PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10913/AL APTE APDO ADV/PROC APDO CUR. ESP ORIGEM RELATOR 0000307-45.2011.4.05.8001 : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : JOSÉ COSTA FRANÇA : WELTON ROBERTO E OUTROS : JOSÉ CARLOS CAVALCANTE SILVA : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO : 8ª VARA FEDERAL DE ALAGOAS (COMPETENTE P/ EXECUçõES PENAIS) : DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA EMENTA PENAL. RECURSO DE APELAÇÃO. PRESCRIÇÃO. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO (ART. 1º, I, DO DL 201/67). CRIME DA LEI DE LICITAÇÕES (ART. 90, DA LEI 8666/93). MATERIALIDADE DELITIVA NÃO COMPROVADA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. 1. Trata-se de recurso de apelação do Ministério Público Federal contra sentença absolutória, fundamentada na ausência de prova de materialidade delitiva. 2. O titular da ação penal, em sua peça acusatória, alega que os réus, na intenção deliberada de malversar recursos oriundos do Convênio nº 683/2001, celebrado com a União Federal (Ministério da Saúde) para aquisição de uma unidade móvel de atendimento, promoveram o direcionamento fraudulento do procedimento licitatório e a aquisição superfaturada do objeto licitado, com prejuízo, em valor histórico, de R$ 9.415,00 (nove mil, quatrocentos e quinze reais). 3. A imputação, no caso concreto, baseia-se unicamente nas conclusões advindas do relatório nº 221 da Controladoria-Geral da União. Todavia, em que pese a comprovação de irregularidades na tramitação do procedimento de licitação, inexiste suporte probatório para amparar uma condenação de natureza criminal. 4. No que tange à alegação de crime de responsabilidade, não há qualquer indício de apropriação de valores em proveito próprio ou alheio. Deveras, a despeito da alegação de superfaturamento, o autor da ação penal, a quem, indubitavelmente, incumbe o ônus de prova da materialidade do delito, não indica fontes ou parâmetros utilizados na definição do custo supostamente correto para a aquisição do referido veículo (R$28.484,41). É dizer, não há informações oficiais de fábricas ou revendedoras, tampouco a discriminação do modelo, opcionais e demais características do paradigma adotado pelo parquet, nem mesmo o sopesamento das despesas oriundas das adequações necessárias à transformação de um veículo utilitário em ambulância. 5. Por outro lado, conforme bem salientado pelo juiz sentenciante, a “ defesa, através da documentação de fls. 64/66, demonstrou, de forma suficiente, a plausibilidade de suas alegações: se o valor total pago pela Prefeitura de São Brás, então gerida pelo corréu JOSÉ CARLOS CAVALCANTE SILVA, de R$ 37.900,00 (trinta e sete mil e novecentos reais) incluía o importe referente às adaptações feitas pela empresa vencedora no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o valor do veículo sem as modificações seria de R$ 32.900,00 (trinta e dois mil e novecentos rml 1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10913/AL 0000307-45.2011.4.05.8001 reais), distando R$ 4.415,59 (quatro mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e nove centavos) do parâmetro de mercado, de fonte desconhecida, estabelecido pelo DENASUS no Relatório Preliminar de Auditoria nº 7175 (fls. 284/290). Considerando, em prosseguimento, que a acusação não provou que o parâmetro de mercado utilizado pelo DENASUS já continha os custos relativos ao frete e a margem de lucro da empresa vencedora, tenho que não se pode tomar, a partir da diferença de R$ 4.415,59 (quatro mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e nove centavos), a ocorrência de superfaturamento na espécie” . 6. Sobre a imputação do delito do artigo 96 Lei 8666/93, é certo que as irregularidades na condução do procedimento da licitação, a exemplo de falhas na fiscalização da documentação apresentada por todos os licitantes, inobservância de prazo para recursos e ausência de publicação do contrato, não se subsumem, de per si, aos verbos nucleares da norma incriminadora, notadamente ante a ausência de prova de prejuízo ao Erário. Ademais, não se pode olvidar a impossibilidade de se atribuir responsabilidade penal ao prefeito tão-somente em virtude de sua superioridade hierárquica. Recurso de apelação desprovido. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto constantes dos autos que integram o presente julgado. Recife, 12 de março de 2015 (data do julgamento). JOSÉ MARIA LUCENA, Relator. rml 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10913/AL 0000307-45.2011.4.05.8001 RELATÓRIO O Desembargador Federal JOSÉ MARIA LUCENA (Relator): Trata-se de apelação criminal interposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença (fls. 179/182) prolatada pelo MM. Juiz Federal da 8ª Vara da Seção Judiciária de Alagoas, Dr. GUSTAVO DE MENDONÇA GOMES, que julgou improcedente o pedido deduzido na denúncia e absolveu os acusados JOSÉ CARLOS CAVALCANTE SILVA e JOSÉ COSTA FRANÇA da imputação da prática dos delitos previstos no art. 1°, II, do Decreto–Lei n° 201/67 e no art. 96, I, IV e V, da Lei n° 8666/93. Segundo narra a denúncia (fls. 03/15), os acusados JOSÉ CARLOS CAVALCANTE SILVA e JOSÉ COSTA FRANÇA burlaram a lisura do processo licitatório com vistas à aquisição de uma ambulância pela Prefeitura do Município de São Brás/AL, utilizando, para tanto, de recursos oriundos do Ministério da Saúde. Narra, ainda, que diversas fraudes foram cometidas durante o certame licitatório com o fito de superfaturar o valor final do referido automóvel em, pelo menos, R$ 9.415,00 (nove mil, quatrocentos e quinze mil reais - valores históricos), consoante restou demonstrado a partir de relatório de fiscalização elaborado pela CGU (fls. 05/08). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, em suas razões recursais (fls. 188/192), pugna pela condenação dos acusados sob a alegação de que existem nos autos provas suficientes da materialidade delitiva e no sentido de que os acusados agiram com dolo em praticar os ilícitos previstos no art. 96, I, IV, e V da Lei n° 8.666/93 e art. 1°, inciso II, do Decreto-Lei n° 201/67, ao efetuarem pagamento/recebimento superfaturado do bem objeto do Convênio. JOSÉ COSTA FRANÇA e JOSÉ CARLOS CAVALCANTE SILVA apresentaram contrarrazões pugnando pelo não provimento do apelo (fls. 198/214 e fls. 236/246, respectivamente). Parecer Ministerial subscrito pelo eminente Procurador Regional da República, Dr. ANTONIO CARLOS DE V. COELHO BARRETO CAMPELLO, assim ementado (fls. 252/255): PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. ART.1°, I, DO DL N° 201/67 E ART. 90, LEI N° 8.666/93. rml 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10913/AL 0000307-45.2011.4.05.8001 - As irregularidades apontadas na denúncia referentes ao processo licitatório indicam, insofismavelmente, a ocorrência de conluio para direcionar a licitação. Tal conduta, porém, divorciada das hipóteses previstas no art. 96, da Lei n° 8.666/93, caracterizam o delito do art. 90, da mesma Lei. Ocorrência de prescrição pela pena em abstrato, contada da data da consumação do delito e a do recebimento da denúncia. - Fundada dúvida acerca da existência de sobrepreço na aquisição da ambulância, a justificar a absolvição pelo delito do art. 1º, I, do DL 201/67. Parecer pelo conhecimento e não provimento do recurso de apelação. RELATEI. Ao eminente Revisor. rml 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10913/AL rml 0000307-45.2011.4.05.8001 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10913/AL 0000307-45.2011.4.05.8001 VOTO O Desembargador Federal JOSÉ MARIA LUCENA (Relator): Consoante relatado, a presente impugnação dirige-se contra sentença absolutória, fundamentada na ausência de prova de materialidade delitiva. O titular da ação penal, em sua peça acusatória, alega que os réus, na intenção deliberada de malversar recursos oriundos do Convênio nº 683/2001, celebrado com a União Federal (Ministério da Saúde) para aquisição de uma unidade móvel de atendimento, promoveram o direcionamento fraudulento do procedimento licitatório e a aquisição superfaturada do objeto licitado, com prejuízo, em valor histórico, de R$ 9.415,00 (nove mil, quatrocentos e quinze reais). A imputação, no caso concreto, baseia-se unicamente nas conclusões advindas do relatório nº 221 da Controladoria-Geral da União. Todavia, em que pese a comprovação de irregularidades na tramitação do procedimento de licitação, inexiste suporte probatório para amparar uma condenação penal. No que tange à alegação de crime de responsabilidade, inexiste prova de apropriação de valores em proveito próprio ou alheio. Deveras, o órgão acusador não indica fontes ou parâmetros utilizados na definição do custo reputado correto para a aquisição do veículo (R$28.484,41). É dizer, não há informações oficiais de fábricas ou revendedoras, tampouco a discriminação do modelo, opcionais e demais características do paradigma adotado, nem mesmo o sopesamento das adaptações imprescindíveis à transformação de um veículo utilitário em ambulância. Por outro lado, conforme bem salientado pelo juiz sentenciante, a “ defesa, através da documentação de fls. 64/66, demonstrou, de forma suficiente, a plausibilidade de suas alegações: se o valor total pago pela Prefeitura de São Brás, então gerida pelo corréu JOSÉ CARLOS CAVALCANTE SILVA, de R$ 37.900,00 (trinta e sete mil e novecentos reais) incluía o importe referente às adaptações feitas pela empresa vencedora no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), o valor do veículo sem as modificações seria de R$ 32.900,00 (trinta e dois mil e novecentos reais), distando R$ 4.415,59 (quatro mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e nove centavos) do parâmetro de mercado, de fonte desconhecida, estabelecido pelo DENASUS no Relatório Preliminar de Auditoria nº 7175 (fls. 284/290). Considerando, em prosseguimento, que a acusação não provou que o parâmetro de mercado utilizado pelo DENASUS já continha os custos relativos ao frete e a margem de lucro da empresa vencedora, tenho que não se pode tomar, a partir da diferença de R$ 4.415,59 (quatro mil, quatrocentos e quinze reais e cinqüenta e nove centavos), a ocorrência de superfaturamento na espécie” . rml 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10913/AL 0000307-45.2011.4.05.8001 Para maior compreensão da matéria controvertida, transcrevo ilustrativo excerto da sentença ora combatida: “ A defesa de JOSÉ COSTA FRANÇA, proprietário da empresa vencedora da Carta Convite nº 04/2002, sustenta, desde a fase de resposta à acusação (fls. 51/62), que a diferença de valores atribuída, pela acusação, a um eventual superfaturamento diz respeito, na realidade, às adaptações realizadas pela empresa para tornar o automóvel adquirido em uma unidade móvel de saúde. 16. Nesse toar, o valor total descrito na nota fiscal de fl. 64, no importe de R$ 37.900,00 (trinta e sete mil e novecentos reais), englobaria não apenas o valor do veículo automotor, mas também as adaptações realizadas, o valor do frete, além do lucro da empresa. Juntou, para tanto, cópia da nota fiscal de fl. 65, que comprovaria a realização das adaptações em questão por empresa terceirizada, no valor total de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). 17. O Relatório Preliminar de Auditoria nº 7175 (fls. 284/290) indica que, à época dos fatos, o valor de mercado do automóvel adquirido pela Prefeitura de São Brás no bojo da Carta Convite nº 04/202 era estimado em R$ 28.484,41 (vinte e oito mil, quatrocentos e oitenta e quatro reais e quarenta e um centavos). Não há indicação, todavia, - e o titular da ação penal não faz qualquer referência a esse respeito - sobre a fonte de aferição do aludido valor de mercado do veículo em questão, tampouco se tal parâmetro levava em conta o frete necessário para o traslado do automóvel da fábrica à concessionária vencedora do certame e ainda a margem de lucro da empresa. 18. Em suas alegações finais (fls. 148/150), a acusação consignou que, após a instrução probatória, foi possível concluir que "nem o depoimento da testemunha arrolada pela defesa, tampouco o interrogatório dos acusados prestados em juízo foram bastantes para ilidir a prática dos crimes descritos na denúncia, o que demonstra, de fato, que os acusados burlaram a lisura do processo licitatório com vistas à aquisição de uma ambulância pela Prefeitura de São Brás/AL". 19. Trata-se, todavia, de construção que parte da equivocada premissa de que caberia aos réus demonstrarem a sua inocência, e não à acusação apresentar provas suficientes da materialidade e da autoria delitivas, à luz notadamente da regra constitucional da não culpabilidade e da disciplina estatuída na parte inicial do art. 156 do Código de Processo Penal, o qual consigna que "a prova da alegação incumbirá a quem a fizer (...)". 20. Sobre a relação entre o onus probandi e a regra constitucional da não culpabilidade, é oportuna a lição de Eugenio Pacelli Douglas Fischer, in verbis: (...) Se o método empregado é o da verdade material, isto é, o do convencimento judicial fundado em prova e não na deficiência da atuação defensiva, há que se concluir que não poderia caber ao acusado a prova de sua não culpabilidade. Se é necessária a certeza provada para a condenação, fundada, pois, em material probatório efetivamente produzido em juízo, há que se concluir caber à acusação, sobretudo ao Ministério Público, titular da ação penal pública, os ônus da prova do fato, da autoria e das circunstâncias e demais elementos que tenham qualquer relevância para a afirmação do juízo condenatório. 21. Nessa perspectiva, a acusação não teceu qualquer consideração acerca da tese defensiva formulada pelo réu JOSÉ COSTA FRANÇA, cuja plausibilidade, conforme se relatou, não pode ser desprezada. Não é possível presumir, nesse toar, que as alegações defensivas são inverídicas e que o valor utilizado como rml 7 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CRIMINAL n.º 10913/AL 0000307-45.2011.4.05.8001 parâmetro pelo DENASUS para constatar o alegado superfaturamento levou em conta as adaptações descritas na nota fiscal de fl. 65. Cabia à acusação fazê-lo.” Sobre a imputação do delito do artigo 96 Lei 8666/93, é certo que as irregularidades na condução do procedimento da licitação, a exemplo de falhas na fiscalização da documentação apresentada pelos licitantes, inobservância de prazo para recursos e ausência de publicação do contrato, não se subsumem, de per si, aos verbos nucleares da norma incriminadora, notadamente ante a ausência de prova de prejuízo ao Erário. Ademais, não se pode olvidar a impossibilidade de se atribuir responsabilidade penal ao prefeito tão-somente em virtude de sua superioridade hierárquica. Registro, alfim, com toda a vênia ao ilustre representante do Ministério Público Federal, Antonio Carlos de V Coelho Barreto Campello, que os fatos narrados na peça acusatória, a meu sentir, também não se amoldam ao tipo do art. 90 da Lei de Licitações, eis que as irregularidades não se dirigiram aos concorrentes do vencedor do certame, mas, ao revés, afligiram o procedimento de maneira uníssona, sem favorecimento de qualquer tipo, evidenciando apenas o despreparo dos responsáveis. De mais a mais, em face da extinção da punibilidade operada, conforme bem salientado no parecer ministerial, tenho por despiciendo qualquer exame mais aprofundado sobre o tema. Firme no exposto, nego provimento ao recurso de apelação. ASSIM VOTO. rml 8