PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO
GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA
APELAÇÃO CRIMINAL n.º 6897/PE
APTE
ADV/PROC
APDO
ORIGEM
RELATOR
2008.83.00.019777-3
: BARTOLOMEU HERCULES MARQUES DAS CHAGAS
: LUZIMAR RAMOS DA SILVA
: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
: 4ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO (PRIVATIVA EM MATéRIA PENAL)
: DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CARVALHO (CONVOCADO)
EMENTA
PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE PECULATO EM
CONTINUIDADE DELITIVA. EMPREGADO DA INFRAERO QUE COBRA
DOCUMENTOS DE ARRECADAÇÃO DE IMPORTAÇÃO – DAIS PARA LIBERAR
MERCADORIAS IMPORTADAS EM VALORES MUITO SUPERIORES AOS DEVIDOS,
CORRIGINDO DEPOIS, RECOLHENDO O VALOR CORRETO À EMPRESA E
APROPRIANDO-SE DOS VALORES. CONDUTA QUE SE AMOLDA À PREVISTA NO
ART. 312, CAPUT, C/C ART. 71 DO CÓDIGO PENAL. AUTORIA E MATERIALIDADE
COMPROVADAS. RESSARCIMENTO DOS PREJUÍZOS EFETIVADOS PELO
ACUSADO. NÃO DEMONSTRAÇÃO. ALEGAÇÃO DE ERRO NOS PROCEDIMENTOS
DE RECOLHIMENTO DAS DAIS. NÃO COMPROVAÇÃO. VANTAGEM ECONÔMICA
EXPERIMENTADA PELO ACUSADO. OCORRÊNCIA.
1- As provas dos autos, à saciedade, demonstram que o acusado, no período de
setembro de 2000 a março de 2003, valendo-se de sua condição de empregado da
INFRAERO, responsável pela liberação de mercadorias no aeroporto de Recife,
apropriou-se de valores referentes a documentos de arrecadação de importação - DAIs
cobrando dos clientes que iam retirar as mercadorias valores superiores ao correto,
corrigindo depois e emitindo nova DAI para recolher um valor menor aos cofres da
empresa, apropriando-se em seguida da diferença, conduta que se amolda à prevista
no art. 312, caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal. Com efeito, o apelante foi
condenando pela prática do delito previsto no art. 312, caput, c/c art. 71, ambos do
Código Penal, às penas de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses de reclusão em regime
inicial semi-aberto e multa de 14 (quatorze) dias multa, à razão de ½ (meio) salário
mínimo vigente à época dos fatos.
2- A documentação acostada aos autos nos sete apensos permite vislumbrar que com
sua conduta o acusado logrou causar prejuízo de R$ 33.359,22 (trinta e três mil,
trezentos e cinquenta e nove reais e vinte e dois centavos).
3- Os depoimentos das testemunhas de acusação JOSÉ GEOVANI COSTA DE
ALMEIDA, JOÃO ÊNIO DOS SANTOS e SÉRGIO ROBERTO GOMES DE FARIAS,
que se verificam do início até o trecho 41’
00”da mídia anexa às fls. 259, dão conta da
responsabilidade penal do acusado, descrevendo em pormenores a conduta delituosa,
desde o início, quando da descoberta, por acaso, pela primeira testemunha, através da
reclamação de uma cliente quanto ao expressivo valor do desembaraço de uma
cadeira de rodas.
CACC/ie
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4- Em seu depoimento (a partir do trecho 41’
33”da mídia anexa às fls. 259), o acusado
se defende apenas alegando que os valores foram devolvidos aos clientes lesados e
que todo o procedimento de cancelamento dos DAIs, realizado de forma
completamente irregular, era no intuito de não levar problemas para a empresa.
5- Apesar de alegar que todos os valores recebidos indevidamente a maior terem sido
devolvidos, não oferece provas que desconstituam a acusação, além disso, consta do
relatório do acórdão do TCU (fls. 15), paradoxalmente, a intenção manifesta do
apelante de devolver os valores indevidamente apropriados desde que fosse
reintegrado pela empresa INFRAERO. Por fim, a INFRAERO providenciou a devolução
dos valores indevidamente cobrados dos clientes diante da alegação do acusado não
ter condições de devolver os valores apropriados (fls. 40).
6- Inicialmente, não se trata aqui de erros ocorridos na emissão dos Documentos de
Arrecadação de Importação –DAI, como insiste a defesa, porém numa ação deliberada
e dolosa do agente que fez, daquelas cobranças indevidas, um meio perene de se
locupletar do patrimônio alheio, sendo risível a alegação que consta do seu
interrogatório de ter criado um sistema próprio a par do sistema da empresa, ao arrepio
de todos os procedimentos obrigatórios em caso de correção de lançamentos, apenas
para não levar problemas aos seus superiores, resolvendo tudo sozinho.
7- Não se sustenta a alegação de que o acusado não auferiu vantagem econômica,
pois depois de toda a fraude apurada apenas limitou-se a alegar que todos os
prejuízos foram ressarcidos sem trazer a mínima prova de suas alegações.
8- O prejuízo não se circunscreveu à administração aeroportuária, mas também a
inúmeros particulares que para liberar suas cargas se submeteram a pagar
exorbitantes tarifas fixadas ao talante do apelante com o único desiderato de se
apropriar das diferenças.
9- Sem sucesso o pedido alternativo de redução da sanção imposta, diante da
fundamentação da sentença que está em perfeita sintonia com os preceitos do CP que
norteiam a dosimetria da pena
Apelação criminal improvida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por
unanimidade, negar provimento à apelação criminal, nos termos do relatório e voto
constantes dos autos, que integram o presente julgado.
Recife, 28 de julho de 2011 (data do julgamento).
CESAR CARVALHO,
Relator (Convocado).
CACC/ie
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RELATÓRIO
O Desembargador Federal CESAR CARVALHO (Convocado):
Trata-se de apelação criminal interposta por BARTOLOMEU
HÉRCULES MARQUES DAS CHAGAS, subscrita pelo advogado Dr. LUZIMAR
RAMOS DA SILVA, a desafiar sentença da lavra do MM. Juiz Federal Substituto da 4ª
Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, Dr. GUSTAVO PONTES MAZZOCCHI, que,
nos autos da ação criminal nº 2008.83.00.019777-3 (fls. 250/258), julgou procedente o
pedido deduzido na denúncia condenando-o pela prática do delito previsto no art. 312,
caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal, às penas de 4 (quatro) anos e 2 (dois)
meses de reclusão em regime inicial semi-aberto e multa de 14 (quatorze) dias multa, à
razão de ½ (meio) salário mínimo vigente à época dos fatos.
O recorrente, ex-empregado da EMPRESA BRASILEIRA DE INFRAESTRUTURA AEROPORTUÁRIA - INFRAERO, que trabalhava no terminal de carga
aérea do aeroporto do Recife, foi condenado por suposta apropriação indevida de
valores de tarifa de armazenagem e capatazia da referida empresa pública, no período
de setembro de 2000 a março de 2003, tendo acarretado um prejuízo de R$ 33.359,22
(trinta e três mil, trezentos e cinquenta e nove reais e vinte e dois centavos).
Auditoria interna da INFRAERO (fls. 22/41), precedida de tomada de
contas especial do Tribunal de Contas da União –TCU (fls. 12/16), constatou que o
acusado emitia Documentos de Arrecadação de Importação - DAIs referentes às
aludidas cobranças em valores superiores ao devido, corrigindo depois os documentos
pelo valor correto, bem menor do que o arbitrado anteriormente, apropriando-se da
diferença paga pelos usuários, através do cancelamento do referido documento no
sistema de informática da empresa e da emissão de um novo.
O apelante alega em suas razões (fls. 261/262):
a) que os erros na emissão dos DAIs foram corrigidos e os valores
cobrados a maior dos clientes devolvidos no mesmo instante, não restando
comprovado que a INFRAERO tenha devolvido qualquer valor a usuário;
b) o acusado não auferiu vantagem econômica;
c) alternativamente, pugnou pela redução da pena aplicada por
entender excessiva, tendo em vista ser primário, ter bons antecedentes, não possuir
aptidão para o crime nem má conduta social.
Foram apresentadas contrarrazões subscritas pelo Procurador da
República Dr. LUIZ VICENTE DE MEDEIROS QUEIROZ NETO pugnando pelo
improvimento da apelação criminal (fls. 266/271).
CACC/ie
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O Procurador Regional da República Dr. WELLINGTON CABRAL
SARAIVA ofertou parecer assim ementado (fls. 275/279):
PENAL. PECULATO. COBRANÇA A MAIOR DE VALORES DEVIDOS À
INFRAERO. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREJUÍZO E DE INEXISTÊNCIA
DE VANTAGEM ILÍCITA. CORRETA DOSIMETRIA DA PENA.
Os autos contêm elementos suficientes para demonstrar a materialidade e a
autoria do delito. Réu que, responsável pela gerência financeira de empresa
pública federal, desviou para si valores cobrados a maior de clientes do terminal
de cargas do aeroporto do Recife, por mais de dois anos. Conduta que denota,
em si mesma, a vontade livre e consciente de apropriar-se dos valores
pertencentes aos usuários da Infraero.
O peculato é crime que macula o nome da administração pública. Eventual
restituição da coisa desviada contra a fidelidade devida pelo servidor não elide o
dano causado pela ação.
A lei penal confere grande margem de discricionariedade ao juiz, na estipulação
da pena. Se a sentença aponta os critérios e razões que adotou como
fundamento para fixar a pena acima do mínimo legal, deve prevalecer a punição
nos moldes estabelecidos.
Parecer pelo não-provimento da apelação.
Ao eminente Revisor.
RELATEI.
CACC/ie
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VOTO
O Desembargador Federal CESAR CARVALHO (Convocado):
As provas dos autos, à saciedade, demonstram que o acusado, no
período de setembro de 2000 a março de 2003, valendo-se de sua condição de
empregado da INFRAERO, responsável pela liberação de mercadorias no aeroporto de
Recife, apropriou-se de valores referentes a documentos de arrecadação de
importação - DAIs cobrando dos clientes que iam retirar as mercadorias valores
superiores ao correto, corrigindo depois e emitindo nova DAI para recolher um valor
menor aos cofres da empresa, apropriando-se em seguida da diferença, conduta que
se amolda à prevista no art. 312, caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal.
Com efeito, o apelante foi condenando pela prática do delito previsto
no art. 312, caput, c/c art. 71, ambos do Código Penal, às penas de 4 (quatro) anos e 2
(dois) meses de reclusão em regime inicial semi-aberto e multa de 14 (quatorze) dias
multa, à razão de ½ (meio) salário mínimo vigente à época dos fatos.
Um exemplo do modus operandi do apelante, além das outras
operações indevidas relacionadas na tabela (fls. 38/39), é o caso da cobrança ao
consignatário HAROLD STIEL do valor de R$ 1.118,16, a título de tarifa de
armazenamento, e o recolhimento de R$ 341,89. Neste paradigmático episódio desviou
R$ 776,27. Apenas neste caso foi noticiada a devolução do valor ao importador pela
INFRAERO no transcorrer da sindicância.
A documentação acostada aos autos nos sete apensos permite
vislumbrar que com sua conduta o acusado logrou causar prejuízo de R$ 33.359,22
(trinta e três mil, trezentos e cinquenta e nove reais e vinte e dois centavos).
Os depoimentos das testemunhas de acusação JOSÉ GEOVANI
COSTA DE ALMEIDA, JOÃO ÊNIO DOS SANTOS e SÉRGIO ROBERTO GOMES DE
FARIAS, que se verificam do início até o trecho 41’
00”da mídia anexa às fls. 259, dão
conta da responsabilidade penal do acusado, descrevendo em pormenores a conduta
delituosa, desde o início, quando da descoberta, por acaso, pela primeira testemunha,
através da reclamação de uma cliente quanto ao expressivo valor do desembaraço de
uma cadeira de rodas.
Em seu depoimento (a partir do trecho 41’
33”da mídia anexa às fls.
259), o acusado se defende apenas alegando que os valores foram devolvidos aos
clientes lesados e que todo o procedimento de cancelamento dos DAIS, realizado de
forma completamente irregular, era no intuito de não levar problemas para a empresa.
CACC/ie
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APELAÇÃO CRIMINAL n.º 6897/PE
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Apesar de alegar que todos os valores recebidos indevidamente a
maior terem sido devolvidos, não oferece provas que desconstituam a acusação, além
disso, consta do relatório do acórdão do TCU (fls. 15), paradoxalmente, a intenção
manifesta do apelante de devolver os valores indevidamente apropriados desde que
fosse reintegrado pela empresa INFRAERO.
Por fim, a INFRAERO providenciou a devolução dos valores
indevidamente cobrados dos clientes diante da alegação do acusado de não ter
condições de devolver os valores apropriados (fls. 40).
Passo à análise das razões de apelação.
Inicialmente, não se trata aqui de erros ocorridos na emissão dos
Documentos de Arrecadação de Importação –DAI, como insiste a defesa, porém numa
ação deliberada e dolosa do agente que fez, daquelas cobranças indevidas, um meio
perene de se locupletar do patrimônio alheio, sendo risível a alegação que consta do
seu interrogatório de ter criado um sistema próprio a par do sistema da empresa, ao
arrepio de todos os procedimentos obrigatórios em caso de correção de lançamentos,
apenas para não levar problemas aos seus superiores, resolvendo tudo sozinho.
Também, não se sustenta a alegação de que o acusado não auferiu
vantagem econômica, pois depois de toda a fraude apurada apenas limitou-se a alegar
que todos os prejuízos foram ressarcidos sem trazer a mínima prova de suas
alegações.
O prejuízo não se circunscreveu à administração aeroportuária, mas
também a inúmeros particulares que para liberar suas cargas se submeteram a pagar
exorbitantes tarifas fixadas ao talante do apelante com o único desiderato de se
apropriar das diferenças.
Por fim, entendo sem sucesso o pedido alternativo de redução da
sanção imposta, diante da fundamentação da sentença que está em perfeita sintonia
com os preceitos do CP que norteiam a dosimetria da pena:
....Passo à dosimetria da pena. Da análise das circunstâncias judiciais (art. 59 do
Código Penal) tenho que o réu agiu com culpabilidade normal para os delitos da
espécie, isso dentro da respectiva moldura de imputação subjetiva. Os
antecedentes, até então não denegridos, não se ostentam fator negativo de
valoração. A conduta social, desconhecida do juízo, em nada prejudica. Quanto
à personalidade, não aparenta transtornos anti-sociais. Circunstâncias agravadas
por ter causado prejuízo não apenas à administração aeroportuária mas também
a inúmeros particulares, alguns dos quais pessoas físicas de modesta condição
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econômica, como é o caso de deficiente físico, que pretendia a retirada da
cadeira de rodas. Os motivos ligados ao lucro fácil. Conseqüências ínsitas ao
próprio tipo. Comportamento da vítima não influente, no caso. Sendo assim, e
considerando esses diversos fatores, fixo a pena-base em 2 (dois) anos e 6
(seis) meses de reclusão. Sem atenuantes ou agravantes, remanesce inalterada
a pena provisória. Ainda na fase das circunstâncias legais, incide, na espécie, a
causa especial de aumento de pena advinda da continuidade delitiva (art. 71,
caput, do CP), pelo que, levando em conta a quantidade de vezes que a conduta
foi reiterada (mais de cem), bem como o tempo em que perdurou
(aproximadamente três anos), elevo esta pena de dois terços, do que resulta a
definitiva fixada em 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses de reclusão. A multa,
atentando aos vetores do art. 59 do Código Penal, bem como à condição
econômica do réu, relativa vai fixada em 14 (quatorze) dias-multa, ao valor de
½ (meio) salário mínimo vigente ao tempo do fato, cada, devidamente
corrigidos até o efetivo pagamento. III –DISPOSITIVO: Pelo exposto, julgo
PROCEDENTE a denúncia para condenar o réu Bartolomeu Marques das
Chagas, nos autos qualificado, à pena de 04 (quatro) anos e 02 (dois) meses
de reclusão e multa de 14 (quatorze) dias-multa, ao valor de ½ salário
mínimo vigente ao tempo do fato, cada, devidamente corrigidos até o
efetivo pagamento, dando-lhe como incurso nas sanções do art. 312, caput, c/c
o art. 71, caput, ambos do CP. O regime carcerário é o semi-aberto, que
estabeleço consoante o permissivo do art. 33, § 2.º, “
b”do Código Penal, o que
faço com observância dos critérios previstos no art. 59 e de acordo com o que
determina o § 3.º do art. 33 do mesmo Código...
Forte nessas razões, nego provimento à apelação criminal.
ASSIM VOTO.
CACC/ie
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