® BuscaLegis.ccj.ufsc.br Terceiro setor: uma análise comparativa das organizações sociais e organizações da sociedade civil de interesse público Lucas Hayne Dantas Barreto* O Terceiro Setor, assim entendido como aquele composto por entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, e de finalidade pública, é uma zona que coexiste com o chamado Primeiro Setor – o Estado, e o Segundo Setor, o mercado. Trata-se, em suma, do desempenho de atividades de interesse público, embora por iniciativa privada. Daí porque, em muitos casos, as entidades integrantes de tal setor recebem subvenções e auxílios por parte do Estado, em decorrência de sua atividade de fomento. A importância do Terceiro Setor para o desenvolvimento do País tem sido demonstrada a cada dia, vez que já se confirmou que o Estado não tem mais condições de arcar, sozinho, com o financiamento e execução de tais serviços. Neste contexto, as duas mais recentes qualificações jurídicas para entidades do Terceiro Setor – as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interessa Púbico – vêm à tona como uma tentativa de superação das insuficiências dos títulos anteriores, de uma forma mais consentânea com a atual realidade social brasileira. Sem maiores pretensões, e com o intuito de tecer alguns comentários sobre as novas entidades acima referidas, de modo a defini-las e extremá-las, apesar de suas semelhanças, este trabalho constará desta introdução mais quatro partes. Na Primeira, traremos à colação algumas questões sobre as Organizações Sociais, definindo seu conceito, e enfrentando, ainda que ligeiramente, algumas questões polêmicas relativas a sua instituição, sem olvidar de destacar seus méritos. Na Segunda, será a vez das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, quando se versará sobre as semelhanças e avanços em relação às Organizações Sociais, exercendo, ao final, um juízo crítico sobre sua estrutura normativa. Em seguida, trataremos de destacar algumas notas distintivas entre as duas espécies de entidades, destacando o papel de cada uma delas em nosso ordenamento. Por fim, virá a conclusão, sintetizando as idéias contidas neste trabalho. 2. BREVE HISTÓRICO A fim de possibilitar uma maior compreensão das figuras jurídicas ora em comento, mister se faz uma rápida incursão no seu escorço histórico. Isto se justifica, vez que a normatização atual deriva, em grande parte, das reflexões acerca da efetividade e legitimidade de outros títulos assemelhados, que, de certa forma, abundam no Ordenamento Jurídico brasileiro. O primeiro diploma legislativo a tratar da questão, em bases assemelhadas a como a conhecemos hoje, foi a Lei 91, de 28 de Agosto de 1935, a qual, veio a determinar regras para o reconhecimento de uma entidade como de utilidade pública. Logo no seu art. 1º, tratava a lei de esboçar um conceito de utilidade pública: Art 1º As sociedades civis, as associações e as fundações constituidas no paiz com o fim exclusivo de servir desinteressadamente á collectividade podem ser declaradas de utilidade publica, provados os seguintes requisitos: a) que adquiriram personalidade juridica; b) que estão em effectivo funccionamento e servem desinteressadamente á collectividade; c) que os cargos de sua diretoria, conselhos fiscais, deliberativos ou consultivos não são remunerados. Depreende-se que os requisitos exigidos pela lei eram muito singelos, e resumiam-se, em síntese, ao “fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade”, conceito vago, que poderia ter a dimensão que o intérprete lhe quisesse conferir. Entretanto, maiores cautelas para com esta qualificação não eram objeto de preocupação, posto que o título de utilidade pública, à época, era um mero distintivo, do qual não derivava nenhuma vantagem direta. Tal regra estava explícita no art. 3º da referida lei, in verbis: Art. 3º Nenhum favor do Estado decorrerá do titulo de utilidade publica, salvo a garantia do uso exclusivo, pela sociedade, associação ou fundação, de emblemas, flammulas, bandeiras ou distinctivos proprios, devidamente registrados no Ministerio da Justiça e a da menção do titulo concedido. Este título, em verdade, consubstanciava um reconhecimento estatal que conferia credibilidade à instituição, dotando-a de maior poder de angariar doações, por exemplo. Em face desta situação, os próprios mecanismos de controles eram muito parcos, limitando-se a uma apresentação anual de uma “relação circunstanciada dos serviços que houverem prestado à coletividade” (art. 4º). Entretanto, as transformações sociais por que passou o país desde a década de 30, vieram a exigir uma redefinição da moldura legal das entidades de utilidade pública. Como tempo, uma série de benefícios fiscais, como isenções e acesso a financiamentos públicos, foi sendo criada, como forma de diferenciação do regime jurídico destas organizações. Ou seja, o título que, inicialmente, era apenas honorífico, passou a abrir as portas das benesses estatais, desvirtuando-se sua idéia original. Por outro lado, os mecanismos de controle não evoluíram na mesma proporção, pelo que, com enorme facilidade, o título em tela passou a ser utilizado em manobras espúrias, que se tornou notório com os chamados “anões do orçamento”, esquema que envolvia a criação de entidades “fantasmas”, de fachada, que recebiam o título, por meio de decreto legislativo, tendo aprovadas, no orçamento federal, subvenções para si. A partir de então, iniciou-se um movimento para a reforma da Lei 91/35, que não logrou êxito, apesar dos doze projetos apresentados: nenhum foi aprovado, em virtude de interesses políticos que não se harmonizavam. Como não se conseguia a modificação do título de utilidade pública, outros foram sendo criados, com o intuito de “esvaziar” aquel’outro, já desprovido de qualquer credibilidade. Dentre eles, os mais destacados atualmente são do de Organização Social (OS) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), das quais trataremos mais detidamente. 3. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS As Organizações Sociais têm seu lugar no bojo do processo que se convencionou chamar de “reforma do Estado”, cujo impulso maior se deu a partir da aprovação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), criado quase que exclusivamente para efetivar a reforma administrativa pretendida pelo Governo Federal. Um dos pontos estratégicos deste plano foi a aprovação do “Programa Nacional de Publicização”, aprovado pela Lei 9.637, de 15 de Maio de 1998. Esta lei autoriza o Poder Executivo a transferir a execução de serviços públicos e gestão de bens e pessoal públicos, a entidades especialmente qualificadas, quais sejam, as Organizações Sociais. Segundo o ilustre administrativista Hely Lopes Meireles, (apud SILVA NETO, 2002) “o objetivo declarado pelos autores da reforma administrativa com a criação da figura das organizações sociais, foi encontrar um instrumento que permitisse a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo Poder Público e que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessidade de concessão ou permissão. Trata-se de uma nova forma de parceria, com a valorização do chamado terceiro setor, ou seja, serviços de interesse público, mas que não necessitam ser prestados pelos órgãos e entidades governamentais”. 3.1. CONCEITO A legislação pertinente não lança muitas luzes acerca de uma definição das Organizações Sociais. Entretanto, pode servir como um bom ponto de partida o art. 1º da Lei 9.637/98, in verbis: Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei. O conceito legal revela-se insuficiente para abranger toda a complexidade do instituto. Recorramos então aos ensinamentos do ilustre Professor da Faculdade de Direito Universidade Federal da Bahia, Paulo Eduardo Garrido Modesto, que nos traz uma definição mais analítica em seu trabalho “Reforma Administrativa e do Marco Legal das Organizações Sociais no Brasil – As Dúvidas dos Juristas sobre o Modelo das Organizações Sociais”, a saber: As organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas para atividades de relevante valor social, que independem de concessão ou permissão do Poder Executivo, criadas por iniciativas de particulares segundo modelo previsto em lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo Estado. Permita-nos adicionar ao conceito do ilustre Administrativista baiano três noções: por primeiro, a idéia de que se trata de um título jurídico, uma qualificação especial de uma entidade sem fins lucrativos, que atendam às exigências especiais previstas em lei; por segundo, a noção de que deve atuar nos serviços públicos não exclusivos do Estado; por terceiro, a idéia do Contrato de Gestão, que consubstancia o liame necessário à vinculação entre a organização e o Estado, revelando-se como parte integrante da sua própria essência. 3.2. QUESTÕES CONTROVERSAS Caractere interessante previsto no Programa Nacional de Publicização é a possibilidade de uma Organização Social absorver um órgão da administração, após sua extinção. Embora uma leitura apressada da Lei leve a crer que a Organização vá exercer uma atividade de natureza privada, com o incentivo do poder público, este é um caso em que a nova entidade Privada será acometida da execução de um Serviço Público, delegado pelo Estado. Neste sentido, o fomento do poder público poderá abranger a destinação de recursos orçamentários, bens públicos, necessários ao cumprimento do contrato de gestão, tudo com dispensa de licitação, cessão de servidores públicos, com ônus para a origem, e a própria dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços celebrados entre a Administração Pública e a Organização Social. É o que dispõe o art. 22, I, da Lei 9.637/98, in verbis: Art. 22. As extinções e a absorção de atividades e serviços por organizações sociais de que trata esta Lei observarão os seguintes preceitos: I - os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entidades extintos terão garantidos todos os direitos e vantagens decorrentes do respectivo cargo ou emprego e integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entidades indicados no Anexo II, sendo facultada aos órgãos e entidades supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão de servidor, irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as correspondentes atividades, observados os §§ 1o e 2o do art. 14; Tal previsão é bastante polêmica, e não é dezarrazoado imaginar que vez que pode estar travestindo uma tentativa de desmonte da Administração Pública, e a retirada do Estado da prestação de Serviços Públicos. Trata-se, em verdade, de uma atividade tradicionalmente exercida por ente estatal, utilizando patrimônio público e servidores públicos... de modo que é, no mínimo, desconfortável aceitar sua submissão ao regime jurídico de Direito Privado. Aí, um óbice constitucional, vislumbrado por muitos: a necessidade de licitação para a efetivação da absorção do órgão público extinto, eis que implicará no uso exclusivo de bens públicos. Inúmeras outras críticas podem ser levantadas contra a implementação do modelo das Organizações Sociais. Analisemos algumas, a seguir. Primeiramente, pode-se afirmar que a utilização do modelo tem-se dado de forma incompleta: não se tem notícias de uma entidade privada, pré-existente, que tenha se tornado Organização Social, para atuar ao lado do Estado, complementando a prestação de Serviços Públicos. As existentes atualmente derivam do processo de extinção de órgãos públicos supra referido, deixando às claras que o processo de “publicização” de que trata a lei referida seria, na verdade, uma tentativa de desmantelamento do serviço público. Outra questão é remonta ao fato de a qualificação como Organização Social ser tratada como ato discricionário, revelando uma intromissão casuística do administrador no seio das entidades. Isto está cristalizado no art. 2º, II, da Lei 9637/98 que, ao lado de requisitos específicos, de cunho muito mais formal, requer, in verbis: Art. 2o São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social: I – [...] II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado. Esta necessidade de aprovação quanto à conveniência e oportunidade, ainda que possa revelar uma preocupação do legislador em evitar a qualificação de entidades de funcionamento duvidoso, beira a inconstitucionalidade, por violação do princípio da impessoalidade. Este alto grau de subjetividade na qualificação, aliado às previsões de uso de bens públicos, para a prestação de serviços públicos, tudo sem licitação, bem como a disciplina da cessão de servidores públicos e dotações orçamentárias específicas, podem dar vazão a descalabros já de há muito conhecidos na história política brasileira. Uma qualificação vinculada, com requisitos claros a serem preenchidos pelas entidades que pretendam o título, viria em boa hora a conferir uma maior credibilidade as Organizações Sociais, e minorar as críticas que recaem sobre essas flexibilidades incompatíveis com o regime jurídico de Direito público, do qual a Administração – ou os administradores – vem tentando fugir. Ademais, a Lei deixa brechas para a qualificação de entidades criadas ad hoc, sem comprovação efetiva de serviços realizados, garantias, tempo mínimo de existência ou capital próprio. Chega a causar perplexidade o fato de que, para outros títulos, que não concedem vantagens de tão alta monta, a lei requeira um prazo mínimo de existência – como, por exemplo, no caso da “entidade de fins filantrópicos”, de que se exigem três anos de funcionamento – e nada neste sentido esteja insculpido na Lei das Organizações Sociais. Não há, tampouco, qualquer especificação de contrapartidas ao apoio do Estado, além da atividade cristalizada no Contrato de Gestão, bem como não há uma definição do quantum mínimo de serviços a serem prestados diretamente ao cidadão, ou de uma regra de equivalência entre os benefícios recebidos e investidos. Deixar todos estes mecanismos limitadores ao momento da celebração no contrato de gestão encerra um grande risco, aliado às previsões flexibilizadoras do regime de Direito Público, nos moldes vistos acima. 3.3. AVANÇOS Apesar de todas as insuficiências e excessos do arcabouço normativo das Organizações Sociais, não há que se tomar uma atitude iconoclasta, e fechar os olhos para alguns aspectos positivos do novo regramento legal. Em muitos pontos, a qualificação em estudo supera o antigo título de utilidade Pública, como veremos a seguir. Em primeiro lugar, os estatutos das Organizações Sociais devem, nos temos do art. 3º da Lei 9637/98, satisfazer a certos requisitos no tocante ao modelo de composição para seus órgãos de deliberação superior. Prevê-se a necessária participação de representantes do Estado e da Sociedade Civil, até como forma de compensar a extrema liberdade, em relação ao regime jurídico de Direito Púbico, dispensado às Organizações Sociais. Na outra mão, continuando fortemente o Estado presente na estrutura diretiva da Organização, vem apenas a gerar mais uma forte evidência do movimento de fuga da Administração às amarras do regime jurídico de Direito Público. Outro avanço pode ser identificado na figura do contrato de gestão, que, abstraídas as questões terminológicas e técnicas, as quais não serão tratadas aqui, devido aos modestos contornos deste trabalho, não deixa de ser um instrumento que, desde que bem aparelhado, conferirá limites e definirá metas a serem atingidas pela entidade, o que pode ser relevante no controle da aplicação dos recursos públicos na finalidade a si atribuída. E, ainda no campo do controle, a Lei exige, para a própria qualificação, que o estatuto da entidade qualificanda preveja uma sujeição à publicação anual, no Diário Oficial da União, do relatório de execução do contrato de gestão, enquanto um relatório gerencial das atividades desenvolvidas, e não um mero demonstrativo de contabilidade formal, como era comum nas Entidades de Utilidade Pública. De tudo isso, verifica-se uma tentativa de efetivar controles que contrabalancem as facilidades abertas pela flexibilização lograda com as Organizações Sociais. A partir da avaliação do benefícios e prejuízos deste modelo, pode-se refletir e, com a experiência adquirida, desde as primeiras incursões legislativas nessa área, seguir rumo ao modelo ideal. 4. ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO No bojo deste processo de maturação, teve lugar o advento das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas a partir da Lei 9790/99, e posteriormente regulamentada pelo decreto 3100/99. Interessante notar que no Projeto de Lei Original, seu nomem iuris era sutilmente diverso, a saber, Organizações da Sociedade Civil de Caráter Público. Referido Projeto foi fruto de um debate amplo entre a Comunidade Solidária e entidades do terceiro setor, que veio incorporar boa parte das inovações trazidas pela Lei das Organizações Sociais, naquilo que elas tinham de avanço. Muitas são as semelhanças entre as OSCIP’s e as OS’s. E em muito se avançou nesta nova qualificação, de modo que aquela está muito mais bem estruturada que a outra. Entretanto, ainda há falhas, que deverão ser corrigidas com o transcurso do tempo. Adentremos, então essa análise, de modo a ter fixadas as peculiaridades, vantagens e desvantagens de cada uma. 4.1. SEMELHANÇAS COM AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS De início, verifica-se que o próprio conceito de OSCIP é deveras semelhante com o de Organização Social. Na doutrina autorizada de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, 2001): Trata-se de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria. Verifica-se que, de fato, a idéia inspiradora é a mesma que já norteava o anterior titulo de Utilidade Pública, que, uma vez qualificada pelo Estado, percebe algum tipo de incentivo, dentro da atividade de fomento. Entretanto, a OSCIP exige requisitos mais rígidos, para ser concedida. A bem da síntese, e da fidelidade ao autor, transcrevemos a descrição das semelhanças verificadas pelo insigne Professor Paulo Modesto, em seu trabalho “Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil”: A semelhança do novo título com o modelo normativo das organizações sociais é indiscutível. Primeiro, a idéia comum de concessão de uma sobre-qualificação (nova qualificação jurídica para pessoas jurídicas privadas sem fins lucrativos). Segundo, a restrição expressa à distribuição pela entidade de lucros ou resultados, ostensiva ou disfarçada (através, por exemplo, de pagamento de salários acima do mercado). Terceiro, a identificação de áreas sociais de atuação das entidades como requisito de qualificação. Quarto, a exigência de existência de um conselho de fiscalização dos administradores da entidade (Conselho de Administração nas organizações sociais, Conselho fiscal ou órgão equivalente na proposta do novo título). Quinto, o detalhamento de exigências estatutárias para que a entidade possa ser qualificada. Sexto, a exigência de publicidade de vários documentos da entidade e a previsão de realização de auditorias externas independentes. Sétimo, a criação de um instrumento específico destinado a formação de um vínculo de parceria e cooperação das entidades qualificadas com o Poder Público (contrato de gestão, nas Organizações Sociais; termo de parceria, nas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Oitavo, a possibilidade de remuneração dos diretores da entidade que respondam pela gestão executiva, observado valores praticados pelo mercado (remuneração vedada pela legislação de utilidade pública). Nono, a previsão expressa de um processo de desqualificação e de sanções e responsabilidades sobre os dirigentes da entidade em caso de fraude ou atuação ilícita. Assim, foi aproveitado todo um arcabouço já delineado na normatização das OS’s, e, a fim de aperfeiçoá-las, foram introduzidas uma série de inovações, das quais versaremos a seguir. 4.2. INOVAÇÕES EM RELAÇÃO ÀS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS Com o propósito de superar algumas das insuficiências da disciplina normativa das Organizações Sociais, a Lei das OSCIP’s (Lei 9790/99) trouxe uma série de mudanças, que contribuiu para conferir ao novo título uma credibilidade muito maior. As principais delas serão aqui abordadas, de forma panorâmica, sem a pretensão de esgotar o assunto. Por primeiro, destaque-se a enunciação taxativa, no art. 2º, daqueles que não podem qualificar-se como OSCIP, ainda que se dediquem a atividade tutelada pelas normas pertinentes a tais organizações. Em boa hora tais restrições, pois vem a assegurar que os benefícios gerados pela sua atuação atinjam a todos, numa excelente definição para aquilo que outrora se chamou de “servir desinteressadamente à coletividade”. Estão excluídos, por exemplo, sociedades comerciais, partidos políticos, escolas privadas e instituições hospitalares não gratuitos, dentre outras. Em seguida, o art. 3º vem enumerar e detalhar as atividades a que se devem dedicar as instituições, a fim de que possam se credenciar como OSCIP, o que demonstra uma preocupação e uma rigidez muito maior na qualificação, o que se justifica pelo fato de ter a certificação de OSCIP um caráter vinculado, não afeito ao mero juízo de conveniência e oportunidade do administrados, o que vem a superar uma velha reivindicação do terceiro setor, qual seja, a eliminação de um moroso trâmite burocrático para a obtenção do título. Isto é depreendido dos termos do art. 6º, § 3º, da lei em tela (“O pedido de qualificação somente será indeferido quando:”). O prazo para o deferimento ou indeferimento do pedido será de trinta dias, e, no caso de deferimento, o Ministério da Justiça terá quinze dias para expedir o certificado de qualificação. (§§ 1º e 2º do mesmo artigo). Contudo, não há só elogios à normatização das OSCIP’s. Ainda há algumas insuficiências e contradições, que somente o evolver social e doutrinário, até culminar no legislativo, poderão resolver. 4.3. CRÍTICAS Algumas severas críticas são levantadas contra as OSCIP’s, em virtude algumas de suas inconsistências. A mais grave delas consiste em apenas se permitir, nos termos do art. 18 e parágrafos da Lei 9790/99, a cumulação dos títulos de OSCIP com outros, até dois anos da data de vigência da Lei – posteriormente, a Medida Provisória 2.216-37, e 31 de agosto de 2001, a qual figura no rol das Medidas “perenizadas” pela Emenda Constitucional n.º 32, retardou por mais três anos o prazo limite para a opção. É o texto da Lei: Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da data de vigência desta Lei. (cinco anos, de acordo com a Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.8.2001) § 1o Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores. § 2o Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá automaticamente a qualificação obtida nos termos desta Lei. Em verdade, pode-se inferir que esta norma consubstancia uma tentativa violenta no sentido do esvaziamento do já desgastado título de Utilidade Pública. Contudo, tal remédio traz efeitos colaterais danosos, revelando uma contradição com seus próprios objetivos. Ora, se uma das principais funções do título é conferir vantagens, e o título de OSCIP, por si só, não traz vantagens de monta, ao menos até o presente momento, verifica-se aí um contra-senso. A contradição revela-se justamente porque o título de Utilidade Pública é o que mais concede benefícios para as entidades do terceiro setor, e uma norma desse jaez apenas virá a afastar da qualificação em tela Organizações sérias, que não podem prescindir dos benefícios legais concedidos pelo Estado, para quedarem-se apenas com a expectativa do que poderá vir num futuro incerto. Daí porque mais acertado seria estender os benefícios já conferidos as Entidades de Utilidade Público às OSCIP’s, de modo a fortalecer a nova qualificação. Outra postura criticável é a automática exclusão das Organizações Sociais das entidades que podem qualificar-se como OSCIP. Muito do raciocínio desenvolvido no parágrafo anterior é aplicável aqui; ademais, a normatização das entidades em vislumbre decorre do panorama normativo das OS, aproximando-as em muitos pontos. Daí porque não se entende a inserção desta proibição, a qual, aliás, não constava do projeto original. Por outro lado, a Lei deixa lacunas significativas, que deverão ser integradas pela doutrina e jurisprudência pátrias, assim como pela prática administrativa. Por exemplo, em que pese trate a qualificação em tela como um ato a ser expedido no exercício da competência vinculada do administrador, não há qualquer preocupação em regular o processo administrativo, mormente no que se refere à desqualificação, limitando-se a estabelecer, em seu art. 7º, a ampla defesa e o devido contraditório, ou seja, algo que, excluído, não faria falta, vez que estes, como é sabido, são princípios constitucionais a nortear todos os processos, judiciais ou administrativos. A Lei não versa, tampouco, acerca de instrumentos para impedir o contingenciamento de recursos para a execução dos termos de parceria, sem o que se pode inviabilizar os projetos em curso. Em que pesem essas anotações, não se pode deixar de reconhecer que as OSCIP representam um avanço muito grande em termos de normatização do Terceiro Setor no país. Apesar das contradições mencionadas tenderem a esvaziar o título, no início, o caminhar do tempo levará o legislador a conferir vantagens próprias para as entidades qualificadas com OSCIP’s, o que aumentará o interesse pelo título, o qual, registre-se é de muito boa qualidade jurídica. 5. ANÁLISE COMPARATIVA: À GUISA DA CONCLUSÃO Do até aqui exposto, pode-se perceber que as Organizações Sociais as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, para além da denominação, possuem muitas semelhanças, a ponto mesmo de confundi-las. Ora, ambas são pessoas jurídicas de Direito Privado, possuem as mesmas limitações genéricas, atuam na mesma seara, perseguem objetivos muito próximos, e beneficiam-se de íntima relação com o Estado, notadamente através de repasses públicos. Entretanto, as Organizações em tela não se confundem, tanto assim que a Lei das OSCIP proíbe tal concessão ao uma entidade já qualificada como OS. Assim, necessário se faz destacar as principais peculiaridades que apartam uma da outra, a fim de definir o real papel e vocação de cada uma. De início, cabem algumas considerações sobre o regime jurídico das entidades. É certo e pacífico que ambas são Pessoa Jurídicas de Direito Privado, e isso não será aqui problematizado. O que se aventa é o caminho, por assim dizer que tais entidades percorrem até obter sua qualificação. Isto posto, pode-se afirmar que as OSCIP são uma publicização do privado, e as OS, ao revés, são uma privatização do público. Explica-se. As Organizações Sociais, como visto, são entidades criadas, via de regra, por iniciativa do Poder Público, com o específico propósito de absorver órgãos extintos. Ainda que juristas do porte de Paulo Modesto admitam a criação de OS independentemente da iniciativa do Estado, não é isto que a prática vem revelando; por oposto, muitos administrativistas de quilate vislumbram, mesmo uma tentativa de desmonte do Estado, no campo da prestação de serviços sociais. Por outro lado, As OSCIP tornam claras as tendências de levar os conceitos de Direito Público ao campo tradicional do Direito Privado, suas relações e sujeitos. É de se notar que são entidades criadas por iniciativa da sociedade, que se organiza, funda uma entidade, e busca uma qualificação, que a irá credenciar a estabelecer uma parceria com a Administração pública, na realização de atividades de cunho social. A materialidade dessas considerações decorre de uma tendência atual de aproximação entre os campos da tradicional dicotomia do Direito. Outra dissonância entre as entidades em comento é o instrumento que traduz o vínculo entre a organização e o Estado. Para as OS, o Contrato de Gestão; para as OSCIP, o Termo de Parceria. Para as Organizações Sociais, o Contrato de Gestão é o fundamento básico de sua existência, eis que, como já dito, sua principal finalidade é absorver órgãos públicos extintos. Destarte, a entidade, na prática, já nasce como Organização Social, e, conseqüentemente, com o Contrato de Gestão, sem o qual sua existência perderia o sentido. Já quanto as OSCIP, a Lei trata de Termo de Parceria, que, nos termos do art. 9º da Lei 9790/99, “é passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público”. Ou seja, não há obrigatoriedade na celebração; trata-se de um instrumento para substituir os morosos e burocráticos convênios por um instrumento mais moderno e ágil na relação do Terceiro Setor com o Estado. Por fim, outra marca distintiva revela-se na sua estruturação. Os objetivos sociais das OSCIP são mais amplos, atuando em mais áreas, enquanto as OS possuem campo mais restrito. Isto decorre da própria origem das Entidades, eis que as OSCIP nascem da iniciativa da sociedade, sem tantas amarras, enquanto as OS, criadas para substituir um órgão público, de regra irão ater-se às atribuições daquele órgão. Esta tendência reflete nas leis que regem as entidades em apreço. Ainda decorrendo deste particular, vê-se que as OSCIP possuem um regramento rígido, porém, mais genérico que as OS, a qual, por sua vez, possui uma regulação que desce à própria organização da entidade, estipulando regras sobre o funcionamento dos órgãos internos, deliberações obrigatórias, composição do Conselho de Administração, dentre outras. No corpo diretor das entidades revela-se outra marca distintiva: nas OS, o Conselho de Administração deve contar, obrigatoriamente, com representantes do Poder Público e da Sociedade, em uma proporção bastante elevada em relação ao número de sócios, que, ao fim, são minoria no processo decisório da entidade. Isto reforça a teoria de que as OS foram criadas para ser um “braço” do Estado, imune à rigidez do regime jurídico de Direito Público, o que pode levar a entraves constitucionais. Já nas OSCIP, o corpo decisório é normalmente formado pelos sócios, segundo determina o Estatuto. Em resumo, são essas as principais marcas distintivas entre as novas figuras do Terceiro Setor no Brasil. È certo que tempo ainda se demandará até que a doutrina se firme na correta identificação das atribuições e do papel que cada uma pode desempenhar na luta pelo desenvolvimento e promoção social. São as discussões que fazem os institutos evoluírem. 6. CONCLUSÃO Diante de tudo quanto foi até aqui exposto, podemos concluir que o título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público é, de fato, qualificação jurídica, concedida a entidades já existentes, que atendam a determinados critérios exigidos em lei. De há muito, o ordenamento jurídico brasileiro conhece esse mecanismo, desde a Lei 91/35, que instituiu as Organizações de Utilidade Pública. Ocorre que o evolver social revelou as insuficiências inerentes a este título, que, de início conferido como mero distintivo, passou a ser uma chance par a obtenção de uma série de favores legais do Estado. Daí, alguns outros foram elaborados, até que, em 1998 e 1999 foram criados os títulos objeto deste trabalho. As Organizações Sociais, por sua vez, podem, a vislumbrar pela sua normatização, e pela prática até o momento revelada, possuem um viés de instrumentalização do afastamento do Estado da prestação de serviços de cunho social. A possibilidade de uma OS vir a absorver um órgão estatal extinto, a série de flexibilidades, no mínimo, impensáveis conferida a uma entidade privada que lidará com bens, receita, servidores e serviços públicos levam a uma queda na credibilidade do mesmo, o qual esbarra, segundo muitos, em óbices constitucionais. Todavia, não há de se negar que traz a pertinente legislação alguns avanços, como, por exemplo, a delineação de mecanismos de controle muito mais acurados que os existentes para as Organizações de Utilidade Pública. Já as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, por seu turno, vieram a superar em vários pontos algumas das insuficiências mais gritantes as lei comentada. Ainda que mantenham uma similitude bastante acentuada – o que deriva até da idéia de evolução, eis que o arcabouço normativo foi, em grande parte, adaptado ao novo título – há vários traços distintivos, de modo a determinar o papel de cada uma na sociedade. Houve muitas inovações; contudo, não está o novo título isento de críticas. Numa análise comparativa, verificamos que as entidade, embora semelhantes em seus fins, possui um ponto básico as distingue: enquanto a OS represente uma “privatização do público”, a OSCIP determina uma “publicização do privado”. Assim, a estruturação interna das entidades acompanha essa origem distinta, de modo a ser mais intervencionista nas Organizações Sociais. São essas a principais colocações que se pretendia proferia o presente trabalho. Com esse panorama, espera-se tenha dado ao leitor uma visão introdutória às principais questões referentes às OS e OSCIP, de modo a estimulá-lo a aprofundar seus estudos e contribuir, ainda que singelamente, ao debate que se descortina. 7. BIBLIOGRAFIA DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. ________. Parcerias na Administração Pública. Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras Formas. 4ª ed. ver. ampl. São Paulo: Atlas, 2002. MAIA, Zélio. Organizações Sociais. O Terceiro Setor e a Modernização dos Serviços Públicos. VemConcursos. [s.l]. Disponível em: < http://www.vemconcursos.com.br/opiniao/index.phtml?page_ordem=autor&page_autor=19 &page_id=321>. Aceso em 05 fev. 2004. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 14ª ed. ref.ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. MARTINS, Paulo Haus. Uma nova qualificação para o Terceiro Setor. Legislação, Rio de Janeiro, RITS – Rede de Informações para o Terceiro Setor. Disponível em < http://www.rits.org.br/legislacao_teste/lg_testes/lg_tmes_maio2000.cfm>. Acesso em 04 fev. 2004. MODESTO, Paulo. Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 5, agosto, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br/pdf_5/DIALOGO-JURIDICO-05AGOSTO-2001-PAULO-MODESTO.pdf>. Acesso em 05 fev. 2004. ________. Reforma Administrativa e Marco legal das Organizações Sociais no Brasil – As Dúvidas dos Juristas sobre o Modelo das Organizações Sociais. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº 5, agosto, 2001. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br/pdf_9/DIALOGO-JURIDICO-09-DEZEMBRO-2001PAULO-MODESTO.pdf>. Acesso em 05 fev. 2004. SILVA NETO, Belarmino José da. Organizações sociais: a viabilidade jurídica de uma nova forma de gestão compartilhada. Jus Navigandi, Teresina, a. 6, n. 59, out. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3254>. Acesso em: 08 fev. 2004. PINTO, Élida Graziane. Plano diretor da reforma do aparelho do estado e organizações sociais. Uma discussão dos pressupostos do "modelo" de reforma do Estado Brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2168>. Acesso em: 02 fev. 2004. (Atualizado em 03/2005) O Terceiro Setor, assim entendido como aquele composto por entidades da sociedade civil, sem fins lucrativos, e de finalidade pública, é uma zona que coexiste com o chamado Primeiro Setor – o Estado, e o Segundo Setor, o mercado. Trata-se, em suma, do desempenho de atividades de interesse público, embora por iniciativa privada. Daí porque, em muitos casos, as entidades integrantes de tal setor recebem subvenções e auxílios por parte do Estado, em decorrência de sua atividade de fomento. A importância do Terceiro Setor para o desenvolvimento do País tem sido demonstrada a cada dia, vez que já se confirmou que o Estado não tem mais condições de arcar, sozinho, com o financiamento e execução de tais serviços. Neste contexto, as duas mais recentes qualificações jurídicas para entidades do Terceiro Setor – as Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interessa Púbico – vêm à tona como uma tentativa de superação das insuficiências dos títulos anteriores, de uma forma mais consentânea com a atual realidade social brasileira. Sem maiores pretensões, e com o intuito de tecer alguns comentários sobre as novas entidades acima referidas, de modo a defini-las e extremá-las, apesar de suas semelhanças, este trabalho constará desta introdução mais quatro partes. Na Primeira, traremos à colação algumas questões sobre as Organizações Sociais, definindo seu conceito, e enfrentando, ainda que ligeiramente, algumas questões polêmicas relativas a sua instituição, sem olvidar de destacar seus méritos. Na Segunda, será a vez das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, quando se versará sobre as semelhanças e avanços em relação às Organizações Sociais, exercendo, ao final, um juízo crítico sobre sua estrutura normativa. Em seguida, trataremos de destacar algumas notas distintivas entre as duas espécies de entidades, destacando o papel de cada uma delas em nosso ordenamento. Por fim, virá a conclusão, sintetizando as idéias contidas neste trabalho. 2. BREVE HISTÓRICO A fim de possibilitar uma maior compreensão das figuras jurídicas ora em comento, mister se faz uma rápida incursão no seu escorço histórico. Isto se justifica, vez que a normatização atual deriva, em grande parte, das reflexões acerca da efetividade e legitimidade de outros títulos assemelhados, que, de certa forma, abundam no Ordenamento Jurídico brasileiro. O primeiro diploma legislativo a tratar da questão, em bases assemelhadas a como a conhecemos hoje, foi a Lei 91, de 28 de Agosto de 1935, a qual, veio a determinar regras para o reconhecimento de uma entidade como de utilidade pública. Logo no seu art. 1º, tratava a lei de esboçar um conceito de utilidade pública: Art 1º As sociedades civis, as associações e as fundações constituidas no paiz com o fim exclusivo de servir desinteressadamente á collectividade podem ser declaradas de utilidade publica, provados os seguintes requisitos: a) que adquiriram personalidade juridica; b) que estão em effectivo funccionamento e servem desinteressadamente á collectividade; c) que os cargos de sua diretoria, conselhos fiscais, deliberativos ou consultivos não são remunerados. Depreende-se que os requisitos exigidos pela lei eram muito singelos, e resumiam-se, em síntese, ao “fim exclusivo de servir desinteressadamente à coletividade”, conceito vago, que poderia ter a dimensão que o intérprete lhe quisesse conferir. Entretanto, maiores cautelas para com esta qualificação não eram objeto de preocupação, posto que o título de utilidade pública, à época, era um mero distintivo, do qual não derivava nenhuma vantagem direta. Tal regra estava explícita no art. 3º da referida lei, in verbis: Art. 3º Nenhum favor do Estado decorrerá do titulo de utilidade publica, salvo a garantia do uso exclusivo, pela sociedade, associação ou fundação, de emblemas, flammulas, bandeiras ou distinctivos proprios, devidamente registrados no Ministerio da Justiça e a da menção do titulo concedido. Este título, em verdade, consubstanciava um reconhecimento estatal que conferia credibilidade à instituição, dotando-a de maior poder de angariar doações, por exemplo. Em face desta situação, os próprios mecanismos de controles eram muito parcos, limitando-se a uma apresentação anual de uma “relação circunstanciada dos serviços que houverem prestado à coletividade” (art. 4º). Entretanto, as transformações sociais por que passou o país desde a década de 30, vieram a exigir uma redefinição da moldura legal das entidades de utilidade pública. Como tempo, uma série de benefícios fiscais, como isenções e acesso a financiamentos públicos, foi sendo criada, como forma de diferenciação do regime jurídico destas organizações. Ou seja, o título que, inicialmente, era apenas honorífico, passou a abrir as portas das benesses estatais, desvirtuando-se sua idéia original. Por outro lado, os mecanismos de controle não evoluíram na mesma proporção, pelo que, com enorme facilidade, o título em tela passou a ser utilizado em manobras espúrias, que se tornou notório com os chamados “anões do orçamento”, esquema que envolvia a criação de entidades “fantasmas”, de fachada, que recebiam o título, por meio de decreto legislativo, tendo aprovadas, no orçamento federal, subvenções para si. A partir de então, iniciou-se um movimento para a reforma da Lei 91/35, que não logrou êxito, apesar dos doze projetos apresentados: nenhum foi aprovado, em virtude de interesses políticos que não se harmonizavam. Como não se conseguia a modificação do título de utilidade pública, outros foram sendo criados, com o intuito de “esvaziar” aquel’outro, já desprovido de qualquer credibilidade. Dentre eles, os mais destacados atualmente são do de Organização Social (OS) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), das quais trataremos mais detidamente. 3. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS As Organizações Sociais têm seu lugar no bojo do processo que se convencionou chamar de “reforma do Estado”, cujo impulso maior se deu a partir da aprovação do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE), elaborado pelo Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), criado quase que exclusivamente para efetivar a reforma administrativa pretendida pelo Governo Federal. Um dos pontos estratégicos deste plano foi a aprovação do “Programa Nacional de Publicização”, aprovado pela Lei 9.637, de 15 de Maio de 1998. Esta lei autoriza o Poder Executivo a transferir a execução de serviços públicos e gestão de bens e pessoal públicos, a entidades especialmente qualificadas, quais sejam, as Organizações Sociais. Segundo o ilustre administrativista Hely Lopes Meireles, (apud SILVA NETO, 2002) “o objetivo declarado pelos autores da reforma administrativa com a criação da figura das organizações sociais, foi encontrar um instrumento que permitisse a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo Poder Público e que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessidade de concessão ou permissão. Trata-se de uma nova forma de parceria, com a valorização do chamado terceiro setor, ou seja, serviços de interesse público, mas que não necessitam ser prestados pelos órgãos e entidades governamentais”. 3.1. CONCEITO A legislação pertinente não lança muitas luzes acerca de uma definição das Organizações Sociais. Entretanto, pode servir como um bom ponto de partida o art. 1º da Lei 9.637/98, in verbis: Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei. O conceito legal revela-se insuficiente para abranger toda a complexidade do instituto. Recorramos então aos ensinamentos do ilustre Professor da Faculdade de Direito Universidade Federal da Bahia, Paulo Eduardo Garrido Modesto, que nos traz uma definição mais analítica em seu trabalho “Reforma Administrativa e do Marco Legal das Organizações Sociais no Brasil – As Dúvidas dos Juristas sobre o Modelo das Organizações Sociais”, a saber: As organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, voltadas para atividades de relevante valor social, que independem de concessão ou permissão do Poder Executivo, criadas por iniciativas de particulares segundo modelo previsto em lei, reconhecidas, fiscalizadas e fomentadas pelo Estado. Permita-nos adicionar ao conceito do ilustre Administrativista baiano três noções: por primeiro, a idéia de que se trata de um título jurídico, uma qualificação especial de uma entidade sem fins lucrativos, que atendam às exigências especiais previstas em lei; por segundo, a noção de que deve atuar nos serviços públicos não exclusivos do Estado; por terceiro, a idéia do Contrato de Gestão, que consubstancia o liame necessário à vinculação entre a organização e o Estado, revelando-se como parte integrante da sua própria essência. 3.2. QUESTÕES CONTROVERSAS Caractere interessante previsto no Programa Nacional de Publicização é a possibilidade de uma Organização Social absorver um órgão da administração, após sua extinção. Embora uma leitura apressada da Lei leve a crer que a Organização vá exercer uma atividade de natureza privada, com o incentivo do poder público, este é um caso em que a nova entidade Privada será acometida da execução de um Serviço Público, delegado pelo Estado. Neste sentido, o fomento do poder público poderá abranger a destinação de recursos orçamentários, bens públicos, necessários ao cumprimento do contrato de gestão, tudo com dispensa de licitação, cessão de servidores públicos, com ônus para a origem, e a própria dispensa de licitação nos contratos de prestação de serviços celebrados entre a Administração Pública e a Organização Social. É o que dispõe o art. 22, I, da Lei 9.637/98, in verbis: Art. 22. As extinções e a absorção de atividades e serviços por organizações sociais de que trata esta Lei observarão os seguintes preceitos: I - os servidores integrantes dos quadros permanentes dos órgãos e das entidades extintos terão garantidos todos os direitos e vantagens decorrentes do respectivo cargo ou emprego e integrarão quadro em extinção nos órgãos ou nas entidades indicados no Anexo II, sendo facultada aos órgãos e entidades supervisoras, ao seu critério exclusivo, a cessão de servidor, irrecusável para este, com ônus para a origem, à organização social que vier a absorver as correspondentes atividades, observados os §§ 1o e 2o do art. 14; Tal previsão é bastante polêmica, e não é dezarrazoado imaginar que vez que pode estar travestindo uma tentativa de desmonte da Administração Pública, e a retirada do Estado da prestação de Serviços Públicos. Trata-se, em verdade, de uma atividade tradicionalmente exercida por ente estatal, utilizando patrimônio público e servidores públicos... de modo que é, no mínimo, desconfortável aceitar sua submissão ao regime jurídico de Direito Privado. Aí, um óbice constitucional, vislumbrado por muitos: a necessidade de licitação para a efetivação da absorção do órgão público extinto, eis que implicará no uso exclusivo de bens públicos. Inúmeras outras críticas podem ser levantadas contra a implementação do modelo das Organizações Sociais. Analisemos algumas, a seguir. Primeiramente, pode-se afirmar que a utilização do modelo tem-se dado de forma incompleta: não se tem notícias de uma entidade privada, pré-existente, que tenha se tornado Organização Social, para atuar ao lado do Estado, complementando a prestação de Serviços Públicos. As existentes atualmente derivam do processo de extinção de órgãos públicos supra referido, deixando às claras que o processo de “publicização” de que trata a lei referida seria, na verdade, uma tentativa de desmantelamento do serviço público. Outra questão é remonta ao fato de a qualificação como Organização Social ser tratada como ato discricionário, revelando uma intromissão casuística do administrador no seio das entidades. Isto está cristalizado no art. 2º, II, da Lei 9637/98 que, ao lado de requisitos específicos, de cunho muito mais formal, requer, in verbis: Art. 2o São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social: I – [...] II - haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado. Esta necessidade de aprovação quanto à conveniência e oportunidade, ainda que possa revelar uma preocupação do legislador em evitar a qualificação de entidades de funcionamento duvidoso, beira a inconstitucionalidade, por violação do princípio da impessoalidade. Este alto grau de subjetividade na qualificação, aliado às previsões de uso de bens públicos, para a prestação de serviços públicos, tudo sem licitação, bem como a disciplina da cessão de servidores públicos e dotações orçamentárias específicas, podem dar vazão a descalabros já de há muito conhecidos na história política brasileira. Uma qualificação vinculada, com requisitos claros a serem preenchidos pelas entidades que pretendam o título, viria em boa hora a conferir uma maior credibilidade as Organizações Sociais, e minorar as críticas que recaem sobre essas flexibilidades incompatíveis com o regime jurídico de Direito público, do qual a Administração – ou os administradores – vem tentando fugir. Ademais, a Lei deixa brechas para a qualificação de entidades criadas ad hoc, sem comprovação efetiva de serviços realizados, garantias, tempo mínimo de existência ou capital próprio. Chega a causar perplexidade o fato de que, para outros títulos, que não concedem vantagens de tão alta monta, a lei requeira um prazo mínimo de existência – como, por exemplo, no caso da “entidade de fins filantrópicos”, de que se exigem três anos de funcionamento – e nada neste sentido esteja insculpido na Lei das Organizações Sociais. Não há, tampouco, qualquer especificação de contrapartidas ao apoio do Estado, além da atividade cristalizada no Contrato de Gestão, bem como não há uma definição do quantum mínimo de serviços a serem prestados diretamente ao cidadão, ou de uma regra de equivalência entre os benefícios recebidos e investidos. Deixar todos estes mecanismos limitadores ao momento da celebração no contrato de gestão encerra um grande risco, aliado às previsões flexibilizadoras do regime de Direito Público, nos moldes vistos acima. 3.3. AVANÇOS Apesar de todas as insuficiências e excessos do arcabouço normativo das Organizações Sociais, não há que se tomar uma atitude iconoclasta, e fechar os olhos para alguns aspectos positivos do novo regramento legal. Em muitos pontos, a qualificação em estudo supera o antigo título de utilidade Pública, como veremos a seguir. Em primeiro lugar, os estatutos das Organizações Sociais devem, nos temos do art. 3º da Lei 9637/98, satisfazer a certos requisitos no tocante ao modelo de composição para seus órgãos de deliberação superior. Prevê-se a necessária participação de representantes do Estado e da Sociedade Civil, até como forma de compensar a extrema liberdade, em relação ao regime jurídico de Direito Púbico, dispensado às Organizações Sociais. Na outra mão, continuando fortemente o Estado presente na estrutura diretiva da Organização, vem apenas a gerar mais uma forte evidência do movimento de fuga da Administração às amarras do regime jurídico de Direito Público. Outro avanço pode ser identificado na figura do contrato de gestão, que, abstraídas as questões terminológicas e técnicas, as quais não serão tratadas aqui, devido aos modestos contornos deste trabalho, não deixa de ser um instrumento que, desde que bem aparelhado, conferirá limites e definirá metas a serem atingidas pela entidade, o que pode ser relevante no controle da aplicação dos recursos públicos na finalidade a si atribuída. E, ainda no campo do controle, a Lei exige, para a própria qualificação, que o estatuto da entidade qualificanda preveja uma sujeição à publicação anual, no Diário Oficial da União, do relatório de execução do contrato de gestão, enquanto um relatório gerencial das atividades desenvolvidas, e não um mero demonstrativo de contabilidade formal, como era comum nas Entidades de Utilidade Pública. De tudo isso, verifica-se uma tentativa de efetivar controles que contrabalancem as facilidades abertas pela flexibilização lograda com as Organizações Sociais. A partir da avaliação do benefícios e prejuízos deste modelo, pode-se refletir e, com a experiência adquirida, desde as primeiras incursões legislativas nessa área, seguir rumo ao modelo ideal. 4. ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO No bojo deste processo de maturação, teve lugar o advento das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas a partir da Lei 9790/99, e posteriormente regulamentada pelo decreto 3100/99. Interessante notar que no Projeto de Lei Original, seu nomem iuris era sutilmente diverso, a saber, Organizações da Sociedade Civil de Caráter Público. Referido Projeto foi fruto de um debate amplo entre a Comunidade Solidária e entidades do terceiro setor, que veio incorporar boa parte das inovações trazidas pela Lei das Organizações Sociais, naquilo que elas tinham de avanço. Muitas são as semelhanças entre as OSCIP’s e as OS’s. E em muito se avançou nesta nova qualificação, de modo que aquela está muito mais bem estruturada que a outra. Entretanto, ainda há falhas, que deverão ser corrigidas com o transcurso do tempo. Adentremos, então essa análise, de modo a ter fixadas as peculiaridades, vantagens e desvantagens de cada uma. 4.1. SEMELHANÇAS COM AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS De início, verifica-se que o próprio conceito de OSCIP é deveras semelhante com o de Organização Social. Na doutrina autorizada de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito Administrativo, 2001): Trata-se de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado com incentivo e fiscalização pelo Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de termo de parceria. Verifica-se que, de fato, a idéia inspiradora é a mesma que já norteava o anterior titulo de Utilidade Pública, que, uma vez qualificada pelo Estado, percebe algum tipo de incentivo, dentro da atividade de fomento. Entretanto, a OSCIP exige requisitos mais rígidos, para ser concedida. A bem da síntese, e da fidelidade ao autor, transcrevemos a descrição das semelhanças verificadas pelo insigne Professor Paulo Modesto, em seu trabalho “Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil”: A semelhança do novo título com o modelo normativo das organizações sociais é indiscutível. Primeiro, a idéia comum de concessão de uma sobre-qualificação (nova qualificação jurídica para pessoas jurídicas privadas sem fins lucrativos). Segundo, a restrição expressa à distribuição pela entidade de lucros ou resultados, ostensiva ou disfarçada (através, por exemplo, de pagamento de salários acima do mercado). Terceiro, a identificação de áreas sociais de atuação das entidades como requisito de qualificação. Quarto, a exigência de existência de um conselho de fiscalização dos administradores da entidade (Conselho de Administração nas organizações sociais, Conselho fiscal ou órgão equivalente na proposta do novo título). Quinto, o detalhamento de exigências estatutárias para que a entidade possa ser qualificada. Sexto, a exigência de publicidade de vários documentos da entidade e a previsão de realização de auditorias externas independentes. Sétimo, a criação de um instrumento específico destinado a formação de um vínculo de parceria e cooperação das entidades qualificadas com o Poder Público (contrato de gestão, nas Organizações Sociais; termo de parceria, nas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público). Oitavo, a possibilidade de remuneração dos diretores da entidade que respondam pela gestão executiva, observado valores praticados pelo mercado (remuneração vedada pela legislação de utilidade pública). Nono, a previsão expressa de um processo de desqualificação e de sanções e responsabilidades sobre os dirigentes da entidade em caso de fraude ou atuação ilícita. Assim, foi aproveitado todo um arcabouço já delineado na normatização das OS’s, e, a fim de aperfeiçoá-las, foram introduzidas uma série de inovações, das quais versaremos a seguir. 4.2. INOVAÇÕES EM RELAÇÃO ÀS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS Com o propósito de superar algumas das insuficiências da disciplina normativa das Organizações Sociais, a Lei das OSCIP’s (Lei 9790/99) trouxe uma série de mudanças, que contribuiu para conferir ao novo título uma credibilidade muito maior. As principais delas serão aqui abordadas, de forma panorâmica, sem a pretensão de esgotar o assunto. Por primeiro, destaque-se a enunciação taxativa, no art. 2º, daqueles que não podem qualificar-se como OSCIP, ainda que se dediquem a atividade tutelada pelas normas pertinentes a tais organizações. Em boa hora tais restrições, pois vem a assegurar que os benefícios gerados pela sua atuação atinjam a todos, numa excelente definição para aquilo que outrora se chamou de “servir desinteressadamente à coletividade”. Estão excluídos, por exemplo, sociedades comerciais, partidos políticos, escolas privadas e instituições hospitalares não gratuitos, dentre outras. Em seguida, o art. 3º vem enumerar e detalhar as atividades a que se devem dedicar as instituições, a fim de que possam se credenciar como OSCIP, o que demonstra uma preocupação e uma rigidez muito maior na qualificação, o que se justifica pelo fato de ter a certificação de OSCIP um caráter vinculado, não afeito ao mero juízo de conveniência e oportunidade do administrados, o que vem a superar uma velha reivindicação do terceiro setor, qual seja, a eliminação de um moroso trâmite burocrático para a obtenção do título. Isto é depreendido dos termos do art. 6º, § 3º, da lei em tela (“O pedido de qualificação somente será indeferido quando:”). O prazo para o deferimento ou indeferimento do pedido será de trinta dias, e, no caso de deferimento, o Ministério da Justiça terá quinze dias para expedir o certificado de qualificação. (§§ 1º e 2º do mesmo artigo). Contudo, não há só elogios à normatização das OSCIP’s. Ainda há algumas insuficiências e contradições, que somente o evolver social e doutrinário, até culminar no legislativo, poderão resolver. 4.3. CRÍTICAS Algumas severas críticas são levantadas contra as OSCIP’s, em virtude algumas de suas inconsistências. A mais grave delas consiste em apenas se permitir, nos termos do art. 18 e parágrafos da Lei 9790/99, a cumulação dos títulos de OSCIP com outros, até dois anos da data de vigência da Lei – posteriormente, a Medida Provisória 2.216-37, e 31 de agosto de 2001, a qual figura no rol das Medidas “perenizadas” pela Emenda Constitucional n.º 32, retardou por mais três anos o prazo limite para a opção. É o texto da Lei: Art. 18. As pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, qualificadas com base em outros diplomas legais, poderão qualificar-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, desde que atendidos os requisitos para tanto exigidos, sendo-lhes assegurada a manutenção simultânea dessas qualificações, até dois anos contados da data de vigência desta Lei. (cinco anos, de acordo com a Medida Provisória nº 2.216-37, de 31.8.2001) § 1o Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores. § 2o Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá automaticamente a qualificação obtida nos termos desta Lei. Em verdade, pode-se inferir que esta norma consubstancia uma tentativa violenta no sentido do esvaziamento do já desgastado título de Utilidade Pública. Contudo, tal remédio traz efeitos colaterais danosos, revelando uma contradição com seus próprios objetivos. Ora, se uma das principais funções do título é conferir vantagens, e o título de OSCIP, por si só, não traz vantagens de monta, ao menos até o presente momento, verifica-se aí um contra-senso. A contradição revela-se justamente porque o título de Utilidade Pública é o que mais concede benefícios para as entidades do terceiro setor, e uma norma desse jaez apenas virá a afastar da qualificação em tela Organizações sérias, que não podem prescindir dos benefícios legais concedidos pelo Estado, para quedarem-se apenas com a expectativa do que poderá vir num futuro incerto. Daí porque mais acertado seria estender os benefícios já conferidos as Entidades de Utilidade Público às OSCIP’s, de modo a fortalecer a nova qualificação. Outra postura criticável é a automática exclusão das Organizações Sociais das entidades que podem qualificar-se como OSCIP. Muito do raciocínio desenvolvido no parágrafo anterior é aplicável aqui; ademais, a normatização das entidades em vislumbre decorre do panorama normativo das OS, aproximando-as em muitos pontos. Daí porque não se entende a inserção desta proibição, a qual, aliás, não constava do projeto original. Por outro lado, a Lei deixa lacunas significativas, que deverão ser integradas pela doutrina e jurisprudência pátrias, assim como pela prática administrativa. Por exemplo, em que pese trate a qualificação em tela como um ato a ser expedido no exercício da competência vinculada do administrador, não há qualquer preocupação em regular o processo administrativo, mormente no que se refere à desqualificação, limitando-se a estabelecer, em seu art. 7º, a ampla defesa e o devido contraditório, ou seja, algo que, excluído, não faria falta, vez que estes, como é sabido, são princípios constitucionais a nortear todos os processos, judiciais ou administrativos. A Lei não versa, tampouco, acerca de instrumentos para impedir o contingenciamento de recursos para a execução dos termos de parceria, sem o que se pode inviabilizar os projetos em curso. Em que pesem essas anotações, não se pode deixar de reconhecer que as OSCIP representam um avanço muito grande em termos de normatização do Terceiro Setor no país. Apesar das contradições mencionadas tenderem a esvaziar o título, no início, o caminhar do tempo levará o legislador a conferir vantagens próprias para as entidades qualificadas com OSCIP’s, o que aumentará o interesse pelo título, o qual, registre-se é de muito boa qualidade jurídica. 5. ANÁLISE COMPARATIVA: À GUISA DA CONCLUSÃO Do até aqui exposto, pode-se perceber que as Organizações Sociais as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, para além da denominação, possuem muitas semelhanças, a ponto mesmo de confundi-las. Ora, ambas são pessoas jurídicas de Direito Privado, possuem as mesmas limitações genéricas, atuam na mesma seara, perseguem objetivos muito próximos, e beneficiam-se de íntima relação com o Estado, notadamente através de repasses públicos. Entretanto, as Organizações em tela não se confundem, tanto assim que a Lei das OSCIP proíbe tal concessão ao uma entidade já qualificada como OS. Assim, necessário se faz destacar as principais peculiaridades que apartam uma da outra, a fim de definir o real papel e vocação de cada uma. De início, cabem algumas considerações sobre o regime jurídico das entidades. É certo e pacífico que ambas são Pessoa Jurídicas de Direito Privado, e isso não será aqui problematizado. O que se aventa é o caminho, por assim dizer que tais entidades percorrem até obter sua qualificação. Isto posto, pode-se afirmar que as OSCIP são uma publicização do privado, e as OS, ao revés, são uma privatização do público. Explica-se. As Organizações Sociais, como visto, são entidades criadas, via de regra, por iniciativa do Poder Público, com o específico propósito de absorver órgãos extintos. Ainda que juristas do porte de Paulo Modesto admitam a criação de OS independentemente da iniciativa do Estado, não é isto que a prática vem revelando; por oposto, muitos administrativistas de quilate vislumbram, mesmo uma tentativa de desmonte do Estado, no campo da prestação de serviços sociais. Por outro lado, As OSCIP tornam claras as tendências de levar os conceitos de Direito Público ao campo tradicional do Direito Privado, suas relações e sujeitos. É de se notar que são entidades criadas por iniciativa da sociedade, que se organiza, funda uma entidade, e busca uma qualificação, que a irá credenciar a estabelecer uma parceria com a Administração pública, na realização de atividades de cunho social. A materialidade dessas considerações decorre de uma tendência atual de aproximação entre os campos da tradicional dicotomia do Direito. Outra dissonância entre as entidades em comento é o instrumento que traduz o vínculo entre a organização e o Estado. Para as OS, o Contrato de Gestão; para as OSCIP, o Termo de Parceria. Para as Organizações Sociais, o Contrato de Gestão é o fundamento básico de sua existência, eis que, como já dito, sua principal finalidade é absorver órgãos públicos extintos. Destarte, a entidade, na prática, já nasce como Organização Social, e, conseqüentemente, com o Contrato de Gestão, sem o qual sua existência perderia o sentido. Já quanto as OSCIP, a Lei trata de Termo de Parceria, que, nos termos do art. 9º da Lei 9790/99, “é passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público”. Ou seja, não há obrigatoriedade na celebração; trata-se de um instrumento para substituir os morosos e burocráticos convênios por um instrumento mais moderno e ágil na relação do Terceiro Setor com o Estado. Por fim, outra marca distintiva revela-se na sua estruturação. Os objetivos sociais das OSCIP são mais amplos, atuando em mais áreas, enquanto as OS possuem campo mais restrito. Isto decorre da própria origem das Entidades, eis que as OSCIP nascem da iniciativa da sociedade, sem tantas amarras, enquanto as OS, criadas para substituir um órgão público, de regra irão ater-se às atribuições daquele órgão. Esta tendência reflete nas leis que regem as entidades em apreço. Ainda decorrendo deste particular, vê-se que as OSCIP possuem um regramento rígido, porém, mais genérico que as OS, a qual, por sua vez, possui uma regulação que desce à própria organização da entidade, estipulando regras sobre o funcionamento dos órgãos internos, deliberações obrigatórias, composição do Conselho de Administração, dentre outras. No corpo diretor das entidades revela-se outra marca distintiva: nas OS, o Conselho de Administração deve contar, obrigatoriamente, com representantes do Poder Público e da Sociedade, em uma proporção bastante elevada em relação ao número de sócios, que, ao fim, são minoria no processo decisório da entidade. Isto reforça a teoria de que as OS foram criadas para ser um “braço” do Estado, imune à rigidez do regime jurídico de Direito Público, o que pode levar a entraves constitucionais. Já nas OSCIP, o corpo decisório é normalmente formado pelos sócios, segundo determina o Estatuto. Em resumo, são essas as principais marcas distintivas entre as novas figuras do Terceiro Setor no Brasil. È certo que tempo ainda se demandará até que a doutrina se firme na correta identificação das atribuições e do papel que cada uma pode desempenhar na luta pelo desenvolvimento e promoção social. São as discussões que fazem os institutos evoluírem. 6. CONCLUSÃO Diante de tudo quanto foi até aqui exposto, podemos concluir que o título de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público é, de fato, qualificação jurídica, concedida a entidades já existentes, que atendam a determinados critérios exigidos em lei. De há muito, o ordenamento jurídico brasileiro conhece esse mecanismo, desde a Lei 91/35, que instituiu as Organizações de Utilidade Pública. Ocorre que o evolver social revelou as insuficiências inerentes a este título, que, de início conferido como mero distintivo, passou a ser uma chance par a obtenção de uma série de favores legais do Estado. Daí, alguns outros foram elaborados, até que, em 1998 e 1999 foram criados os títulos objeto deste trabalho. As Organizações Sociais, por sua vez, podem, a vislumbrar pela sua normatização, e pela prática até o momento revelada, possuem um viés de instrumentalização do afastamento do Estado da prestação de serviços de cunho social. A possibilidade de uma OS vir a absorver um órgão estatal extinto, a série de flexibilidades, no mínimo, impensáveis conferida a uma entidade privada que lidará com bens, receita, servidores e serviços públicos levam a uma queda na credibilidade do mesmo, o qual esbarra, segundo muitos, em óbices constitucionais. Todavia, não há de se negar que traz a pertinente legislação alguns avanços, como, por exemplo, a delineação de mecanismos de controle muito mais acurados que os existentes para as Organizações de Utilidade Pública. Já as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, por seu turno, vieram a superar em vários pontos algumas das insuficiências mais gritantes as lei comentada. Ainda que mantenham uma similitude bastante acentuada – o que deriva até da idéia de evolução, eis que o arcabouço normativo foi, em grande parte, adaptado ao novo título – há vários traços distintivos, de modo a determinar o papel de cada uma na sociedade. Houve muitas inovações; contudo, não está o novo título isento de críticas. Numa análise comparativa, verificamos que as entidade, embora semelhantes em seus fins, possui um ponto básico as distingue: enquanto a OS represente uma “privatização do público”, a OSCIP determina uma “publicização do privado”. Assim, a estruturação interna das entidades acompanha essa origem distinta, de modo a ser mais intervencionista nas Organizações Sociais. São essas a principais colocações que se pretendia proferia o presente trabalho. Com esse panorama, espera-se tenha dado ao leitor uma visão introdutória às principais questões referentes às OS e OSCIP, de modo a estimulá-lo a aprofundar seus estudos e contribuir, ainda que singelamente, ao debate que se descortina. 7. BIBLIOGRAFIA DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13ª ed. São Paulo: Atlas, 2001. ________. Parcerias na Administração Pública. Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras Formas. 4ª ed. ver. ampl. São Paulo: Atlas, 2002. MAIA, Zélio. Organizações Sociais. O Terceiro Setor e a Modernização dos Serviços Públicos. VemConcursos. [s.l]. Disponível em: < http://www.vemconcursos.com.br/opiniao/index.phtml?page_ordem=autor&page_autor=19 &page_id=321>. Aceso em 05 fev. 2004. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo Brasileiro. 14ª ed. ref.ampl. atual. São Paulo: Malheiros, 2002. MARTINS, Paulo Haus. Uma nova qualificação para o Terceiro Setor. 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