 a 6 anos no 1º ano do Ensino Fundamental de nove anos, conforme descrito na
Lei Federal nº 11.274/06. Com vistas a esse processo de escolarização, a
proposta para o trabalho de conclusão de curso de Pedagogia é identificar
elementos da reorganização do ensino fundamental de nove anos, tanto no que
se refere à prática docente, em especial no processo de iniciação da
alfabetização e letramento, quanto apresentar considerações sobre o
desenvolvimento da escrita pela criança. O objetivo, com o intuito de contribuir
com a prática docente, se estrutura em dois focos de estudos: um que
corresponde em apontar aspectos legais e teóricos que dão amparo ao ensino de
nove anos e outro em registrar considerações sobre a desenvolvimento da escrita
pela criança, as quais se compreendem importantes para a complementação dos
estudos acadêmicos quanto para o conhecimento dos professores que atuam
com a alfabetização e letramento de crianças nos anos iniciais de sua
escolarização.
PALAVRAS-CHAVE: Ensino Fundamental; Desenvolvimento da Escrita; Prática
docente
1
Vanessa Marisia Lanes acadêmica do curso de Pedagogia na Universidade Estadual Maringá
(UEM) Câmpus Regional de Cianorte .
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Doutorado em Educação: Psicologia da Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Professora Adjunta do Departamento de Fundamentos da Educação, Universidade
Estadual de Maringá, PR.
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INTRODUÇÃO
O presente trabalho de conclusão de curso (TCC), além de ser requisito
para obtenção do título de Licenciado em Pedagogia, aqui é também considerado
uma oportunidade de iniciação à pesquisa.
O interesse em realizar esta pesquisa justifica-se por dois motivos: a) a
dicotomia verificada no período de estágio no Ensino Fundamental, realizado no
município de Cianorte - Paraná, entre a lógica utilizada nos documentos oficiais e
a aplicada pelos professores no trabalho em sala de aula. O que se tem é um
verdadeiro paradoxo, pois, em termos teóricos, os documentos apontam uma
prática docente baseada nos pressupostos e fundamentos necessários para a
reorganização do Ensino Fundamental, que passou de oito para nove anos, ao
passo que os professores, principalmente os do 1º ano do Ensino Fundamental
de nove anos, apresentam em seu cotidiano escolar uma concepção do processo
de ensino e de aprendizagem que preserva a ideia da antiga estruturação para
ministrar suas aulas; b) o estudo do processo da desenvolvimento da escrita pela
criança como complemento à formação obtida no curso de Pedagogia que se
encerra com este artigo.
Neste estudo, o foco é identificar elementos da reorganização do Ensino
Fundamental de nove anos no que se refere à prática docente, em especial no
processo de iniciação da alfabetização e letramento, e apresentar considerações
sobre o desenvolvimento da escrita pela criança.
Se na antiga organização do Ensino Fundamental o desenvolvimento da
escrita na 1ª série, por exemplo, era uma exigência para a aprovação da criança
de sete anos de idade, com a mudança estrutural, quais características do
desenvolvimento das crianças os profissionais da Educação devem levar em
conta para realizar seu trabalho pedagógico com as crianças de 5 a 6 anos de
idade?
No Brasil, o Ministério da Educação tem se preocupado com a questão e
apresentado
algumas
diretrizes,
principalmente
no
documento
“Ensino
Fundamental de nove anos: passo a passo do processo de implantação”,
segundo o qual o primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos se constitui
numa possibilidade para qualificar o ensino e a aprendizagem dos conteúdos da
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alfabetização e do letramento, mas, por outro lado, não se deve restringir o
desenvolvimento das crianças de seis anos de idade exclusivamente à
alfabetização. Assim, pensando em contribuir com a prática docente, nesse artigo,
o texto se estrutura em duas fases. A primeira fase consiste em apontar aspectos
legais e teóricos que dão suporte ao ensino de nove anos; e a segunda fase tece
considerações sobre a desenvolvimento da escrita pela criança, que se considera
importante para o conhecimento dos professores que irão atuar com a
alfabetização e letramento de crianças nos anos iniciais de sua escolarização.
APONTAMENTOS LEGAIS
A organização escolar foi reformulada com a ampliação do Ensino
Fundamental de oito para nove anos, com uma sequência de documentos
editados até o ano de 2008, entre os quais se encontram:
Parecer CNE/CEB nº 24/2004, de 15 de setembro de 2004
(reexaminado pelo Parecer CNE/CEB 6/2005): Estudos visando
ao estabelecimento de normas nacionais para a ampliação do
Ensino Fundamental para nove anos de duração.
Parecer CNE/CEB nº 6/2005, de 8 de junho de 2005: Reexame
do Parecer CNE/CEB nº24/2004, que visa o estabelecimento de
normas nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental para
nove anos de duração.
Resolução CNE/CEB nº 3/2005, de 3 de agosto de 2005: Define
normas nacionais para a ampliação do Ensino Fundamental para
nove anos de duração.
Parecer CNE/CEB nº 18/2005, de 15 de setembro de 2005:
Orientações para a matrícula das crianças de seis anos de idade
no Ensino Fundamental obrigatório, em atendimento à Lei nº
11.114/2005, que altera os arts. 6º, 32 e 87 da Lei nº 9.394/96.
Parecer CNE/CEB nº 39/2006, de 8 de agosto de 2006: Consulta
sobre situações relativas à matrícula de crianças de seis anos no
Ensino Fundamental.
Parecer CNE/CEB nº 41/2006, de 9 de agosto de 2006: Consulta
sobre interpretação correta das alterações promovidas na Lei nº
9.394/96 pelas recentes Leis nº 11.114/2005 e nº 11.274/2006.
Parecer CNE/CEB nº 45/2006, de 7 de dezembro de 2006:
Consulta referente à interpretação da Lei Federal nº 11.274/2006,
que amplia a duração do Ensino Fundamental para nove anos, e
quanto à forma de trabalhar nas séries iniciais do Ensino
Fundamental.
Parecer CNE/CEB nº 5/2007, de 1º de fevereiro de 2007
(reexaminado pelo Parecer CNE/CEB nº 7/2007): Consulta com
base nas Leis nº 11.114/2005 e n° 11.274/2006, que tratam do
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Ensino Fundamental de nove anos e da matrícula obrigatória de
crianças de seis anos no Ensino Fundamental.
Parecer CNE/CEB nº 7/2007, de 19 de abril de 2007: Reexame
do Parecer CNE/CEB nº 5/2007, que trata da consulta com base
nas Leis nº 11.114/2005 e n° 11.274/2006, que se referem ao
Ensino Fundamental de nove anos e à matrícula obrigatória de
crianças de seis anos no Ensino Fundamental.
Parecer CNE/CEB nº 4/2008, de 20 de fevereiro de 2008:
Reafirma a importância da criação de um novo Ensino
Fundamental, com matrícula obrigatória para as crianças a partir
dos seis anos completos ou a completar até o início do ano letivo.
Explicita o ano de 2009 como o último período para o
planejamento e organização da implementação do Ensino
Fundamental de nove anos que deverá ser adotado por todos os
sistemas de ensino até o ano letivo de 2010. Reitera normas, a
saber: o redimensionamento da educação infantil; estabelece o 1º
ano do Ensino Fundamental como parte integrante de um ciclo de
três anos de duração denominado “ciclo da infância”. Ressalta os
três anos iniciais como um período voltado à alfabetização e ao
letramento no qual deve ser assegurado também o
desenvolvimento das diversas expressões e o aprendizado das
áreas de conhecimento. Destaca princípios essenciais para a
avaliação (BRASIL, 2009, p. 07-08).
Como se pode constatar, o processo foi organizado legalmente e introduz
uma novidade no Ensino Fundamental. A esfera administrativa da Educação
nacional, representada pela Secretaria de Educação Básica (SEB)/Departamento
de Políticas de Educação Infantil e Ensino Fundamental (DPE)/Coordenação
Geral do Ensino Fundamental (COEF), ao lançar as orientações gerais do
programa Ampliação do Ensino Fundamental para Nove Anos, aponta relevantes
questões referentes ao aluno e ao professor. A Lei Federal N.º 11.274/06, por
exemplo, prevê um maior tempo da criança no processo de escolarização,
também aponta para a questão de maiores oportunidades de aprendizado,
estabelecendo, dessa forma, relações entre as orientações gerais para os
profissionais da educação, a garantia da permanência das crianças na escola e
soluções para problemas de evasão escolar, trabalho infantil, prostituição, etc.
De acordo com as orientações gerais do Ministério da Educação,
É justamente por tomar como ponto de partida a realidade
brasileira que se deve apontar para a existência dos seus diversos
patamares desiguais e contraditórios. Assim, ao lado da escola
com a estrutura curricular tal como foi considerada anteriormente,
existe, também, uma nova escola já em construção em vários
lugares do Brasil. Ela resulta de um amplo e recente movimento
5
de renovação pedagógica, pensando a necessidade de alçar o
ensino a um patamar democrático real, uma vez que o direito à
educação não se restringe ao acesso à escola. Este, sem garantia
de permanência e de apropriação e produção do conhecimento
pelo aluno, não significa, necessariamente, o usufruto do direito à
educação e à inclusão (BRASIL, 2004, p.11).
O Plano Nacional de Educação previu a implantação do Ensino
Fundamental de nove anos de forma progressiva, devendo incluir as crianças de
6 anos no 1º ano da Educação Básica. A intenção, segundo a Lei N.º 10.172/2001
(BRASIL, 2004, p. 14) é “oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no
período de escolarização obrigatória e assegurar que ingressando mais cedo no
sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de
escolaridade”, objetivando o desenvolvimento integral das crianças nos aspectos
físico, psicológico, intelectual e social, para assim formar um cidadão crítico.
Os documentos e leis para o Ensino Fundamental de nove anos
especificam a necessidade de garantir o direito ao acesso e permanência na
escola, porém as pesquisas realizadas expõem que os documentos oficiais não
deixam claro o que fazer com essas crianças mais novas e parecem ignorar a real
dificuldade que a escola está enfrentando no processo de alfabetização das
crianças de 5 a 6 anos, visto que problemas de alfabetização e letramento se
arrastam desde o Ensino Fundamental de oito anos, como pode ser verificado
pelos resultados da Provinha Brasil, Saeb e Pisa. Para as pesquisadoras Galuch
e Sforni (2009, p. 79),
Os resultados de exames oficiais de avaliação como a Prova
Brasil, o Saeb e Pisa, têm revelado que, nos últimos anos, os
estudantes brasileiros estão concluindo a 4ª e 8ª séries do Ensino
Fundamental, bem como o 3º ano do ensino médio, sem atingir os
níveis de desempenho esperados para as respectivas séries.
De acordo com Batista (2005 apud GALUCH, SFORNI, 2009, p.79), em
“[...] 2001, apenas 4,48% dos alunos de 4ª série possuiriam um nível de leitura
adequado ou superior ao exigido para a continuação de seus estudos no segundo
segmento do Ensino Fundamental”.
Esses são dados reais do ano de 2001, quando ainda não havia sido
implementado o ensino de nove anos, portanto os problemas de alfabetização e
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letramento não decorrem somente da nova organização do ensino. A realidade
por eles apresentada não condiz com os objetivos da Lei N.º 9.394, de 20 de
dezembro de 1996, que estabelece as vigentes Diretrizes e Bases da Educação
Nacional e cujo artigo 32 está assim redigido:
Art. 32. O Ensino Fundamental, com duração mínima de oito
anos, obrigatório e gratuito na escola pública, terá por objetivo a
formação básica do cidadão, mediante:
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como
meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema
político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se
fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo em vista
o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades e a formação
de atitudes e valores como instrumentos para uma visão crítica do
mundo;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de
solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se
assenta a vida social.
Neste momento, mesmo que de forma sucinta, pode-se perceber que o que
está previsto na LDB de 1996, de acordo com as pesquisas, não se concretizou
em 2001. Do lado da lei federal busca-se a formação de cidadãos críticos e tudo
mais; por outro lado, as pesquisas provam a incapacidade dos alunos para
mínimas leituras e interpretações. Como ser cidadão crítico se incapaz de ler e
interpretar?
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE TEORIA E
PRÁTICA
O Ministério da Educação, o Conselho Nacional de Educação e a Câmara
de Educação Básica baixaram a Resolução N.º 7, de 14 de dezembro de 2010,
que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9
(nove) anos. Essa resolução mantém, obviamente, os princípios da Lei N.º 9.394,
de 20 de dezembro de 1996, nos quais focalizamos, no item abordado
anteriormente, a questão do desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo
em vista o desenvolvimento de conhecimentos e habilidades e a formação de
atitudes e valores como instrumentos para uma visão crítica do mundo.
7
No que se refere ao aspecto científico do que se entende por visão crítica
do mundo, é importante ressaltar a concepção de crítica que se defende nesta
pesquisa. Neste sentido, recorre-se ao que afirma Marx (1994 apud BARROS;
LAZARETTI; MORAES, PADILHA, 2010, p. 06):
A crítica deve consistir em comparar, confrontar, cotejar um fato,
não com uma idéia, mas com outro fato. Para a crítica importa
apenas que os fatos sejam pesquisados com maior exatidão
possível e que, um em relação ao outro, representem realmente
diferentes fases do desenvolvimento, assim como suas conexões
sejam estudadas com um rigor não menor ...
Por essa concepção de crítica, compreende-se que o que se constatou no
mundo escolar não atende a interesses individuais, mas decorre de problemas
que estão ocorrendo na escola e são manifestos para todos que vivem a
realidade organizada pela ordem social burguesa e pelo modo capitalista de
produção. Eis o que observam os autores supracitados:
Os pressupostos de que partimos não são arbitrários, nem
dogmas. [T] São os indivíduos reais, sua ação e suas condições
materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas, como as
produzidas por sua própria ação. [T] tal e como realmente são,
isto é, tal e como atuam e produzem materialmente e, portanto, tal
e como desenvolvem suas atividades sob determinados limites,
pressupostos e condições materiais, independentes de sua
vontade (MARX e ENGELS apud BARROS; LAZARETTI;
MORAES, PADILHA, 2010, p.06).
O que se pode dizer quando a legislação prevê a formação do cidadão
crítico, mas na realidade o que se tem é a grande maioria sem condições mínimas
de leitura e interpretação?
Uma forma de discutir essa distorção pode ser fazê-lo pela proposta de
estudo da pedagogia no Brasil a ser implantada nos cursos de formação de
professores, a exemplo do que vem sendo insistentemente proposto pela
Pedagogia Histórico-Crítica, com os estudos e Dermeval Saviani e seus
seguidores.
Sem condições aqui de aprofundar estudos neste sentido, pode-se
focalizar a pedagogia baseada no método dialético. A Pedagogia Dialética propõe
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a elaboração de novos conhecimentos a partir dos já adquiridos. O planejamento
das práticas educativas para elaborar novos conhecimentos é feito com base no
conceito de homem e sociedade e no perfil do sujeito que se quer formar. A
relação dialética entre a teoria e a prática pedagógica seria um caminho para
romper as orientações para o ensino vigentes na atualidade.
A Pedagogia Dialética, conforme Schmied-Kowarzik (1983), é uma ciência
da prática e para a prática educativa contextualizada, voltada para a
transformação da realidade. A dialética seria o pensamento anterior (teoria) à
atividade (prática) para uma ação transformadora; ou seja, não se pode entender
teoria e prática sem relação de dependência, pois a prática deve ser o ponto de
partida, e a teoria, a base dessa prática.
Selma Garrido Pimenta, outra autora que trabalha com a análise da
Pedagogia Dialética, usa como referência para defini-la estudos de SchmiedKowarzik, mas traz um elemento importante do processo de humanização do
homem, o qual ocorre quando este tem o conhecimento produzido historicamente
para mudar a sua realidade. Para essa autora, a pedagogia
[...] será dialética na medida em que, partindo do interesse
libertário do conhecimento de uma teoria crítica da sociedade,
voltado à emancipação e libertação dos homens (humanização),
tornar possível a ela (a Pedagogia) a antecipação de uma práxis
educacional transformadora (PIMENTA, 2006, p. 53-54).
A prática educativa deve ser teorizada para o educador conscientizar-se de
sua atividade, descobrindo nos elementos nela ocultos a relação de poder,
conhecimento fragmentado, alienação, processos excludentes da sociedade e
das políticas públicas. A dialética, mais do que um conjunto de conhecimentos
fatuais, é a interpretação sistemática do mundo. Através da pedagogia ela torna
os educadores agentes da práxis educacional. São os educadores que na práxis
operam transformação para que a educação seja um processo de humanização
do homem.
Em síntese, a Pedagogia Dialética é a ciência da prática contextualizada e
voltada para a transformação, ou seja, é o processo de pensamento da
transformação social (práxis), a atividade educativa sistematizada e intencional.
Os educadores, agentes da práxis educacional, efetuam o processo de
9
humanização dos homens, tornando-os emancipados, e assim provocam
mudanças da realidade social por meio de uma prática transformadora (práxis).
Os educadores, nessa concepção, seriam agentes da prática educativa: a
educação transforma o homem e este transforma a sociedade; ou seja,
Somente na medida em que a ciência da educação se
compreende dialeticamente a partir de interesse libertário do
conhecimento de uma teoria crítica da sociedade, voltado à
emancipação e libertação dos homens, torna-se possível a ela
criticar, por sua vez, a realidade educacional descoberta
empiricamente mediante a determinação do sentido da educação
e a determinação do sentido explicada hermeneuticamente
mediante sua realização na experiência, antecipando, deste modo
emancipatório, uma práxis educacional (Schmied-Kowarzik, 1983,
p.14).
Atualmente, as discussões sobre a formação de professores estão sendo
frequentes e buscam uma educação de maior qualidade. Tendo-se em vista que a
formação do profissional da educação escolar não é o único caminho para
entender como se pode ofertar um ensino de qualidade, a análise do
funcionamento do sistema educacional é fundamental e deve levar em
consideração um conjunto de fatores que influenciam a prática dos professores,
entre eles o histórico, o político, o econômico e o social. Como observam alguns
estudiosos, o discurso de buscar uma qualidade de ensino esta embasada,
muitas vezes, em uma proposta neoliberal que desconsidera aspectos da
realidade,
como
“[T]
condições
de
trabalho
(salários,
qualificação
e
reconhecimento profissional, etc.); a descentralização de poderes, tanto
pedagógico quanto financeiro; a política educacional excludente” (BARROS,
MORAES, 2002, p. 16).
Uma prática docente de qualidade supõe também, uma formação contínua
de qualidade, que diferente de cursos rápidos de reciclagem, alheios à prática do
professor e à dinâmica da escola, como demonstram Barros e Moraes (2002, p.
16):
[T] a qualificação profissional deve ser sistematizada, articulada
com as diferentes instituições de ensino superior e realizada num
processo que possibilite a articulação entre a formação inicial e
formação continuada de professores.
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Na formação inicial, pode-se ver que a organização curricular para a
formação de professores exige primeiro uma formação acadêmica que forneça
conhecimentos que ajudem a apreender os conteúdos curriculares específicos da
área, e depois, uma formação pedagógica que capacite metodologicamente o
professor para ensinar os conteúdos. Como ocorre no modelo dominante de
organização curricular, organizado em um agrupamento de disciplinas do bloco
teórico, no início do curso, e nas disciplinas do bloco prático, não existe
integração entre teoria e prática, não se tem uma relação dialética entre as
disciplinas dos dois blocos, quando se sabe que, conforme Mediano (1984 apud
BARROS; MORAES, 2002, p. 19), "uma teoria que não serve para a prática não é
teoria; por outro lado, uma prática esvaziada de teoria não tem sustentação”.
Assim, sendo as várias disciplinas estudadas como autossuficientes, ocorre um
distanciamento entre os respectivos conteúdos.
O que se constata na atual realidade escolar é que, com este tipo de
formação e o trabalho fragmentado das diferentes matérias escolares, o professor
não compreende o fenômeno educacional como um todo - processo que muitos
autores chamam de alienação, porque o professor acaba aceitando, de forma
natural e rotineira, modismos teóricos, propostas governamentais e o livro didático
como o principal mestre, isto é, como o material dirigente do processo
pedagógico.
A formação de profissionais da Educação, como alternativa à forma
dominante na atualidade, deve ser organizada de modo que o futuro docente
possa entender o processo de ensino-aprendizagem como unidade de teoria e
prática (práxis), de forma e caráter dialéticos, de interação recíproca para
transmitir o conhecimento historicamente elaborado pelos homens.
OBSERVAÇÕES ACERCA DE ESTUDOS QUE A LEI NÃO CONTEMPLA
Nos marcos de 2006, a inserção de mais um ano de escolaridade - o
Ensino Fundamental de nove anos - e o fato de a escola receber as crianças com
5 a 6 anos no primeiro ano mobilizam os profissionais da Educação a uma nova
organização do ensino. Como o próprio Ministério da Educação enfatiza,
11
(...) não se trata de transferir para as crianças de seis anos os
conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas de
conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos em
um Ensino Fundamental de nove anos, considerando o perfil de
seus alunos (BRASIL, 2006, p. 17).
A ampliação do Ensino Fundamental corresponde à inclusão de todas as
crianças de seis anos, pelo fato de “[...] as crianças de seis anos da classe média
e alta já se encontrarem majoritariamente incorporadas ao sistema de ensino - na
pré-escola ou na primeira série de Ensino Fundamental” (BRASIL, 2004, p. 17);
mas pergunta-se: qual a garantia que um tempo mais longo no sistema escolar
traz para os alunos no que se refere à sua aprendizagem e desenvolvimento
intelectual?
De acordo com as Orientações Gerais do Ministério da Educação (BRASIL,
2004, p. 21), “pelo fato de viverem numa sociedade cuja cultura é letrada, desde
que nascem as crianças constroem conhecimentos prévios sobre o sistema de
representação e o significado da leitura e escrita”, isto é, a criança, antes de
entrar na escola, já possui pré-requisitos para apreensão do conhecimento, pois
exercita a capacidade de usar várias linguagens, como a gestual, a plástica, a
oral, a escrita, a musical e a do faz-de-conta, todas importantes para ingressar no
mundo letrado.
Não obstante, ainda de acordo com o Ministério da Educação, possibilitar o
acesso aos diversos usos da leitura e da escrita não é suficiente para que as
crianças se alfabetizem. “É necessário, além disso, um trabalho sistemático,
centrado tanto nos aspectos funcionais e textuais, quanto no aprendizado dos
aspectos gráficos da linguagem escrita e daqueles referentes ao sistema
alfabético de representação” (BRASIL, 2006, p. 21). Neste sentido, pela
Resolução N.º 7, de 14 de dezembro de 2010, o Ministério da Educação
estabelece as diretrizes curriculares para efetivar as políticas introdutórias do
ensino de nove anos propostas no ano de 2004:
Art. 2º: As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
Fundamental de 9 (nove) anos articulam-se com as Diretrizes
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (Parecer
CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010) e reúnem
princípios, fundamentos e procedimentos definidos pelo Conselho
Nacional de Educação, para orientar as políticas públicas
educacionais e a elaboração, implementação e avaliação das
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orientações curriculares nacionais, das propostas curriculares dos
Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, e dos projetos
político-pedagógicos das escolas (BRASIL, 2010).
A Resolução N.º 7, de 14 de dezembro de 2010 CNE/CEB, ainda define, no
que se refere à matrícula:
Art. 8º O Ensino Fundamental, com duração de 9 (nove) anos,
abrange a população na faixa etária dos 6 (seis) aos 14 (quatorze)
anos de idade e se estende, também, a todos os que, na idade
própria, não tiveram condições de frequentá-lo.
§ 1º É obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental de crianças
com 6 (seis) anos completos ou a completar até o dia 31 de março
do ano em que ocorrer a matrícula, nos termos da Lei e das
normas nacionais vigentes.
§ 2º As crianças que completarem 6 (seis) anos após essa data
deverão ser matriculadas na Educação Infantil (Pré-Escola)
(BRASIL, 2010).
Quanto aos conteúdos a serem trabalhados, normatiza:
Art. 24: A necessária integração dos conhecimentos escolares no
currículo favorece a sua contextualização e aproxima o processo
educativo das experiências dos alunos.
Parágrafo único. Como protagonistas das ações pedagógicas
caberá aos docentes equilibrar a ênfase no reconhecimento e
valorização da experiência do aluno e da cultura local que
contribui para construir identidades afirmativas, e a necessidade
de lhes fornecer instrumentos mais complexos de análise da
realidade que possibilitem o acesso a níveis universais de
explicação dos fenômenos, propiciando-lhes os meios para
transitar entre a sua e outras realidades e culturas e participar de
diferentes esferas da vida social, econômica e política (BRASIL,
2010, p. 07).
Pode-se perceber que este é um processo bem-pensado em termos de
legislação e normatização, porém a estrutura hierárquica da educação brasileira
poderia fazer chegar a cada professor da Educação Básica, especialmente aos
docentes do Ensino Fundamental de 9 anos, uma formação para garantir os
conhecimentos
necessários
sobre
a
relação
entre
aprendizagem
e
desenvolvimento intelectual da criança, de forma que os professores pudessem
organizar ou programar o ensino com mais fundamentação.
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Neste sentido, cabe considerar os estudos realizados pelos estudiosos da
Psicologia Histórico-Cultural, entre eles Vigotski, Leontiev e Luria. É importante
que o professor estude e compreenda que
O momento em que uma criança começa a escrever seus
primeiros exercícios escolares em seu caderno de anotações não
é, na realidade, o primeiro estágio do desenvolvimento da escrita.
As origens deste processo remontam a muito antes, ainda na préhistória do desenvolvimento da formas superiores do
comportamento infantil; podemos até mesmo dizer que quando
uma criança entra na escola, ela já adquiriu um patrimônio de
habilidades e destrezas que a habilitará a aprender a escrever em
um tempo relativamente curto (LURIA, 2006, p.143).
O professor pode relacionar a teoria e prática da criança com os momentos
em que esta passa por vários níveis desenvolvimento para criar as técnicas
primitivas de linguagem escrita, como os gestos, os brinquedos e o desenho, até
chegar à chamada escrita primitiva, que é a pré-história da linguagem escrita da
criança e se formula primeiramente nas representações que esta faz. Através dos
gestos e criança expressa a origem do uso de signos escritos, isto é, por meio de
gestos ela representa a escrita. Para Vigotski (2007, p.128),
[...] os gestos estão ligados à origem dos signos escritos. O
primeiro é o dos rabiscos das crianças. Em experimentos
realizados para estudar o ato de desenhar, observamos que
frequentemente, as crianças usam a dramatização, demonstrando
por gestos o que elas deveriam mostrar nos desenhos; os traços
constituem somente um suplemento a essa representação
gestual.
Também é importante discutir com os professores o que é essencial para
as crianças, sobretudo o lúdico como atividade inerente ao processo de
aprendizagem. O professor perceberá que a criança estabelece uma relação
entre os gestos e a linguagem escrita por meio do desenvolvimento do
simbolismo no brinquedo. A criança elabora jogos com objetos e, considerando o
objeto como um brinquedo, ela cria, para representar um objeto como brinquedo,
significados diferentes da função social atribuída a ele.
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Como afirma Vigotski (2007, p. 130), "O mais importante é a utilização de
alguns objetos como brinquedos e a possibilidade de executar, com eles, um
gesto representativo. Essa é a chave para toda função simbólica do brinquedo
das crianças”. Compreender que as crianças utilizam o brinquedo para simbolizar
a comunicação gestual, atribuindo outros significados aos objetos na brincadeira,
pode trazer ao professor inúmeras oportunidades de registros de escrita. Ele deve
observar como as crianças brincam de faz-de-conta, que gesticulam como se
fossem pessoas adultas, brincam de fazer “comidinha” ao preparar o almoço em
uma caixa de papelão que se parece com um fogão e o substituem por um objeto
que para elas representa o objeto real. Na leitura de Vigotski (2007, p.130), “O
próprio movimento da criança, seus próprios gestos é que atribuem a função de
signo ao objeto e lhe dão significado”. Neste sentido, o movimento da criança é
sempre um indicador para observar seu desenvolvimento intelectual.
A criança, ao desenhar, utiliza-se da fala para representar o que não
consegue desenhar,
transformando um desenho que inicialmente tinha
determinado significado e atribuindo-lhe outro semelhante. Para Vigotski (2007, p.
136), “ (T) o desenho é uma linguagem gráfica que surge tendo por base a
linguagem verbal”. A criança em idade escolar que não sabe letras, por exemplo,
faz uso de desenhos para representar a escrita, ou em um ditado representa cada
palavra com um desenho diferente. Esses momentos do processo de
aprendizagem mostram seu desenvolvimento intelectual e constituem indicadores
para o professor programar o ensino.
Todo professor dos anos iniciais de escolarização precisa compreender a
pré-história da escrita da criança para trabalhar com o conhecimento dessa
criança. Ela passa a ser respeitada como ser de conhecimento, que interage, que
avalia, que aprende, que internaliza e atua. Para o professor que conhece essas
etapas da aprendizagem e desenvolvimento intelectual da criança, a concepção
de processo é essencial para perceber que ela faz uso deste conhecimento da
escrita como um caminho para internalizar a forma convencional de escrita, para
compreender o conceito de escrita e sua função. Para Luria (2006, p. 144),
[T] podemos razoavelmente presumir que mesmo antes de atingir
a idade escolar, durante, por assim dizer, esta “pré-história”
15
individual a criança já tinha desenvolvido, por si mesma, um certo
número de técnicas primitivas, semelhantes àquilo que chamamos
escrita e capazes de, até mesmo, desempenhar funções
semelhantes, mas que são perdidas assim que a escola
proporciona à criança um sistema de signos padronizado e
econômico, culturalmente elaborado. Estas técnicas primitivas,
porém, serviram como estágios necessários ao longo do caminho.
Destarte, é essencial que o professor conheça os estágios de
desenvolvimento da criança desde quando ela desempenha a atividade de criar
técnicas primitivas e individuais para compreender a escrita até ser inserida no
processo de escolarização para apreender o sistema de signos padronizados e
elaborados econômica e culturalmente. Logo ele poderá perceber “[...] quando
uma criança desenvolve sua habilidade para escrever e os fatores que habilitaram
a passar de um estágio para outro, superior” (LURIA, 2006, p. 144), pois cada
estágio anterior à entrada da criança no processo de escolarização foi um
caminho para ela se desenvolver e se apropriar do saber sistematizado.
Outro aspecto importante para o conhecimento docente é que “a escrita
pode ser definida com a função que se realiza culturalmente, por mediação”
(LURIA, 2006, p.144). O referido autor descreve duas condições para a criança
desempenhar a atividade de escrever ou anotar:
Em primeiro lugar, as relações da criança com as coisas a seu
redor devem ser diferenciadas de forma que tudo o que ela
encontra inclua-se em dois grupos principais: a) ou as coisas
representam algum interesse para a criança, coisas que gostaria
de possuir ou com as quais brinca; b) ou os objetos são
instrumentais, isto é, desempenham apenas um papel
instrumental ou utilitário, e só têm sentido enquanto auxílio para a
desenvolvimento de algum outro objeto ou para a obtenção de
algum objetivo, e, por isso, possuem apenas um significado
funcional para ela. Em segundo lugar, a criança deve ser capaz
de controlar seu próprio comportamento por meio desses
subsídios, e nesse caso eles já funcionam como sugestões que
ela mesma invoca (LURIA, 2006, p.145).
Também importa compreender que a criança se esforça por atuar no
mundo dos adultos, se esforça para agir como um adulto.
Luria (2006) desenvolveu uma pesquisa para determinar a pré-história da
escrita das crianças, e para isso selecionou algumas crianças da faixa de três a
cinco anos. O método consistia em realizar o estudo com crianças que ainda não
16
sabiam ler. A essas crianças foi solicitado que relembrassem algumas sentenças
ditadas, mas elas se recusaram a escrever, porque se percebiam incapazes de
fazê-lo. Diante disso lhes era entregue um pedaço de papel e elas se dispunham
a escrever. Eram-lhes apresentadas quatro ou cinco séries de seis ou oito
sentenças simples, curtas e não relacionadas, que elas escreviam sem entendêlas. Isso mostra que os adultos de fato escrevem conscientemente, mas as
crianças o fazem por mera imitação.
A pesquisa pretendia verificar como crianças de três a cinco anos reagem a
uma situação imposta. Em seu estudo observou até que ponto a criança chegar a
desempenhar o que era pedido sem ter o conhecimento da estrutura formal da
língua escrita. Observou que
[...] o pedaço de papel, o lápis e os rabiscos que fazia no papel
deixavam de ser simples objetos que interessavam, brinquedos,
por assim dizer, e tornavam-se um instrumento, um meio para
atingir algum fim: recordar um certo número de ideias que lhe
foram apresentadas (LURIA, 2006, p. 147).
No registro das sentenças Luria pôde observar que as crianças eram
incapazes de utilizar a escrita como um meio, elas escreviam de forma puramente
casual, que é um processo externo, e não interno, de domínio dos conhecimentos
para escrever, um ato imitativo dos adultos. A escrita não possui um instrumento
da memória, não tem um significado funcional como signo auxiliar da escrita.
[T] A criança só está interessada em “escrever como os adultos”;
para ela, o ato de escrever não é um meio para recordar, para
representar algum significado, mas um ato suficiente em si
mesmo, um brinquedo (LURIA, 2006, p.149).
As crianças realizavam o registro das sentenças ditadas mesmo antes de
ouvi-las. Havia uma
Total ausência de compreensão do mecanismo da escrita, uma
relação puramente externa com ela e uma rápida mudança do
“escrever” para uma simples brincadeira e que não mantém
qualquer relação funcional com a escrita são características do
primeiro estágio da pré-história da escrita na criança. Podemos
chamar esta fase de pré-escrita ou, de forma mais ampla, de fase
pré-instrumental (LURIA, 2006, p.154).
17
A apreensão da função da escrita se dá quando a criança passa de um
rabisco não diferenciado para um signo diferenciado, ou seja, quando ela entende
o porquê de utilizar a escrita. Na escola, o professor, com sua mediação, vai
encaminhando a criança a ter esta compreensão. Primeiramente ela faz uso de
objetos próximos a ela; depois, iniciando-se na noção de quantidade, ela passa
de um rabisco não diferenciado para diferenciado. Este rabisco seria uma forma
primitiva de uso da escrita.
Quando, por exemplo, “Há duas árvores no pátio” foi seguida pela
sentença “Há muitas árvores na floresta”, a criança tentou
reproduzir o mesmo contraste e por isso não pôde escrever as
duas sentenças com a mesma marca e, em vez, foi forçada a
produzir uma escrita diferenciada (LURIA, 2006, p.165).
A criança, a partir do momento que consegue diferenciar a sua escrita de
simples rabiscos, organiza-se mentalmente na construção de “[...] novas e
complexas formas culturais; as mais importantes funções psicológicas não mais
operam por meio de formas naturais e primitivas e começam a empregar
expedientes culturais” (LURIA, 2006. p. 189).
O professor, ao desprezar a pré-história da escrita da criança, deixa em
segundo plano o caminho de desenvolvimento percorrido por ela, isto é, os seus
conhecimentos anteriores. Como bem demonstram os estudos de Vigotski (2007)
e Luria (2006) sobre a pré-história da escrita, pode-se constatar que a criança, ao
iniciar a vida escolar, tem uma “bagagem histórica” de conhecimentos, pois
nasceu num mundo já “feito”, e deve então assimilar os usos e costumes do
mesmo modo como assimila as experiências de trabalho. Desse modo, toda
criança se orienta pela história humana, que está generalizada de forma
universal.
Não deveria haver “problema” em alfabetizar e letrar as crianças, pois, a
não ser em casos de deficiências psicossociais, todas dominam um nível de
conhecimento real e efetivo e têm potencial para aprender e desenvolver-se
intelectualmente,
o que significa que têm condições de dominar as práticas
sociais de leitura e as competências de leitura e escrita.
O processo de alfabetização e letramento não é um ensino somente para o
reconhecimento e decodificação de letras, mas consiste em saber interpretar o
18
que está sendo lido. Ser alfabetizado é dominar o sistema convencional de escrita
e as técnicas de ler e escrever, e letramento é o domínio e uso da técnica da
alfabetização, o uso de todas as técnicas para a vida; portanto, alfabetização e
letramento
Não são processos independentes, mas interdependentes, e
indissociáveis: a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por
meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de
atividades de letramento, e este, por sua vez, só se pode
desenvolver no contexto da e por meio da aprendizagem das
relações fonema-grafema, isto é, em dependência da
alfabetização (SOARES, 2003, p. 14).
As crianças de 5 a 6 anos podem ser letradas e alfabetizadas. Entender
que elas são muito novas para isso é basear-se em uma linha maturacional de
ensino, supondo-se que a criança tem que desenvolver pré-requisitos biológicos
para depois desenvolver conteúdos sociais, como a aprendizagem da leitura e
escrita, por exemplo. Para Vigotski, recebendo ajuda de perguntas-guia e
demonstrações, as crianças podem iniciar seu desenvolvimento potencial, tendo
por base também sua individualidade. Vigotski (2006, p. 111) dá o seguinte
exemplo:
Suponhamos que submeteremos a um teste duas crianças, e que
estabelecemos para ambas uma idade mental de sete anos. Mas
quando submetemos as crianças a provas posteriores,
sobressaem diferenças entre elas. Com auxílio de perguntas-guia,
exemplos e demonstrações, uma criança resolve facilmente os
testes, superando em dois anos o seu nível de desenvolvimento
efetivo, enquanto a outra criança resolve testes que apenas
superam em meio ano o seu nível de desenvolvimento efetivo.
Para Vigotski (2006, p. 114), “o único bom ensino é o que se adianta ao
desenvolvimento”.
A prática dos professores, sem esses conhecimentos da Psicologia
Histórico-Cultural, entre outros, fica fadada ao abandono dos conceitos e dos
conteúdos científicos, os quais são trocados pelo ensino de cidadania e outros
valores, por exemplo, as comemorações cívicas. Pesquisas vêm apontando que
A defesa da formação para a cidadania como a finalidade da
escola tem sido fundamentada na ideia de que as práticas
educacionais comprometidas com a transformação social são
19
aquelas que trazem a realidade do aluno para a sala de aula, que
buscam desenvolver nos estudantes valores de solidariedade,
justiça social e participação política (Sforni, 2010, p. 98-99).
O ensino de valores e atitudes também é função primordial da escola, mas
deve coincidir com a aprendizagem promotora de desenvolvimento intelectual do
aluno em uma perspectiva dialética, ou seja, o trabalho com os conteúdos
escolares deve promover o mesmo caráter do processo do pensamento humano.
O desenvolvimento da criança é um processo complexo, caracterizado pela
periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções da
consciência, bem como pela transformação qualitativa de uma forma em outra,
pelo entrelaçamento de fatores internos e externos e por processos adaptativos
que superam os impedimentos que a criança encontra (VIGOTSKI, 2007).
Não é intenção, neste texto, aprofundar estudos sobre a relação entre
aprendizagem e desenvolvimento da criança, apesar de ressaltar-se a
importância e a necessidade desses estudos para a prática docente. O que se
põe em relevo, neste momento da caminhada acadêmica, refere-se às
alternativas que podem ser construídas para a categoria profissional dos
professores para que as crianças sejam bem-sucedidas em sua faixa etária de
alfabetização e letramento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que o estudo em pauta, apesar de sucinto, contribui para a
formação acadêmica, tanto como trabalho de conclusão de curso quanto para a
mudança de concepção de homem ou para um melhor entendimento da
concepção teórica que anteriormente se tinha enquanto aluno de graduação.
Espera-se que ele contribua também com os educadores, como início de
discussão ou como orientação em estudos posteriores.
Conforme se constata nos documentos oficiais - por exemplo, no artigo 1º
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a educação abrange os
processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência
humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos
sociais, nas organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. Na
prática isto pode ser realizado com políticas públicas adequadas para a educação
20
nacional e com a implantação de um sistema nacional de educação que priorize a
formação dos professores em sua totalidade. Outro aspecto não menos
importante é propiciar aos professores condições salariais para eles se
estruturarem como pessoas que participam da vida política do país.
Cada reformulação ou reorganização da estrutura da Educação Básica
precisa contar com o professor e uma “nova” prática docente, pois, de outra
forma, como implantar uma verdadeira reforma no ensino? Alguns apontamentos
são registrados pelos órgãos ou instâncias do Governo que pensam e legislam
sobre a reorganização do Ensino Fundamental, como se vê na citação abaixo:
(...) é essencial assegurar ao professor programas de formação
continuada, privilegiando a especificidade do exercício docente
em turmas que atendem a crianças de seis anos. A natureza do
trabalho docente requer um continuado processo de formação dos
sujeitos sociais historicamente envolvidos com a ação
pedagógica, sendo indispensável o desenvolvimento de atitudes
investigativas, de alternativas pedagógicas e metodológicas na
busca de uma qualidade social de educação (BRASIL, 2004, p.
25).
A escola deve propiciar um ambiente prazeroso para os educandos
aprenderem, de modo a melhorar a qualidade de ensino. Também fazem parte do
discurso de muitos documentos oficiais ideias igualmente veiculadas no cotidiano
escolar, como:
- os professores devem estar preparados para receber as crianças que ingressam
com seis anos no Ensino Fundamental;
- as crianças podem ser alfabetizadas e letradas mesmo sendo um ano mais
novas;
- a formação do professor deve se pautar na continuidade, ou seja, na construção
e reconstrução dos conhecimentos para empregá-los com suas aulas;
- o professor pode promover para seus alunos a aprendizagem dos conteúdos
escolares;
- a educação escolar deve fazer a crítica da realidade social.
O que não se consegue responder, por enquanto, é por que, com tantos
documentos oficiais e extraoficiais determinando como deve ser a estrutura do
Ensino Fundamental, desde antes da reformulação para nove anos, os resultados
21
no ano de 2001 mostraram que apenas 4,48% dos alunos de 4ª série possuíam
um nível de leitura adequado ou superior ao exigido para a continuação de seus
estudos, como mostrado anteriormente.
Em todos os cursos de graduação, até onde se pode compreender, existem
os professores e os alunos, e para que o professor desenvolva um trabalho
educativo que vise ao desenvolvimento das potencialidades intelectuais do aluno,
é essencial que ele valorize, conheça e compreenda as bases psicológicas da
formação das funções psíquicas superiores, como condição primordial para a
realização do trabalho docente.
Sem intenção de responder ou perguntar sobre algumas contradições que
visualizamos, compreendemos que muito é preciso trabalhar para que o Brasil
apresente uma proposta para a educação escolar que possa atingir toda a sua
população, especialmente as crianças.
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ensino fundamental de nove anos: dos aspectos legais à