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Comunicação e Sociedade, vol. 20, 2011, pp. 63-75
A rádio no contexto da sonosfera digital:
perspectivas sobre um novo cenário de recepção sonora
Juan José Perona Paez*
Resumo: As múltiplas possibilidades de recepção sonora decorrentes do desenvolvimento tecnológico, mas especialmente da integração e da interacção de diferentes dispositivos electrónicos digitais, situam a rádio numa posição muito vantajosa relativamente
a outros meios de comunicação, ao mesmo tempo que desenham um cenário comunicativo que convida a procurar novas formas de exploração e transmissão de conteúdos.
No contexto do que aqui denominamos de sonosfera digital, este artigo examina, precisamente, o principal impacto da convergência em relação aos hábitos de escuta radiofónica e de configuração ao seu eu sonoro actual. A partir do desenvolvimento de dois
grupos focais com estudantes universitários espanhóis – todos eles nativos digitais –,
esta abordagem visa produzir dados sobre a relação dos jovens com a sonosfera digital
e responder a perguntas como: quais são os principais dispositivos electrónico-digitais
que incidem com mais força na configuração da sonosfera digital? Quais são as preferências sonoras dos jovens no novo contexto de recepção? Que lugar ocupa a rádio – o
meio sonoro por excelência – no contexto dessas preferências? Ou que características
do novo cenário comunicativo são mais valorizadas pelos jovens?
Palavras-chave: sonosfera, rádio, recepção sonora, digital, dispositivos electrónicos.
Introdução
Avaliar o alcance das mudanças nas rotinas de produção que os avanços tecnológicos
estão a operar nos distintos meios e estudar as características dos novos paradigmas
baseados na interacção e na participação são duas das principais questões que centram
boa parte da investigação recente em comunicação. No entanto, as consequências da
convergência digital apenas são examinadas do ponto de vista da recepção e quase igno* Professor da Universitat Autònoma de Barcelona. [email protected]
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radas do ponto de vista do som, numa sociedade que continua a exaltar a imagem relativamente a qualquer outro estímulo comunicativo. Esta situação é, na verdade, muito
surpreendente no momento presente, dado que a integração e o carácter concomitante
de diferentes dispositivos electrónicos-digitais desenham um novo ambiente na recepção
das mensagens auditivas e propiciam o aparecimento de novos hábitos de escuta, que
superam e rompem os limites das formas tradicionais. De uma perspectiva estritamente
sonora, acreditamos que este novo ambiente – canalizado pelos tais dispositivos e em
que confluem a rádio pela Internet (web-linked radio stations), o telefone móvel (mobile
media), os podcasts, a TDT (Televisão Digital Terrestre), a televisão para invisuais, as
plataformas de música online (tipo Spotify) ou os ambientes musicais (muzak), para
citar apenas alguns – intervém decisivamente na arquitectura do que poderia denominar-se como sonosfera digital.
Pela sua natureza, o termo que aqui se utiliza inspira-se tanto nos contributos do
musicólogo canadiano Murray Schafer (1994) sobre a construção de paisagens sonoras
(soundscapes) como nas contribuições de Peter Sloterdijk (1995), que toma como sinónimo do conceito de paisagem sonora o de sonosfera, em especial para recriar o espaço
individual que se gera pela percepção dos sons. Também se aproxima do que Michael
Bull (2005) define como “bolha”, ou esfera privada, que permite ao indivíduo, com
a utilização de aparelhos tais como o mp3, o mp4, o iPod, ou mesmo o PC clássico,
isolar-se do que o rodeia e construir o seu próprio universo sonoro por um processo
em que é ele quem decide o que ouvir, como, quando e em que condições. No entanto,
apesar da capacidade desses dispositivos para libertar o sujeito do ambiente envolvente
e transportá-lo, nas palavras do Bull, para a sua própria “bolha”, «a representação
mental da sonosfera digital poderia assemelhar-se à de uma esfera imaginária formada
pelo conjunto de sons que nos rodeiam e que, por sua vez, seria a soma das esferas individuais de cada um dos indivíduos. Assim, devemos entender que existem infinidades de
sonosferas que ao coincidir no espaço e tempo se fundem, configurando uma sonosfera
maior» (Barbeito & Fajula, 2009: 581).
Sonosfera digital e comunicação radiofónica
De acordo com esta última teoria, a convergência tecnológica a que se aludia anteriormente remeteria para uma esfera que, graças à globalização, não conhece fronteiras nem
limites de acesso ao “som universal”, um som no qual, obviamente, se encontra o som
radiofónico. Assim, se na era analógica a recepção da rádio necessitava da mediação de
um dispositivo (transístor), que actuava como a única via de acesso a um menu fechado
– configurado pelas estações que estivessem na sua cobertura –, no contexto da sonosfera
digital, os meios e dispositivos conectados que canalizam a nova recepção, em muitos
casos através de um simples auricular, podem ser ilimitados. A convergência digital integra, por outro lado, a globalidade na proximidade, o que torna possível que a mensagem
sonora, que na rádio tradicional tinha uma função basicamente social – a função da rádio
era fazer-se ouvir por todos –, incorpore agora com mais força do que nunca a individualização do som. O novo ouvinte da sonosfera digital, especialmente o ouvinte jovem, torna-
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-se dono das ondas, escolhendo o que quer ouvir em cada momento, afirmando com a sua
individualidade a sua participação num processo de comunicação colectiva. A dimensão
global que caracteriza o processo de comunicação dos novos média tem que conviver com
a dimensão de proximidade de que precisa o espaço íntimo de recepção sonora.
Além disso, no terreno da comunicação radiofónica, a sonosfera digital elimina a singularidade do meio e consagra a universalidade da mensagem, porque, se se aceita que no novo
cenário a rádio e o telemóvel, por exemplo, sejam dispositivos de um ente superior que os
engloba – a sonosfera digital –, terá que se aceitar também que a mensagem que se ouve
através da rádio e a mensagem que se ouve através do telemóvel são as mesmas. A mensagem recupera assim a sua centralidade na comunicação global e torna-se o centro de tudo.
O receptor não se relaciona ‘com’ os meios, mas está imerso ‘nos’ meios. Por esta razão, o
que a sonosfera faz é certificar o estatuto do eu sonoro. Os meios convencionais tentaram
sempre fazer chegar as suas mensagens a um receptor universal, mas nunca o conseguiram,
porque cada receptor era ouvinte, ou telespectador, ou utilizador da Internet... No entanto,
esta divisão mediática é eliminada pela sonosfera digital, com o valor acrescentado de
que o eu particular de cada indivíduo tem mais facilidades para expressar-se como sono-ouvinte e destacar-se, assim, de entre o que alguns autores vêem como um mundo marcado pela claustrofobia acústica e perda de atenção (Xinghua Li, 2011).
A construção da sonosfera digital torna-se muito interessante entre a geração conhecida como geração ND (Nascido Digital, Nativos Digitais) ou também chamada de
e-geração, na medida em que nasceu e desenvolveu plenamente os seus processos de
socialização num ambiente totalmente digital. Em Espanha, por exemplo, a primeira
geração ND integra os jovens que em 2010 tinham entre 17 e 20 anos, se olharmos para
o estabelecido neste sentido por Marc Prensky (2001) para designar os estudantes que
eram capazes de falar de forma inata a linguagem digital dos computadores, videojogos
e da Internet. No entanto, outros autores situam o início das gerações digitais nos que
nasceram no início dos anos 1980. Em ambos os casos, no entanto, os Nativos Digitais
são aqueles indivíduos para quem as TIC fazem parte natural do seu ambiente; nas palavras de M. Csikszentmihalyi (1998), as TIC já foram incorporadas como nova realidade
na cultura, pelo que para estas novas gerações constituem o seu âmbito mais próximo.
Seja qual for o caso, e como se demonstra no relatório La Sociedad de la Información en
España 2010 (da Fundación Telefonica), nos últimos anos os líderes na adopção têm sido,
sem dúvida, os segmentos mais jovens da população, com índices próximos de 90% no uso
de formatos digitais para realizar actividades como ver vídeos ou ouvir música, e cerca de
80% no uso da Internet para a realização de actividades como procurar notícias ou aceder
a conteúdos audiovisuais. Estes dados são complementados com os que, por exemplo, mostrava o estudo Navegantes en la red (AIMC, 2008), onde se assegurava que entre 2004 e
2008 o único meio que experimentou um aumento no tempo gasto por parte do conjunto
de jovens foi a Internet (+ 40%). Pelo contrário, a televisão perdeu 18%, a rádio 10%,
a imprensa 15% e as revistas 27%. De facto, o crescente uso da Internet é directamente
proporcional à diminuição do consumo dos média convencionais, tanto que no intervalo
de 2004-2008 cerca de 68% dos jovens deixaram de ver TV e preferiram conectar-se. Pelo
mesmo motivo, 24% deixaram de ler, 19% de ouvir rádio e 15% de ir ao cinema.
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A construção da sonosfera digital.
Metodologias de estudo e questões de investigação
Tendo em conta a relevância dos dados apresentados, um dos principais objectivos deste
artigo radica precisamente em estudar a relação dos jovens com a sonosfera digital, com
o fim de definir e especificar os cenários comunicativos que se apresentam para a exploração e transmissão dos conteúdos sonoros, bem como para a experimentação com
novos formatos. O estudo é parte do projecto que o Publiradio: Grup de Recerca en
Publicitat i Comunicació Radiofònica (www.publiradio.net) da Universitat Autònoma
de Barcelona desenvolve sobre a sonosfera digital como novo contexto de recepção de
mensagens sonoras entre os jovens. Estudo dos hábitos de escuta para o desenvolvimento de novos formatos de publicidade institucional (CSO2009-12236), financiado
pelo Ministério da Ciência e Inovação espanhol. A abordagem geral desta investigação
parte da hipótese de que foi na escuta de conteúdos musicais entre o público jovem
que a convergência digital impôs uma mudança radical nas formas de recepção sonora.
Pode afirmar-se, inclusive, que na actualidade a recepção de música redefiniu o tipo
de mediação tecnológica que até agora tinha caracterizado a relação dos jovens com
os meios de comunicação; uma redefinição que, sem dúvida, também afectará outro
tipo de oferta e outro tipo de mensagens sonoras. Em suma, a convergência digital
redescobriu entre os jovens de hoje a gratificação pelo acesso individual ao som ou, o
que é o mesmo, a sonosfera digital. Porque, se os jovens viveram na década de 1980
com a introdução da tecnologia do vídeo e a eclosão da imagem, a convergência digital
dos novos meios de comunicação está agora a começar a submergir numa explosão
de som. Mas quais são os principais dispositivos electrónico-digitais que incidem mais
fortemente na configuração da sonosfera digital? Quais são as preferências sonoras
dos jovens no novo contexto de recepção? Que lugar ocupa a rádio – o meio sonoro
por excelência – no contexto destas preferências? Que características do novo cenário
comunicativo são mais valorizadas pelos jovens?
Para responder a estas perguntas, numa primeira fase de estudo e análise, o grupo
Publiradio seguiu uma metodologia qualitativa, baseada na realização de dois focus
groups – um em Maio de 2010 e outro em Outubro de 2010 – com jovens universitários.
O primeiro, em jeito de pré-teste, serviu essencialmente para isolar as palavras-chave relacionadas com a sonosfera digital e com os objectivos do projecto acima mencionado, pelo
que interessava também incidir em termos como “rádio”, “publicidade”, “institucional”
e assim por diante. Estas palavras-chave foram ‘procuradas’ posteriormente num segundo
grupo focal, em que participaram oito indivíduos (cinco mulheres e três homens), com uma
idade média de vinte anos, e que resultou num total de 164 intervenções únicas.
A exploração destes grupos focais foi realizada com a ajuda do programa informático
de estudos qualitativos MaxQDA. Partindo da procura das tais palavras-chave, a que
a partir de agora chamaremos conceitos, fez-se uma quantificação do número de ocorrências de cada uma delas (registos) para determinar o grau de presença no discurso, e
portanto, a importância atribuída. No seguimento deste trabalho realizou-se uma análise
dos temas tratados ao longo da segunda dinâmica de grupo, com o objectivo de destacar
quais os que tinham maior relevância, tanto a nível de registos associados como a nível do
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número de intervenções, e, por fim, aqueles que geraram maior debate. Aquelas questões
foram agrupadas em relação à mesma temática para reduzir possíveis dispersões.
Resultados: conceitos, registos e temas à volta da sonosfera digital
Existe uma sobreposição de 82,6% entre os conceitos procurados – a partir dos dados
extraídos do primeiro grupo de foco e uma vez eliminados os que não estavam relacionados
com o objecto de estudo – e os que finalmente apareceram no segundo grupo. Estes conceitos, num total de 38 (Tabela I), constituem as palavras-chave usadas para a análise de conteúdo realizada com o MaxQDA. Cada termo foi rastreado pela raiz da palavra, de modo
que se contemplam as diferentes variações, incluindo os modos masculino/feminino, plural/
Tabela I. Conceitos relacionados com a sonosfera digital
Aplicação
Marca
Blogue
Minicadeia
Cadeia
Moda
Qualidade
Móvel
CD
MP
Computador
Online
Criatividade
Plataforma
Download
Podcast
Digital
Portabilidade
Emissora
Programa
Escuta
Publicidade
Estereótipo
Rádio
Facebook
Rede
Frequência
Saturação
Incentivo
Som
Institucional
Spotify
Interactividade
TDT
Internet
Tecnologia
iPad
Televisão
iPhone
Transístor
iPod
Web
Livre
Zapping
Os conceitos encontrados aparecem sombreados.
Fonte: Grupo Publiradio.
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singular, etc. Assim, por exemplo, no caso de criatividade, procurou-se a raiz “criativ-”,
pelo que sob esta denominação também se incluem termos como criativo(s) ou criativa(s).
Se se analisar agora a lista de conceitos que atingem um maior número de registos
(Tabela II), observa-se como, deixando de lado os resultados correspondentes a “rádio” e
“publicidade” – sobre os quais, como vimos, se incidiu com mais insistência pelas razões
expostas –, a “escuta” de “música” se destaca claramente em comparação com as posições que conseguem outros termos-chave como “Internet”, “Facebook” ou “Telemóvel”.
Além disso, a “escuta” de “música” é ainda mais significativa se se tiver em conta a posição, relativamente a registos absolutos, da plataforma Spotify, e igualmente se olharmos
para as possibilidades que os dispositivos anteriormente mencionados (Internet, telemóvel)
supõem para a recepção sonora. Estes dados corroboram em boa medida a ideia que se
apontava mais acima a propósito da audição de conteúdos musicais entre os jovens.
Tabela II. Registos (frequência) dos diferentes conceitos relacionados com a sonosfera digital
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Conceitos
Registos
Rádio*
59
Publicidade*
41
Escuta
32
Música
30
Internet
16
Facebook
14
Telemóvel
14
Programa
14
Spotify
13
Criatividade
12
iPod
11
Download
10
Televisão
9
Qualidade
6
Computador
6
CD
5
iPhone
4
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Livre
4
Aplicação
3
Blogue
3
Cadeia
3
Chat
3
Marca
3
Podcast
3
Online
2
Minicadeia
2
Moda
2
Rede
2
Saturação
2
Tecnologia
2
Transístor
2
Web
2
Estereótipo
1
Frequência
1
Incentivo
1
Mp
1
Plataforma
1
Zapping
1
Total
340
* Deve ter-se em conta as razões explicadas no texto sobre a posição alcançada
pelos registos ‘Rádio’ e ‘Publicidade’.
Fonte: Grupo Publiradio.
Em relação aos assuntos abordados durante o desenvolvimento do grupo focal, e
uma vez agrupadas as intervenções por temas, expõem-se a seguir os dez aspectos que
produziram os maiores registos (Tabela III). Se se procede como no caso anterior, ou
seja, se se deixam de parte os pontos sobre os quais se incidiu pelas razões explicadas,
pode ver-se claramente como os dispositivos electrónicos, as aplicações online (pod-
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cast) ou as plataformas (como o Spotify) adquirem, como era previsível, uma relevância
especial no contexto da sonosfera digital, na medida em que permitem personalizar a
escuta. Também se destacam os mecanismos utilizados para o que aqui chamamos de
“obtenção de recursos” (streaming, mas sobretudo downloads), a relação dos nativos
digitais com a tecnologia e a Internet (especialmente no que se refere ao uso das redes
sociais) ou as alusões à “qualidade” e à “portabilidade”.
Tabela III.
Temas principais de debate no contexto da sonosfera digital
Categorias
Registos
Hábitos de escuta de rádio
70
Publicidade
61
Dispositivos, aplicações e plataformas
50
Obtenção de recursos
39
Nativos digitais: relação com a tecnologia e a Internet
34
Incentivos
22
Valor marca
15
Qualidade vs portabilidade
14
Multitarefa
13
Tempo livre
12
Total
340
Fonte: Grupo Publiradio.
Análise dos resultados e discussão
No contexto da sonosfera digital, e em função dos dados obtidos nesta investigação, são
várias as lógicas que atravessam o consumo de rádio pelos jovens, que parecem dar uma
grande importância a três factores: a oferta das emissoras, a capacidade de ‘multitarefa’
que o meio oferece e a portabilidade dos diferentes canais ou dispositivos que permitem
a recepção radiofónica. Em relação à oferta, destaca-se a audição de programas matinais (morning shows), que os sujeitos experimentais relacionam com começar o dia com
bom humor, mas também, e acima de tudo, com ouvir música e informação. No que diz
respeito a outros factores, embora a portabilidade e a ‘multitarefa’ não sejam colocadas
como categorias diferenciadas em termos de conceitos-registos, o seu significado está
implícito pelo aparecimento de múltiplas referências a estas questões ao longo do focus
group, onde se mostra a relevância que para a sintonização de rádio fora de casa têm
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o telemóvel e, em menor medida, outros dispositivos. Este dado é consistente com os
resultados do estudo sobre La Comunicació a Catalunya desenvolvido pelo FUNDACC
e pelo Instituto da Comunicação da UAB em 2010, no qual, entre outras conclusões,
se destacava o aumento do consumo de rádio (15%) através do telemóvel, baixando
ligeiramente o número de ouvintes que o fazem através de receptor convencional (http://
www.fundacc.org).
A importância que os sujeitos experimentais concedem à portabilidade reforça, no
caso da rádio, o carácter que tradicionalmente a consagrou como o meio de companhia
por excelência. Hoje, graças às possibilidades de recepção tanto da Internet como dos
diferentes componentes electrónicos, a companhia é possível a partir de qualquer lugar.
Quando a escuta se produz “em movimento” – a passear, a fazer exercício, no carro, no
comboio –, a portabilidade sobrepõe-se claramente à qualidade do som, que, em alternativa, se procura quando a sintonização de uma determinada emissora ocorre a partir
de um aparelho fixo (transístor, aparelhagem sonora, receptor de TDT, etc.) «Eu acho
que sim, que oferece comodidade – diz um dos indivíduos do focus group, referindo-se
a portabilidade – mas a qualidade é inferior. Não se ouve da mesma forma a música no
telemóvel ou numa aparelhagem sonora.»
A sonosfera digital também parece incidir fortemente sobre outra das características
da recepção radiofónica: a compatibilidade da escuta com o desenvolvimento de outras
tarefas. No actual cenário de convergência tecnológica, esta particularidade não só permite levar a cabo distintas actividades ao mesmo tempo que se ouve, mas também torna
possível que a rádio coexista de forma positiva em relação a outros meios de comunicação, na medida em que, graças ao seu potencial de multi-tasking, em vez de supor
um deslocamento do consumo, supõe uma complementaridade, especialmente com a
Internet (McClung, Pompper e Kinnally, 2007: 116). As intervenções dos participantes nos grupos focais evidenciam o significado especial que os nativos digitais referem
relativamente a este aspecto: «Vai tocando, e tu estás a fazer coisas, e vai tocando… a
rádio, o Spotify ou algo. Sempre. Eu acho que é uma geração que tem sempre que ouvir
alguma coisa para fazer coisas.» «E às vezes, quando estou em casa a limpar, ou o que
quer que seja, também ligo a rádio enquanto penso nas coisas»; embora matizem que,
em função do tipo de tarefa que levam a cabo, a compatibilidade não é possível: «Eu,
se estou na Internet, tipo Facebook, sim, gosto de ter música. Mas se tenho que fazer
algum trabalho é como que…» «Eu tento concentrar-me no que estou a fazer. Se estou
a arrumar o quarto, no Facebook, à procura de informação para um trabalho, procurar informação, sim. Mas depois, enquanto estou a escrever, não.» Em linha com estas
apreciações, o estudo La rádio i els jovens. Problemática actual i tendències de futur,
desenvolvido pelo Observatório de Rádio da Catalunha entre 2008 e 2009, mostrou,
a propósito da relação dos jovens com o meio que nos ocupa, que «os jovens catalães
ouvem rádio, sim. O que acontece é que, na sua maioria, não o têm como um hábito
diário e a escuta é esporádica. O tempo de escuta é reduzido, porque os jovens de hoje
são multifuncionais, o que implica uma diminuição da atenção sobre as tarefas que
realizam ao mesmo tempo» (Soler, 2010). Neste mesmo estudo advertia-se que, embora
a maioria dos jovens se autodefina como ouvinte de rádio, na hora da verdade 81%
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desconhecem a oferta das estações emissoras, de modo que o meio não é mais do que
uma simples caixa de difusão à qual não se presta atenção adequada.
A par da portabilidade e da multitarefa, outro dos aspectos mais valorizados pelos
participantes nesta investigação é o que poderia denominar-se como “aquisição de
recursos” ou, por outras palavras, download de conteúdos, como se referiu já noutro
momento. Entre estes downloads, a música, que maioritariamente se associa aos conceitos de desconexão e tempo livre, volta a ocupar um lugar de preferência, e a rádio
perfila-se, neste contexto, como um meio de informação sobre grupos musicais, cantores, artistas, etc.: «Eu acho que quanto mais as pessoas podem descarregar músicas da
Internet, mais podem os artistas ganhar nos concertos. Eu, por exemplo, gosto muito
de um cantor. Conheci-o na rádio. Procurei a sua música na Internet e agora, sempre
que posso, vou aos seus concertos. (…) Eu acho que fomenta muito mais isto de querer
pagar para ir a um concerto e poupar o dinheiro que gastarias num CD. Um concerto
é uma experiência.» As redes sociais, principalmente o Facebook – sem dúvida a mais
referenciada pelos jovens –, são também um recurso muito apreciado para obter e partilhar informação sobre assuntos relacionados com a actualidade musical, bem como
para se relacionar com os amigos e a família. Neste sentido, o poder desta rede é tal,
que o único sujeito experimental que disse não estar no Facebook assegurava: «Eu não
me interesso pelas coisas dos meus amigos ou alguma coisa que tenha acontecido. Estou
excluído do meu grupo social.»
Embora durante o grupo focal tenham sido numerosas as alusões a diferentes aparelhos de escuta, aplicações, plataformas, meios sociais, etc. – tal como se pode apreciar
na Tabela IV –, o telefone móvel está a emergir como o dispositivo de comunicação
mais apreciado no contexto da sonosfera digital. «Eu acho que a nossa geração está
introduzida nas redes móveis desde a adolescência. Lembro-me que com 11 anos já
tinha telemóvel. Tu evoluis e a tecnologia evolui contigo, e já não tens o 3310 que tinha
toda a gente, o Nokia que era um calhamaço; depois passas a outro e a outro e o círculo
faz-te mudar e descobrir coisas novas.» A preferência pelo telemóvel relativamente a
outros dispositivos como o mp3, o mp4 ou mesmo o iPod prende-se basicamente com
as suas múltiplas prestações – especialmente a conexão à Internet – e a sua cobertura de
necessidades comunicativas individuais: «Há gerações que ficam com o telefone básico,
normal, para telefonar ou receber mensagens. As gerações de hoje em dia, de 25 anos
ou assim, utilizam mais a Internet e precisam de ter Internet em todo o lado. Há gente
que não encontra sentido num Blackberry e eu comunico com a minha família, à hora
que quero e quando quero, envio-lhes fotos (…) ou para receber o teu correio, o teu
Facebook, ou o que quer que seja». Por outro lado, algumas das suas características
(número próprio, agenda, álbuns multimédia, acessos directos a redes sociais, etc.) convertem o telefone móvel num instrumento comunicativo de grande valor pessoal, ao
mesmo tempo que é, possivelmente, o dispositivo que mais se adapta a um perfil de
jovens que sobrepõe a renovação e actualização constante dos seus ficheiros de áudio
à capacidade de armazenamento que oferecem outros dispositivos electrónico-digitais.
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Tabela IV. Nuvem de conceitos relacionados com a sonosfera digital:
hábitos de escuta, dispositivos, aplicações e plataformas mais utilizadas pelos jovens
Dispositivos de escuta
Emissoras*
Plataformas/ Meios sociais
Telemóvel
Radio Nacional
Blogues
Minicadeia
Radio 3
Spotify
Televisão
40 Principales
Last FM
Computador
C100
YouTube
iPod
Radio Flaixbac
Redes sociais
iPhone
Cadena Ser
Facebook
Blackberry
Radio Teletaxi
Myspace
Radio Estel
Fotolog
Lugares de escuta
iTunes
Casa
MediaFire
Carro
Aplicações
Comboio
Shazam
Loja/Trabalho
Qustodian
SoundCloud
Podcast
Download de séries
Motores de busca
Messenger
Series Yonkis
Google
Megavicio
Series.ly
* Relacionam-se as emissoras citadas pelos sujeitos experimentais durante os grupos focais. Obviamente,
trata-se de uma lista em que aparecem nomeadas aquelas redes que formam parte do universo comunicativo
a que pertence a amostra de sujeitos experimentais.
Fonte: Grupo Publiradio.
Uma vez que se trata de um conteúdo que aparece tanto nas emissões radiofónicas
como nas plataformas musicais a que se fez alusão ao longo deste texto (Spotify, por
exemplo), nesta investigação também se quis avaliar, ainda que brevemente, qual a
relação que os jovens manifestam ter com a publicidade sonora. Desde o início, e em
sintonia com a ideia que tem vindo a ser desenvolvida por numerosos estudos (Barbeito
& Fajula, 2005; Balsebre et al., 2006; Perona, 2008; Muela, 2008), considera-se que a
publicidade radiofónica é muito pouco criativa e excessivamente realista quando comparada com a da televisão, que, segundo os sujeitos experimentais, responde ao escasso
interesse e ao menosprezo que o meio tem para agências e anunciantes. «Eu acho que
o mal da publicidade radiofónica é que dizem muitas vezes: ‘tomamos este padrão que
nos vai servir para o Danacol, para o Danone, para o iogurte Actimel e para tanta outra
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coisa’. Isso parece-me patético. Não há criatividade. Não se dignaram parar para pensar.» De facto, para os jovens que participaram neste estudo, um anúncio é criativo se é
‘surpreendente’, ‘com humor’, ‘se prende’, ‘se gera empatia’ ou ‘se provoca uma reacção
ou uma reflexão’.
A falta de criatividade na publicidade radiofónica implica uma rejeição destes conteúdos, para os quais se pede uma ‘mudança radical’, ainda que, se se gostar muito de
um programa, isso seja um incentivo e um estímulo para ‘tolerar’ os anúncios emitidos nos blocos publicitários do espaço em questão. «Eu ouço Cadena 100 e Los 40
Principales porque em cada hora tem 45 minutos de música que não pára (…). A
publicidade na rádio parece muito falsa. Não é credível para nada.» Às vezes, os produtores usam esses blocos como um anúncio para apelar à participação em concursos,
coisa que se valoriza positivamente pois da escuta publicitária pode obter-se algo em
contrapartida. Da mesma forma, e em sintonia com esta ideia, os jovens vêem com bons
olhos o incentivo económico através de aplicações para telemóveis como Qustodian,
que incitam à difusão de publicidade entre os utilizadores a troco de uma recompensa
monetária. Para os sujeitos experimentais, este facto converte a publicidade numa ferramenta não intrusiva e que facilita a interacção. Estamos, portanto, confrontados com
uma geração que, como noutros âmbitos da vida quotidiana, aposta numa cultura da
‘gratuitidade’ ou ‘a troco de’, procurando a todo o momento que as suas actividades,
entre elas a escuta radiofónica, produzam algum tipo de rentabilidade.
Conclusões
O cenário de recepção sonora desenhado pelo que esta abordagem definiu como sonosfera digital posiciona a rádio num lugar muito vantajoso relativamente a outros meios,
na medida em que as suas características favorecem uma marcada “convivência” com
os diferentes dispositivos que possibilitam a sua recepção, tanto em termos de portabilidade – cuja importância, como se mostrou, ultrapassa a qualidade do som – como da
‘multitarefa’. São precisamente estes dois últimos aspectos os que se destacam nas intervenções dos participantes nos grupos focais, que falam do consumo de rádio em locais
diferentes e com diferentes dispositivos, bem como da realização de actividades paralelas enquanto se processa a escuta (embora dependa, para alguns, do nível de concentração necessária durante a realização de certas actividades). Esta circunstância poderia
explicar porque, em termos de consumo, a rádio não se ressentiu da mesma forma que
a televisão pelo impacto da Internet e porque, por outro lado, os avanços tecnológicos
estão a fortalecer o seu papel como meio de companhia. Não obstante, deve-se ter em
conta que, salvo algumas referências a espaços e redes destinados aos jovens, para além
do consumo de rádio é importante o consumo de música, que não é apenas transmitida
através de programas de rádio (sobretudo radiofórmulas), mas também possibilitada
pelo download deste tipo de conteúdos e a sua escuta através de distintas plataformas
e aplicações online.
A sonosfera digital intervém decisivamente na construção do perfil do chamado
nativo digital, a que estão ligadas referências como a adopção da tecnologia desde cedo,
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Juan José Perona Paez | A rádio no contexto da sonosfera digital... 75
a necessidade de constante adaptação à rápida evolução da tecnologia, a mudança das
relações sociais – que passam a ser mediadas através da participação em redes como o
Facebook –, a dependência deste tipo de plataformas e serviços (com uma necessidade
constante de estar ligado) e a exclusão social pelo facto de não fazer parte deste contexto. Neste sentido, algumas das declarações feitas pelos participantes desta pesquisa
são claramente conclusivas: «As redes sociais são um claro exemplo do que se passa.
Há alguns anos o Fotolog era o máximo. Agora, quem se lembra?»; «O Facebook é
o mundo mais viciante»; «Quando estou em casa, estou sempre online. Sempre. No
Facebook, no Messenger, ou o que quer que seja. E quando vou embora é como se me
desconectasse. Se eu tivesse a possibilidade de entrar na Internet, seguramente estaria
‘agarrada’ [viciada], no meu mundo.»
Por outro lado, no contexto da sonosfera digital, o uso de telemóvel como dispositivo preferido consolida-se e estende-se, subtraindo protagonismo a outros componentes electrónicos que há pouco tempo gozavam de uma grande aceitação entre o público
jovem (como o mp3, o mp4 ou o iPod). Este facto incide sobre os hábitos de escuta
de rádio, mas não há dúvida de que o alto grau de utilização do telemóvel responde,
entre outras coisas, às suas amplas possibilidades para a recepção sonora através de
distintos formatos e plataformas online (podcast, YouTube, Spotify ou outras formas
de streaming).
A sonosfera digital manifesta-se também como um ambiente que pode ajudar a dar
resposta às necessidades de criatividade e inovação que são reivindicadas no campo da
comunicação radiofónica, em geral, e da publicidade sonora em particular, especialmente porque desterra a rádio como único emissor deste último tipo de mensagens. Não
é de estranhar, portanto, que os jovens participantes neste estudo percebam um potencial publicitário sonoro em aplicações como o Spotify, porque, de acordo com os resultados de outros estudos que investigaram esta questão, «a sonosfera digital permite que
a mensagem se desvincule do meio. Se antes se pensava em termos de formato ligado a
um meio, agora impõe-se a existência de uma mensagem, uma ideia-conceito» (Barbeito
& Fajula, 2009: 584). Não obstante, de nada servirá o que permite a tecnologia se não
se apostar em fórmulas de transmissão dos conteúdos que tomem partido da ilimitada
riqueza informativa e expressiva dos principais componentes da criação sonora: a voz,
a música, os efeitos e o silêncio, assim como, entre outras coisas, o valor semântico da
planificação e das principais figuras da edição sonora.
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