MAIA SÉCULO XIX LUTAS LIBERAIS Absolutismo Doutrina política que predominou na Europa nos secs. XVI-XVIII e cuja forma de governo caracterizou essa mesma época. O absolutismo nasceu como forma de compensação dos abusos da nobreza. As suas principais características são: Princípio do legitimismo Existência de uma estrutura administrativa unificadora Exército permanente Economia de estado Em Portugal, o absolutismo foi estabelecido desde D. João I, tendo-se reforçado com D. João II. Com D. José, já no séc. XVIII, tomou a forma de absolutismo esclarecido (apesar de se humanizar o direito penal, de fomentar o ensino, a cultura e a tolerância religiosa, os povos continuam a não tomar parte nas decisões do estado). Com a convenção de Évora-Monte assinada por D. Miguel em 1834, o Absolutismo desaparece em Portugal. Liberalismo Doutrina político-económica e sistema doutrinário que se caracteriza pela sua atitude de abertura e tolerância a vários níveis. Surgiu na época do iluminismo contra o espírito absolutista. Parte do conceito de que o conhecimento da razão humana e o direito à acção e realização própria, livre e sem limites, é o melhor sistema para a satisfação dos desejos e necessidades da humanidade. Exigia não só a liberdade de pensamento mas também a liberdade política e económica. Na sua origem, o liberalismo não era só partidário das liberdades individuais mas também da dos povos, não sendo estranho aos movimentos de libertação nacional surgidos durante o séc. XIX (Europa e América Latina). Revolução Liberal Em 24.8.1820, uma revolução proclamou a extinção do regime absolutista e a entrada em vigor da Constituição (1822), seguindo-se a sua aceitação por grande parte da população. Detectaram-se os problemas a resolver - Agricultura: abolição dos forais e melhoria das técnicas agrícolas; Indústria: maquinaria para fazer frente à concorrência inglesa; Comércio: desenvolvimento das vias de comunicação e maior intercâmbio com as colónias; Fazenda e Governo: reformas fiscais, judiciárias e administrativas O regime liberal conheceu diversas tendências ao longo do seu período de existência (1820-1926), que assumiram designações próprias, como o vintismo, o cartismo, o setembrismo e o republicanismo. O liberalismo em Portugal, surgiu sob influências da Revolução Francesa, mas durante o séc. XIX adoptou uma postura «britânica» e após a instalação da República converteu-se ao parlamentarismo. Constituição A história do constitucionalismo português inicia-se com a Constituição de 1822, que acolhia um sistema liberal democrata. Seguiram-se-lhe a Carta Constitucional (1826) e a constituição de 1838. A Carta representou o triunfo do rei e o seu direito ao exercício do poder. A de 1838 moderou essa concepção tendo-se mantido até 1842. Uma cronologia dos principais acontecimentos que conduziram ao desembarque em Pampelido 1818 É fundado do Sinédrio, no Porto, por Manuel Fernandes Tomás, José Ferreira Borges, José da Silva Carvalho e João Ferreira Viana. Será a estrutura que dará origem à Revolução de 1820. 1820 Eclode no Porto a Revolução liberal, preparada pelo Sinédrio [24 de Agosto]. Forma-se uma «Junta Provisória do Governo Supremo do Reino», presidida pelo brigadeiro António da Silveira Pinto da Fonseca. Primeiras eleições em Portugal, para as Cortes Constituintes [8 de Dezembro]. 1821 Reunião das Cortes para preparação de uma Constituição [26 de Janeiro]. O rei D. João VI chega a Lisboa e antes de desembarcar recebe os representantes do governo e jura as bases da futura Constituição [3 de Julho]. É extinto o Tribunal da Inquisição, abolida a censura prévia e regulado o exercício da liberdade de imprensa. 1822 As Cortes Constituintes votam a primeira Constituição portuguesa, estabelecendo eleições directas e voto secreto [11 de Julho]. O príncipe D. Pedro solta o famoso "Grito de Ipiranga" (Independência ou Morte), proclamando a independência do Brasil [7 de Setembro]. Entra em vigor a primeira Constituição Portuguesa que põe fim ao regime absoluto [23 de Setembro]. D. João VI jura a Constituição [1 de Outubro]. D. Carlota Joaquina recusa-se a fazêlo sendo transferida para a Quinta do Ramalhão 1823 Sublevação de D. Miguel, apoiada pela rainha, denominada de Vilafrancada, visando restaurar o absolutismo em Portugal [27 a 31 de Maio]. 1824 Abrilada: golpe de estado absolutista, encabeçado por D. Miguel. D. Miguel parte para o exílio em Viena [Maio]. 1826 Morre D. João VI e o Conselho de Regência reconhece D. Pedro como rei. O rei D. Pedro IV outorga a Carta Constitucional a Portugal e abdica da coroa portuguesa em favor de sua filha D. Maria da Glória. D. Maria deveria casar com seu tio D. Miguel, que juraria a Carta. [29 de Abril]. Casamento de D. Maria II com D. Miguel, feito por procuração [29 de Outubro]. 1827 Amnistia para os emigrados, que não a aceitam [13 de Abril]. D. Pedro decreta a entrega da Regência a D. Miguel [3 de Julho]. 1828 D. Miguel jura fidelidade à Carta Constitucional e a D. Pedro, regressa a Portugal e assume a regência [22 de Fevereiro]. Revoltas liberais por todo o país, face ao domínio miguelista [a partir de 25 Abril]. Convocação dos Três Estados [3 de Maio]. Pronunciamento da guarnição do Porto, a favor da Carta; formação de uma Junta de Governo. [16 de Maio a 2 de Julho]. Juramento de D. Miguel perante os Três Estados [7 de Julho]. Como consequência o Corpo Diplomático retira-se de Portugal Emigração/exílio de liberais devido ao terror miguelista. 1829 Execução no Porto, dos réus da insurreição da Junta de 16 de Maio de 1828 [7 de Maio]. Batalha da Praia (em consequência apelidade de «Praia da Vitória»), entre absolutistas e liberais, na ilha Terceira, nos Açores. A esquadra miguelista retira-se depois de repelida a tentativa de desembarque [11 de Agosto]. Batalha da Praia da Vitória 1831 Tentativa frustrada de levantamento militar em Lisboa [8 de Fevereiro]. D. Pedro abdica do trono do Brasil [7 de Abril], regressa à Europa e assume a regência de Portugal, em nome de D. Maria II Reconhecimento de D. Miguel como rei, pelo Papa [21 de Setembro]. 1832 Manifesto de D. Pedro [2 de Fevereiro]. Organização da expedição em Inglaterra, preparada em Belle-Isle. D. Pedro ruma aos Açores [10 de Fevereiro]. D. Pedro chega a S. Miguel [22 de Feveriro]. D. Pedro chega à Terceira [3 de Março] e assume a regência. Nomeia o Ministério (Palmela, Mouzinho. Freire). Terceira torna-se general, sob o regente. Decreto de abolição parcial de morgadios [4 de Abril]. Decreto de abolição da sisa, portagens e direitos feudais [19 de Abril]. D. Pedro vai a S. Miguel preparar a expedição ao Reino [25 de Abril]. Mouzinho da Silveira assina o decreto que estabelece o funcionamento, a competência e organização do Supremo Tribunal de Justiça bem como a reforma da Fazenda e da Administração [16 de Maio]. Embarque da expedição [20 a 22 de Junho]. Partida da expedição de S. Miguel para o Continente [27 de Junho]. 1832. A 27 de Junho zarpa de Ponta Delgada uma esquadra comandada por D. Pedro IV. O seu objectivo: Portugal. Na Ilha Terceira, que nunca aceitou o governo de D. Miguel, foram-se reunindo, em volta do antigo monarca D. Pedro, que tinha renunciado à coroa portuguesa em favor da filha D. Maria, os refugiados e oposicionistas ao regime absolutista. E foi, portanto, dessa ilha que partiu a esquadra acima referida que, a 7 de Julho, é avistada no Porto. D. Pedro, bem na senda da tradição liberal do Vintismo, desejava a restauração do liberalismo a partir da cidade do Porto. A esquadra, comandada pelo almirante Rose George Sartorius, transportava cerca de sete mil e quinhentos homens que viriam a ficar conhecidos pela designação "Bravos do Mindelo". Entre eles contavam-se muitos mercenários e auxiliares ingleses, franceses, belgas, polacos, italianos e alemães. Mas o grosso da coluna era composto por nacionais que integravam três batalhões de Infantaria, um regimento provisório de infantaria, quatro batalhões de caçadores, um batalhão de artilharia, voluntários de D. Maria II, o batalhão dos académicos, de que fazia parte Garrett, um batalhão só de oficiais, um corpo de guias, um corpo de engenheiros e três embriões de corpos de cavalaria. A esquadra organizada por D. Pedro IV contava com as seguintes embarcações: - duas fragatas (Rainha de Portugal e D. Maria II), - o brigue Conde de Vila Flor (que possuía dezasseis peças de artilharia), - o brigue-escuna Liberal (com nove peças), - três escunas (Terceira, Eugénia e Coquette com sete, dez e sete peças respectivamente), - a galera D. Amélia (que albergava D. Pedro), - cinco escunas (Faial, Graciosa, Prudência, Esperança e 5. Bernardo), - a barca Regência de Portugal, - e ainda dezenas de barcos de transportes, lanchões e até um barco a vapor. À frente destes homens, designados muitas das vezes por "Exército Libertador", encontrava-se o tenente-coronel Schwalbach e os coronéis Henrique da Silva Fonseca e António Pedro Brito. Exército que, significativamente, era composto por múltiplos nomes que viriam a ficar famosos na história do liberalismo, do pensamento e da cultura nacional, como sejam Alexandre Herculano, Almeida Garrett, José Estêvão e Mouzinho da Silveira. Ao anoitecer do dia 7 de Julho de 1832 instala-se o pânico entre as forças militares e as autoridades absolutistas do Porto. A esquadra liberal estava à vista, para grande surpresa dos miguelistas que nunca haviam previsto uma invasão por este ponto do país. No entanto, D. Pedro avança com a sua armada em direcção a Vila do Conde. Era aí que planeara o desembarque. Na manhã de 8 de Julho é enviado a terra, para parlamentar com as forças militares aí estacionadas, o major Bernardo de Sá Nogueira - futuro Marquês de Sá da Bandeira. As negociações são, no entanto, completamente estéreis, sendo aquele emissário recebido com ameaças de fuzilamento. Frustadas, pois, que foram estas tentativas de desembarque pacífico, é decidido efectuá-lo em pé-de-guerra. Tal ocorrerá ao principio da tarde desse dia na Praia dos Ladrões, em Arnosa de Pampelido, no limite das freguesias de Lavra e Perafita. D. Pedro dirige então uma célebre proclamação aos seus homens «Soldados! Aquelas praias são as do malfadado Portugal» que se pode ler numa das faces do obelisco da Memória. A escolha deste local, e não de Mindelo como erroneamente foi designado (erro que perpetuou historiograficamente esta operação como "Desembarque do Mindelo"), ficou a dever-se ao facto de aí se poder realizar com facilidade e sem grande perigo, uma vez que o mar se apresentava "bastante profundo quase até à areia". Tal indicação terá sido dada, segundo a tradição, por um dos 7.500 "bravos", de seu nome Francisco José da Silva, natural de Paiço, Lavra. Em caso de guerra convencional – em que a força a desembarcar fosse de outra nacionalidade – os 7.500 homens de D. Pedro, sem previsão de qualquer reforço, seriam insuficientes para levar de vencida um opositor que contava com 80 mil baionetas. O desembarque é rápido e não encontra qualquer tipo de resistência. De imediato são tomados os pontos estratégicos da região. Os batalhões de caçadores nºs 2 e 3 ocupam as cristas das elevações que se prolongam até à margem direita do Leça. O batalhão da Marinha fixa-se em Perafita. O de Caçadores n. 5 em Pedras Rubras. As estradas que ligavam o Porto a Vila do Conde encontravam-se igualmente tomadas e os liberais estavam também em condição de observar as movimentações que as forças absolutistas estacionadas em Leça realizariam. Às seis horas da tarde D. Pedro desembarca em Pampelido e, às nove horas, já todo o Exército Libertador se encontrava em terra. Caç. 5 Marinha O Batalhão de Caçadores 5 acampa no Largo da Feira de Pedras Rubras. Nessa noite D. Pedro pernoita em casa do proprietário Manuel Andrade. Há beija-mão real no Largo, findo o qual D. Pedro se dirige ao Porto. Aí ficaria cercado durante praticamente um ano, no que ficou conhecido como o "Cerco do Porto" – um dos episódios finais da luta entre miguelistas e liberais que se saldou pelo definitivo triunfo dos ideais democráticos sobre as opções absolutistas. O Coronel Hugh Owen mostra como o exército liberal desembarcou «no Mindelo» e ocupou a cidade do Porto, e como é que as forças miguelistas, erradamente, foram respondendo ao desembarque das forças de D. Pedro. O Cerco do Porto contado por uma Testemunha - o Coronel Owen, Porto, Renascença Portuguesa («Biblioteca Histórica, I»), 1915 A 7 de Julho de 1832 ao cair do dia, os soldados estacionados nos telégrafos perto de Vilar do Paraíso descobriram a esquadra de D. Pedro fazendo-se de vela para o norte do Porto. Pelas nove da noite os tambores rufando nas ruas tortuosas da cidade anunciavam aos de dentro e de fora que tudo estava alerta e a postos. D. Pedro continuou na derrota até Vila do Conde e Viana, e na manhã seguinte, aproximando-se da costa, mandou Sá Nogueira à terra citar o comandante a que abaixasse as armas e se unisse à causa da rainha. Mas o brigadeiro general Cardoso, no extremo direito da linha realista, oficial respeitado pelo carácter integro, e em quem o governo miguelista descansava, nunca desde 1820 mudara de opinião. Respondeu insolentemente ao Sá Nogueira, dizendo-lhe que não conhecia D. Pedro senão como chefe de um bando de aventureiros, e que, se insistisse em semelhantes recados, fuzilava o portador. A esquadra retrogradou e ancorou no dia 8 na praia do Mindelo, a distancia de duas léguas do Porto, e pouco depois do meio dia começou o desembarque com a maior regularidade, na presença das tropas de Santa Marta, que mostrava pouca ou nenhuma vontade de molestar os novos hospedes. No instante em que a não de D. Pedro içou a bandeira real no mastro grande, a fragata Stag de Sua Majestade Britânica virou de bordo e deu uma salva de vinte e um tiros, a que D. Pedro correspondeu. Muitas pessoas que vigiavam da Senhora da Luz o sucesso do dia, recolheram à cidade, começando a trabalhar pela sua causa; outras, porém, apreensivas, cogitaram em planos de nova vida. A tropa formou na praia, tomando logo a melhor posição que o terreno oferecia. Trocaram-se alguns tiros – poucos. Já ninguém ignorava que o exército libertador contava menos de nove mil homens. E não acabava o susto e o pasmo dos liberais ao saberem que com tão pequena força vinha D. Pedro salvar a pátria da tirania e a eles e ás famílias da opressão. Lembravam-se das desgraças, da incompetência e da retirada de 1828, e olhavam uns para os outros em silêncio, e tristes como a noite. Por seu lado os absolutistas, extremamente assustados, apressavam-se a sair da cidade, fugindo de D. Pedro e da mortandade que julgavam certa, mas, fiados nos numerosos partidários e no exercito de D. Miguel, protestavam em altas vozes voltar brevemente em triunfo. Nem outra coisa era de esperar. Menos de nove mil homens para abrir caminho até Lisboa, com mais de oitenta mil na frente – e tropa regularmente fardada e armada! Não obstante a desigualdade do número, sabida por toda a gente, a confusão dos absolutistas chegara ao auge: - Viram o estandarte real de D. Pedro? -perguntavam, chegando-se aos grupos embiucados no jozésinho. - Lá está tremulando no mastro grande... - E nesse único facto muitos leram a solução do conflito. - Nunca o exercito se baterá contra ele. - E apressavam a partida. - Ele é Pedro e basta! ... - E davam ordens para a carruagem, cavalos, machos e barcos. Os malhados, e os pedreiros livres vêem com ele, e hão-de querer vingar-se dós zelosos serviços dos nossos imprudentes realistas. - E deixavam as casas, abandonando tudo. Os vizinhos liberais eram agora os seus melhores amigos: Vossa mercê sabe muito bem senhor Fulano, que eu nunca persegui ninguém; vivi sempre retirado. Não quero senão paz e sossego, e que possamos viver como bons irmãos. Que me importa a mim quem governa o país? -Estes e semelhantes ditos só excitavam compaixão, desprezo e riso. Como tinham mudado tão depressa da arrogância para a humildade; das paixões sanguinárias, da perseguição e da vingança, para sentimentos benignos de amor fraterno! A classe média dos liberais, duvidosa da fortuna, parecia estupefacta: os que tinham a perder, tremiam ao lembrar-se da ameaça, tão repetida pelos miguelistas, de que a cidade seria saqueada se os obrigassem a retirar. Esconderam-se cuidadosamente em casa. Alguns mais atrevidos mal deitavam o nariz fora das janelas; outros, os indignos, que lisonjeiam todos os partidos sem se declarar por nenhum, corriam de porta em porta espalhando boatos favoráveis, e tentando por excessivas demonstrações de alegria e por extravagantes expressões de parabéns, abrir caminho à protecção futura: - Santa Marta – diziam – está em retirada através do Douro ... - Num instante mãos desconhecidas estilhaçaram as forcas da Praça Nova. Medida prudente, porque num momento de excitação, na entrada do exercito, não seria improvável que fossem novamente guarnecidas de vitimas... Era esta pelo menos a opinião dós miguelistas, e não oferece dúvida que foram eles próprios que tomaram rapidamente a precaução de as remover...