MAIS QUE OUVIR: ESCUTAR – REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO MÚSICAL NA PRIMEIRA INFÂNCIA – Carolina Platero Martinelli, professora de música da Escola Primeira. Formato: Comunicação Científica Eixo temático: Arte-educação Resumo Por meio deste breve relato pretendo apresentar algumas ideias que embasaram o trabalho educativo com as crianças da Escola Primeira no ano letivo de 2013. Trago algumas reflexões que nortearam todo o projeto pedagógico musical ao longo do ano. Pretendo falar da música como linguagem e como canal de comunicação entre as crianças e das crianças com os adultos. Seu aprendizado propicia o desenvolvimento expressivo e cognitivo de bebês e crianças. Meu intuito é pensar acerca destas duas palavras tão caras ao ensino e ao fazer musical: escuta e canto. Por meio delas, meu desejo é trabalhar o aprendizado de uma audição inteligente e do desenvolvimento da fala, da voz ativa e pensante de cada criança. Palavras-chave: Música, expressão, comunicação, escuta, infância e pensamento crítico. Problema Acredito que estamos vivendo uma época em que os sentidos são constantemente “bombardeados” com estímulos sonoros e visuais. Absolutamente imersos em um universo saturado de imagem e som, as crianças do século XXI já nascem em meio à explosão viso-sonora oferecida pela televisão, pelo cinema, pela propaganda, pelos computadores e jogos virtuais. Grande parte das nossas crianças brasileiras que vivem nos grandes centros urbanos habita um cotidiano repleto dos mais diferentes tipos de som e imagem. O corpo das crianças está sendo formado neste contexto de hiperestimulação sensorial, numa velocidade assombrosa. A sensação de falta de tempo e de impaciência parece aumentar a cada dia, nas grandes cidades, chegando até as próprias crianças. Vivemos uma espécie de aceleração interna, que faz com que não consigamos nos debruçar sobre um assunto que demande um pouco mais de tempo que um jogo eletrônico, ou um comando efetuado por computador. Tamanha poluição sonora faz com que estejamos, na maioria das vezes, acostumando nossos ouvidos ao ruído, quase que desaprendendo a ouvir para que possamos nos manter vivos e lúcidos. Eis que, para a criança, chega o momento de ir à escola, de aprender e de se lançar a novos estímulos. Mas, em meio a esta realidade, qual seria o papel da educação estética? Como falar de música em um mundo anestesiado pelo ruído? Objetivos Meus principais objetivos são: I. II. III. IV. V. VI. Desenvolver um trabalho educativo que considere o ensino da música enquanto linguagem, enquanto forma viva de comunicação. Trazer o debate acerca do que é música e das diversas possibilidades de produção sonora para o ambiente escolar, de forma aberta, ampla, abrangente. Pensar e discutir com as crianças sobre o que caracteriza a música produzida em nosso tempo e no passado, considerando também o que se convencionou chamar de ruído. Procurar desenvolver uma escuta atenta e cuidadosa nas crianças; Oportunizar um espaço de verdadeira experimentação e criação, para que possamos descobrir juntos caminhos distintos daqueles apresentados pela chamada indústria cultura; Trabalhar por uma escuta inteira, com entrega, sem pressa, na tentativa de seguir na contramão da cultura da velocidade e do sem-tempo. Metodologia A metodologia é ampla e diversa. Acredito que esta concepção educacional está diretamente vinculada a uma escuta sensível e constante do educador para com as crianças, os outros educadores, as famílias e o próprio ambiente. As aulas têm como estrutura alguns momentos pedagógicos: há um momento de apresentar e experimentar cantigas e canções de hoje e de antigamente; há um momento de escuta do ambiente, de exercício do ouvir puro e simples; há um momento destinado à escuta de música gravada, com apresentação e apreciação de trabalhos em cd ou em mp3; há um momento de exploração de instrumentos, e há outro momento de invenção sonora; por fim, há os chamados “momentos rituais”, que se repetem com finalidade ritualística mesmo, para que a aula seja vivida como uma ocasião habitual, para que as crianças se interessem e conheçam as aulas (é onde estão situados os cantos de chegada e partida). Esboço de fundamentação teórica A música contemporânea, as experiências de Schoenberg, a música atonal, dialogam abertamente com a ideia de ruído, com os sons produzidos a partir de fontes que não foram concebidas, a priori, como instrumentos musicais. O trabalho com música no ambiente escolar também estabelece constante diálogo com a exploração “crua” do som, sem prévio conhecimento de cromatismo, tonalidade, etc. Há nas crianças, um desejo de fazer soar, de estabelecer comunicação direta por meio do som. Talvez este seja um elo muito forte de ligação entre os estudos sobre música da atualidade e o trabalho com as crianças. Neste sentido, trago como base pedagógica algumas discussões filosóficas contemporâneas acerca da importância de re-sensibilizar do corpo, segundos as ideias do filósofo Herbert Marcuse, e de promover uma educação voltada para a escuta sensível, de acordo com Theodor Adorno. Tomo como bases pedagógicas a concepção de criança e de aprendizado presentes nos relatos de experiência de Lóris Malaguzzi e de toda a equipe de educadores da região de Reggio Emília, na Itália. Tal concepção tem como pressuposto a compreensão de que a criança é um ser autônomo, capaz, potente, que aprende quando estimulada, e que precisa, não apenas aprender a “ouvir melhor” o mundo que a cerca, mas também ser ouvida por todos, com respeito e inteireza. Resultados obtidos Não há resultado estanque, posto que a música continua presente no cotidiano das crianças. No entanto, sinto que as crianças se tornam mais generosas, mais serenas e atentas, ao sentirem que são ouvidas e tratadas com calma, paciência e respeito. A música, por sua própria natureza, conduz a experiência das crianças por meio de um universo de envolvimento, sensibilidade e sutileza. Tudo isso contribui para que as crianças se tornem mais atentas e menos dispersas. Conclusão A música, para mim, tem sido um canal incrível, extremamente potente e rico, para o tão desejado e valioso encontro educativo. É verdade que, como todo trabalho educativo, olhar a música em sua inteireza, com abertura verdadeira para escuta, para invenção e transformação, não é tarefa fácil. Principalmente num tempo tão surdo, tão ruidoso como o nosso. No entanto posso dizer, com honesta gratidão, que este é um caminho sem fim, que não se esgota nunca, mas que modifica e aproxima as pessoas, que transforma a sensibilidade das crianças, e que as torna ainda mais abertas, mais tolerantes, mais curiosas e interessadas. Referências bibliográficas ADORNO, T. Educação e emancipação; trad. Wolfgang Leo Maar – Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995. __________. Introdução à sociologia da música: doze preleções teóricas; trad. Fernando R. de Moraes Barros – São Paulo: Editora Unesp, 2011. EDWARDS, Carolyn. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio Emília na educação da primeira infância; Carolyn Edwards, Lella Gandini, George Forman; trad. Dayse Batista – Porto Alegre: Artmed, 1999. MARCUSE, H. Eros e Civilização: uma interpretação filosófica do pensamento de Freud; trad. Álvaro Cabral. Oitava ed. – Rio de Janeiro: LTC, 2009. SCHAFER, R. Murray. O ouvido pensante; trad. Maria Trenc de O. Fonterrada, Magda R. Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal – São Paulo: Editora Unesp, 1991.