Os desafios da discussão da
saúde frente às exigências do
trabalho contemporâneo
Grupo Saúde de Trabalhador da
UFF
Modernidade Líquida
Mundo sem fronteiras.
Trabalhadores certos para lugares incertos
Fim do Estado de Bem-Estar Não há estabilidade, mas
flexibilidade para a especialização do trabalhador.
Empregabilidade
Sucessos e fracassos são de responsabilidade individual
Apropriação do Capital humano Ênfase no consumo =
sedução
Captura processos de criação pelo endomarketing
Intensa Competitividade
Quebra da reciprocidade entre os trabalhadores
1º Desafio: A Biosegregação
Instituição da normalidade
Padrões de utilidade e eficiência da sociedade
capitalista
“O que, no entanto, parece flexibilidade do lado da procura
vem a ser para todos aqueles jogadores no lado da oferta
um destino duro, cruel, inexpugnável: os empregados
surgem e somem assim que aparecem, são fragmentados e
eliminados sem aviso prévio, como as mudanças nas regras
do jogo de contratação e demissão _ e pouco podem fazer
os empregados ou os que buscam emprego para parar essa
gangorra”.
1º Desafio: A Biosegregação
A presente versão do trabalho líquido - fluida,
liquefeita, dispersa - estimula a individualidade e
competitividade desencorajando e enfraquecendo
os vínculos da rede coletiva do trabalho,
aumentando a possibilidade de quebras da
reciprocidade entre os trabalhadores. Se a
sociedade industrial serviu-se, no início do século
XX, das correções disciplinares instituídas pelo
panóptico, construindo os alicerces da pesquisa
dos limites de tolerância à insalubridade e à
rotinização da ação humana, a sociedade
globalizada, do século XXI, vivencia a
intolerância aos limites humanos.
2º desafio: As zonas de invisiblidade
“lugares a que não se atribui significado. Não precisam ser
delimitados fisicamente por cercas ou barreiras. Não são
lugares proibidos, mas espaços vazios, inacessíveis porque
invisíveis”
2º desafio: As zonas de invisiblidade
Os números crescentes dos casos de sofrimento psíquico,
sem o respaldo do encaminhamento beneficiário, por falta
de nexo comprovado pela perícia;
O grande número de trabalhadores que procuram a
procuradoria pública para obter direitos de trabalho em
relação à saúde;
As subnotificações
As formas de sofrimento psíquico sem
significados
São corpos-incidentes, no acidente do trabalho cotidiano,
preenchendo hoje não apenas espaços de resíduos, lidos
como inevitáveis, mas espaços invisíveis que
mapeiam, cada vez de forma mais rigorosa, a diferença dos
que são e podem ou dos que não são e não podem
pertencer ao capital, de codinome atual, Capital Humano.
3º. desafio: As emoções na era dos resultados
No âmbito do trabalho, acreditou-se que a racionalidade
das organizações deveria destituir o afeto da
execução do trabalho, para se trabalhar mais e
melhor. Adaptação e ajustamento
Com a globalizada a competição extrapola os âmbitos locais
das organizações ganhando destaque a inventividade do
capital humano. Inteligência Emocional
Leis da Excelência
Uma abertura para a expressão das sensibilidades nas
organizações que se concretizam por novos discursos
empresariais: autocontrole, autodesenvolvimento, capital
intelectual, gestão da competência, treinamento antiestresse permeados pelas exigências da velocidade imposta
pelo mercado.
A criação de políticas de saneamento e purificação passam
a configurar a expectativa gerencial de que: a
competitividade estará assegurada pela satisfação dos
empregados e seu envolvimento na área de resultados,
codificados por um padrão de excelência sempre em
busca de identificar e ultrapassar seus limites, porque
haverá sempre um limite novo a ser alcançado.
Leis da Excelência
A obrigação de que o desempenho deva estar
mobilizado por uma paixão pelo trabalho, na
qual o prazer garanta a eficácia;
A condenação aos dissidentes diante das regras
estabelecidas, por ocasião dos julgamentos que
se instauram sempre que ocorrem fracassos
frente aos objetivos fixados pelas atividades.
4º desafio: As bicrolagens subjetividade, saúde,
trabalho
Segundo relatório de pesquisa, de 1957, Le
Guillant (1984) relata seu parecer sobre a fadiga
nervosa das telefonistas:
“ esse nervosismo é mantido pelo próprio trabalho
que, ao mesmo tempo, o exige e o cria: certas
telefonistas atingem rendimentos consideráveis
(140 a 150% em relação à média) , não por zelo,
mas porque o trabalho, dizem elas, as torna
nervosas e que quanto mais elas estão nervosas ,
mas elas trabalham rápido” (p.10)
As formas de organização do trabalho afetam a
saúde física e mental
“ A automação cada vez mais aperfeiçoada leva a uma
monotonia penosa; as operadoras sofrem por trabalhar
como robôs, por fazer um trabalho mecânico, por não ter
nenhuma iniciativa a tomar, por não poder organizar o
próprio trabalho, por não imprimir absolutamente nada
delas nesse trabalho” (Le Guillant, 1984)
As formas de organização do trabalho afetam a
saúde física e mental
"o Kaizen — norma de aperfeiçoamento ininterrupto, a qual
fustiga o empregado com a inquietação da busca
incessante. O objetivo de zero-defeitos, visando à
qualidade ótima da produção, disciplina os trabalhadores na
medida em que lhes impõe concentração mental estafante
na tarefa a realizar. A tudo isso adiciona-se o Andon —
dispositivo visual que orienta os trabalhadores de cada
seção a respeito do ritmo de trabalho e permite à gerência
acelerá-lo quando conveniente". (Gorender, 1977:319).
Uma anatomia política
Segundo Foucault, uma mecânica de poder se instala:
"Define como se pode ter domínio sobre o corpo dos outros,
não simplesmente para que se faça o que se quer, mas
para que se opere como se quer, com as técnicas, segundo
a rapidez e a eficácia que se determina. A disciplina fabrica
assim corpos submissos e exercitados, corpos dóceis"
(Foucault,1977:127).
Como ler as resistências?
Os sinais do corpo pensado como resistência pode ser
entendida como uma normatividade, se nos aproximarmos
da idéia de Canguilhem (1990) quando afirma que a
doença não é somente desequilíbrio ou desarmonia, mas
uma forma de busca natural de equilíbrio. Nesta busca de
equilíbrio, podemos apreciar que, na relação de
trabalho/corpo, a resistência do corpo, joga contra a
entropia crescente - no que concerne ao desgaste físico e
emocional - e arriscamos a hipótese de uma desaceleração
como índice de normatividade.
"Apaga, mas sublinha; abole de um lado, mas é para
exaltar do outro; a essência da doença não está somente
no vazio criado, mas também na plenitude positiva das
atividades de substituição que vêm preenchê-lo". (Foucault,
1968:24).
Capturando resistências
Um ajustamento adequado às condições inadequadas das
organizações, uma resposta positiva (leia-se de lucro)
frente às precarizações de equipamentos, de
relacionamentos, de instrumentos, de informação sobre o
trabalho. Concepções que apreciam o máximo de respostas
úteis e eficientes positivadas no ocultamento de qualquer
doença ou mal-estar. Nessa racionalidade neofisicalista a
empresa de excelência fabrica o ideal de saúde perfeita em
um fictício bem estar físico e mental.
Descartando que as relações ao estresse são sempre
máscaras do sofrimento, a idéia de um estresse positivo
cria a ficção de uma relação biopsicossocial de ser humano
em harmonia com o ambiente maquínico. A busca de um
ideal de perfeição reflete e mantém por espelho, o outro
fora das graças do capital, um lugar obscuro, de baixa
estima disseminada na idéia de fracasso pessoal, de
incompetência.
As propostas de Intervenção
1- A escuta técnica não se propõe a ensinar aos
trabalhadores o seu ofício ou a se adaptar melhor a ele.
2- A escuta técnica deve ser uma escuta da psicologia do
trabalho. A referência do processo de sofrimento é sempre
o trabalho e não o indivíduo, tomado em condições
biológicas ou sociais.
3- Analisar onde essa escuta é capturada pela
psicologização da doença. Processos de culpabilização do
trabalhador evidenciam esta forma de captura, ele torna-se
o culpado por acidentes de trabalho ou por adoecer
4- Potencializar a fala coletiva da vivência da saúde,
mesmo sendo realizada em situação individual.
“Fruir da riqueza da atualidade, depende das subjetividades
enfrentarem os vazios de sentido provocados pelas
dissoluções das figuras em que se reconhecem a cada
momento. Só assim poderão investir a rica densidade de
universos que as povoam, de modo a pensar o impensável
e inventar possibilidades de vida. (...) O que preocupa não
é a perda de um lugar, mas de uma ética”. (Rolnik)
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