APONTAMENTOS SOBRE A TEMPESTIVIDADE RECURSAL:
Fluência e ciência inequívoca; recurso interposto antes da intimação;
interrupção do prazo por força da interposição de embargos de declaração
*publicado na Revista de Processo n. 181/2010
FLÁVIO CHEIM JORGE
(Advogado. Mestre e Doutor em Direito PUC/SP. Professor Adjunto - Graduação e
Mestrado - da Universidade Federal do Espírito Santo)
1. Notas Introdutórias; 2. A fluência do prazo recursal e a ciência inequívoca; 3.
O recurso interposto antes da intimação; 4. A interrupção do prazo ante a
interposição de embargos de declaração;
1. NOTAS INTRODUTÓRIAS
Embora não exista hierarquia entre os pressupostos
intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade recursal, a praxe forense, aí incluída
a jurisprudência dos Tribunais, muitas vezes empresta maior relevância, pelo
rigor no trato, ao requisito da tempestividade.
A previsão de prazos peremptórios para a interposição
de recursos decorre de um valor funcional do direito, que é a segurança jurídica.
Estatuindo o sistema um prazo para que a decisão seja impugnada – e após o qual
não é mais possível a sua revisão –, ele consolida uma determinada situação
jurídica e extermina a intranquilidade das partes.
Desta feita, para que o requisito de admissibilidade
intitulado tempestividade seja preenchido, o recurso deve ser interposto dentro do
prazo fixado pela lei. O escoamento in albis do prazo recursal acarreta a
preclusão temporal.
O que se objetiva com a presente análise é abordar
três aspectos de extrema relevância quanto ao requisito de admissibilidade em
questão: (i) a fluência do prazo recursal em decorrência de ciência inequívoca;
1
(ii) a interposição de recurso antes do início do prazo recursal e (iii) a sua
interrupção por força da interposição de embargos de declaração, bem como as
consequências de tal interrupção.
2. A FLUÊNCIA DO PRAZO RECURSAL E A CIÊNCIA INEQUÍVOCA
O art. 506 do CPC regula em seus incisos o dies a quo
para a interposição dos recursos, da seguinte forma: “Art. 506. O prazo para a
interposição do recurso, aplicável em todos os casos o disposto no art. 184 e seus
parágrafos, contar-se-á da data: I – da leitura da sentença em audiência; II – da
intimação às partes, quando a sentença não for proferida em audiência; III – da
publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial”.
A regra contida nesse artigo é a mesma constante do
artigo 242 do CPC e proporciona um único entendimento: o de que o prazo para
interpor o recurso, a ser contado na forma do artigo 184 do CPC1 – por expressa
determinação do caput do transcrito artigo 506 –, terá início quando o advogado
da parte tiver ciência da decisão. Neste particular, registre-se que, embora o
artigo 506, em especial seu inciso II, faça referência às partes, é certo que as
partes são intimadas na pessoa de seus advogados2, que em nome delas
interpõem o recurso.
Destarte, o fundamental é compreender que o critério
utilizado pelo legislador para estabelecer o início do prazo recursal é a ciência da
decisão – conhecimento e acesso à íntegra de seus fundamentos –; a qual, de
rigor, se dá com a intimação da parte, na pessoa de seu advogado.
Tanto é a ciência da decisão o critério adotado pelo
legislador que ele mesmo cuidou de ressalvar que, quando se tratar de sentença
proferida em audiência, é este ato que deflagrará o início do cômputo do prazo
recursal. A razão para tanto não poderia ser mais clara: as partes têm ciência
imediata da decisão prolatada e devidamente “lida” em audiência; tornando-se,
por óbvio, desnecessária a posterior realização de intimação – que, na fiel dicção
do artigo 234 do CPC, nada mais é do que exatamente “o ato pelo qual se dá
1
“Art. 184. Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos, excluindo-se o dia do começo e
incluindo o do vencimento.”
2
O art. 242 do CPC é mais preciso quanto a esse aspecto, in verbis: “O prazo para a interposição de
recurso conta-se da data, em que os advogados são intimados da decisão, da sentença ou do acórdão”.
2
ciência a alguém dos atos e termos do processo, para que faça ou deixe de fazer
alguma coisa”.
Se a ciência é o que marca o princípio do prazo
recursal, este terá seu curso iniciado independentemente da forma ou do ato pelo
qual a parte tome conhecimento e tenha acesso ao conteúdo da decisão – seja um
daqueles previstos no artigo 506 do CPC, ou outro qualquer3.
Nestes casos, tratar-se-á de “ciência inequívoca”,
figura que possui berço jurisprudencial e não se encontra prevista de modo
expresso na legislação processual. O fenômeno ocorre em situações concretas nas
quais, em decorrência de determinado ato praticado pelo advogado da parte, o
prazo recursal começa a fluir, não obstante a ausência do procedimento padrão de
intimação.
A ratio essendi desta figura jurídica finca-se no
aspecto teleológico da intimação. É que, servindo ela para dar ciência às partes
de algo existente no processo, será absolutamente dispensável caso tal finalidade
– a ciência – já tenha sido alcançada de outra forma.
É precisamente o que ocorre quando, havendo decisão
nos autos, a parte os retira de cartório, ainda que apenas para cópia. A partir
dessa data começará a fluir o prazo para a interposição do recurso, pois, naquele
momento, a parte teve efetiva ciência da decisão proferida. Neste particular,
pouco importa se, por quaisquer contingências do serviço judiciário, a intimação
é ou não veiculada posteriormente: o prazo terá tido início quando da ciência
comprovada da decisão.
No âmbito dos tribunais, a fluência do prazo recursal
em decorrência da ciência inequívoca é reconhecida de forma pacífica.
Assim já teve oportunidade de decidir o Supremo
Tribunal Federal, por intermédio de seu órgão plenário:
3
Por exemplo: se a parte peticiona nos autos alegando irregularidade da intimação, e, por conseqüência,
toma ciência da decisão, é a partir dessa data que o prazo passa a fluir. Assim já decidiu há muito o
Superior Tribunal de Justiça: “Ementa: Intimação – Irregularidade – Ciência inequívoca. Se a parte
peticiona, alegando irregularidade na intimação referente a determinado ato processual e assim revela que
dele teve ciência, da data em que o faz fluirão os prazos recursais, não se fazendo necessária outra
intimação” (STJ, 3.ª T., REsp 6.153/RS, rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 29.04.1991, DJU 27.05.1991, p.
6.961).
3
“A retirada dos autos do cartório, pelo advogado da parte, constitui ato
inequívoco de conhecimento da sentença, de modo que determina
automaticamente o transcurso do prazo para a interposição do recurso.
Inteligência dos arts. 234, 240 e 242, § 1.º, do Código de Processo Civil.
Jurisprudência firmada nesse sentido pelo Plenário”. 4
Do Superior Tribunal de Justiça colhe-se o mesmo
entendimento:
“Ementa: Processual Civil – Apelação – Intempestividade – Ciência
inequívoca da sentença antes da publicação. I – A regra geral estabelece
que o prazo para recorrer começa a fluir da data da intimação da sentença
(art. 236 c/c 242, ambos do CPC). II – A orientação consolidada na
jurisprudência, contudo, em casos especialíssimos, admite seja afastada a
regra geral, para considerar-se intimada a parte que, antes da publicação,
indubitavelmente, haja tomado ciência inequívoca da decisão – por outro
meio qualquer. III – Aplicação do princípio da instrumentalidade das
formas inscrito no art. 154 do CPC”5
É oportuno ressaltar que a ciência inequívoca
constitui inegavelmente uma exceção à clássica regra do direito processual, em
que, mesmo não tendo havido regular procedimento de intimação, o prazo
recursal começa a fluir. Essa excepcionalidade exige uma análise sempre
cuidadosa e restritiva, que permita caracterização de ciência inequívoca apenas
quando exista certeza absoluta, imune de qualquer dúvida, de que a parte
recorrente teve efetivo e integral conhecimento do teor da decisão recorrida.
Dessa forma, por manifesta incompatibilidade com as
cláusulas constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, é vedado o
emprego de presunção para caracterizar ciência inequívoca quando há dúvida em
sua ocorrência6.
4
STF, Emb. Div. no RE 95.024-PA, Tribunal Pleno, rel. Min. Soares Muñoz, j. 11.02.1982, RTJ
101/1.292.
5
STJ, 3.ª T., REsp 2.915-SP, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 28.06.1990, RSTJ 24/318. O Superior
Tribunal de Justiça manteve idêntico entendimento nos seguintes julgados: 4.ª T., REsp 44.152-ES, rel.
Min. Barros Monteiro, j. 22.03.1994, DJU 18.04.1994, p. 8.510; 2.ª T., REsp 57.754-GO, rel. Min.
Américo Luz, j. 08.03.1995, DJU 17.04.1995, p. 9.577.
6
No que diz respeito à necessidade de observância da forma do processo, preciosas são as lições de ELIO
FAZZALARI quando diz que “as leis processuais se preocupam em descrever a forma com a qual deve
ser revestida a maior parte dos atos processuais. O que bem se explica: não se trata, de fato, de um vazio
formalismo, isto é, de uma mera idolatria da formalidade, mas sim de satisfazer a exigência que certas
atividades comportam sempre, isto é, em todos processos concretos, em determinados e estáveis modos
(de maneira a garantir o desenvolvimento do contraditório e de assegurar a possibilidade, geral e
uniforme de controle dos atos: e no curso da fase em que são criados, e na fase de impugnação), seja a
exigência de sub-rogar – impondo o emprego das formas às vezes solenes, às vezes complexas – o
4
Em igual sentir, Manoel Caetano Ferreira Filho
enfatiza, com propriedade, que “considera-se ter havido ciência inequívoca
quando o advogado faz carga dos autos. Há que se ter cuidado, porém, com a
presunção de ciência inequívoca da decisão. Afora a retirada dos autos, mediante
carga, deve-se sempre ter em mente que a intimação constitui veículo de
comunicação processual imprescindível ao pleno exercício do contraditório e da
ampla defesa, estando pois intimamente ligada ao princípio do devido processo
legal. Havendo dúvida deve-se reputar que não houve intimação.”7
Neste exato sentido decidiu o Superior Tribunal de
Justiça, in verbis: “Não demonstrado, de forma absolutamente induvidosa, que o
advogado do apelante havia se cientificado em cartório do teor da sentença, há de
se considerar como efetivada a intimação pela publicação da decisão no órgão
oficial, conforme a regra geral do art. 236 do CPC”8.
Em resumo, portanto, a ciência inequívoca é figura
possível, mas o seu reconhecimento pressupõe, necessariamente, a certeza
absoluta de que a parte, representada pelo seu advogado, teve acesso à decisão –
até porque “o termo ‘inequívoca’ não admite dúvida” (STJ, REsp. 536.527/RJ).
3. O RECURSO INTERPOSTO ANTES DA INTIMAÇÃO
Revela-se importante a demonstração de que o prazo
recursal pode se iniciar antes da intimação, porque a jurisprudência dos tribunais
contempla entendimento no sentido de que é prematura a interposição do recurso
nessa circunstância9.
requisito de uma vontade isenta de vícios” (FAZZALARI, Elio. Instituições de Direito Processual Tradução da 8ª ed. por Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006, p. 436)
7
FERREIRA FILHO, Manoel Caetano. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. VII. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 70.
8
STJ, REsp. 103.333, Rel. Min. Aldir Passarinho Jr.. Da mesma forma, STJ, REsp. 14.939/PR, Rel. Min.
Athos Gusmão Carneiro: “Nas hipóteses em que remanesce alguma duvida, inclusive por não haver o
advogado recebido os autos em carga, cumpre afastar a presunção e simplesmente aplicar a lei”
9
No STF, Ed. no RE n. 195.859, Rel. Min. Ilmar Galvão; Ed. no HC n. 81.260, Rel. Min. Sepúlveda
Pertence. No STJ, AgRg no Ag. a 483055/SC, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, 17.05.04; ED nos ED no
REsp n. 238127/RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 05.04.04; Ed. no REsp n. 346352/RS, Rel. Min.
Jorge Scartezzini, 19.12.03.
5
Segundo essa corrente, o recurso manejado antes da
intimação da decisão é extemporâneo – intempestivo mesmo –, já que sua
interposição se verificaria antes de aberto o prazo.
Em nosso sentir, todavia, a interposição do recurso
antes da intimação não pode levar ao seu não conhecimento por
intempestividade.
Como se passa a demonstrar, existem fundamentos
sólidos a embasar tal assertiva.
Num primeiro momento, e na seqüência do item
anterior, relembre-se que a necessidade de intimação das decisões é um fator de
segurança para as próprias partes. E assim é porque consiste na garantia de que
elas terão a faculdade – que se reveste de ônus processual – de recorrer ou não
dessas decisões, sem que sejam surpreendidas com o trânsito em julgado. Prova
maior disso é que, não havendo intimação, ou sendo a mesma nula, não há que se
falar em trânsito em julgado.
Tanto se trata de genuína garantia às partes que,
havendo ciência inequívoca, o prazo recursal começará a fluir, tornado-se
desnecessária – e, ademais, irrelevante para fins de contagem do referido prazo –
a posterior intimação da parte.
Com efeito, já vimos que se a parte faz carga dos
autos e nele se encontra publicada a decisão judicial, é desse momento que
começa a correr o prazo recursal. Trata-se de entendimento é manso, pacífico e
nunca encontrou vozes robustas em sentido contrário.
Desta feita, se nas hipóteses de ciência inequívoca o
prazo começa a correr antes da intimação, como pode ser considerado
intempestivo um dado recurso porque foi interposto exatamente antes da
intimação?
Um dos argumentos que sustenta este entendimento é
o de que, inexistindo intimação, não se tem “completada a prestação
jurisdicional”10.
10
Assim, STJ, AgRg no REsp. 581.887-RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, 08.03.04.
6
Tal argumento, no entanto, não prospera por uma
razão simples, quase de índole lógica: o interesse maior e preponderante no
conhecimento da decisão judicial é precisamente das partes. A coisa julgada que
recairá sobre a sua parte dispositiva, em se tratando de decisão definitiva de
mérito, somente alcançará as partes, sem que seus efeitos se estendam a terceiros
(art. 472, CPC).
De fato, a prestação jurisdicional estará completa a
partir do momento em que a decisão se tornar pública, como ato processual11, e
as partes tiverem efetiva ciência da mesma. Logo, se a parte se antecipa à
intimação e toma ciência dessa decisão, inexistem razões jurídicas que lhe
sustentem a imposição de um prejuízo, traduzido no não conhecimento do
recurso.
A interposição do recurso sem a intimação da parte –
desde que publicada a decisão recorrida – apenas faz presumir que a mesma teve
conhecimento da decisão de outra forma. Por conseguinte, há que se aplicar, em
tais hipóteses, o mesmo e correto entendimento a respeito do início do prazo
recursal ante a ciência inequívoca. Ressalva-se, no entanto, o caso do agravo de
instrumento, recurso interposto em autos apartados e diretamente perante o órgão
ad quem. De fato, muito apropriadamente, o Código cuidou de relacionar, entre
as suas peças obrigatórias (artigo 525, I e artigo 544, §1º), a certidão de
intimação12, sem a qual se tornaria inviável aferir a tempestividade do recurso13,
por manifesta impossibilidade de determinar, de plano, se a intimação foi ou não
veiculada e, se positivo, em que data.
11
De rigor, a decisão é publicada (rectius: tornada pública) não quando de sua veiculação na imprensa
oficial, na forma de intimação às partes, mas sim quando passa a constar dos autos – início de sua
existência como ato processual. Toda e qualquer sentença, uma vez recebidos os autos em Cartório, é nele
devidamente registrada e publicada, momento a partir do qual, inclusive, passa a incidir o óbice previsto
no artigo 463 do CPC.
12
A certidão de intimação, evidentemente, pode ser substituída, quando for o caso, pela prova da ciência
inequívoca, ou mesmo pela prova da juntada do mandado de intimação – o que não é incomum quando se
trata de decisão liminar e o réu ainda não tem procurador constituído nos autos. Em ambos os casos, é
possível admitir que a parte recorrente se desincumba da peça obrigatória mediante a apresentação de
certidão constante dos próprios autos ou outra exarada, a seu pedido, para essa específica finalidade.
13
Em tese, a tempestividade do agravo de instrumento poderia ser aferida se, mesmo ausente a certidão de
intimação (ou equivalente, como prova da ciência inequívoca), a data da interposição não fosse posterior
a dez dias contados da data da prolação da decisão (artigos 522 e 544 do CPC). No entanto, mesmo nessa
hipótese entendemos necessária a certidão de intimação, eis que a regra contida nos artigos 525, I e 544,
§1º é cogente e taxativa – e também porque, na prática, nada obsta a existência de erro material na data de
prolação da decisão.
7
Assim sendo, é de se louvar o posicionamento já
chancelado pelo Superior Tribunal de Justiça, em julgado no qual a Corte
Especial, com base no voto vencedor da Ministra a Min. Eliana Calmon,
modificou entendimento anterior para conhecer “o recurso interposto antes da
publicação da decisão no veículo oficial”14.
Outrossim, não se pode deixar de ressaltar que é
inadequada a classificação dessa situação como sendo de intempestividade.
Recurso intempestivo, como cediço, é aquele que foi interposto após o
escoamento in albis do prazo recursal. O prazo se inicia e termina sem que a
parte interponha o recurso. Assim, se a parte interpôs o recurso antes de sua
regular intimação, não há, a toda evidência, que se falar em intempestividade.
Contudo, diferente é a conclusão quando se trata de
recurso interposto na ausência, nos autos, da decisão que se pretende recorrida.
Em situações como tais, em que a decisão judicial não foi publicada (como ato
processual), o recurso não poderá ser conhecido – embora não por
intempestividade, mas sim por não preenchimento do requisito de
admissibilidade recursal da regularidade formal. Neste particular, portanto, está
com inteiro acerto o entendimento pela inadmissão do recurso.
Sob a ótica da regularidade formal, o recurso deve ser
sempre estruturado na existência de uma decisão judicial portadora de um vício,
que precisa, pelas razões nele delineadas, ser anulada ou reformada. Um recurso
que assim não se apresenta, não preenche o requisito da regularidade formal.
A compreensão desse requisito, ainda que sintética,
revela que é inconcebível a admissibilidade de um recurso sem que esteja nos
autos a decisão impugnada pelo mesmo. Se o que motiva e fundamenta o recurso
é a existência de uma decisão judicial contrária aos interesses do recorrente, a
presença dela é, evidentemente, um pressuposto intransponível para a
regularidade formal.
Embora em princípio não pareça crível, a situação
fática ora descrita não é de difícil ocorrência, principalmente nos tribunais, onde
os julgamentos são orais e os advogados podem assistir às sessões15
14
STJ, Corte Especial, AgRg nos EREsp 492461 / MG, Rel. Min. Eliana Calmon, 23.10.06.
Assim, o Superior Tribunal de Justiça que não conheceu de Agravo Regimental porque: “A
circunstância da ata da sessão de julgamento ser publicada após a divulgação do acórdão embargado não
15
8
É imprescindível observar que essa última hipótese
não se assemelha em nada, absolutamente nada, com aquela mencionada antes,
em que há decisão publicada nos autos, mas a parte ainda não foi regularmente
intimada.
4. A INTERRUPÇÃO DO PRAZO ANTE A INTERPOSIÇÃO DE
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO
Uma vez iniciado o prazo recursal, o mesmo pode ser
interrompido nas hipóteses do artigo 507 do CPC. Além delas, desde o advento
da Lei 8.950/94, que alterou a redação do artigo 538 do CPC, também é causa de
interrupção deste prazo, para ambas as partes, a interposição de embargos de
declaração.
Para a compreensão deste último fenômeno, deve-se
ter presente, inicialmente, que o recurso de embargos de declaração é
inquestionavelmente sui generis: é de fundamentação vinculada, com cabimento
adstrito à alegação de errores in procedendo específicos (omissão, obscuridade e
contradição); não possui, como todos os demais recursos, o escopo de anular ou
reformar a decisão recorrida – visando, apenas, esclarecê-la ou integrá-la – e é
julgado pelo próprio órgão prolator da decisão.
Além disso, enquanto o cabimento dos demais
recursos é estabelecido em função da natureza da decisão, não é o que ocorre
com este pressuposto quando se trata de embargos de declaração. A leitura do
CPC evidencia isso claramente. Com efeito, após conceituar nos artigos 162 e
163 os diversos tipos de decisão judicial – sentença, decisão interlocutória,
despacho e acórdão – o Código prevê os recursos cabíveis contra cada
provimento e, ressalvando a irrecorribilidade dos despachos (art. 504), o faz
estabelecendo que a sentença deve ser impugnada por apelação (art. 513); a
decisão interlocutória por agravo (art. 522); e os acórdãos, conforme a matéria
decidida, por embargos infringentes (art. 530), recurso especial (art. 544 c/c art.
105, III, da CF/88), recurso extraordinário (art. 544 c/c art. 102, III, da CF);
recurso ordinário (art. 539) ou embargos de divergência (art. 546). Os embargos
de declaração, no entanto, fogem à lógica da tipicidade e são cabíveis contra
tem o condão de alterar o termo inicial da contagem do prazo recursal” (STJ, AgRg no Emb. Div. No
REsp. 604.140/SP, rel. Min. Paulo Gallotti, 18.12.06).
9
todas as decisões (interlocutória,16 sentença ou acórdão), desde que as mesmas
apresentem os vícios apontados no art. 535 do CPC.
De fato, proferida uma decisão – com exceção
daquela irrecorrível no âmbito dos tribunais superiores – os embargos de
declaração sempre se apresentarão como recurso ‘intermediário’, cuja
interposição não prejudicará o futuro manejo do recurso típico previsto pelo
Código para atacar a decisão.
Assim, por exemplo, proferida uma decisão
interlocutória que padeça de um dos vícios elencados no artigo 535 do CPC, a
parte poderá interpor embargos de declaração antes de se valer do agravo retido
ou de instrumento. Neste caso, após o julgamento dos declaratórios, com a
integração da primeira decisão pela segunda, ainda será possível o manejo do
recurso de agravo.
Não obstante isso se aplique a todos os recursos, é
certo que há particularidades decorrentes da natureza de cada um deles –
particularidades que geram, inclusive, conseqüências quando aos efeitos dos
embargos de declaração em cada caso17. Assim é que, em se tratando de recursos
ordinários, nada impede que a parte pretenda a anulação da decisão em
decorrência obscuridade, contradição ou omissão; ao passo que, tratando-se de
recursos extraordinários ou de estrito direito, é imperiosa a prévia interposição de
embargos de declaração para a discussão e correção desses vícios, a fim de que
reste preenchido o requisito específico de admissibilidade do prequestionamento.
Pois bem. Já mencionamos que no artigo 538 do CPC
16
Atualmente já não mais subsiste qualquer discussão quanto ao cabimento de embargos de declaração
contra as decisões interlocutórias. Apesar de o art. 535 referir-se apenas a sentença e a acórdão, pacificouse o entendimento, notadamente no STJ, de que o defeito na prestação da tutela jurisdicional pode ocorrer
também nas interlocutórias, motivo pelo qual não há razões para excluir o cabimento dos embargos
nesses casos. Assim: REsp 119.968-DF, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 05.05.1998, DJU
01.06.1998; REsp 193924/PR, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 29.06.1999, DJU 09.08.1999,
p. 170; Corte Superior, Emb. Div. no REsp 159317/DF, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.
26.04.1999.
17
Foi o que tivemos oportunidade de discorrer em nosso Teoria Geral dos Recursos (São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2007, p. 263/264), quando afirmamos que o efeito suspensivo dos embargos de
declaração “não pode ser analisado isoladamente. É imprescindível que se analise também qual o recurso
correspondente àquela decisão caso os embargos de declaração não venham a ser interpostos; ou mesmo
que venha a ser interposto após o julgamento dos embargos. Dessa análise, se pode afirmar, sem hesitar,
que a aferição quanto ao efeito suspensivo deve ser feita não em relação aos embargos, mas sim quanto ao
recurso previsto pelo Código para atacar a decisão possivelmente embargada. Os embargos, em si mesmo,
seja a sua interposição, seja a mera potencialidade no seu manejo, não influenciam na eficácia da decisão
judicial.”
10
o legislador previu a interrupção do prazo recursal para ambas as partes; tanto
para aquela que interpõe os embargos de declaração, quanto para a parte
contrária.
Examinemos a primeira situação: a interrupção do
prazo para a parte embargante.
Em tal hipótese, uma vez interpostos os embargos de
declaração, é natural que a embargante aguarde o julgamento desse recurso para
que, posteriormente, tendo sido restabelecido todo o prazo recursal, se lize do
recurso típico.
Todavia, questão interessante pode surgir quando a
parte socorre-se, dentro do mesmo prazo recursal, simultaneamente ou não, dos
embargos de declaração e do recurso típico. Embora inusitada, tal situação
revela-se possível pela realidade forense, quando por erro, desconhecimento ou
quiçá urgência, são interpostos ambos os recursos pela parte sucumbente.
A solução para esse problema é dada pelo fenômeno
da preclusão. Com efeito, pelo princípio da singularidade, a interposição de um
recurso chama a incidência da preclusão consumativa, cuja conseqüência, nesse
caso, é a não admissão do recurso interposto posteriormente (fato impeditivo).
Desta feita, se os embargos de declaração forem
protocolados em primeiro lugar, o outro recurso não será conhecido. O
julgamento dos embargos, no entanto, abre duas possibilidades. Caso sejam
conhecidos – independentemente de, no mérito, serem providos ou não – reabrirse-á novamente o prazo recursal, com possibilidade de manejo do recurso típico
contra a decisão, agora integrada por aquela que julgou os declaratórios. Por
outro lado, o não conhecimento dos embargos de declaração18 invariavelmente
redunda na inadmissibilidade do recurso típico, uma vez que, quando não
admitidos19, os embargos não têm o condão de interromper o prazo recursal.
Doutra parte, em relação à interrupção do prazo
recursal para a parte contrária, é preciso compreender, inicialmente, a ratio
18
Sobre os juízos de admissibilidade e mérito dos recursos de fundamentação vinculada, vide o nosso
Teoria Geral dos Recursos, p. 34/36.
19
Tal não ocorrerá apenas se, por hipótese, os embargos de declaração forem julgados dentro do prazo
de interposição do recurso típico – e este, por sua vez, também apresentado dentro deste mesmo prazo.
11
essendi de tal fenômeno.
Essa regra tem por função precípua assegurar à parte
contrária o direito ao contraditório e à ampla defesa, já que a eventual correção,
pela decisão que julga os declaratórios, dos vícios apontados pelo embargante,
pode ampliar o seu interesse em recorrer.
Assim, o CPC permite à parte que aguarde o
julgamento dos embargos de declaração da parte contrária, a fim de verificar se,
após ele, o prejuízo que legitima a sua impugnação permanece o mesmo ou foi
alterado.
Observe-se que, por se tratar de uma regra criada em
benefício da parte, a interposição imediata do recurso nunca poderá prejudicá-la.
Se, por hipótese, o recurso típico for interposto imediatamente e a decisão
recorrida for alterada em decorrência do provimento dos embargos de declaração
da parte contrária, será possível ao recorrente complementar nessa exata medida
o recurso antes interposto20 – o que, evidentemente, afasta qualquer possibilidade
de complementação quando não houver modificação da decisão.
Neste particular, sempre defendemos21 que a
interposição de embargos de declaração pela parte contrária não prejudica o
processamento e julgamento do recurso típico, não sendo possível cogitar de sua
inutilidade posterior ou mesmo de necessidade de sua ratificação22.
As razões para tal assertiva são muitas e um tanto
óbvias: (i) a regra existe para facilitar a atuação do recorrente, nunca para
prejudicá-lo; (ii) a parte, como regra, interpõe o recurso típico antes de saber da
existência ou não de embargos da parte contrária; (iii) o recurso típico interposto
é ato processual existente, válido e eficaz; (iv) os embargos de declaração podem
não ser conhecidos e, nesse caso, o prazo não será interrompido; (v) é estranha ao
20
Assim: NERY JR. Nelson, Princípios fundamentais: teoria geral dos recursos. 4. ed. São Paulo: RT,
1997, p. 151; GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães e FERNANDES,
Antônio Scarance, Recursos no processo penal. 3. ed. São Paulo: RT, 2001. p. 39; SOUZA, Bernardo
Pimentel, Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. São Paulo, Brasília Jurídica, 2000, p. 148.
21
Nossa Apelação Cível: Teoria Geral e Admissibilidade, p. 150.
22
Nesse sentido, “Ementa: Processual Civil. Apelação. Sua interposição na pendência de julgamento de
Embargos de Declaração. 1. Não é intempestiva a apelação interposta durante a suspensão do prazo, pela
oposição de embargos de declaração, pela parte contrária, desnecessária a sua ratificação após o reinício
da contagem do prazo sobejante” (STJ, 4.ª T., REsp 20.304-5-MG, rel. Min. Dias Trindade, j. 30.08.1993,
RSTJ 55/135).
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processo civil norma legal que preveja a reiteração dos embargos de declaração,
ao contrário do agravo retido (art. 523, §1º) e dos recursos especial e
extraordinários retidos (art. 543, §3º); (vi) a fluência do prazo recursal pode se
dar de forma diferente para as partes, de modo que o prazo para uma delas pode
ter se esgotado e para a outra nem se iniciado (basta pensar em ciência
inequívoca); (vii) inexiste preclusão lógica, perda de interesse ou renúncia tácita
pela não modificação da decisão embargada, etc.
Contudo, recentemente, a discussão a respeito desse
assunto tornou a ganhar relevo porque o Superior Tribunal de Justiça, por
intermédio de sua Corte Especial, decidiu, por maioria de votos, que “É
prematura a interposição de recurso especial antes do julgamento dos embargos
de declaração, momento em que ainda não esgotada a instância ordinária e que se
encontra interrompido o lapso recursal”23.
O entendimento externado no referido julgado – o
qual versa unicamente sobre os recursos extraordinários – fundamenta-se,
basicamente, em dois argumentos.
O primeiro é o da necessidade de prévio esgotamento
das instâncias ordinárias para a interposição do recurso excepcional, que só é
cabível contra decisões proferidas em “única ou última instância” (artigos 102 e
105, III, CF). Como a decisão embargada é integrada pela que julga os embargos
de declaração, aquela não seria, a rigor, a decisão de “última instância”.
O segundo argumento é o de que o recurso interposto
no curso do prazo recursal interrompido (pela interposição de embargos de
declaração) é intempestivo. É dizer: havendo interrupção, não existiria prazo em
curso para o oferecimento do recurso típico.
Com efeito, em que pese tratar-se de julgado da Corte
Especial do Superior Tribunal de Justiça, a conclusão ali externada, com o
devido respeito, não se amolda à sistemática recursal preconizada pelo Código de
Processo Civil. As razões já declinadas anteriormente – não enfrentadas, diga-se,
na fundamentação do acórdão mencionado – assim demonstram com fartura,
como também o faz Heitor Vitor Mendonça Sica24 em profícuo trabalho sobre o
23
STJ, REsp. 776.265/SC, Corte Especial, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 18.04.2007.
Recurso intempestivo por prematuridade?, in Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e
assuntos afins, coord. Nelson Nery Jr. e Teresa Arruda Alvim Wambier, Vol. 11, p.134 e ss.
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tema.
A razão que nos parece fundamental, no entanto,
reside precisamente no caráter sui generis do recurso de embargos de declaração.
Como já visto, a essência dessa espécie recursal impede que ela seja analisada
sob a mesma lente que as demais, cujas características e efeitos a ela não se
amoldam.
Quando o legislador constitucional limitou o
cabimento dos recursos excepcionais às “causas decididas em única ou última
instância”, o que objetivou foi impedir a interposição de recursos per saltum, de
modo a evitar que as partes porventura se socorressem das Cortes Superiores
antes de esgotar todas vias disponíveis para a reforma ou anulação da decisão
judicial. É assim que deve ser compreendida a famigerada necessidade de
esgotamento das instâncias ordinárias.
Ora, o simples fato de o recurso de embargos de
declaração ser, como é, um recurso ‘intermediário’, destinado à supressão de
vícios específicos (omissão, obscuridade, contradição) pelo próprio órgão
prolator da decisão – e, portanto, na mesma instância judicial –, já denota
claramente que não pode ser relacionado com o “esgotamento das instâncias
ordinárias”.
Para se defender o contrário, aliás, seria forçoso
sustentar que os embargos de declaração são sempre obrigatórios, mesmo que
manifestamente incabíveis, por ausência dos vícios que lhe legitimam a
interposição. Afinal, mesmo nessa hipótese – em que alegados, mas
manifestamente ausentes os vícios –, os embargos de declaração redundariam na
prolação de uma decisão que seria, então, a decisão de “última instância”. A toda
evidência, trata-se uma afronta à lógica.
Quanto a isso, oportuno é o alerta feito por Heitor
Sica, segundo quem, como os embargos de declaração são, a rigor, sempre
cabíveis contra toda e qualquer decisão – bastando, para que sejam conhecidos, a
alegação dos vícios a que se refere o artigo 535 do CPC – “rigorosamente,
jamais, a instância ordinária estaria esgotada, pois podem-se opor embargos
declaratórios indefinidamente contra cada acórdão que por sua vez julgar outros
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embargos de declaração”25.
Este é o primeiro ponto. O segundo, também claro, é
que, diferentemente do que fundamentou o julgado do Superior Tribunal de
Justiça, a interrupção do prazo recursal pela interposição de embargos de
declaração em nada afeta a tempestividade do recurso típico interposto pela parte
contrária. A interrupção do prazo, enquanto efeito expressamente previsto na
norma processual, é apenas e tão somente um mecanismo que obsta o prazo e
implica na sua posterior devolução.
Em termos mais claros, a interrupção do prazo não
tem qualquer implicância sobre a existência, validade e eficácia do ato processual
(interposição do recurso). Aliás, tanto o recurso interposto é ato processual
existente, válido e eficaz, que à parte recorrente não se permite, posteriormente,
emendar ou complementar suas razões recursais – a não ser na hipótese de
modificação da decisão embargada, nesse rigoroso limite.
Afinal, seria possível ao recorrente, apenas porque a
outra parte interpôs embargos de declaração – com a conseqüente interrupção do
prazo recursal –, por exemplo, emendar o recurso especial para efetuar o
pagamento do preparo; anexar procuração ausente nos autos; assinar a petição de
interposição ou aditar as razões quanto a um fundamento preexistente?
Obviamente não. Já exercido e consumado o direito
de recorrer, nenhum outro ato processual pode ser praticado relativamente ao
recurso. Se assim é, a conclusão necessária e inafastável é a de que à parte não se
pode impor o ônus de ratificar o seu recurso após o julgamento dos embargos de
declaração.
Por fim, é importante observar, para que não paire
qualquer dúvida quanto ao tema aqui abordado, que a interpretação
jurisprudencial proclamada pelo Superior Tribunal de Justiça aplica-se
exclusivamente aos recursos excepcionais, quais sejam, Recursos Especial e
Extraordinário e Embargos de Divergência.
No que diz respeito aos recursos ordinários (apelação,
agravo, embargos infringentes, embargos de declaração, recurso ordinário),
25
Ult. ob. cit., p. 144.
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sequer se cogita, dada à completa carência de argumentos, da necessidade de
ratificação dos recursos interpostos após o julgamento dos embargos de
declaração.
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APONTAMENTOS SOBRE A TEMPESTIVIDADE RECURSAL