TEXTOS EXPRESSIVOS E CRIATIVOS
Poetas Portugueses do Século XX
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I - Sensibilização ao texto poético
«A poesia é das raras actividades humanas que, no tempo actual, tentam salvar uma certa
espiritualidade. A poesia não é uma espécie de religião, mas não há poeta, crente ou
descrente, que não escreva para a salvação da sua alma – quer a essa alma se chame amor,
liberdade, dignidade ou beleza» (JL 709, de 17/12/97)
Amátia
Timbórica, morfia, ó perfessa,
Meláina, andrófona, repitimbidia
Ó basilissa, ó Scótia, masturlidia,
Amata cíprea, calipígea, tressa
de jardinatas nigras, pasifessa,
luni-rosácea, lambidando
erínea, erítia,erótia, erânia, egídia,
eurínoma, ambológera, donlessa.
Ares, Hefaístos, Adonísio, tutos
Alipigmaios, atilícos,futos
Da lívia daminata, organissanta;
Agonimais se esgorem morituros,
Necrotentavos de escancárias duros,
Tantisqua abradimembra a teia canta.
Jorge de Sena, Poesia II
II. Sophia de Mello Breyner Andresen
Biografia
Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil
Procurei-te na luz, no mar, no vento.
No Tempo Dividido e Mar Novo
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Sophia de Mello Breyner Andresen
Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 6 de Novembro de 1919 — Lisboa, 2 de Julho de 2004) foi uma das mais importantes
poetisas portuguesas do século XX. Distinguida com o Prémio Camões em 1999, tornou-se a primeira mulher portuguesa a
receber o mais importante galardão literário da língua portuguesa. Membro da Academia das Ciências de Lisboa.
Frequentou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa, mas não chegou a terminar o curso. Casou-se, em 1946, com o
jornalista, politico e advogado Francisco Sousa Tavares e mãe de cinco filhos: uma missionária laica, uma professora
universitária de Letras, um advogado e jornalista de renome (Miguel Sousa Tavares), um pintor e ceramista e mais uma filha
que herdou o nome da mãe. Os filhos motivaram-na a escrever contos infantis.
Tem origem dinamarquesa pelo lado paterno:seu avô Jan Henrik Andresen desembarcou um dia no Porto e nunca mais abandonou
esta região, tendo o seu filho João Henrique comprado, por volta de 1890, a quinta do Campo Alegre. Como afirmou em
entrevista "Sophia e a Palavra", in revista Noesis, n.º26, 1993, essa quinta "foi um território fabuloso com uma grande e rica
família servida por uma criadagem numerosa".
Criada na velha aristocracia portuguesa, educada nos valores tradicionais da moral cristã, dirigente de movimentos universitários
católicos, veio a tornar-se uma das figuras mais representativas de uma atitude política liberal, denunciando os falsos critérios
do regime salazarista e os seus seguidores mais radicais. Em 1975, foi eleita para a Assembleia Constituinte pelo círculo do
Porto numa lista do Partido Socialista, enquanto o seu marido navegava rumo ao Partido Social-Democrata.
Distinguiu-se também como contista (Contos Exemplares) e autora de livros infantis (A Menina do Mar, O Cavaleiro da Dinamarca, A
Floresta, O Rapaz de Bronze, A Fada Oriana, etc.).
Foi também tradutora de Dante Alighieri e de Shakespeare.
Em 1964 recebeu o Grande Prémio de Poesia pela Sociedade Portuguesa de Escritores pelo seu Livro sexto. Foi distinguida com o
Prémio Camões em 1999 e com o Prémio Rainha Sofia em 2003.
Sophia de Mello Breyner morreu aos 84 anos no dia 2 de Julho de 2004 no Hospital da Cruz Vermelha.
BIOGRAFIA:
Poesia (1944); O Dia do Mar (1947); Coral (1950); No Tempo Dividido (1954); Mar Novo (1958); A Menina do Mar (1958); A Fada Oriana
(1958); Noite de Natal; O Cristo Cigano (1961); Livro Sexto (1962); Contos Exemplares (1962); O Cavaleiro da Dinamarca (1964);
O Rapaz de Bronze (1965);Geografia (1967);A Floresta (1968);Grades; Dual (1972);O Nu na Antiguidade Clássica (1975);O Nome
das Coisas (1977);Navegações; Histórias da Terra e do Mar (1984);Árvore; Ilhas; Musa;Signo;O Búzio de Cós;Primeiro Livro de
Poesia (1991)
Fonte: Wikipédia
Sophia de Mello Breyner Andresen
FICHA INFORMATIVA Nº1
Sobre a poesia de Sophia
Sophia diz que «o poeta é um escutador». Esta expressão relembra outras formulações como a de Fernando Pessoa: «o poeta
é um fingidor», ou a de Vitorino Nemésio: «O poeta é um mostrador».
Para Sophia, a poesia é a «arte mágica do ser» e o poeta «o sacerdote», o «mago», que se compromete com o sofrimento do
mundo.
Se o poema nasce de um estado de atenção, o acto poético é o fruto de uma «revelação mágica» e constitui uma forma de
comunhão com a Musa, o sobrenatural, o Absoluto, o outro lado da natureza. Então, as palavras que integram os poemas não
são apenas a matéria-prima, elas são o «nome das coisas» e estabelecem uma aliança com o real, elas são o seu espelho vivo.
Algumas das suas composições são interpretações de obras de arte ou homenagens a poetas ou outros artistas (Fernando
Pessoa, Camões, Cesário Verde, Vieira da Silva, Arpad Szenes, etc.) que põem em evidência a sua admiração por aqueles que
são privilegiados pelas Musas, que são sacerdotes do Absoluto, e mostram principalmente o seu fascínio pela arte clássica.
A praia, o mar, o jardim, a casa são evocações de imagens da infância e da juventude e representam momentos inesquecíveis
do desenvolvimento do seu ser.
O tempo, em Sophia, é um «tempo dividido» entre o presente e o futuro, sendo o primeiro o tempo de agir na construção do
segundo. A este tempo contrapõe-se o tempo absoluto que se espelha na natureza, no mar, no infinito.
A noite é para esta poetisa «o espaço imenso» que lhe permite uma libertação pelo sonho.
A cidade é também uma confusão que impede a procura da perfeição e da harmonia e do equilíbrio, referências do mundo
antigo.
É justamente a esta noção clássica de equilíbrio, que é associado o sentimento de justiça e de verdade.
O tema do amor assume na sua obra vários aspectos: o amor-posse, o amorfraternidade, o amor-paixão. Está quase sempre
ligado ao tema da espera, que denuncia um certo sebastianismo, igualmente presente em Fernando Pessoa (na Mensagem), e
que, frequentemente, apela à vinda de um Salvador que é como que um refúgio na esperança. Fernando Pessoa foi para Sophia
uma referência e é evocado e invocado em muitos dos seus poemas.
Sophia de Mello Breyner Andresen
FICHA DE TRABALHO Nº2
I. Após teres lido atentamente a ficha informativa nº2 responde, agora, às
questões que se seguem:
1.
2.
3.
Indica os núcleos temáticos da poesia de Sophia de Mello
Breyner.
O texto supracitado apresenta-nos várias definições de “poeta”.
Identifica-as.
Explica, por palavras tuas a afirmação de Sophia “O poeta é um
escutador”.
II. Lê atentamente o poema que se segue:
Cidade dos outros
Uma terrível atroz imensa
Desonestidade
Cobre a cidade
Há um murmúrio
Uma telegrafia
Sem gestos sem sinais sem fios
O mal procura o mal e ambos se entendem
Compram e vendem
E com um sabor a coisa morta
A cidade dos outros
Bate à nossa porta
1- Identifica o tema do poema. A
temática tratada é comum surgir na
poesia de Sophia?
2- Como caracteriza, Sophia, a cidade?
3- Explica, por palavras tuas a última
estrofe do poema.
FICHA INFORMATIVA Nº 2 - Como se deve analisar um poema
Num comentário poético devem tratar-se os seguintes pontos:
Estrutura externa
Estrutura interna
Linguagem poética
Estrutura externa
Geralmente, o poema apresenta-se em verso. O primeiro a fazer será a análise métrica do poema, com inclusão de um
comentário sobre todos os aspectos métricos: versos, pausas, acentos, rimas e estrofes. É preciso ter em conta que
alguns poemas não apresentam uma métrica tradicional, mas verso livre, o qual não responde a nenhum dos aspectos
métricos citados.
No verso, indica-se o nome, classificação e origem, ( por exemplo: o verso alexandrino é um verso de arte maior,
composto por versos heptassílabos, de origem medieval). As pausas finais são as que marcam verdadeiramente o
verso, por isso se deve também fazer referência. Pode-se fazer ainda alusão aos ritmos presentes no poema. A rima é
outro aspecto formal importante, não esquecer de assinalar o tipo e o esquema rimático.
Finalmente, comenta-se a estrofe. Na formulação tradicional são frequentes as composições de formas fixas: sonetos,
p.ex., mas desde o Modernismo que aparecem esquemas métricos sem esquema fixo, para permitir a livre criação ao
poeta.
Estrutura interna
Na estrutura interna analisam-se as diversas partes em que podemos dividir o conteúdo do poema, adiantando, em
parte , o significado do poema. A estrutura interna, por vezes, está muito ligada à estrutura externa. Muitas vezes são
os recursos próprios da linguagem poética os facilitadores da divisão do poema, porém a sua delimitação é complexa e
necessita que se atenda a diversos aspectos que a seguir se apresentam.
FICHA INFORMATIVA Nº 2 - Como se deve analisar um poema
Linguagem poética
A análise da linguagem poética é a parte mais árdua da análise. Apresenta múltiplas
aberturas e os recursos são muito variados, por isso se deve ir analisando os elementos
atribuindo-lhes valores significativos. Apresentar uma enumeração de elementos poéticos
sem valor não tem grande interesse para o comentário do poema. Dizer que o poema
apresenta muitas metáforas, repetições, ou aliterações carece de interesse se não for
acrescentado a expressividade desses recursos. Outro aspecto a evitar é limitar-se a
definir as figuras de estilo, (por exemplo: a aliteração é a repetição de fonemas), isto não
interessa para o comentário.
Para realizar um bom comentário deve-se evitar as listas e explicações que não trazem
nada sobre o texto, o importante é procurar o seu valor poético no poema em análise.
Deve-se sempre referir o valor expressivo das figuras de estilo e o valor expressivo que
apresentam os materiais linguísticos ( palavras). Estes dois aspectos são muito
importantes e funcionam quase sempre no mesmo plano.
A seguir apresento alguns elementos que podem servir de guia em qualquer análise
poética. Chamo atenção para o facto destes elementos poderem não aparecer todos em
todos os poemas, e cada poema imporá a ordem em que se comentam estes materiais.
FICHA INFORMATIVA Nº 2 - Como se deve analisar um poema
Fonologia.
O principal recurso fonológico que apresenta o texto já foi abordado na estrutura externa, pois todos os elementos
métricos são fonológicos. A aliteração, muito presente em muitos poemas pode apresentar valores expressivos
importantes conforme os sons que se repetem.
Morfologia.
A Língua oferece múltiplas possibilidades expressivas, apresento algumas mais significativas:
O substantivo: os valores do substantivo radicam mais do seu significado do que do seu aspecto morfológico. Talvez
que o único aspecto morfológico que interessa mais é a presença de morfemas apreciativos- diminutivos,
aumentativos e depreciativos. Em todos eles são os valores afectivos que se sobrepõem aos verdadeiramente
denotativos. O poeta não aumenta ou diminui magnitudes, apenas manifesta a sua subjectividade face às realidades
que alude o substantivo.
O adjectivo: Deve ser tido em conta pois as suas possibilidades são muito variadas. Aumentam segundo a sua função
e frequência: desde o adjectivo com função de atributo aos adjectivos epítetos à volta do nome. A sua colocação face
ao nome também é muito variável: por exemplo os adjectivos valorativos normalmente antepõem-se enquanto os
objectivos se pospõem.
O verbo: Os valores modais, aspectais e temporais que o verbo oferece são muito usados por muitos poetas.
Determinantes e pronomes: normalmente unem-se ao verbo para mostrar as pessoas gramaticais.
Sintaxe
Os recursos sintácticos mais frequentes são: paralelismo, repetição, hipérbato, assíndeto e polissíndeto.
Semântica.
A maior complexidade dos textos poéticos radica do predomínio dos valores conotativos frente aos denotativos.
Podem remeter para determinados temas constantes em cada poeta.
FICHA INFORMATIVA Nº 2 - Como se deve analisar um poema
As figuras literárias presentes no plano semântico são numerosas.
Figuras de pensamento
 Personificação/prosopopeia
 antítese ( contraste de ideias)
 Hipérbole
Tropos
 Metáfora
 Sinestesia
 Comparação
 Metonímia
 Sinédoque
FICHA DE TRABALHO Nº 3
Faz uma pequena dissertação a partir das afirmações de Sophia
de Mello Breyner Andresen:
 1. "O verdadeiro desenvolvimento só nascerá do
desenvolvimento cultural de toda a população de cada país. E
essa é a grande transformação que poderá salvar o mundo em
que estamos".
 2. "É a cultura que ensina o homem a escolher, a criar e a
construir a própria vida, em vez de a suportar".
Ficha de trabalho nº3 – Noções de versificação
Escolha Múltipla
1.
2.
3.
4.
Como se denomina uma linha de um poema?
1. Verso
2. Estrofe
3. Linhita
4. Anástrofe
Heptassílabo é
1. um gato com sete vidas.
2. uma estrofe com sete sílabas métricas.
3. um verso com sete sílabas métricas.
4. uma estrofe com sete versos.
A um verso com quatro sílabas métricas, chamamos
1. Quadrissílabo.
2. Tetrassílabo.
3. Quarteto.
4. Quadra.
Alexandrino é
1. um endecassílabo.
2. um verso escrito por Alexandre O'Neil.
3. um dodecassílabo.
4. um verso com onze sílabas.
5. A medição das sílabas métricas chama-se
1.
Silabação
2.
Escansão
3.
Topografia
4.
Metrificação
6. Uma estrofe com dois versos denomina-se
1. Pentassílabo.
2. Dissílabo.
3. Dueto.
4. Dístico.
7. Um eneassílabo é
1. um verso com seis sílabas métricas.
2. Uma sílaba com "n" de letras.
3. um verso com nove sílabas métricas.
4. um verso com onze sílabas métricas.
8. No esquema rimático AABB, encontramos rima
1. Interpolada.
2. Emparelhada.
3. Cruzada e Emparelhada.
4. Cruzada.
Ficha de trabalho nº3 – Noções de versificação
9.
Hendecassílabo é
1. um verso com dez sílabas métricas.
2. um verso com onze sílabas métricas.
3. um verso com trinta sílabas métricas.
4. um verso com doze sílabas métricas.
13. No esquema rimático ABCBA, encontramos rima
1. Cruzada e Interpolada.
2. Emparelhada e Interpolada.
3. Interpolada.
4. Cruzada.
10.
No esquema rimático ABCDE, existe
1. rima interpolada.
2. rima cruzada e interpolada.
3. rima interpolada e emparelhada.
4. rima branca.
14. À semelhança de sons no final de cada verso ou
mesmo no seu interior chamamos
1.
Parecença.
2.
Coincidência.
3.
Consonância.
4.
Rima.
11.
De um poema em que os versos não rimam dizemos que
tem
1. rima livre.
2. rima solta.
3. arrima prima.
4. rima branca.
15. Que nome se dá a um verso com uma só sílaba
métrica?
1. Monossílabo
2. Solitário
3. Monástico
4. Monóstico
12.
Um soneto é uma composição poética
1. constituída por duas quadras e dois tercetos,
geralmente com versos decassílabos.
2. constituída por versos que provocam um efeito
soporífero.
3. constituída por duas quadras e um terceto,
geralmente com versos decassílabos.
4. constituída por duas quadras e dois tercetos,
geralmente com versos tetrassílabos.
16. Uma sétima é
1. um verso com sete sílabas métricas.
2. uma estrofe com sete sílabas métricas.
3. uma estrofe com sete versos
4. um conjunto de sete poemas.
Ficha de trabalho nº3 – Noções de versificação
17.
Verso solto diz-se
1. do verso libertado por Prometeu.
2. do verso que se escreve no Dia 25 de Abril.
3. do verso que não rima com nenhum outro verso na estrofe.
4. do verso que fica no final de cada estrofe e rima com o último.
18.
Anáfora significa repetição
1. de palavras iniciadas por ANA.
2. de palavras ou expressões no início de cada verso.
3. de ideias ou conceitos em cada estrofe.
4. de palavras ou expressões no final de cada verso.
19.
Que nome se dá a um verso com sete sílabas métricas?
1. Heptassílabo ou Redondilha Menor
2. Sétima
3. Tetrassílabo ou Redondilha Maior
4. Heptassílabo ou Redondilha Maior.
20.
Uma oitava é
1. uma estrofe com oito versos.
2. um verso com oito sílabas métricas.
3. um verso que chegou em oitavo lugar.
4. um verso com oito sílabas gramaticais.
Ficha de trabalho nº4
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.
Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.
Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Ficha de trabalho nº4
QUESTIONÁRIO
1. Indica a repetição anafórica com que se inicia a maior parte dos
versos.
2. Classifica morfologicamente essa palavra.
3. O sujeito poético não expressa qualquer oração principal para as
repetidas orações causais. Sugere-a tu.
4. O poema desenvolve-se em torno de uma oposição. Indica os
elementos que o sujeito poético opõe.
5. O poema que acabaste de analisar insere-se num contexto histórico
particular do nosso país - que terminou com a Revolução de Abril de
1974 – a que a poetisa não foi indiferente. Informa-te sobre esse
contexto e comenta o poema à luz desta nova informação. Não te
esqueças de consultar a ficha informativa relativa à elaboração de um
comentário.
III - Eugénio de Andrade
Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
FICHA INFORMATIVA Nº3 - Vida e obra de Eugénio de Andrade
Poeta português, nasceu em 19 de Janeiro de 1923 em Póvoa de Atalaia, Fundão, no
seio de uma família de camponeses. A sua infância foi passada com a mãe, na sua
aldeia natal. Mais tarde, prosseguindo os estudos, foi para Castelo Branco, Lisboa e
Coimbra, onde residiu entre 1939 e 1945. Em 1947 entrou para a Inspecção
Administrativa dos Serviços Médico-Sociais, em Lisboa. Em 1950 foi transferido para
o Porto, onde fixou residência.
Abandonou a ideia de um curso de Filosofia para se dedicar à poesia e à escrita,
actividades pelas quais demonstrou desde cedo profundo interesse, a partir da
descoberta de trabalhos de Guerra Junqueiro e António Botto. Camilo Pessanha
constituiu outra forte influência do jovem poeta Eugénio de Andrade.
Embora não se integre em nenhum dos movimentos literários que lhe são
contemporâneos, não os ignorou, mostrando-se solidário com as suas propostas
teóricas e colaborando nas revistas a eles ligadas, como Cadernos de Poesia;
Vértice; Seara Nova; Sísifo; Gazeta Musical e de Todas as Artes; Colóquio, Revista de
Artes e Letras; O Tempo e o Modo e Cadernos de Literatura, entre outras.
A sua poesia caracteriza-se pela importância dada à palavra, quer no seu valor
imagético, quer rítmico, sendo a musicalidade um dos aspectos mais marcantes da
poética de Eugénio de Andrade, aproximando-a do lirismo primitivo da poesia
galego-portuguesa ou, mais recentemente, do simbolismo de Camilo Pessanha.
O tema central da sua poesia é a figuração do Homem, não apenas do eu individual,
integrado num colectivo, com o qual se harmoniza (terra, campo, natureza - lugar de
encontro) ou luta (cidade - lugar de opressão, de conflito, de morte, contra os quais
se levanta a escrita combativa).
FICHA INFORMATIVA Nº3 - Vida e obra de Eugénio de Andrade
A figuração do tempo é, assim, igualmente essencial na poesia de
Eugénio de Andrade, em que os dois ciclos, o do tempo e o do Homem,
são inseparáveis, como o comprova, por exemplo, o paralelismo entre as
idades do homem e as estações do ano. A evocação da infância, em que
é notória a presença da figura materna e a ligação com os elementos
naturais, surge ligada a uma visão eufórica do tempo, sentido sempre, no
entanto, retrospectivamente. A essa euforia contrapõe-se o sentimento
doloroso provocado pelo envelhecimemto, pela consciência da
aproximação da morte (assumido sobretudo a partir de Limiar dos
Pássaros), contra o qual só o refúgio na reconstituição do passado feliz
ou a assunção do envelhecimento, ou seja, a escrita, surge como
superação possível. Ligada à adolescência e à idade madura, a sua
poesia caracteriza-se pela presença dos temas do erotismo e da
natureza, assumindo-se o autor como o «poeta do corpo». Os seus
poemas, geralmente curtos, mas de grande densidade, e aparentemente
simples, privilegiam a evocação da energia física, material, a plenitude da
vida e dos sentidos.
Foi galardoado com o Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de
Escritores, atribuído a O Outro Nome da Terra (1988), e com o Prémio de
Poesia Jean Malrieu, por Branco no Branco (1984). Recebeu ainda, em
1996, o Prémio Europeu de Poesia. Foi criada, no Porto, uma fundação
com o seu nome.
FICHA INFORMATIVA Nº3 - Vida e obra de Eugénio de Andrade
Autor de uma importante obra poética, podem referir-se os seguintes títulos:
Adolescente (1942); As Mãos e os Frutos (1948); Os Amantes sem Dinheiro (1950); As
Palavras Interditas (1951); Até Amanhã (1956); Conhecimento da Poesia (1958); O Coração
do Dia (1958); Os Afluentes do Silêncio (1968); Obscuro Domínio (1971); Limiar dos
Pássaros (1972); Véspera da Água (1973); Memória de Outro Rio (1978); Matéria Solar (1980);
O Peso da Sombra (1982); Poesia e Prosa, 1940-1989 (1990), O Sal da Língua (1995), Alentejo
(1998), Os Lugares do Lume (1998) e Antologia Pessoal de Poesia Portuguesa (1999).
Organizou ainda, várias antologias, como a que dedicou ao Porto (Daqui Houve Nome
Portugal, 1968) e a Antologia Breve (1972). Em 2000, publica Poesia. Escreveu também livros
para crianças. É um dos poetas portugueses mais traduzidos para outras línguas.
Em 1982, o Governo português atribuiu-lhe o grau de Grande Oficial da Ordem de Sant'Iago
da Espada e a Grã-Cruz da Ordem de Mérito em 1988. Em 1986, recebeu o Prémio da
Associação Internacional dos Críticos Literários. Em 1996, recebeu o Prémio Europeu de
Poesia da Comunidade de Varchatz (Jugoslávia)
Em 1999 organizou a obra Antologia Pessoal da Poesia Portuguesa.
Em Maio de 2000, recebeu o Prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores,
entregue pelo Presidente da República. O prémio distingue todo o percurso e toda a obra do
escritor. Também recebeu, no mesmo ano, o Prémio Extremadura de criação literária e o
Prémio Celso Emilio Ferreiro, para autores ibéricos.
Em Fevereiro de 2001, Eugénio de Andrade recebeu o Prémio Celso Emilio Ferreiro, na
Galiza. Em Maio, Eugénio de Andrade foi homenageado no Carrefour des Littératures, em
França.Em Julho, foi atribuído ao poeta o Prémio Camões, que se mostrou satisfeito, quer
pelo prestígio do galardão, quer por ver o seu nome associado ao de Luís de Camões.
No mesmo ano publicou Os Sulcos da Sede.
FICHA DE TRABALHO Nº 4
A CASA DOS POETAS
1. Investiga que poetas portugueses têm casas-museu.
2. Destaca a casa de Eugénio de Andrade.
3. Procura poemas deste autor que tenham a ver com os lugares em
que ele habitou.
4. Selecciona o poema que melhor traduza o espaço íntimo de
habitação do poeta-cidadão.
No Porto a Fundação Eugénio de
Andrade é um espaço não só
dedicado ao poeta mas também
habitado por ele. O sítio oferece
informações sobre a vida e a obra
de Eugénio de Andrade e permite
visionar um portefólio de retratos
e desenhos feitos por vários
artistas e dedicados ao poeta.
Destacam-se também trinta
poemas, com versões em várias
línguas.
http://www.fundacaoeugenioandrade.pt/index3.htm
FICHA INFORMATIVA Nº3 - Vida e obra de Miguel Torga
"O HOMEM é, por desgraça, uma solidão:
Nascemos sós, vivemos sós e morremos sós."
Miguel Torga
Escritor português natural, de São Martinho de Anta, Vila Real. Proveniente
de uma família humilde, teve uma infância rural dura, que lhe deu a
conhecer a realidade do campo, sem bucolismos, feita de árduo trabalho
contínuo. Após uma breve passagem pelo seminário de Lamego, emigrou
com 13 anos para o Brasil, onde durante cinco anos trabalhou na fazenda
de um tio, em Minas Gerais, como capinador, apanhador de café, vaqueiro e
caçador de cobras. De regresso a Portugal, em 1925, concluiu o ensino
liceal e frequentou em Coimbra o curso de Medicina, que terminou em 1933.
Exerceu a profissão de médico em São Martinho de Anta e em outras
localidades do país, fixando-se definitivamente em Coimbra, como
otorrinolaringologista, em 1941.
Ligado inicialmente ao grupo da revista Presença, dele se desligou em
1930, fundando nesse mesmo ano, com Branquinho da Fonseca (outro
dissidente), a Sinal, de que sairia apenas um número. Em 1936, lançou outra
revista, Manifesto, também de duração breve.
FICHA INFORMATIVA Nº3 - Vida e obra de Miguel Torga
A sua saída da Presença reflecte uma característica fundamental da sua personalidade
literária, uma individualidade veemente e intransigente, que o manteve afastado, por
toda a vida, de escolas literárias e mesmo do contacto com os círculos culturais do
meio português. A esta intensa consciência individual aliou-se, no entanto, uma
profunda afirmação da sua pertença à natureza humana, com que se solidariza na
oposição a todas as forças que oprimam a energia viva e a dignidade do homem, sejam
elas as tiranias políticas ou o próprio Deus. Miguel Torga, tendo como homem a
experiência dos sofrimentos da emigração e da vida rural, do contacto com as misérias
e com a morte, tornou-se o poeta do mundo rural, das forças telúricas, ancestrais, que
animam o instinto humano na sua luta dramática contra as leis que o aprisionam. Nessa
revolta consiste a missão do poeta, que se afirma tanto na violência com que acusa a
tirania divina e terrestre, como na ternura franciscana que estende, de forma vibrante, a
todas as criaturas no seu sofrimento. Mas essa revolta, por outro lado, não corresponde
a uma arreligiosidade ou recusa da transcendência.
A sua obra, recheada de simbologia bíblica, encontra-se, antes, imersa num sentido
divino que transfigura a natureza e dignifica o homem no seu desafio ou no seu
desprezo face ao divino. A ligação à terra, à região natal, a Portugal, à própria Península
Ibérica e às suas gentes, é outra constante dos textos do autor. Ela justifica o profundo
conhecimento que Torga procurou ter de Portugal e de Espanha, unidos no conceito de
uma Ibéria comum, pela rudeza e pobreza dos seus meios naturais, pelo movimento de
expansão e opressões da história, e por certas características humanas definidoras da
sua personalidade. A intervenção cívica de Miguel Torga, na oposição ao Estado Novo e
na denúncia dos crimes da guerra civil espanhola e de Franco, valeu-lhe a apreensão de
algumas das suas obras pela censura e, mesmo, a prisão pela polícia política
portuguesa.
FICHA INFORMATIVA Nº3 - Vida e obra de Miguel Torga
Contista exímio, romancista, ensaísta, dramaturgo, autor de mais de 50 obras
publicadas desde os 21 anos, estreou-se em 1928 com o volume de poesia Ansiedade.
Também em poesia, publicou, entre outras obras, Rampa (1930), O Outro Livro de Job
(1936), Lamentação (1943), Nihil Sibi (1948), Cântico do Homem (1950), Alguns Poemas
Ibéricos (1952), Penas do Purgatório (1954) e Orfeu Rebelde (1958). Na ficção em prosa,
escreveu Pão Ázimo (1931), Criação do Mundo. Os Dois Primeiros Dias (1937, obra de
fundo autobiográfico, continuada em O Terceiro Dia da Criação do Mundo, 1938, O
Quarto Dia da Criação do Mundo, 1939, O Quinto Dia da Criação do Mundo, 1974, e O
Sexto Dia da Criação do Mundo, 1981), Bichos (1940), Contos da Montanha (1941), O
Senhor Ventura (1943, romance), Novos Contos da Montanha (1944), Vindima (1945) e
Fogo Preso (1976).
É ainda autor de peças de teatro (Terra Firme e Mar, 1941; O Paraíso, 1949; e Sinfonia,
poema dramático, 1947) de volumes de impressões de viagens (Portugal, 1950; Traço de
União, 1955) e de um Diário em dezasseis volumes, publicado entre 1941 e 1994. Notável
pela sua técnica narrativa no conto, pela expressividade da sua linguagem,
frequentemente de cunho popular, mas de uma força clássica, fruto de um trabalho
intenso da palavra, conseguiu conferir aos seus textos um ritmo vigoroso e original, a
que associa uma imagística extremamente sugestiva e viva.
Várias vezes premiado, nacional e internacionalmente, foram-lhe atribuídos, entre
outros, o prémio Diário de Notícias (1969), o Prémio Internacional de Poesia (1977), o
prémio Montaigne (1981), o prémio Camões (1989), o Prémio Vida Literária da
Associação Portuguesa de Escritores (1992) e o Prémio da Crítica, consagrando a sua
obra(1993).
FICHA INFORMATIVA Nº3 - Vida e obra de Miguel Torga
Aos Poetas
Somos nós
As humanas cigarras!
Nós,
Desde os tempos de Esopo conhecidos.
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos
A passar!...
Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras,
Asas que em certas horas
Palpitam,
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
mas sim do mosto que a beleza traz!
E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestreis
De uma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
Homens de toda a terra sem fronteiras!
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele!
Crias de Adão e Eva verdadeiras!
Homens da torre de Babel!
Homens do dia a dia
Que levantem paredes de ilusão!
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão!
FICHA DE TRABALHO Nº 5
Leia atentamente o seguinte texto:
Orfeu Rebelde
Orfeu rebelde, canto como sou:
Canto como um possesso
Que na casca do Tempo, a canivete,
Gravasse a fúria de cada momento;
Canto a ver se o meu canto compromete
A eternidade no meu sofrimento.
Outros, felizes, sejam rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio:
Que o céu e a terra, pedras conjugadas
Do moinho cruel que me tritura,
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura.
Bicho instintivo que adivinha a morte
No corpo dum poeta que a recusa,
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa.
Canto, sem perguntar à Musa
Se o canto é de terror ou de beleza.
Miguel Torga
FICHA INFORMATIVA Nº4 - Vida e obra de José Gomes Ferreira
Escritor, poeta e ficcionista português, natural do Porto. Formou-se em Direito em
1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929. Após o seu regresso a Portugal,
enveredou pela carreira jornalística. Foi colaborador de vários jornais e revistas, tais
como a Presença, a Seara Nova e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao
grupo do Novo Cancioneiro, sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua
obra e o neo-realismo. José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e
politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e
injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do
empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa
dialéctica constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências
individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros.
Da sua obra poética destacam-se, para além do volume de estreia, Lírios do Monte
(1918), Poesia, Poesia II e Poesia III (1948, 1950 e 1961, respectivamente), recebendo
este último o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores. A sua
obra poética foi reunida em 1977-1978, em Poeta Militante. O seu pendor jornalístico
reflecte-se nos volumes de crónicas O Mundo dos Outros (1950) e O Irreal Quotidiano
(1971). No campo da ficção escreveu O Mundo Desabitado (1960), Aventuras de João
Sem Medo (1963), Imitação dos Dias (1966), Tempo Escandinavo (1969) e O Enigma da
Árvore Enamorada (1980). O seu livro de reflexões e memórias A Memória das Palavras
(1965) recebeu o Prémio da Casa da Imprensa. É ainda autor de ensaios sobre
literatura, tendo organizado, com Carlos de Oliveira, a antologia Contos Tradicionais
Portugueses (1958).
Em Junho de 2000, foi lançada no porto a colectânea Recomeço Límpido, que inclui
versos e prosas de dezenas de autores em homenagem a José Gomes Ferreira.
FICHA INFORMATIVA Nº4 - Vida e obra de José Gomes Ferreira
Escritor, poeta e ficcionista português, natural do Porto. Formou-se em Direito em
1924, tendo sido cônsul na Noruega entre 1925 e 1929. Após o seu regresso a Portugal,
enveredou pela carreira jornalística. Foi colaborador de vários jornais e revistas, tais
como a Presença, a Seara Nova e Gazeta Musical e de Todas as Artes. Esteve ligado ao
grupo do Novo Cancioneiro, sendo geral o reconhecimento das afinidades entre a sua
obra e o neo-realismo. José Gomes Ferreira foi um representante do artista social e
politicamente empenhado, nas suas reacções e revoltas face aos problemas e
injustiças do mundo. Mas a sua poética acusa influências tão variadas quanto a do
empenhamento neo-realista, o visionarismo surrealista ou o saudosismo, numa
dialéctica constante entre a irrealidade e a realidade, entre as suas tendências
individualistas e a necessidade de partilhar o sofrimento dos outros.
Da sua obra poética destacam-se, para além do volume de estreia, Lírios do Monte
(1918), Poesia, Poesia II e Poesia III (1948, 1950 e 1961, respectivamente), recebendo
este último o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores. A sua
obra poética foi reunida em 1977-1978, em Poeta Militante. O seu pendor jornalístico
reflecte-se nos volumes de crónicas O Mundo dos Outros (1950) e O Irreal Quotidiano
(1971). No campo da ficção escreveu O Mundo Desabitado (1960), Aventuras de João
Sem Medo (1963), Imitação dos Dias (1966), Tempo Escandinavo (1969) e O Enigma da
Árvore Enamorada (1980). O seu livro de reflexões e memórias A Memória das Palavras
(1965) recebeu o Prémio da Casa da Imprensa. É ainda autor de ensaios sobre
literatura, tendo organizado, com Carlos de Oliveira, a antologia Contos Tradicionais
Portugueses (1958).
Em Junho de 2000, foi lançada no porto a colectânea Recomeço Límpido, que inclui
versos e prosas de dezenas de autores em homenagem a José Gomes Ferreira.
FICHA DE TRABALHO Nº 6
Devia morrer-se de outra maneira.
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pòlen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
José Gomes Ferreira
1. Como vê o Poeta a
morte?
2. Há uma forma diferente
de morte nos versos de
um poeta?
3. O que podemos
aprender com a lição de
vida do Poeta?
FICHA DE TRABALHO Nº 7
1. Elabore um poema em que todas
as primeiras palavras de cada verso
comece pela letra “A”.
2. Leia os poemas seguintes e
escolha aquele que considere mais
próximo de si como indivíduo.
3. Retire do poema que escolheu o
verso de que mais gosta e tente
escrever um novo poema a partir
desse verso.
FICHA DE TRABALHO Nº 7
Os ratos invadiram a cidade
povoaram as casas os ratos roeram
o coração das gentes.
Cada homem traz um rato na alma.
Na rua os ratos roeram a vida.
É proibido não ser rato.
Canto na toca. E sou um homem.
Os ratos não tiveram tempo de roer-me
os ratos não podem roer um homem
que grita não aos ratos.
Encho a toca de sol.
(Cá fora os ratos roeram o sol).
Encho a toca de luar.
(Cá fora os ratos roeram a lua).
Encho a toca de amor.
(Cá fora os ratos roeram o amor).
Na toca que já foi dos ratos cantam
os homens que não chiam. E cantando
a toca enche-se de sol.
(O pouco sol que os ratos não roeram).
Variações sobre
O POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO
de Alexandre O'Neil
Manuel Alegre
FICHA DE TRABALHO Nº 7
Trova do Vento que Passa
Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.
Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.
Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.
Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.
Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio - é tudo o que tem
quem vive na servidão.
Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.
E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.
E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.
Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.
Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.
Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).
Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.
Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de sevidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.
E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.
Manuel Alegre
Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.
FICHA DE TRABALHO Nº 7
Cântico negro
"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos
doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!
José Régio
FICHA DE TRABALHO Nº 8
Auto-retrato
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
Natália Correia
Poesia Completa
Publicações Dom Quixote
1999
ACTIVIDADE DE ESCRITA
1.
Lê o poema de Natália Correia e
procura descrever como se
apresenta como poeta e como
indivíduo.
2.
Faz o teu auto-retrato, de
preferência em verso.
Natália de Oliveira Correia (13 de Setembro de 1923 — 16
de Março de 1993) foi uma intelectual e activista social de
origem açoriana, autora de extensa e variada obra
publicada, com predominância para a poesia. Deputada à
Assembleia da República (1980-1991), interveio
politicamente ao nível da cultura e do património, na
defesa dos direitos humanos e dos direitos das mulheres.
Autora da letra do Hino dos Açores.
A obra de Natália Correia estende-se por géneros variados,
desde a poesia ao romance, teatro e ensaio. Colaborou
com frequência em diversas publicações portuguesas e
estrangeiras. Foi uma figura central das tertúlias que
reuniam em Lisboa nomes centrais da cultura e da
literatura portuguesas nas décadas de 1950 e 1960. Ficou
conhecida pela sua personalidade livre de convenções
sociais, vigorosa e polémica, que se reflecte na sua escrita.
A sua obra está traduzida em várias línguas.
SARAU DE POESIA
Prepara, coma ajuda do(a) teu(tua) professor(a), um Sarau
de Poesia. É um momento que proporciona a liberdade de
ler e ouvir poemas de qualidade, de autores novos ou
consagrados, que podes escolher livremente.
1. Escolhe o repertório de poemas a ler;
2. Selecciona as pessoas que vão recitar esses
poemas;
3. Recolhe poemas já gravados de declamadores
conhecidos como Ary dos Santos ou João Vilarett;
4. Cria as condições técnicas que permitirão reproduzir
essas gravações;
5. Prepara a publicidade do Sarau, depois de
escolheres a data e o local.
6. Organiza o evento alternando as gravações com as
declamações ao vivo.
Boa sorte!
Elsa Martins
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ficha de trabalho nº 7