XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 14 A FORMAÇÃO COM PESQUISA: UMA POSSÍVEL DIDÁTICA EM QUESTÃO Sônia Regina de Souza Fernandes IFC/Campus Camboriú Idorlene da Silva Hoepers IFC/Campus Camboriú Resumo Neste artigo pretendemos socializar e problematizar os estudos que o grupo de pesquisa vem desenvolvendo em torno da questão da formação de professores, em especial, a do Pedagogo. O foco do estudo centra-se nas discussões de um possível paradigma emergente – que procura romper com a tradição positivista no campo da educação, nos processos de ensino-aprendizagem e nos seus modos de organização curricular. Para tanto, buscamos nas contribuições dos estudos que apontam como uma possível ruptura – o ensino com pesquisa em diálogo com um exame empírico do curso de Pedagogia que tem no seu Projeto Pedagógico a pesquisa como princípio formativo – que pretende em sua prática pedagógica contribuir efetivamente com a qualidade do processo de ensino e da aprendizagem –, proposta que transversaliza o curso do primeiro ao oitavo semestres e que oportuniza a todos os estudantes a vivência da pesquisa, independentemente de estar envolvido em grupos e ou projetos de pesquisa (experiência comum no processo de formação, porém, para poucos). Entre os autores que subsidiam o estudo estão Cunha, Sousa Santos, Paoli, Anastasiou, Fernandes e Fernandes entre outros. De acordo com Cunha (1998, p. 197) “É de extrema atualidade a discussão que gira em torno da relação entre os paradigmas científicos e as formas de organização de currículo, apesar de, concretamente, ver-se pouca mobilização para esta reflexão, no ensino universitário. [...], são quase inexistentes as experiências concretas que rompem com o paradigma tradicional de conhecimento na organização curricular”. As análises (ainda provisórias) vêm apontando que a formação com pesquisa desde o processo inicial de formação potencializa a capacidade investigativa e problematizadora do e no campo profissional/prática social possibilitando aos estudantes uma experiência singular da pesquisa, do método e metodologia. Palavras-chave: Ensino com Pesquisa; Formação de Professores/Pedagogo; Paradigmas Curriculares; Projeto Pedagógico; Didática. CONTEXTUALIZANDO A PROBLEMÁTICA A tradição da formação de professores no Brasil esteve e ainda está centrada em formas de organização curricular com forte relação/base nos modos de explicação dos paradigmas científicos - racionalidade técnico-instrumental. Da mesma forma tem-se nas últimas décadas do século XX e no início do século XXI produção teórica densa em torno da temática, bem como políticas educacionais que apontam outras formas de organização do currículo sob o olhar de outras racionalidades. A formação inicial de professores no contexto brasileiro nos últimos anos tem sido objeto de estudos e exige análises constantes em torno da sua configuração e das suas práticas, situadas historicamente no panorama das políticas públicas e nos seus Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001209 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 15 processos de operacionalização. De acordo com Fernandes e Fernandes (2005) a formação e suas implicações de identidade não se constituem em um constructo arbitrário, mas sim, decorrem de uma concepção de educação e de mundo, que mediados pelo trabalho com o conhecimento, como categoria fundante das relações pedagógicas, humanas e sócio-culturais, possibilitam o ato educativo. Neste quadro, a educação e a concepção de formação não são neutras, tornando-se necessário, percebê-las na sua multidimensionalidade e perspectivas, a partir de um olhar rigoroso no sentido dado por Freire e Shor (1987). As autoras (2005) em estudo realizado sobre a implantação e compreensão da Resolução CNE/CP 2, de 19 de fevereiro de 2002 em cursos de Licenciatura na região sul do Brasil, examinaram em especial os aspectos relacionados a prática como componente curricular, perceberam que ocorria nas IEs estudadas uma ambigüidade da resolução, polarizações e tensionamentos conceituais de prática e de teoria, de conteúdo e de forma, bem como uma dificuldade de os interlocutores compreenderem, na discussão da prática, a dimensão do trabalho como mediação, tanto no plano intelectual, quanto no plano da profissionalização docente, assim como o significado da inserção dos estudantes no campo profissional desde o início do curso . Entretanto, dizem as autoras, como a vida e a história não são lineares, os espaços de contradição são ocupados por sujeitos que ousam promover situações de diálogo humano e epistemológico, potencializando mudanças. Entendemos que a problemática em questão ainda não se esgotou e conforme nos aponta Cunha (1996;1998) é de extrema atualidade a discussão que gira em torno da relação entre os paradigmas científicos e as formas de organização de currículo, apesar de, concretamente, ver-se pouca mobilização para esta reflexão, no ensino universitário. E como diz ainda a autora, são quase inexistentes as experiências concretas que rompem com o paradigma tradicional de conhecimento na organização curricular. Vasconcellos (1999, p. 17) nos diz também que “[...] apesar de no discurso haver rejeição a essa postura, no cotidiano da escola verifica-se que é a mais presente, talvez nem tanto pela vontade dos educadores, mas por não saber como efetivar uma prática diferente”. Foi tendo por base a produção no campo da educação em relação ao tema em discussão é que a forma como se organizou o currículo do curso em questão, procurou romper naquilo que foi possível, com essa perspectiva, mobilizando processos que promovessem aos estudantes a inserção desde o início da formação no campo profissional, não só pelas orientações das diretrizes para os cursos de Pedagogia e das Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001210 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 16 Resoluções para os cursos de Licenciatura, mas em especial, como um princípio e ou paradigma “emergente” (no sentido de SOUSA SANTOS, 1997 e CUNHA, 1998) que possibilitasse a formação com pesquisa. As pesquisas pedagógicas demonstram cientificamente, como nos diz Vasconcelos (1999, p. 17) “[...] que aquilo que percebemos pela nossa observação atenta no cotidiano da escola: a situação atual em sala de aula, em grandes linhas, pode ser caracterizada como baseada na metodologia tradicional, de cunho academicista, uma vez que a pedagogia liberal tradicional é viva e atuante em nossas escolas [...] sendo que esta se aproxima mais do modelo dominante de escola predominantemente em nossa história educacional”. Da mesma forma é tradição nos cursos de formação inicial de professores os estudantes terem acesso à pesquisa por meio da iniciação científica e ou disciplinas que num ou noutro momento as coloquem diante de alguns processos educativos que os familiarizem com tal prática. Contudo, àqueles que não podem participar nos grupos de pesquisa, experienciam a mesma de forma “passageira” nas disciplinas oferecidas – como metodologia científica e da pesquisa (nomes mais genéricos). Essa passagem rápida não vem permitindo que os estudantes se apropriem e compreendam o ato de educar em sua totalidade, reificando a ideia de que pesquisar “[...] é uma atividade para iniciados, fora do alcance de alunos da graduação, onde o aparato metodológico e os instrumentos de certezas se sobrepõem à capacidade intelectual de trabalhar com a dúvida” (CUNHA, 1998, p. 12). Outro aspecto que pode contribuir para compreender os porquês dessa forma de ensinar é o que Cunha (2008, p. 7) traz sobre o discurso da indissociabilidade que envolve o trabalho docente entre o ensino, a pesquisa e extensão, ainda compreendidos como dimensões separadas, ou como diz a autora, [...] para alguns, ele centra-se no professor e quando realiza tarefa de três naturezas se afirma haver indissociabilidade. Para outros, [...] localizam na instituição, entendendo estar respondendo a este desafio se a universidade abriga experiências nas três esferas, mesmo que em espaços, locais e áreas diferentes (CUNHA, 1998, p. 198). De acordo com a autora, estas compreensões promovem o distanciamento da indissociabilidade. As implicações do que Cunha aponta, a nosso ver, reproduzem no contexto da formação de professores a cultura da aula como lugar de transmissão do conhecimento historicamente acumulado por meio do habitus da metodologia Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001211 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 17 tradicional de ensino que acha-se alicerçada na concepção de conhecimento decorrente de um paradigma de ciência – o moderno e de mundo – como algo dado. Cunha (1998, p. 199) nos ajuda mais uma vez a compreender a problemática em questão, para a autora “[...] esta racionalidade presidiu e ainda preside a concepção epistemológica do pensamento convergente e a pedagogia da resposta única, que não desafia os alunos com questões significativas [...]”. É no contexto dessas problematizações que a importância de estudos em condições “concretas de trabalho” que rompam ou superem com a lógica da tradição em questão e que vivenciem movimentos de transição entre paradigmas e suas racionalidades são bem vindos. É na esteira dessa discussão que se insere esse texto/trabalho. ALGUMAS REFLEXÕES COM AUTORES QUE PROBLEMATIZAM O ENSINO COM PESQUISA Estudos de autores como Paoli (1991), Vasconcellos (1999), Cunha (1996, 1998), Anastasiou (2003), Ribeiro (2011) entre outros, vêm especialmente contribuindo nas últimas três décadas em torno das questões do ensino com pesquisa, ou das relações do ensino com pesquisa. Na concepção de Paoli (1991), a metodologia do trabalho docente na graduação deve tratar sobre a importância do ensino com pesquisa relacionado a uma concepção de ensino, ressalta a necessidade de inovar conteúdos e disciplinas, sendo possível, na sua perspectiva, desenvolver um trabalho intelectualmente mais rico junto aos alunos. Para isso, propõe a superação do conhecimento formal, colocando a dúvida e a crítica como elementos fundamentais de sua proposta, bem como a necessária apropriação do conhecimento como algo não acabado, da provisoriedade e relatividade dos conteúdos e das verdades, quebrando, desse modo, a hierarquia do saber. Salienta ainda que o trabalho com criatividade, como forma de tornar a “[...] situação construtiva e significativa pode contribuir para [...] quebrar as formas lineares da programação, através de novas formas de seleção e articulação de conteúdos a partir de temas, questões e problemas”. Da mesma forma a introdução da análise como forma de ensino – onde o aluno seja capaz de organizar suas ideias sob formas diferentes, poderia contribuir na construção do conhecimento, superando a reprodução. Nesse constexto, diz o autor, o ensino com pesquisa, a superação do conhecimento formal e a análise como forma de ensino explicitariam “[...] uma forma de pensar a relação Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001212 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 18 ensino/pesquisa ligada com a proposição: ensino com pesquisa” ( PAOLI, 1991, p.1213). Para Vasconcellos (1991, p. 21-22) sem a superação do “obstáculo epistemológico” e do “peso histórico” da concepção tradicional de educação, que tem suas origens na concepção clássica (Antigüidade) ou na escolástica (Idade Média) num processo que não leva em conta as contribuições das ciências pedagógicas contemporâneas, corre-se o “[...] alto risco da não aprendizagem, em função do baixo nível de interação sujeito-objeto de conhecimento-realidade [...]”, isso do ponto de vista pedagógico. Outro aspecto é o ponto de vista político, que funciona como um mecanismo de seleção social, formando um homem passivo, acrítico, uma vez que reforça a classe social dominante como a mais capaz de realizar operações e pensamentos mais abstratos. Tais dimensões poderiam na análise do autor, constituir-se num obstáculo para o educador construir o novo. Uma proposta de trabalho docente, visando superação da anteriormente referida, é defendida por esse autor como “metodologia dialética de conhecimento em sala de aula” que se baseia em outra concepção de homem e de conhecimento. O homem, nesta concepção, é visto como um ser ativo e de relações, e o conhecimento como algo construído pelo sujeito na sua relação com os outros e com o mundo. Conseqüentemente, o conteúdo deve ser refletido e reelaborado pelo aluno, para que possa construir o seu. Desta forma, busca como fonte a teoria dialética que compreende o conhecimento em três grandes momentos: o da síncrese, o da análise e o da síntese, que presentes no fazer pedagógico buscam organizar o trabalho docente nos três eixos metodológicos. A “síncrese” consiste em “mobilizar para o conhecimento”, fato que supõe o interesse e a motivação em aprender e em conhecer. Já a “análise” envolve a “construção do conhecimento”. É o momento do confronto de conhecimento entre o sujeito e objeto, o penetrar no objeto, de compreendê-lo em suas relações internas e externas, de estabelecer o segundo vínculo de interação (relações mais totalizantes, mais complexas) e chegar ao nível da representação mental. Na construção do conhecimento, conforme Vasconcellos (1991), sete categorias ou critérios se colocam: significação; práxis; problematização; continuidade-ruptura; criticidade; historicidade e totalidade. O terceiro eixo, por sua vez, constitui-se na síntese onde se dá elaboração do conhecimento, dimensão relativa à síntese do conhecimento, bem como a sua expressão e compreensão concreta do objeto. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001213 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 19 Para elaborar a síntese do conhecimento é fundamental a presença de todas as categorias, bem como a compreensão de que toda a síntese é provisória. Segundo Vasconcellos (1991, p. 50), “[...] trata-se da materialização e objetivação do conhecimento” o momento em que educando e educador conseguem estabelecer relações com o objeto do conhecimento, quando o educando “[...] deverá expor os vários níveis de relações que conseguiu estabelecer com o objeto do conhecimento, seu significado, bem como a generalização, a aplicação em outras situações que não as estudadas” (id ibid). Estas questões permitem refletir sobre o objeto de investigação, uma vez que se torna possível a defesa de que o cotidiano das práticas pedagógicas pode e deve ser transformado em situações de estudo, como momento de mobilização, ponto de partida, de confronto teórico, de análise, ou seja, de pesquisa em sala de aula. Cunha (1998, p. 197) ao refletir sobre a relação entre os paradigmas científicos e as formas de organização do currículo, nos diz que [...] a forte presença do paradigma da ciência moderna na sociedade ocidental acabou por cristalizar a forma tradicional de currículo, vendo-a como uma única possibilidade de organização. Esta, resume-se na lógica presente no nosso cotidiano acadêmico: dos fundamentos da ciência para sua aplicação; da teoria para a prática; do básico para o profissionalizante. A compreensão dos processos de aprendizagem já visto em Paoli e Vasconcellos, “[...] parte do pressuposto de que primeiro o sujeito deve ‘adquirir’ conhecimentos para depois poder aplicá-los na prática e em situações específicas [...]” também nos diz Cunha (1998). As mudanças para alterar essa cultura, se limitam na alteração dos currículos dos cursos (em geral concebidos como grade curricular) em adicionar novas disciplinas, fracionando ainda mais o conhecimento, na tentativa de acompanhar o aumento de informações produzidas pela sociedade, diz Cunha. Outra questão observada pela autora, diz respeito ao entendimento dos conceitos de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão no trabalho docente. As dimensões do ensino, pesquisa extensão ainda estão desafiando o processo de indissociabilidade. A perspectiva epistemológica da modernidade pouco contribuiu para diminuir as fronteiras que dificultam a compreensão do ato de educar na perspectiva da totalidade, em que o processo de construção da cidadania se coloca como principal. Os docentes são pesquisadores qualificados e capazes de gerar conhecimentos na sua especificidade. No entanto, não necessariamente foram formados para o exercício da Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001214 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 20 docência e, dessa maneira, exercem de forma amadora a sua condição de professores, sem reconhecer os saberes profissionais que esta atividade exige. (CUNHA, 2008, p.7) Temos ainda, contribuição importante para essa reflexão que vem dos estudos de Ribeiro (2011, p. 1-2) sobre ensinar pesquisa e suas implicações para a formação de professores. A autora diz que “[...] nos últimos 40 anos, a pesquisa passou a ocupar um espaço de grande visibilidade na universidade brasileira, especialmente em decorrência da expansão contínua, com qualidade, dos cursos de pós-graduação stricto sensu, particularmente o doutorado que se constitui um lugar privilegiado de produção do conhecimento”. Entretanto, observa a autora, Na universidade brasileira, caracterizada pelo princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, de modo geral, há uma tendência forte em apartar a atividade de ensino da atividade de pesquisa, mediante sistemas de recompensas diferenciados. Com efeito, no Brasil, a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) estimula a atividade de pesquisa, ao exigir que os docentes dos programas de pós-graduação produzam um determinado número de trabalhos científicos a cada ano, o que se constitui parâmetro para credenciar ou descredenciar os referidos programas. A atividade de ensino, no entanto, parece não participar desse mesmo “ethos elitista”, na medida em que o currículo lattes do professor universitário não é pontuado significativamente pela qualidade da sua prática docente, fazendo com que esse profissional iniba-se no investimento substancial em práticas inovadoras (RIBEIRO, 2011, p 1-2) – grifos da autora. Como síntese das contribuições dos autores na perspectiva de superação “[...] o ensino tem de incorporar os processos metodológicos investigativos. Nesse particular é importante ressaltar que não há pesquisa sem dúvida, sem questão, sem problema e, estas, só nascem da leitura de como o campo científico se instala na prática, na realidade” (CUNHA, 1998, p.199). OS DESAFIOS DA RUPTURA: O MOVIMENTO DE MATERIALIDADE DE UMA FORMAÇÃO MENOS FRONTEIRIÇA A experiência de formação em xeque se insere no contexto de expansão e interiorização da Educação Superior no Brasil, notadamente a partir do governo “Lula”, mais especificamente com a criação dos Institutos Federais de Educação – Ifs. De acordo com os documentos institucionais a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica cobre todos os estados brasileiros, oferecendo cursos técnicos, superiores de tecnologia, licenciaturas, mestrado e doutorado. Embora os documentos demonstrem prioridade para os cursos de Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001215 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 21 licenciatura nas áreas das Ciências Exatas e Biológicas (Química, Física, Matemática e Biologia) – áreas em que o denominado “apagão” vem ocorrendo no contexto educacional brasileiro, o Instituto Federal Catarinense – IFC, em dois de seus câmpus, por demanda dos “arranjos produtivos locais”, ou seja, pelos pedidos de algumas secretarias municipais de educação, passou a partir de 2011 a oferecer o Curso de Pedagogia. O desafio se impôs - como organizar um curso, sem repetir os “erros” que os estudos e pesquisas apontam? Como superar uma organização curricular linear e desarticulada e promover a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão? Como formar/ensinar com pesquisa para todos? No ano de 2010 foram desencadeados movimentos para a elaboração do Projeto de Criação do Curso - PCC e posteriormente o Projeto Pedagógico – PPC instituindo uma comissão. A mesma – tendo por base os questionamentos apontados no parágrafo anterior - procurou levar em conta o que a produção do campo e as pesquisas já apontaram sobre o tema e a problemática em questão. Dessa forma observou rigorosamente estes estudos, e para esse texto, destaca o que Ribeiro (2011, p. 16) apreendeu de sua investigação: [...] Se é verdade que a pesquisa constitui-se instrumento para questionamento e transformação da realidade, necessário se faz que o ensino, desde as séries iniciais, esteja centrado nos alunos, isto é, organizado no sentido de formar indivíduos críticos, que pensem de modo reflexivo, construam os conhecimentos de forma autônoma, sejam capazes de tomar decisões, de cooperar, de comunicar o que sabem, de colocar-se no lugar do outro, o que é possível mediante o ensino com pesquisa. Contudo, ressalta a autora (op cit.) “[...] a pesquisa mostra-se ainda apartada da prática pedagógica de parte dos docentes das licenciaturas, o que nos leva a crer que parecem não compreender a necessidade premente de ministrar um ensino que privilegie não a reprodução, mas a produção de conhecimento”. A pesquisa da autora revelou que grande parte dos sujeitos que participaram da pesquisa, informaram que tinham interesse na realização de atividades de pesquisa. “Mesmo que alguns tenham revelado o pouco empenho de seus professores pela pesquisa, a maioria dos estudantes revelou disposição para assumir uma proposta de ensino com pesquisa”. Destacamos alguns depoimentos coletados pela autora em sua pesquisa como indicadores de possíveis revisões das formas tradicionais de formação centradas no professor e na aula expositiva. O participante (69) assim respondeu: “Gostaria de poder dedicar-me à pesquisa, ampliar meu repertório, conhecer mais. O que mais me interessa é analisar fatos, refletir Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001216 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 22 a partir de ações, dialogar com autores, ir além do que a aparência nos mostra”. Outros depoimentos mostram que os estudantes se queixam de que essa atividade ainda se encontra restrita a grupos de pesquisa com a participação de uma parcela limitada de bolsistas, como se pode perceber neste depoimento: “A pesquisa não está aberta a todos, nem todos têm acesso já que os grupos são formados com aqueles mais próximos do professor” (Participante 108) (RIBEIRO, 2011, p. 14). Diante de tantas contribuições a comissão propôs um curso que, embora disciplinar, pudesse concretamente desenvolver alguns processos formativos que oportunizassem aos estudantes (todos) espaços de aprendizagem por meio do ensino com pesquisa, diminuindo as fronteiras entre as disciplinas e os campos de conhecimento. Para isso, garantiu por meio da matriz curricular uma disciplina denominada de Pesquisa e Processos Educativos – que transversaliza o curso do primeiro ao oitavo semestre, inserindo os estudantes nos contextos da prática social, no caso da Pedagogia, em quatro campos de atuação profissional, - Educação Infantil, Anos Iniciais, Gestão e Modalidades da Educação – eixos de formação do curso. No primeiro semestre a inserção se dá por meio da Metodologia da História de Vida e das Narrativas. A disciplina articulada a outra – Pedagogia e Profissão Docente – promovem a introdução à Pedagogia como Ciência, utilizando-se além da própria história de vida dos estudantes (autobiografias), a experiência de ouvir por meio de entrevistas e ou questionários de pesquisa sujeitos/professores em exercício, tendo como critério de escolha três profissionais que estejam em tempos de profissão diferentes, a saber, no início, no meio e no processo final da profissão. Este movimento tem a intenção de aproximar os estudantes com a realidade da profissão e ao mesmo tempo possibilita a aprendizagem dos processos de pesquisa, como dos objetivos, dos instrumentos de coleta de dados, enfim, das facilidades e dificuldades da prática da pesquisa. O depoimento da estudante (E1) ajuda a compreender tal processo, Classifico como determinante os efeitos da realização das entrevistas com professoras em diferentes níveis de suas carreiras no primeiro semestre do Curso de Pedagogia. É como se este contato propiciasse uma profunda reflexão sobre minha própria escolha. Tendo respostas e posicionamentos bem distintos não apenas sobre suas carreiras, mas toda a significação da profissão em suas posturas sociais, políticas e em suas vidas particulares. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001217 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 23 Ressalta ainda que: Perceber que há professoras que atuam porque não conseguiram realizar-se em outra profissão é muito fácil: é como se a palavra frustração estivesse tatuada em suas testas (E1). Esta experiência, porém, tem valor considerável já que deixa uma mensagem marcante do quanto é importante trabalhar com o que se gosta, com o que lhe dá prazer. Felizmente das pessoas que entrevistei percebi em apenas uma profissional este descontentamento. Tanto a professora iniciante quanto a de maior experiência tinham verdadeira paixão pelo que faziam. Seus olhos brilhavam ao descrever seus alunos, suas atividades, suas experiências e, o mais marcante, o quanto enfatizavam o quanto tinham aprendido e não apenas ensinado. (E1) No segundo e terceiro semestres, a disciplina contempla no ementário estudos sobre a trajetória e tendências da pesquisa em educação no Brasil, as abordagens qualitativas e quantitativas, a prática de pesquisa e a realidade educacional/escolar. Tem como objetivo a identificação de temas e problemas de pesquisa na área educacional/escolar, por meio da inserção na realidade educacional formal e não-formal e em paralelo os princípios para o planejamento da pesquisa em educação (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO, 2011). Nestes semestres os estudantes além de se inserirem nos campos de atuação profissional para se situarem na e com as realidades concretas que envolvem a profissão, deverão escolher um dos campos para realizar a pesquisa de aprofundamento – processo esse que desencadeará no Trabalho de Curso previsto para o sétimo e oitavo semestres do curso – para que possam viver a experiência do ensino com pesquisa, escolhendo um tema, um problema ou problemática. Sobre essa experiência a E1 relata: As observações nos ambientes de atuação do profissional de Pedagogia, realizada no segundo semestre do curso, mostrou-se uma estratégia eficaz para a abrangência de visão do aluno. Possibilitou o conhecimento e análise dos diversos campos de atuação, realizações, expectativas e limitações de cada papel nos diferentes ambientes da escola. As possibilidades mostram-se muito vastas na observação direta e mais ainda no compartilhamento das experiências em sala de aula. Nos semestres quarto, quinto e sexto, o processo de pesquisa é desenvolvido em todo o seu processo e natureza, ou seja, aprendem a dúvida, a elaborar questão de pesquisa, a terem e compreenderem um problema, estes nascidos como nos diz Cunha (1998) da leitura de como o campo científico se instala na prática, na realidade. Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001218 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 24 O depoimento da E1 reforça que tanto as entrevistas com os profissionais como as observações destes ambientes permitiram um grande amadurecimento do que e do quanto representa para cada um a escolha desta profissão. Ressalta que: O melhor destas propostas é a vivência do aluno em uma realidade muito clara sem que haja pílulas douradas, tão pouco peneiras à mão – é inserir-se na verdade, é ter a memória vívida de um depoimento de alguém que lhe expõe seus sentimentos mais verdadeiros sobre sua própria vida, de um ambiente que lhe abre as portas para o que está próximo de ser seu futuro.(E1) QUEM ESPERA NÃO ALCANÇA... “QUEM SABE FAZ A HORA”... A proposta pedagógica em questão vem buscando sistematizar e vivenciar um processo curricular que permita o que Sousa Santos (1987) denomina de “Ruptura Paradigmática”, tal processo requer a devida compreensão da relação entre os paradigmas científicos e as formas de organização do currículo, onde tradicionalmente o conhecimento tornou-se produto e expressão da Ciência Moderna, conhecimento este, especializado, explicativo e dicotômico (teoria/prática). No sentido de (re)significar esta compreensão curricular, está-se fazendo este movimento de compreender os modos de produção do conhecimento por meio do ensino com pesquisa, daí nossa provocação no título desse trabalho - A formação com pesquisa: uma possível didática em questão – como forma de tensionar a visão simplista e reducionista da compreensão da Didática, vendo-a como campo de estudo da Educação – que tem como objeto o processo ensinoaprendizagem nas relações conteúdo-forma, teoria-prática, escola-sociedade, professoraluno e as técnicas e métodos de ensino em contextos históricos situados, constituindo assim, numa teoria do ensino, não para criar regras, como nos diz Pimenta (2004), mas para contribuir na ampliação de nossa compreensão em torno da atividade e do trabalho docente. Compreender os processos de formação de professores por meio do ensino com pesquisa como uma possível Didática, implicaria na percepção de que “[...] a sala de aula, entendida aqui na sua dimensão simbólica como espaço e o território onde se materializam os processos de aprendizagem, requer esforços intencionais de ruptura paradigmática, favorecendo a construção de racionalidades ampliadas. E ainda, implicaria em entender que “[...] nossos alunos não são apenas cérebro e memória. São pessoas culturalmente situadas, com aspirações e representações da realidade que definem suas expectativas e possibilidades. São portadores de saberes que precisam ser Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001219 XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012 25 levados em conta e, se necessário, ressignificados” (CUNHA, 2008, p.8), a ressignificação a nosso ver, dar-se-ia através da formação com pesquisa, como materialidade de práticas pedagógicas comprometidas com a melhoria da qualidade social do ensino e da aprendizagem, assim como das “possibilidades concretas de construção de uma escola pública de qualidade” – objetivo do eixo temático. REFERÊNCIAS ANASTASIOU; Léa das Graças C. ALVES, Leonir (orgs). Processos de ensinagem na universidade: Pressupostos para as estratégias de trabalho. Joinville: UNIVILLE, 2003. CUNHA, Maria Isabel. O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara: JM, 1998. CUNHA, Maria Isabel. “Prefácio”. In: CASSIANI, S. [et. al] Lugares, sujeitos e conhecimentos: a prática docente universitária. Florianópolis: UFSC, 2008. 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Junqueira&Marin Editores Livro 3 - p.001220