Modelagem de Populações por Equações Diferenciais e por Mapas Discretos Conteúdo 1. Modelos discretos para uma única população 2. Modelos contínuos para uma única população 3. Modelos para populações interagentes 4. Estudo da Estabilidade dos Regimes de Equilíbrio. (opcional) 5. Exemplo de sistema com três espécies e caos. 1. Modelos discretos para uma única população X representa a quantidade de indivíduos em uma população. Se a população for grande podemos tratar X como uma variável contínua. Se a escala de tempo de interesse for da ordem de algumas gerações, e se assumirmos que a cada geração a população é completamente substituída pelos filhos, podemos escrever X n X n 1 onde é o número de descendentes médio por indivíduo . A solução dessa equação é: X n X n 1 X n 2 X n 2 2 X0 n Assim, se > 1 a população cresce indefinidamente e se < 1 ela desaparece. Esse modelo Mauthusiano (Thomas Mauthus – 1798) é claramente muito simplista e irreal. Podemos melhorá-lo acrescentando uma capacidade de suporte K, que representa a população máxima que pode ser sustentada com os recursos disponíveis: æ ö X n- 1 ÷ X n = X n - 1 çç1 ÷ ÷ çè K ø A nova taxa de natalidade é ìï ï æ X n- 1 ö ï ÷ çç1 » ïí ÷ ÷ ï çè K ø ï0 ïïî se X n- 1 K se X n- 1 » K Essa equação pode ainda ser simplificada definido-se x n = X n / K , i.e., Medindo-se a população em unidades da população máxima. A equação resultante x n = x n - 1 (1 - x n - 1 ) é conhecida como Mapa Logístico e será estudada em detalhes adiante. x n = f ( x n - 1 ) são chamadas de mapas discretos. Uma Equações do tipo das informações básicas que podemos obter de um mapa diz respeito aos pontos de equilíbrio da dinâmica, i.e., os valores de x que são estacionários. Esse valores são dados pela equação x = f (x) Para o caso Maltusiano isso implica em x=0. Para o mapa Logístico obtemos dois valores: x0=0 e x=(-1)/. O primeiro representa a extinção da espécie, enquanto que o segundo representa uma população cujo valor está entre 0 (para =1) e 1 (para muito grande). Note que os valores de relevantes são restritos a > 1, senão as populações ficam negativas. A figura na próxima página mostra um exemplo numérico de xn versus n com = 2.9 e população inicial x0=0.5 (ou X0=K/2). Veja que a população converge para o valor estacionário x=(2.9-1)/2.9 ~ 0.655. Porque a população não convergiu para x0=0, que também é uma solução de equilíbrio do sistema? A resposta é que x0 é uma solução instável, enquanto que x é estável! Portanto, não basta achar os valores de equilíbrio, mas temos também que estudar sua estabilidade. 2. Modelos contínuos para uma única população Novamente chamaremos de X a quantidade de indivíduos em uma população. Se a escala de tempo de interesse for da ordem de muitas gerações, como no caso das lebres no Canadá, e se houver superposição de gerações, podemos tratar o tempo como uma variável contínua. Nesse caso escrevemos, por exemplo, X ( t ) X ( t ) f ( X ( t )) pois em um pequeno intervalo de tempo a população não deve mudar muito. Nesse caso é mais conveniente falar da taxa de variação da população com o tempo. Escrevemos X (t ) X (t ) dX f ( X ( t )) dt que é uma equação diferencial de primeira ordem (só aparece a primeira derivada de X em relação ao tempo. O famoso modelo de Lotka e Volterra, e muitos outros modelos criados depois, é descrito em termos de equações diferenciais. O sinal de aproximação é para lembrar que a derivada só aparece de fato no limite em que vai a zero. Exemplo: a população na Terra é da ordem de 6 bilhões de pessoas. Estima-se que a cada hora cerca de 12.000 novos indivíduos sejam acrescentados ao planeta, o que da aproximadamente 3 pessoas por segundo. Então a variação da população por unidade de tempo é dX 12.000 pessoas / hora dt Escrevendo, como no modelo logístico, dX dt R X , vemos que a taxa R fica dada em termos de pessoas/segundo por pessoa: R dX / X 12 10 / 6 10 2 10 3 9 6 dt R indica que cada 1 milhão de pessoas contribui em média com 2 novos habitantes a cada hora. Trecho do livro do Lotka Resolver equações diferencias não é tarefa fácil. Obter uma solução X(t) significa escrever a evolução temporal em termos de funções simples, como o seno, o cosseno e a exponencial. É então importante lembrar do conceito de derivada e rever alguns resultados do Cálculo. Derivada de uma função: f(x) df dx ( x 0 ) = lim d x® 0 f ( x0 + d x ) - f ( x0 ) dx A interpretação geométrica da derivada é a tangente do ângulo formado entre a reta vermelha (que tangencia f(x) em x=x0) e a horizontal. f(x0+dx) f(x0) x0 x0+dx x Formula Importante: Série de Taylor Se dx é pequeno df dx ( x0 ) » f ( x0 + d x ) - f ( x0 ) dx Resolvendo essa equação para f(x0+dx) obtemos a famosa expansão de Taylor da função f(x) em torno de x0: f ( x0 + d x ) » f ( x0 ) + d x df dx ( x0 ) º f ( x 0 ) + d x f '( x 0 ) Derivadas de algumas funções simples: f ( t ) = sin ( t ) df / dt = cos ( t ) f ( t ) = cos ( t ) df / dt = - sin ( t ) f (t ) = e t df / dt = e f ( t ) = ln( t ) df / dt = 1 / t Notação: em geral vamos escrever dX º X dt df dx t = f '( x ) Exemplos: 1– 2– x = x A solução é x = 1- x 2 x (t ) = x0 e A solução é t pois x ( t ) = sin( t ) x (t ) = x 0 e 2 x = x (1 - x ) A solução é x (t ) = = x (t ) pois x ( t ) = cos( t ) = 1 - sin ( t ) = 1 - x 3– t x0 e 2 t 1 - x0 + x0 e t Mostre que x(t) satisfaz a equação diferencial e que x(0)=x0 . Mostre ainda que no limite em que t vai a infinito, x(t) vai a 1. 3. Modelos contínuos para várias populações O modelo de Lotka-Volterra para interações entre predador x e presa y dN = aN- bN P dt dP = - cP+ d N P dt Se não há interações, b=d=0 o predador P morre de fome, o que é representado pelo coeficiente negativo – c. A presa N por sua vez, cresce indefinidamente se não há predadores, por isso o termo positivo +a. O encontro entre predadores e presas é proporcional ao número de indivíduos de cada tipo, por isso a interação aparece como o produto N P. O coeficiente b mede a taxa com que as presas são comidas e o coeficiente d a taxa com que os alimentos são efetivamente transformados em novos indivíduos predadores. Essas equações podem ser simplificadas com algumas mudanças de escalas: u= d N v= c b P = at a Com isso obtemos du = u (1 - v ) dt dv dt = v ( u - 1) = c a Os pontos de equilíbrio são obtidos zerando as taxas de variação de x e de y: du = u (1 - v ) º 0 dt o que resulta em dois valores: (a) u = v = 0 (extinção) dv dt = v ( u - 1) º 0 (b) u = v = 1 4. Estudo da Estabilidade das Soluções de Equilíbrio 4.1 – Mapas discretos 4.2 – Modelos contínuos para uma espécie 4.3 – Modelos contínuos para duas espécies Obs. Essa parte da aula requer um pouco mais de familiaridade com cálculo e pode ser pulada sem problemas. Uma discussão mais qualitativa sobre estabilidade será feita na próxima aula sobre dinâmica caótica. 4.1 - Estabilidade de soluções estacionárias em mapas discretos Para sabermos se uma solução estacionaria qualquer xe é estável ou não, temos que estudar o que acontece com soluções próximas de xe: se elas se aproximarem de xe dizemos que xe é estável. Se elas se distanciarem, xe será instável. Seja então x0 = xe + d x0 uma condição inicial próxima de xe. Então o próximo valor de x, x1, será também próximo de xe, ou seja, podemos escrever x1 = xe + d x1: x1 = f ( x 0 ) x e + d x1 = f ( x e + d x 0 ) » f ( x e ) + f '( x e ) d x 0 = x e + f '( x e ) d x 0 d x1 = f '( x e ) d x 0 A condição para que x1 esteja mais próximo de xe do que o ponto inicial x0 é que |d x1| < |d x0|, ou f '( x e ) < 1 onde f ‘(xe) indica a derivada de f(x) calculada no ponto xe. Para o caso do mapa Logístico temos f ’(x)= (1-2x). Para o ponto x0= 0 obtemos f ‘(0) = . O ponto x0=0 será instável para > 1. Para o ponto xe = (-1)/ obtemos f ‘(xe) = 2 - . Quando =1 o valor da derivada é 1. Para 1 < < 3 a derivada fica entre 1 e -1 e, portanto, seu módulo é menor do que 1. Concluímos que xe é estável nesse intervalo. Para > 3 obtemos f ‘(xe) < -1 e | f ‘(xe) | > 1 fazendo com que xe fique instável. A figura abaixo mostra xn versus n para =3.1. A solução não converge mais para xe~0.677. xe 4.2 - Soluções estacionárias e estabilidade para modelos contínuos de uma única espécie. As soluções estacionárias são dadas por x= 0 ou f (x) = 0 Seja xe uma solução estacionária, i.e., f(xe)=0. Como estudar a estabilidade de xe? Novamente olhamos para o comportamento de soluções vizinhas ao ponto de equilíbrio: fazemos x0 = xe + d x0 e calculamos a trajetória x(t) escrevendo x(t) = xe + d x. Se x(t) se aproximar de xe, então xe é estável. Senão xe é instável: x = d x = f ( x e + d x ) » f ( x e ) + d x f '( x e ) = d x f '( x e ) Então d x = d x f '( x ) e d x (t ) = d x0 e cuja solução nos já conhecemos: t onde = f '( x 0 ) Se f ‘(xe) > 0 d x(t) cresce e x(t) se afasta de xe e o ponto é instável Se f ‘(xe) < 0 d x(t) decresce e x(t) se aproxima de xe e o ponto é estável x = x (1 - x ) Exemplo: Nesse caso x0 = 0 e f ( x ) = x (1 - x ) = 0 x1 = 1. A derivada de f(x) é Então f ‘ (0) = > 0 i.e., x0 = 0 é instável Então f ‘ (1) = - < 0 i.e., x1 = 0 é estável tem duas soluções: f '( x ) = (1 - 2 x ) = 0 4.3 - Soluções estacionárias e estabilidade para modelos contínuos de duas espécies. dX 1 dt dX 2 dt = f1 ( X 1 , X 2 ) º 0 = g ( X 1, X 2 ) º 0 soluções vizinhas ao equilíbrio X1 = X1e + d X1, X2 = X2e + d X2 Solução de equilíbrio (X1e , X2e) d X1 = d X2 = ou ¶ f1 ¶ X1 ¶ f2 ¶ X1 d X1 + d X1 + Z (t ) = A Z (t ) ¶ f1 ¶X2 ¶ f2 ¶X2 d X2 º f 1 1d X 1 + f 1 2 d X 2 d X2 º f 2 1d X 1 + f 2 2 d X 2 onde: æd X 1 ö ÷ ÷ Z = çç ÷ çèd X ø ÷ 2 æ f 11 A = çç èç f 21 f 12 ö ÷ ÷ ÷ ÷ f 22 ø Essa equação é muito parecida com a equação para uma única população, mas Z é um vetor e A uma matriz. De qualquer forma, a equação é linear e podemos resolve-la procurando uma solução da forma exponencial. Tentamos Z(t) = Z0 el t. Como a derivada em relação ao tempo é lZ(t) obtemos a relação l Z (t ) = A Z (t ) ( A - l 1) Z ( t ) = 0 ou Se a matriz (A - l 1) puder ser invertida, podemos multiplicar os dois lados pela sua inversa e vamos obter Z(t)=0. Essa solução não interessa, pois refere-se ao ponto de equilíbrio apenas, e não a sua vizinhança. A condição para que outras soluções existam é que não exista a inversa, ou seja, que o determinante de (A - l 1) seja nulo: f 11 - l f 12 f 21 f 22 - l º 0 ( f 11 - l )( f 22 - l ) - f 12 f 21 = 0 l - ( f 11 + f 22 ) l + ( f 11 f 22 - f 12 f 21 ) = 0 2 l= f 11 + f 22 2 ± 1 2 2 ( f 11 - f 22 ) + 4 f 12 f 21 Os valores do expoente podem ser reais (positivos ou negativos) ou mesmo complexos: (a) reais, ambos positivos; (b) reais, ambos negativos; (c) reais, um positivo e um negativo (d) complexos parte real positiva; (e) complexos parte real negativa; 5 - Um sistema com três espécies.