FERNANDO PESSOA
A Lírica (Poesia) Moderna
•
•
•
Duas polaridades:
Uma lírica intelectualizada, de grande rigor
formal, iniciada por Mallarmé e continuada
por Valéry, pela qual a poesia deve ser “uma
festa do intelecto”;
uma lírica formalmente livre, alógica, iniciada
por Rimbaud e elevada às últimas
conseqüências pelo poeta surrealista André
Breton, pela qual a poesia deve ser “a
derrocada do intelecto”.
A Lírica Moderna
• É marcada por uma tensão entre as
“forças cerebrais”, de uma lírica
intelectualizada, e o “impulso anárquico”,
de uma lírica livre e alógica.
A Lírica Moderna
• Característica comum a todos os artistas
da vanguarda moderna: a ruptura com a
tradição cultural e o desejo de criar uma
nova estética em face à crise da
humanidade provocada pelos horrores do
entre-guerras.
A Lírica Moderna
• A poesia vanguardista moderna é a
poesia da sugestão, ou seja, tende mais a
sugerir do que a comunicar.
• A poesia deve provocar no leitor apenas
uma “sugestão mágica”, sem nenhuma
pretensão de ser compreendida.
A Lírica Moderna
• O poeta moderno agride o leitor com seus
versos inefáveis, inexplicáveis,
alimentando-se do prazer aristocrático de
não ser compreendido.
A Lírica Moderna
• Crise do conceito de personalidade =
redução do ser humano a um número.
• A lírica moderna é a poesia da
dissonância: a poesia do homem
fragmentado e em crise num mundo
igualmente fragmentado e em crise.
A Lírica Moderna
• Não há mais lugar para a unidade e a
totalidade.
• A totalidade é sempre falsa porque está
estilhaçada e seu estilhaçamento produz
uma cisão no sujeito que se divide entre
o “sujeito lírico” (o poeta) e o “sujeito
empírico” (o homem).
A fragmentação em Pessoa
• A fragmentação em Fernando Pessoa
envolve um ato de fingimento que se
completa na utilização de várias
linguagens, reveladoras do sujeito
como um ser múltiplo.
• Parece que Pessoa levou ao extremo a
fragmentação, chegando mesmo à
despersonalização.
A fragmentação em Pessoa
• Criou não um, mas vários sujeitos
líricos. Entende-se esses sujeitos
líricos como personas, como
máscaras, como criações.
A heteronímia de Pessoa
A heteronímia de Pessoa
• Quando o autor faz uso de “heterônimos”,
não se esconde sob um nome falso.
Ocorre bem o contrário, “ele se coloca em
posição de diálogo com o sujeito lírico
que ele mesmo criou, além de assinar a
sua própria obra.”
A heteronímia de Pessoa
• O heterônimo é um personagem criado pelo poeta,
que escreve a sua própria obra. Tem nome, obra,
biografia e, sobretudo, um estilo próprios. O
autor, o criador do heterônimo, passa a ser
chamado de “ortônimo” e a sua criação passa a
ser chamada de “heterônimo”, não havendo
possibilidade de existência de um sem o outro.
Fernando Pessoa foi quem criou essa designação
e é o único caso de heteronímia na literatura
universal.
Álvaro de Campos: o heterônimo
da lírica moderna
• Álvaro de Campos é o mais fecundo e
versátil heterônimo de Fernando Pessoa, e
também o mais nervoso e emotivo, por vezes
até histérico. Com algumas composições
iniciais, que devem algo ao Decadentismo
("Opiário"), Álvaro de Campos é, sobretudo,
o futurista da exaltação da energia até ao
paroxismo (ao auge), da velocidade e da
força da civilização mecânica do futuro,
patentes na "Ode Triunfal".
Álvaro de Campos: o heterônimo
da lírica moderna
• É o único heterônimo que conhece uma
evolução ("Fui em tempos poeta decadente;
hoje creio que estou decadente, e já não o
sou"). Passa por três fases: a decadentista, a
futurista e sensacionista e, por fim, a
intimista-melancólica.
As fases da poesia de Campos
1ª - A fase decadentista
• Traduz-se por sentimentos de tédio,
enfado, náusea, cansaço, abatimento e
necessidade de novas sensações.
• Falta de sentido para a vida e
necessidade de fuga à monotonia.
1ª - A fase decadentista
• Esta fuga era feita habitualmente à base
de entorpecentes, como era o caso do
ópio.
• Um dos poemas mais exemplificativos
desta fase é o “Opiário” (1915).
2ª - A fase futurista e sensacionista
• Após a descoberta do Futurismo (de Marinetti), da criação
do Sensacionismo, e da influência que recebe do escritor
norte-americano Walt Whitman, Campos adotou, para além
do verso livre, um estilo esfuziante, torrencial, espraiado em
longos versos de duas ou três linhas, anafórico (repetitivo),
exclamativo, interjetivo, monótono pela simplicidade dos
processos, pela reiteração de apóstrofes (interrupções) e
enumerações, mas vivificado pela fantasia verbal duradoura
e inesgotável, desprezando a rima e a métrica regular.
Assim, ele busca a liberdade, a irreverência e a prosificação
da poesia.
2ª - A fase futurista e sensacionista
• Álvaro de Campos, além de celebrar o
triunfo da máquina, da energia
mecânica e da civilização moderna,
canta também os escândalos e
corrupções da contemporaneidade, em
sintonia com o futurismo.
2ª - A fase futurista e sensacionista
• Esta fase também é marcada pela
intelectualização das sensações ou pela
sua desordem. Como verdadeiro
sensacionista, procura o excesso violento
de sensações à maneira de Walt Whitman.
O seu sensacionismo, contudo, distinguese do seu mestre Alberto Caeiro, na
medida em que este considera a sensação
captada pelos sentidos como a única
realidade, mas rejeita o pensamento.
2ª - A fase futurista e sensacionista
• O mestre, com a sua simplicidade e
serenidade, via tudo nítido e recusava o
pensamento para fundamentar a sua
felicidade, por estar de acordo com a
Natureza; já Campos, sentindo a
complexidade e a dinâmica da vida
moderna, procura sentir a violência e a
força de todas as sensações ("sentir tudo
de todas as maneiras").
3ª - A fase intimista-melancólica
• Esta fase caracteriza-se por uma
incapacidade de realização, trazendo de
volta o abatimento. O poeta vive rodeado
pelo sono e pelo cansaço, revelando
desilusão, revolta, inadaptação, devido à
incapacidade das realizações.
3ª - A fase intimista-melancólica
• Após um período áureo de exaltação
heróica da máquina, Álvaro de Campos é
possuído pelo desânimo e pela frustração
melancólica. Parece apresentar pontos
comuns com a 1ª fase – a decadentista - ,
contudo há que sublinhar que a intimista
traduz a reflexão interior e angustiada de
quem apenas sente o vazio depois da
caminhada heróica.
3ª - A fase intimista-melancólica
• Este Campos decaído, cosmopolita,
melancólico, devaneador, irmão do
Pessoa ortônimo, no ceticismo, na dor de
pensar e nas saudades da infância, ou de
qualquer coisa irreal, é o único
heterônimo que compartilha da vida
extraliterária de Fernando Pessoa.
Análise dos poemas
1 - “Ode triunfal”
• A “Ode Triunfal” (fase futurista-sensacionista) está
escrita em verso livre e amplo (num total de 240 versos)
e num estilo profundamente inovador marcado pela:
grandiloquência (visível, nomeadamente, nas
exclamações e interjeições), exaltação épica ( Eia! Hálá! ), ritmo esfuziante, torrencial; anáforas, apóstrofes
repetidas, enumerações, exclamações, interjeições,
onomatopeias, neologismos (ferreando), fonemas
substantivados, estrangeirismos, grafismos inovadores,
frases nominais e infinitivas, oximoros; misturas
semânticas ousadas: máquinas/ filósofos/ termos
técnicos/ referências míticas; expressões populares/
expressões eruditas.
1 - “Ode triunfal”
• Podemos considerar nesta “ode” três
momentos:
• A. Introdução (vv. 1 – 4):
• Marcada pela vontade de “cantar”, mas
confessadamente em situação de “não
canto” – “tenho febre e escrevo”.
1 - “Ode triunfal”
• B. Desenvolvimento (vv. 5 – 238):
• Marcado pela busca de identificação com tudo –
máquinas, pessoas, tempos; abertura para o
exterior e anulação do Eu pelo excesso das
sensações; cosmopolitismo – cidade, luzes,
modernidade, Europa; canto de todas as
atividades contemporâneas – comércio,
indústria, agricultura, política, imprensa,
bordéis, gente reles; à mistura com uma
vontade de identificação com o moderno que vai
até à perversão sexual (vv. 72, 86-108 e 116-117).
1 - “Ode triunfal”
• Este canto de triunfo vai em crescendo até o final,
mas com “quebras”: referência a escândalos e à
corrupção (coexistentes com a modernidade
exaltada) e, sobretudo, o discurso parentético
(dos versos 182 a 190), com a evocação nostálgica
da infância e do mundo rural em desapropriação.
Estas quebras, à mistura com a referência à febre,
do primeiro verso, ao canto também do passado
(vv. 17-22) e à impotência manifestada na
conclusão, afastam, por outro viés, o poema dos
preceitos estritos do Futurismo a Marinetti.
1 - “Ode triunfal”
• C. Conclusão (o último verso):
• Um verso de conclusão, espécie de
“finda”: “Ah não ser eu toda a gente e
toda a parte!” – que representa uma
confissão de fracasso e um retorno ao
ponto inicial, à febre.
2 - “Lisbom Revisited (1923)”
• Poema da terceira fase: intimismo e melancolia.
• Aspectos Temáticos Fundamentais: a
inexorabilidade (inevitabilidade) da morte; a
recusa de: moral; metafísica; rejeição das
verdades que a sociedade tem; ciências;
civilização moderna; o direito à solidão, ao
silêncio, à diferença; a infância como símbolo da
felicidade perdida, presente no “céu azul”, no
“Tejo” e na Lisboa de outrora.
2 - “Lisbom Revisited (1923)”
• Aspectos linguísticos e estilísticos
mais relevantes: acumulação de
construções negativas, como
manifestação da recusa que o sujeito
poético faz das principais
manifestações da vida moderna de
Lisboa; Obs.: Da exaltação e da euforia
febril de “Ode Triunfal” passa-se ao
tédio, ao desejo de solidão, à náusea e
à angústia.
2 - “Lisbom Revisited (1923)”
• É precisamente esta última fase de Campos, e o
ceticismo que o percorre, que o aproximam de
Pessoa ortônimo. Esta temática da infância
aparece, no poema, depois da enumeração de
uma série de sensações violentas e negativas. O
sujeito poético vê o céu, o Tejo e Lisboa com o
olhar da sua infância e ao mesmo tempo com o
olhar do agora, do momento presente (“Ó céu azul
– o mesmo da minha infância”; “Tejo ancestral e
mudo”; “Lisboa de outrora e de hoje”).
3 – “Ao volante do Chevrolet pela
estrada de Sintra”
• A sociedade de produção sem as
máquinas da revolução industrial, ou sem
os carros, seria um progresso apeado, ou
seja, um progredir de coisa nenhuma,
para outra igual a si.
3 – “Ao volante do Chevrolet pela
estrada de Sintra”
• O automóvel, porém, encerra dentro dele
outra particularidade: para ser guiado
necessita de um volante, um comando de
seguir viagem, cujo maquinismo,
instrumento, o volante, é o símbolo
sensacionista por excelência. Sem ele a
sensação seria estéril, fixa, intoxicante,
inconsequente, descontrolada,
desequilibrada e descabida.
3 – “Ao volante do Chevrolet pela
estrada de Sintra”
•
A estrada de Sintra é apenas um caminho, pelo
qual, com o auxílio do volante (o sensacionismo,
a corrente), cada um pode conduzir o progresso
social e industrial, mecânico e econômico, a seu
bel prazer, em direção à descoberta de si
próprio, enquanto homem cosmopolita na sua
fuga para a vida, para a frente, com a pobreza à
esquerda e o latifúndio à direita, mas iludido e
material, como o é, indubitavelmente, o homem
típico da sociedade de produção.
3 – “Ao volante do Chevrolet pela
estrada de Sintra”
•
No epílogo "final", há a sugestão de que as
coisas do progresso, só serão válidas e
úteis desde que forneçam um veículo e
caminho que facilitem ao homem do seu
tempo a tarefa essencial de se buscar,
para a descoberta de si mesmo, enfim, um
quadro de fundo e leitmotiv que assiste a
todo e qualquer sensacionismo, ou até a
todo e qualquer "ismo".
3 – “Ao volante do Chevrolet pela
estrada de Sintra
• Outro pormenor a realçar, enquanto crítica
do social, é que, ironicamente, o Chevrolet
conduzido é emprestado, pois o modelo de
sociedade descrito e subscrito por Campos
também foi emprestado, não é português, é
anglo-americano, visto que em Portugal a
revolução industrial nunca chegou a
acontecer, em termos determinativos e
concludentes.
3 – “Ao volante do Chevrolet pela
estrada de Sintra”
• A oposição entre as duas cidades denuncia
a medida da inquietação do sujeito que põe
entre ambas. Quando está em uma, quer
estar em outra e vice-versa. Essa oposição
é elevada à condição simbólica de
expressão de si (vida ou sonho).
3 – “Ao volante do Chevrolet pela
estrada de Sintra”
•
A inquietude traz a instabilidade que leva
o eu poético a admirar aqueles que estão
parados.” No final, ao aproximar-se de
Sintra, transparece o “cansaço da
imaginação” e, em sua reflexão, parece
distanciar-se da compreensão de si
mesmo: “cada vez menos perto de
mim...”
4 – “Mestre, meu mestre querido!”
• Neste poema, Campos faz uma homenagem
ao seu mestre Alberto Caeiro. Reverencia o
Mestre, mas numa evocação dramática de
discípulo que, confessadamente, não logrou
professar o credo da "apendizagem de
desaprender" , e para quem o "pasmo
essencial / Que tem toda criança se, ao
nascer, / Reparasse que nascera deveras"
se transforma na "pavorosa ciência de ver".
4 – “Mestre, meu mestre querido!”
•
•
•
Álvaro de Campos, o poeta que nas grandes
odes sensacionistas tenta a captação panfágica
da realidade plural, ávido de um "mundo
exterior sempre múltiplo", abre o seu poema
com a clara manifestação de seu sentimento de
perda em relação a Caeiro ("Mestre, que é feito
de ti nesta forma de vida?"), o que se consuma
nos versos finais da terceira estrofe:
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os
ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão
longe de mim.
4 – “Mestre, meu mestre querido!”
•
Campos se declara caído na desgraça de
ser próprio, sendo ninguém, sendo nada. A
"clareza da vista", objetivadora, ensinada
naquela iniciação epistêmica, não
encontra no discípulo malogrado "a alma
com que a ver clara", e "o alto dos
montes", para que fora chamada, não foi
alçado pela "criança das cidades do vale"
porque ela "não sabia respirar".
4 – “Mestre, meu mestre querido!”
• Daí decorre o sentimento de vazio
existencial presente na obra de Álvaro de
Campos, seja constatado, euforicamente,
nas grandes odes sensacionistas, seja
manifesto, dramaticamente, na fase
depressiva de seus últimos poemas.
5 – “Poema em linha reta”
•
O sujeito lírico é crítico em relação a si
próprio e interroga o leitor pedindo-lhe
respostas. Dessa forma, se apresenta por
meio de adjetivos pejorativos: reles, porco,
vil, pessimista, sujo, ridículo, absurdo,
grotesco, mesquinho, submisso,
arrogante, cômico, errôneo. Expõe-se,
portanto, ao ridículo quando revela suas
transgressões sociais, através de uma
perspectiva absurda e sarcástica.
5 – “Poema em linha reta”
•
Quando declara que “tenho enrolado os
pés publicamente nos tapetes das
etiquetas”, o eu poético sugere uma fuga
das etiquetas que a sociedade impõe, sem
dar importância às convenções sociais, que
exigem regras das “pessoas civilizadas”.
5 – “Poema em linha reta”
• O poeta, ironicamente, lamenta que os
outros, “os príncipes”, “os superiores”, ou
seja, nenhuma “voz humana” possa
confessar-lhe algum pecado ou alguma
atitude vil. Trata-se, naturalmente, de uma
corrosiva ironia à hipocrisia social que
ostenta de falsas aparências.
6 – “Todas as cartas de amor são”
• “Todas as cartas de amor são” e
“Poema em linha reta” possuem um
ponto em comum ao abordarem,
ambos, “a questão da transgressão da
ordem social pelo ridículo, pelo
absurdo”.
6 – “Todas as cartas de amor são”
•
Trata-se de um sujeito lírico que não
assume a dimensão heróica de luta
contra a sociedade, lutando por
algum ideal revolucionário. Numa
perspectiva niilista, o sujeito assume
a “possibilidade de ser ridículo” como
traço marcante da condição humana.
6 – “Todas as cartas de amor são”
•
Na introdução do poema, está posta a
ideia de que, em sua totalidade, as
“cartas de amor” são “ridículas”, e
que não poderiam ser cartas de amor
se não fossem ridículas, pois parece
que todo o sentimentalismo é piegas.
6 – “Todas as cartas de amor são”
•
Então o sujeito lírico demonstra uma
“virada de perspectiva” nos versos:
“Mas, afinal,/Só as criaturas que
nunca escreveram/Cartas de amor/É
que são/Ridículas.” Atribuindo um
caráter negativo ao termo “ridículas”,
subverte a noção e sugere que
“ridículas” são, justamente, as
pessoas que não escreveram cartas
de amor.
6 – “Todas as cartas de amor são”
• Satiriza e rebaixa, assim, as “criaturas” que
nunca conseguiram expressar o sentimento
amoroso por cartas, “que não se permitiram o
ridículo de se entregar ao amor.” Portanto não
se expor à verdade, mesmo que inventada; não
se entregar às intempestivas razões do coração
(misterioso), é renegar a liberdade e a maior de
todas as possibilidades permitidas para ser,
adoravelmente, ridículo.
6 – “Todas as cartas de amor são”
• Com os versos “Quem me dera no tempo
em que escrevia/Sem dar por isso/Cartas
de amor/Ridículas.”, a fala do sujeito
lírico “ganha uma dimensão
melancólica”, na medida em que essa
escrita passa a ser objeto de desejo do
eu poético, inalcançável no presente.”
6 – “Todas as cartas de amor são”
•
Tal amargura parece configurar-se nos
seguintes versos: “A verdade é que
hoje/As minhas memórias/Dessas cartas
de amor/É que são/Ridículas.” Ao pensar
no passado, parece refutar a idéia de
nostalgia, pois recordar sobre as cartas
de amor que, supostamente, escrever é
que deveras inútil nesse momento.
6 – “Todas as cartas de amor são”
•
Na estrofe final, posta entre parênteses, faz uma
“espécie de comentário interno sobre o próprio
poema”: “(Todas as palavras esdrúxulas/Como os
sentimentos esdrúxulos,/São
naturalmente/Ridículas.)” Sugere, enfim, que o amor,
como sentimento que arde, que é extravagante, que
provoca devaneios e desesperos, tem a
particularidade de poder ser conclamado e de nos
permitir ser exagerado e ridículo. Então, esquisito ou
risível, o discurso poético e a expressão amorosa são
objetos dignos de riso, na autoconsciência corrosiva
de Campos.
7 - Tabacaria
•
O poema enquadra-se na terceira fase
poética de Álvaro de Campos,
denominada intimista-melancólica.
Desiludido dos esforços das fases
anteriores, "Sensacionista" e "Futurista",
Campos deixa-se cair num pessimismo
intenso, marcado por um forte regresso
das memórias da sua infância e a
consciência de que ficou (e está)
sozinho no mundo.
7 - Tabacaria
•
O tema do poema é a dimensão da
solidão interior face à vastidão do
Universo exterior. A Tabacaria acaba por
ser um símbolo que não tem valor
próprio - verdadeiramente importante é
que esse símbolo faz nascer em Campos
a necessidade de analisar a sua própria
existência face à existência da Tabacaria
enquanto coisa fixa e real.
7 - Tabacaria
•
A simbologia do quarto e da janela
versus a rua e a Tabacaria pode
representar a oposição entre o "dentro"
e o "fora", uma oposição dialética que
parte em busca de uma síntese, de uma
compreensão.
7 - Tabacaria
•
Ao longo de todo o texto, há uma noção
clara de diálogo, mesmo sem
personagens. Trata-se de um monólogo,
onde Campos fala para si mesmo e, em
evidentes momentos de quebra
(passagens entre parênteses), para a fim
de pensar, intercalando ao discurso
racional momentos de delírio
momentâneo, irracionais, emocionais,
mas complementares.
7 - Tabacaria
•
A primeira parte do poema correspondente à
primeira estrofe, o sujeito lírico assume uma
espécie de vazio ontológico - "não sou nada",
e a contraposição entre o nada exterior e o
tudo interior ("tenho em mim..."). Na realidade
o vazio ontológico é ilusório e aquele "nada" é
apenas o assumir de não ser nada
exteriormente - a nulidade não é
verdadeiramente ontológica (teoria do ser
enquanto ser – em si mesmo), mas
fenomenológica (fenômenos interiores).
7 - Tabacaria
• Na parte seguinte, o sujeito lírico
estabelece a sua condição atual, ao
mesmo tempo em que localiza o espaço sabemos que está no seu quarto e a
metáfora do quarto é a metáfora da sua
condição humana. Ele é uma mente presa
num quarto que olha a realidade do dia a
dia por uma janela.
7 - Tabacaria
•
O que fica é, sobretudo, um sentido de
oposição entre realidade (a rua, a Tabacaria) e
irrealidade (a vida dele, o quarto). A ligação
entre ambas é apenas uma janela, ou seja,
permite uma interação limitada, mas nunca
uma passagem concreta de uma para a outra.
O eu poético é um "falhado", mesmo que se
saiba um gênio - é afinal Pessoa que fala pela
voz da Campos. Está vencido e sabe que
nunca conseguirá ser feliz.
7 - Tabacaria
• Na entrada do homem na Tabacaria, o
sujeito lírico justifica para si mesmo o
rumo que teve na vida e, deixando ainda
estar-se desesperado, olha as alternativas
que lhe restavam para ser feliz. Aqui a
contraposição já não é entre o real e o
ideal, entre o fora e o dentro, mas entre
ele e os outros, entre a sua condição e a
condição dos outros.
7 - Tabacaria
• Choca-lhe, sobretudo, aqueles que
vivem a sua vida numa inconsciência
plena - essa é afinal, em muitas das
passagens de Pessoa, o ideal
inatingível de felicidade.
7 - Tabacaria
•
Começa com a rapariga que come chocolates,
suja, perdida na sua gula. Essa passagem é
marcante e simples de analisar: "Pudesse eu
comer chocolates com a mesma verdade com
que comes! / Mas eu penso". Sabe, porém, que
isso está fora do seu alcance - ele não vai
deixar de pensar. Resta-lhe uma atitude nobre
e vaga: os poemas. Uma atitude nobre que ele
espera que o salve, não sabe bem como, de
uma mediocridade intensa que lhe vem de
nada fazer sentido em sua vida.
7 - Tabacaria
• Surge o regresso da realidade. O sujeito
lírico deixa de "filosofar" quando um
elemento real se intromete entre ele e a
Tabacaria. Tudo se desmorona, porque
tudo estava apenas no pensamento dele e
nunca poderia ser real da mesma maneira
que o Esteves é real.
7 - Tabacaria
•
Passando, subitamente, a interveniente
na realidade que analisava, vê um
conhecido que depois lhe acena, e deixa
de poder estar fora da realidade para ser
puxado violentamente para o meio dela.
É assim que o Universo se reconstrói
subitamente, sem metafísica, ou seja,
sem dar mais azo ao pensamento e à
análise - é só a verdade dos sentidos e
não a idealização do pensamento.
8 – “Aniversário”
•
Escrito em 13 de junho de 1930, data do
aniversário do próprio Fernando Pessoa,
o ponto de partida do poema é a
comemoração do aniversário. Ao final,
entretanto, aparece a data de 15 de
outubro de 1929, aniversário atribuído a
Álvaro de Campos. Trata-se de um dos
poemas mais tristes e simultaneamente
pungentes de toda a obra do poeta.
8 – “Aniversário”
•
O poema "Aniversário" enquadra-se
precisamente na última fase do poeta, a
fase dita “intimista-melancólica”, em que
os temas abordados por Campos
apontam para a sua desilusão com a
vida, sugerindo a amargura e a
lembrança de um passado para onde
nunca mais poderá regressar.
8 – “Aniversário”
•
"Aniversário" é mesmo marcado por
essa recordação da infância: " No tempo
em que festejavam o dia dos meus anos,
/ Eu era feliz e ninguém estava morto".
Campos parece referir-se aos anos de
infância de Pessoa, em que nenhum dos
seus irmãos tinha ainda morrido, e o seu
próprio pai ainda o acompanhava. Nesse
"tempo", festejar os anos era ainda uma
festa inocente e feliz.
8 – “Aniversário”
•
O tempo passado é um tempo feliz, mas,
simultaneamente, um tempo perdido,
porque as crianças não sabem que são
felizes, só mais tarde quando recordam.
As crianças têm "a grande saúde de não
perceber coisa nenhuma".
8 – “Aniversário”
• A seguinte passagem "O que eu sou hoje (e a
casa dos que me amaram treme através das
minhas lágrimas), / O que eu sou hoje é terem
vendido a casa, / É terem morrido todos, / É estar
eu sobrevivente a mim-mesmo como um fósforo
frio..." sugere uma grande desilusão. A infância
perdeu-se para nunca mais regressar igual. No
momento presente o poeta sente essa perda
como a perda da sua identidade feliz.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
•
Na poesia de Campos, a melancolia é
efeito de uma perda que ocorre no próprio
eu. Portanto para este eu do agora, do
momento presente, sobrou o vazio
inquieto, restaram os sentimentos de
melancolia, tédio, angústia e náusea diante
de tudo.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
• O movimento de arrumar a mala é
alternado com o do adiamento de todas as
viagens. Partindo de uma profunda
reflexão, acerca da aridez interior e do
descontentamento de si, chega-se à
conclusão de que se tem por força que
arrumar a mala.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
• O gesto cotidiano de acender o cigarro é
mais do que um simples gesto, representa
o desejo de adiamento, seja da vida, seja
do universo inteiro. O presente absoluto
que assola a vida também deve ser
adiado.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
•
O julgamento do adulto, de agora, é
implacável consigo mesmo: o sentir-se
derrotado pela vida o comprometeu de
modo irremediável, deixando muito
distante o menino de outrora, que ainda
podia sonhar.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
•
Mesmo com a constatação de que
arruma melhor a mala apenas no
pensamento, sabe que não é apenas no
pensamento que a sua vida deverá ser
arrumada, mas também na ação. A
repetição da expressão “ter que
arrumar” torna obrigatória a tentativa de
realizar a ação.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
• Por que “arrumar a mala de ser” se
tudo é deserto? Por toda a vida teve e
tem de arrumar a mala, mas o que tem
feito é ficar sentado. Num dado
momento, contudo, o impulso para
arrumar a mala parece vencer a atitude
estática e ruminante.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
• Só que, quando se levanta em
definitivo, com força e coragem para
arrumar a mala, mais uma vez volta à
questão da felicidade que mora sempre
na casa dos outros ou em qualquer
lugar em que não se esteja.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
•
Ele tem pena de si mesmo, porque
sabe que o deserto que se formou,
sem possibilidade de disfarçar o solo
com pedras e tijolos, está no seu
interior, pois pode até ser que nem
tudo seja deserto, pode haver oásis,
mas não para ele.
9 - “Grandes são os desertos, e tudo
é deserto”:
•
No final, como última tentativa
desesperada de ancorar nessa
necessidade, decide que mais vale
arrumar a mala, porque senão o
pensamento lhe revelará o vazio, o do
deserto de ser. Talvez, no entanto, já
seja tarde demais, porque no último
verso, lemos a palavra “Fim”.
10 - “Lisboa com suas casas”
•
Poema de estrutura simples, formado
por cinco estrofes, de tamanhos
diferentes, escrito em versos livres,
tendo como núcleo de sua construção a
repetição: “Lisboa com suas casas/De
várias cores.” Tal repetição sugere uma
caracterização trivial e abstrata,
revelando a “monotonia objetiva da
cidade.”
10 - “Lisboa com suas casas”
• Na longa segunda estrofe do poema,
acontece um deslocamento para um outro
tempo e para outro espaço. O sujeito lírico
surge em meio a noite, com os olhos
fechados e sofrendo de insônia. Em
seguida, “como numa projeção, não vê
mais Lisboa com as suas casas de várias
cores no lado interno das pálpebras.”
10 - “Lisboa com suas casas”
•
Ocorre, assim, uma de perspectiva e a
monotonia dessa imagem “provoca o
sorriso satisfeito de quem dorme e
esquece que existe.” Trata-se de uma
“imagem interiorizada, entre a vigília e o
sono, que constrói um lugar
aconchegante, que leva ao sono e ao
descanso.”
10 - “Lisboa com suas casas”
•
Na passagem da vigília ao sono, “no
tédio de estar acordado ao descanso de
esquecer que existe”, é que a cidade
interessa como “projeção subjetiva da
interioridade do sujeito.”
Última frase, escrita em inglês,
do poeta:
“I know not what tomorrow will
bring”
(Eu não sei o que o amanhã
trará)
Download

FERNANDO PESSOA