Estela Aquino (MUSA/ISC/UFBA) II Seminário Internacional sobre Pesquisas de Uso do Tempo (10 de setembro de 2010) Tempo é dimensão fundamental nos estudos sobre saúde: distribuição temporal de eventos de saúde, observação da evolução das doenças desde estágios pré-clínicos ou assintomáticos, estudo de determinantes de problemas de saúde Freqüentemente o tempo é naturalizado e pensado como tempo cronológico e ahistórico Grande desafio é pensá-lo como tempo social, como um sistema de ordenação da vida social, que vem se modificando ao longo da história e varia segundo a posição social (gênero, classe social, geração) Tempo é norma, convenção, mensurável (jornadas, dias, meses), mas também é experiência, subjetivo, modo como se percebe as medidas. Nas pesquisas em saúde, o uso do tempo tem sido investigado principalmente em relação ao dedicado ao trabalho mas também ao não trabalho. Tempo do trabalho distingue-se do tempo de não-trabalho e torna-se dominante na organização da vida social (desde a Revolução Industrial). Tempo de trabalho corresponde à maior parte da jornada diária para a maioria das pessoas, é mais institucionalizado e regulado por normas e convenções. Tendências recentes de flexibilização do trabalho Distinção é “borrada” com reaproximação dos tempos e espaços de trabalho e não-trabalho Trabalhadores perdem o controle da organização de outros tempos sociais. Tempo dedicado ao trabalho extrapola jornada de trabalho (Cardoso, 2010) Incorporação de novas tecnologias de comunicação e informática modificam os processos de trabalho, a vida cotidiana e a relação com o tempo. aumenta a pressão de tempo e o estresse crônico se torna um importante problema de saúde pública Trabalho: Sono (duração e qualidade): Longas jornadas: acidentes de trabalho, desordens musculoesqueléticas, fadiga e distúrbios do sono, hipertensão e DCV, problemas mentais, além do desenvolvimento de hábitos pouco saudáveis (dieta e atividade física) que são fatores de risco para várias doenças (Landsbergis, 2004) Estresse crônico: empregos com alta pressão (alta demanda e baixo controle) estão associados a variados efeitos sobre a saúde, incluindo DCV, distúrbios do sono e doenças mentais. como desfecho – ex. trabalho noturno e por turnos, longas jornadas como antecedente de problemas de saúde – ex. transtornos mentais e DCV Lazer (atividade física/ sedentarismo )(screen time) Saúde mental e bem estar Obesidade e diabetes DCV Até o final dos 1970, persistia um desconhecimento generalizado sobre os efeitos do trabalho sobre a saúde das mulheres, que decorria da invisibilidade das atividades laborais das mulheres. Trabalho (produção) – conceito insuficiente para a compreensão de atividades domésticas e outras de cuidados aos doentes, às crianças e aos velhos, além de atividades informais, como a agricultura de subsistência, o artesanato e o comércio informal de mercadorias. Lazer como tempo livre preenchido com atividades de escolha individual – desconhecimento dos constrangimentos sociais que limitam e conformam o lazer MODELOS DE ESTRESSE Esfera do trabalho (geradora de estresse) Esfera doméstica e familiar (reposição do desgaste e do estresse) Desde a década de 1980, crítica sistemática ao androcentrismo da ciência, à ausência das mulheres nos estudos empíricos e inadequação dos modelos teóricos Proliferação de estudos inicialmente sobre comparando donas de casa e trabalhadoras e buscando demonstrar efeitos benéficos do trabalho sobre a saúde. Mulheres passaram a ser incluídas nos estudos, mas esta mera inclusão não foi suficiente, sendo necessário repensar modelos teóricos e preditivos. A partir dos 1990, investigações se sofisticam incluindo novos objetos e ampliando o referencial teórico – estudos de gênero. Grande ênfase ainda na situação das mulheres, sendo ainda escassos estudos que investiguem a relação entre masculinidade, trabalho e saúde. Trabalho reprodutivo ganha visibilidade em diferentes vertentes teórico-conceituais e disciplinares: Demandas familiares (Espanha) (Artacóz et al, 2001 e 2004) Tamanho da família, viver com filhos com menos de 15 anos e/ou com pessoas de mais de 65 anos Controle no lar (control at home) – Whitehall II (Griffin et al, 2002; Chandola et al, 2004) Carga de trabalho total (Total workload)– trabalhos escandinavos Interface trabalho-família (Parasunaman e Greenhaus, 2002; Kinnunen et al, 2006) Crescente produção sobre cuidado de idosos (Doença de Alzheimer) na família e efeitos sobre a saúde Predomínio de mulheres cuidadoras (filhas e esposas) (Pinquart e Sorensen, 2006) Aumento do risco para problemas físicos e emocionais pelo estresse crônico (Pinquart e Sorensen, 2006) Limitação da vida privada e da participação laboral; maior carga de trabalho total (TP+TD) e menor espaço para lazer (Masanet e La Parra, 2009) Ainda incipiente incorporação do gênero como categoria analítica Critica ao androcentrismo da literatura - lazer não é necessariamente TEMPO LIVRE: 1. Desigualdades de gênero: Atividades de lazer reforçam estereótipos e reproduzem relações de gênero 2. 3. Limitam o acesso das mulheres ao lazer e as impedem de desfrutá-lo, especialmente pela falta de tempo Na escolha de atividades de lazer, mulheres privilegiam as necessidades dos outros membros da família (principalmente dos filhos) – ética do cuidado Reduzem as próprias expectativas (não se sentem com direito ao lazer) Assistir TV (novelas e programas femininos) Esportes femininos e masculinos Lazer como forma de resistência e empoderamento – negociação ou superação de constrangimentos e estereótipos (HENDERSON, 1990; SHAW, 1994) Na investigação sobre o tema, é necessário reconhecer aspectos contraditórios do lazer para a vida individual de mulheres e homens e para as relações sociais Pode ter resultados diferentes e simultâneos (ex. promover bem estar e a saúde e reforçar modelos de desigualdades sociais) Além da simples mensuração do tempo, é recomendável qualificar o tipo de atividade, contexto social, grau de auto-determinação ou escolha, relações de poder. (HENDERSON, 1990; SHAW, 1994) Mudanças na divisão sexual do trabalho na esfera produtiva - Intenso e constante aumento da participação feminina no mercado de trabalho (desde 1970) Em 2005, enquanto 53% das brasileiras em geral eram ativas, entre as que tinham 15 anos ou mais de escolaridade esta taxa era de 83%; Mulheres instruídas vem ocupando áreas profissionais de prestígio, como a medicina, advocacia, arquitetura e até mesmo engenharia. Permanências na divisão sexual do trabalho na esfera reprodutiva - mulheres continuam responsáveis pelas atividades domésticas e pelos cuidados dos filhos, doentes e idosos: sobrecarga e transferência/compartilhamento com outras mulheres (empregada doméstica, parentes e vizinhas) (BRUSCHINI; RICOLDI; MARCADO, 2007) A relação entre gênero, trabalho e saúde tem sido investigada nos últimos 20 anos, mas a produção ainda é escassa, especialmente considerando as grandes mudanças na sociedade brasileira. A produção sobre lazer e a saúde cresceu nos últimos 10 anos e mostra que as mulheres dedicam muito menos tempo à atividade física, mas ainda é incipiente uma abordagem de gênero. Em dois estudos nacionais, constatou-se que trabalhadoras de enfermagem combinavam longas jornadas de trabalho profissional (geralmente com mais de um emprego) com muitas horas de trabalho doméstico, sendo frequente a percepção de tempo reduzido para o descanso e o lazer (Aquino, 1996; Portela et al, 2005). A sobrecarga doméstica mostrou-se associada à hipertensão arterial, o que se acentuava com o ritmo acelerado de trabalho e a pressão da chefia (Aquino, 1996). O trabalho noturno foi escolhido pela maioria das profissionais pela possibilidade de conciliação com outro emprego ou com demandas familiares de cuidado da casa e dos filhos. Após o plantão, apenas uma minoria retornava à casa para recuperar o cansaço de uma noite de trabalho (Menezes, 1996). Em outro estudo com mulheres pobres de Salvador, Bahia, a dupla jornada de trabalho mostrou-se associada a ocorrência de transtornos mentais como ansiedade e depressão (Santana et al, 2001). Estudo longitudinal, que acompanha o estado de saúde de 15 mil mulheres e homens, de 35 a 74 anos, docentes e funcionários de universidades públicas das regiões Nordeste (UFBA), Sudeste (FIOCRUZ, USP, UFMG e UFES) e Sul (UFRGS). É financiado pelo Ministério da Saúde e Ministério da Ciência e Tecnologia, sendo o primeiro grande estudo deste tipo e porte no Brasil e na América Latina. Multidisciplinaridade da equipe e possibilidade de abordagem interdisciplinar. Complexidade do modelo de determinação, com diferentes níveis (molecular, genético, clínico, ambiental, social, cultural) e potencialmente hierarquizáveis Perspectiva de curso de vida: pressuposto de que saúde de mulheres e homens adultos é modelada por processos biológicos, sociais, psicológicos e culturais que operam através da vida (infância, adolescência, idade adulta, envelhecimento) Incorporação de medidas contextuais (por ex, vizinhança) e de indicadores sociais complexos (por ex, capital social) População de estudo inclui coortes de nascimento de 1934 a 1973 - período de mudanças sociais e culturais muito importantes e rápidas com grandes diferenças regionais Possibilidade de comparação entre localidades muito distintas do ponto de vista étnico-racial, social e cultural NA LINHA DE BASE Entrevistas com questionário padronizado Informações sócio-demográficas, trajetória educacional e ocupacional; situação conjugal, composição da família, história reprodutiva; rede social; discriminação; dieta; atividade física; morbidade, uso de medicamentos e de serviços de saúde; práticas preventivas e de detecção precoce de doenças. Medidas e exames: Função cognitiva; Problemas mentais; Medidas antropométricas, PA; exames laboratoriais; ECG, Ultrassonografia; Ecocardiografia; Retinografia NO SEGUIMENTO A coorte está sendo acompanhada anualmente em entrevistas por telefone e, a cada três anos, será chamada para avaliações mais detalhadas. Serão utilizadas bases de dados de saúde para o monitoramento de desfechos de saúde (morte, internação, afastamento do trabalho por motivo de doença). Contexto laboral Contexto familiar História ocupacional, características do trabalho e escala de estresse no trabalho (Karasek) Tipo de família Situação conjugal e características do/a parceira/o Separação no último ano (entre eventos estressores) Número de filhos / idade do mais novo e do mais velho (se moram com o/a entrevistado/a, idade de todos) Cuidado de dependentes (crianças, idosos e doentes) Conflitos entre demandas/ responsabilidades do trabalho e da família Discriminação percebida gênero, raça, orientação sexual, idade e outras diferentes esferas: trabalho, vizinhança, escola etc Interface trabalho e família 2 perguntas tratando da influência do trabalho sobre a família: Demandas (exigências ou solicitações) do trabalho o/a impedem de passar a quantidade de tempo desejado com a família. Demandas (exigências ou solicitações) do trabalho dificultam o cumprimento de responsabilidades domésticas, como por exemplo, cuidar da casa e dos filhos. 1 pergunta tratando da influência da família sobre o trabalho: Demandas (exigências ou solicitações) familiares interferem nas responsabilidades profissionais, como por exemplo, chegar pontualmente, cumprir tarefas, não faltar aos compromissos, viajar a trabalho e participar de reuniões fora do horário regular. 1 pergunta sobre o tempo para o cuidado próprio e o lazer: Demandas (exigências ou solicitações) familiares e profissionais o/a impedem de usar o tempo desejado para seu próprio cuidado e lazer. 1 pergunta sobre uso de meios de comunicação fora do trabalho remunerado: Nos últimos 12 meses, fora do seu horário normal de trabalho, com que freqüência o(a) Sr(a) foi contatado(a) por telefone, e-mail ou outro meio de comunicação por causa de algum assunto relacionado ao seu trabalho? Permitem identificar desigualdades sociais no uso do tempo: Trabalho formal e informal Deslocamento para o trabalho Sono e lazer Atividade física no trabalho profissional e doméstico, no lazer Acesso e utilização de serviços de saúde Conferem visibilidade ao trabalho reprodutivo, não remunerado, que promove o bem estar e a saúde no âmbito familiar. Mulheres como principais responsáveis pelos cuidados de saúde não remunerados no lar são diretamente afetadas pelas características da oferta de serviços de saúde (Gomez, 200?) Mensagens de saúde reforçam o papel de cuidadoras como atribuição das mulheres Horário de funcionamento dos serviços de saúde (desconsidera inserção das mulheres no mercado de trabalho) Políticas de desinstitucionalização do tratamento de doenças mentais Permitem o diagnóstico de necessidades e demandas por serviços de cuidados de saúde Propiciam o monitoramento de desigualdades de gênero e impacto de políticas de equidade de gênero em saúde Idosos e portadores de deficiências que requerem cuidados Distribuição dos cuidados entre membros da família Evidenciam o impacto econômico e social para as famílias e principalmente para as mulheres do cuidado no âmbito doméstico transferência de custos da economia remunerada da saúde para a que se sustenta com o trabalho não remunerado das mulheres Subsidiam debate crucial para o campo de gênero: Qualificação do cuidado – basta ser mulher para cuidar? Espaços de cuidados (instituição de saúde x família)