«Ser bom é saber que se falha...» “ Nasceu em santo André (vagos - Aveiro) em 1947 do ventre de Francelina de Almeida após alguma ajuda de Manuel Raimundo Martins. Sendo um entre sete filhos afeiçoou-se mais às vacas que aos porcos vivos e ganhou um especial pavor aos bicos dos frangos e aos olhos dos chicharros. Só teve conhecimento da morte das vacas muito tarde e acidentalmente quando uma delas caiu num poço que "arrunhou" na Lagoa Chorida. Já no que respeita aos porcos, conviveu desde muito cedo com a sua morte e habituou-se a gostar deles bem mortos e bem conservados numa salgadeira que os guardava para serem comidos à medida das necessidades. Frangos, galinhas e galos também foram engolidos pelo apetite sangrento da família. Do pai guarda uma memória bem curta já que este deambulava entre a casa de Santo André e uma outra no Brasil, tendo-se despedido para sempre da casa de Santo André no dia dos seus oito anos. A mãe precisava de todos os seus filhos para o trabalho do campo, mas acabou por mandá-lo estudar. Ninguém sabe muito bem porquê, mas a razão deve ser encontrada numa fraqueza especial e na influência malfazeja da sua irmã mais velha que acabou por ter de tomar conta dele a partir da adolescência em que decidiu ser poeta e tentar ser guerrilheiro. Não tendo conseguido ser uma coisa nem outra acabou por estudar alguma matemática enquanto lutava pela salvação de alguma humanidade e, quando deu por ela, estava licenciado em matemática pura e casado com uma colega licenciada do seu tamanho e a caminho de ser professor do ensino liceal (era assim que se dizia) de matemática, tendo-se tornado um profissional mais ou menos respeitado por quem não o conhece e ignorado por quem o conhece. Os dois filhos que supostamente são os seus filhos abandonaram-no definitivamente na década de noventa, aparentemente por terem perdido a chave de casa. Perdeu a esperança de vir a ser guerrilheiro embora faça da política a vida de todos os dias e de alguns dias em especial. Plantou uma árvore e tem uma afilhada que é filha da irmã que o teve de alimentar na época em que alimentava todos os ideais de compreender o seu papel neste mundo e achar que havia lugar para os partidos da sua ilusão juvenil. Mantém a esperança de vir a escrever um livro de poemas e, enquanto isso não acontece, escreve uns textos que ninguém lê sobre assuntos tão variados como a morte, o ensino da matemática, a filoxera, os anjos, a gestão democrática das escolas e a formação de professores,.... Nunca deu grande valor ao que faz e a única coisa que lhe interessa são os passos que ainda dá entre a escola onde trabalha e a casa onde vive. Vive em paz com quem gosta e a mais não ambiciona. Quando lhe dá na bolha imprime uns caderninhos. Outras vezes publica algumas ideias na Internet. Quase ninguém lê o que ele escreve e quase ninguém vê os seus desenhos, mas ele prefere não estudar "distribuições" que é um tema que não lhe agrada especialmente e não é importante para o seu trabalho de professor do ensino secundário ou para a pouca divulgação científica que tenta fazer por aqui e por ali, à medida dos pedidos das escolas e das pessoas que ainda têm paciência para o aturar. Gostaria de ter tempo para estudar matemática com jovens da sua idade, mas o tempo escasseia. Promete sempre que, no próximo ano, vai fazer o que quer fazer e não o que é preciso fazer – o que revela uma grande falta de confiança nele mesmo e uma tremenda desconfiança da utilidade daquilo que quer fazer. Participa em todas as reformas do ensino em vez de preparar a sua própria reforma e começa a conhecer-se pelo tipo que se esqueceu do seu tempo numa mesa de um lugar onde nunca mais voltou. Do mesmo modo tem perdido outras coisas que ainda lhe fazem mais falta.” Texto de Ivete Carneiro Certo dia, agarrou numas tintas e num funcionário da escola e resolveu também "borrar" paredes. As retretes, então, eram uma desgraça. Era preciso perceber "os sinais de rebelião". E distinguir a arte do vandalismo. "Havia tipos que eram grandes artistas nisso..." Entre deixar sujos os muros das malditas casas de banho da José Estêvão ou procurar entender os desenhos e, por que não, ensinar Matemática através deles, Arsélio Martins escolheu a segunda via. "Mas valia borrá-los também um bocado!" Teimosia e paciência Um bom professor é aquele que não tem problema em dizer que "a vida é feita de falhanços e de acertos". Um teimoso que precisa de tempo para remendar o que não funcionou e paciência para perceber quando é que os alunos aprendem. Por isso é que defendeu sempre, até na definição de programas de Matemática que ajudou a fazer, que um docente deve acompanhar durante anos os mesmos alunos. "Para saber se deu resultado.” E os dele são bons nesse papão nacional que é o mundo dos números e das equações? Sim, não, talvez. "Demoro um tempo danado para eles perceberem o que eu digo e eu perceber o que eles dizem. O que tenho conseguido é que não estejam contra a Matemática por meu intermédio". “Arsélio forever!" O grito de guerra é lançado por um puto que nem teve ainda a sorte de levar com Arsélio, enquanto as mãos se entretêm com um autocolante dos milhares que pintalgam a escola. O retrato do professor do ano, o regozijo da escola, "Estamos muito contentes". Um cartaz enorme no antigo portão principal do edifício é completado pela homenagem escrita no átrio. "A tua escola sente-se naturalmente prestigiada e agradecida. Obrigado Arsélio!" Muita tralha na bagagem Tem a Cara mais multiplicada pelo espaço público do que quando se candidatou pelo Bloco de Esquerda à Assembleia Municipal de Aveiro. Mais gargalhadas e uma sapatada no ombro. "Sou um tipo que tem muita tral2a pública acumulada, era natural". O prémio. Ex-dirigente estudantil, sindicalista, autor de programas, membro de comissões no Ministério da Educação e autor de "muitos disparates" escritos sobre Matemática, educação e política, Arsélio diz que não foi o Governo que o premiou. "Foi a minha escola", que enviou a candidatura, e "um júri nacional". E o que deve ter custado ao primeiro-ministro e à ministra da Educação galardoar o homem que não se coíbe de dizer o que pensa pondo os nomes aos bois e de abandonar uma comissão do plano de acção para a Matemática por discordar do défice democrático de quem gere os destinos da educação. Algumas questões retiradas da Entrevista a Arsélio Martins MARIA JOSÉ SANTANA E RUI CUNHA PAULO RAMOS • Como é receber o Prémio Nacional de Professor, e logo no primeiro ano em que foi criado? • Não é nada de especial. É importante dizer que é um prémio instituído pelo Governo mas atribuído por um júri independente presidido por Daniel Sampaio. A Escola Secundária José Estêvão propôs-me para receber um prémio, e esse é o meu primeiro prémio — os meus parceiros, as pessoas com quem eu trabalhei nos últimos 30 anos, ainda acham que eu não sou um chato monumental e que fiz alguma coisa pela escola e me reconhecem valor. Significa o reconhecimento da minha actividade e o reconhecimento de que eu posso ser o seu representante, o que é muito importante para um profissional que está há muito tempo numa escola, onde fui dirigente e onde não sou uma figura popular no sentido de estar de acordo com todos e à procura de consensos, uma vez que sou minoritário na maior parte das ideias. Por isso significa o reconhecimento da minha competência técnica e de saber conviver em democracia. • Dizem que procura fazer a Matemática divertida. É assim? • Não sei se isso é verdade. Não tenho nada contra a diversão, e eu gosto de ser simpático, de falar com as pessoas, de as convencer, sou argumentativo... • Mas não se pode ser bom aluno a Matemática sem esforço e trabalho... • É só trabalho e transpiração. Claro que há pessoas que fazem esse trabalho sem precisar do professor para nada, mas há outras que é preciso ganhar, trazê-las ao colo. • A ideia que existe enraizada é a de que os alunos actuais trabalham pouco, esforçam-se pouco... • Se calhar é verdade. E, se calhar, não trabalham nos aspectos em que nós queremos que eles trabalhem, porque há uma grande dispersão de objectivos e de interesses. É muito complicado viver agora. Os jovens da minha escola tanto podem estar a estudar Matemática como podem estar a tocar maracas ou a ser obrigados a andar no ballet ou no desporto... A vida deles é muito mais complicada do que no nosso tempo — no meu tempo aquilo era aquilo e não tínhamos mais nada para fazer. Claro que também não tínhamos meios, nem livros... Mas a vida de estudante — de um bom estudante — tem muito esforço associado, não há nada sem esforço. • Tem alguma receita para tornar a Matemática agradável aos alunos? • Não. Eu costumo dizer aos alunos que se este parolo que está aqui consegue saber a matéria, o facto de eles não saberem é uma vergonha. Não há nenhum segredo ou receitas. Eu persisto nas relações. E não tenho a ilusão de que os alunos aprendem quando eu lhes ensino. Às vezes deixo passar meses. Eu estou disposto a esperar, sou muito paciente. • Como é que em Portugal se pode combater a taxa de insucesso a Matemática? • No processo de aprendizagem, eu ensino muito as pessoas, mas passa principalmente por eu conseguir que as pessoas queiram aprender. … E agora nós Arsélio… Deixou a Comissão de Acompanhamento do PAM com muita pena minha pois era o meu “ACOMPANHANTE”…( Cristina) Mas continua envolvido na luta contra o insucesso a Matemática… Está a EXPERIMENTAR O PROGRAMA REAJUSTADO DE MATEMÁTICA PARA O ENSINO BÁSICO.