Da internação ao acolhimento familiar Violação e garantia de direitos na história da assistência à infância e à adolescência As políticas de bem-estar do menor, ao longo da história brasileira, promoveram a exclusão de crianças e adolescentes pobres do convívio social e familiar, através da internação em “instituições totais”. Asilo de Menores Abandonados (RJ,1907) Os reformatórios para menores na cidade republicana • Papel da polícia de apreender e fazer a distribuição dos “pequenos vagabundos” pelas poucas instituições disponíveis. • A partir da década de 1920, esta função é atribuída legalmente à justiça especializada. • Debate: educar e reeducar a infância pobre (identificados como “menores”. Exercício do poder tutelar do Estado sobre os filhos dos pobres No período republicano, são criadas leis que transferem da família para os representantes dos poderes públicos o poder de decidir sobre o destino do já chamado menor. Códigos de Menores de 1927 e 1979. Juizados de Menores – a partir de 1924. Poder concentrado nas mãos da justiça especializada. A cultura institucional O combate (discursivo) à internação é paradoxalmente acompanhado pelo crescimento do número de instituições. As políticas de bem-estar, ao longo da história brasileira, promoveram a exclusão de crianças e adolescentes pobres do convívio social e familiar, através da internação em instituições totais. Associação entre a criação de sistemas centralizados de assistência ao menor e advento de regimes políticos autoritários Nos regimes ditatoriais vividos no Brasil, assistir ao menor constitui questão estratégica. Essas políticas conheceram maior fôlego nos períodos de regime ditatorial e foram produzidas e implementadas de “cima para baixo”. A construção social da categoria “menor” O termo “menor” passa a ser amplamente utilizado, para designar a criança e o adolescente das classes populares. Os filhos dos pobres tornam-se os alvos das políticas de internação. Culpabilização da família • As famílias freqüentemente foram consideradas incapazes de cuidar de seus filhos. Assim, os sistemas assistenciais justificavam a institucionalização de crianças. A idéia de proteção à infância era antes de tudo proteção contra a família. • Idéia da família desestruturada, quando as políticas públicas são focais, fragmentadas e descontínuas. • As famílias de forma alguma foram passivas. Muitas delas, especialmente as mães, passaram a dominar a “tecnologia do internamento”, interferindo, manejando e adquirindo benefícios do sistema. Menor vs Criança Criação de órgãos públicos distintos dirigidos à criança e ao menor, no Estado Novo: • Serviço de Assistência aos Menores – SAM (Ministério da Justiça) • Departamento Nacional da Criança DNCr (Ministério da Educação e Saúde) Demandas das famílias • As famílias, desde os primórdios da criação da FUNABEM, buscavam internar os filhos em idade escolar. A preocupação era a de garantir a formação escolar e profissional dos filhos. • Mais de 58% de uma amostragem de 37.371 menores internados tinham, em 1966, entre 7 e 13 anos, isto é, pertenciam à faixa da escolaridade básica (382 instituições do país, sendo 58 públicas. FNBEM, 1966). Os usos do sistema assistencial para favorecimentos A internação de crianças era efetivada através de práticas clientelistas, visando a interesses pessoais em detrimento das necessidades das crianças. Surgem denúncias de corrupção, mas não há evidências de apuração e punição dos culpados. Indefinição do período de internação Eram intensos o sofrimento e a ansiedade vividos pelos internos por não terem definidos o tempo de internação, submetidos à boa vontade e ao favor das autoridades policial e judiciária. Circulação dos menores Era intensa a circulação das crianças e adolescentes sujeitos–alvos da intervenção (os menores), por diversas instituições, localizadas tanto em área central da cidade quanto fora do espaço urbano, em áreas rurais e até ilhas. Tensão entre educação e repressão Torturas e castigos jamais foram abolidos nos internatos, tornando-se incômoda presença até os dias de hoje. As resistências dos internos ao sistema repressivo sempre existiram, como as rebeliões e as fugas. Opção por uma política de assistência ao menor em detrimento do investimento em políticas públicas integradas O Brasil optou por investir em uma “política” de assistência ao menor, cultivando as práticas de institucionalização de crianças ao invés de garantir políticas e práticas justas e eqüitativas, por meio de políticas públicas integradas que visassem ampliar as oportunidades e melhorar as condições de vida de sua população infantil e juvenil. Instituto Professora Orsina da Fonseca (RJ, década de 20) Abrigo (DF, 2003) Abrigo (DF, 2003) Acolhendo Crianças e Adolescentes Experiências de Promoção do Direito à Convivência Familiar e Comunitária no Brasil (2004-2005) Irene Rizzini Irma Rizzini Luciene Naiff Rachel Baptista Consultoria: Claudia Cabral Promoção: CIESPI-PUC Apoio: UNICEF Ed. Cortez, 2006, 2007 Estatuto da Criança e do Adolescente (1990, Artigo 19) • “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes” Questões • Como garantir o direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária? • Detectadas situações de violação de direitos, o que fazer para evitar que sejam afastados de suas famílias e comunidades desnecessariamente? Objetivos • Sistematizar e divulgar informações que, de outro modo, ficariam limitadas às suas localidades. • Apresentar subsídios para a formulação e a implementação de políticas públicas, destacando elementos de viabilidade e continuidade das mesmas. Convivência familiar e comunitária • É a possibilidade da criança permanecer no meio a que pertence, de preferência junto aos seus familiares. Para os casos em que há necessidade das crianças serem afastadas provisoriamente de seu meio, qualquer que seja a forma de acolhimento possível, deve ser priorizada a reintegração familiar. Metodologia • Pesquisa qualitativa, com base em entrevistas semiabertas feitas com as equipes dos programas. 100 profissionais de diversos campos que envolvem a gestão das iniciativas e o atendimento direto a crianças, adolescentes e famílias: diretores dos programas, operadores do direito e técnicos (psicólogos, sociólogos, assistentes sociais, advogados e educadores). 30 iniciativas governamentais e não-governamentais, distribuídas em 16 municípios de 8 estados (RJ, SP, MG, SC, PE, PA, PR, RS). Modalidades de experiências levantadas • Apoio à família no cuidado a crianças e adolescentes em situações adversas (“atendimento in loco” ) Metodologias de atendimento nas quais as crianças não são afastadas do convívio de suas famílias, apesar de estarem vivendo situações que possivelmente levariam à separação. Nestes casos, as famílias são atendidas em serviços variados de acordo com as demandas que apresentam. • Nove programas:Minas Gerais, Pernambuco e Rio de Janeiro. Foco das iniciativas pesquisadas • Famílias com membros portadores do vírus HIV; • Famílias com filhos nas ruas e crianças/adolescentes em situação de rua) • Famílias onde se identifiquem situações de “negligência” no cuidado dos filhos. “Esse tema da negligência é uma coisa que é extremamente escorregadia, que, se deixar, cabe tudo. Quando o órgão encaminhador considera que é muito importante aquela família ser atendida naquele serviço, porque ele não sabe mais o que fazer com ela, ele acaba forçando a barra e coloca um ‘negligência’ lá. Então é uma coisa extremamente difícil. Principalmente considerando as negligências que as próprias famílias sofrem” (Técnico de um projeto municipal, Belo Horizonte). • Acolhimento institucional Experiências em que as crianças ou adolescentes são encaminhados para alguma instituição, porém tendo como prioridade o retorno mais rápido possível para um ambiente familiar. Além dos abrigos (governamentais ou não) que possuem esse perfil, incluímos outros tipos de iniciativas cujo objetivo é auxiliar os abrigos na tarefa de reordenamento institucional e reintegração familiar. • Acolhimento familiar Iniciativas que procuram garantir o direito à convivência familiar e comunitária, nos casos em que é necessário o afastamento do convívio com a família de origem, mantendo as crianças em ambiente familiar provisório, seja em casa de parentes ou de uma outra família que se disponha a acolhê-las. As famílias (de origem e acolhedoras) são preparadas e acompanhadas como parte de uma proposta de política pública. Cinco programas: Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Público-alvo do acolhimento familiar Crianças e adolescentes que tenham seus direitos ameaçados ou violados e necessitem de proteção; sempre com determinação judicial e em caráter de provisoriedade. O atendimento concentra-se na faixa-etária de 0 a 14 anos. •Dificuldade em conseguir famílias acolhedoras dispostas a cuidar de uma faixa etária superior a essa. •Resistência dos adolescentes ao acolhimento familiar. Aprendendo com a experiência acumulada • Uma melhor sistematização de dados é um importante meio de se monitorar e avaliar os resultados das iniciativas. Garantir qualidade dos atendimentos e dar maior credibilidade aos programas, ampliando as possibilidades de replicabilidade. • A capacitação continuada dos técnicos e famílias foi indicada como uma das ferramentas necessárias ao bom funcionamento de um programa de acolhimento familiar. • Espaços de troca de experiências entre técnicos de diferentes lugares enriquecem as práticas e trazem novas perspectivas para serem somadas. • O trabalho de reintegração tem maior possibilidade de sucesso quando há manutenção dos vínculos afetivos e a aproximação das famílias de origem e acolhedora envolvidas no processo. A articulação das ações em rede • Ações articuladas entre as instituições envolvidas no atendimento (social, jurídico, psicológico, educacional, etc). Otimização dos esforços e valorização do contexto de vida do sujeito, priorizando o atendimento pelas instituições e pessoas inseridas no seu meio social. • Importância da composição de uma força conjunta que resista às descontinuidades impostas pela gestão pública. Desafios e caminhos • O ideal de uma ação inovadora é ser transposta para a arena das políticas públicas e atingir uma parcela maior da sociedade. • O isolamento e a fragmentação das ações transformam iniciativas interessantes em experiências pontuais que não geram impacto nem mesmo na localidade em que atuam, servindo a poucos que tiveram oportunidade de acesso. • Necessidade de retaguarda para atendimentos específicos na rede pública, como, por exemplo, psicoterapia e outras abordagens para casos de abuso sexual, uso abusivo de drogas, gravidez precoce e assim por diante.