PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE APTE ADV/PROC APDO APDO REPTE APDO ORIGEM AGRáRIAS) RELATOR 0010345-25.1993.4.05.8300 : HACATA COMERCIO E INDÚSTRIA LTDA. : ANTONIO RICARDO ACCIOLY CAMPOS E OUTROS : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL : IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL : PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO : MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE PERNAMBUCO : 7ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO (ESPECIALIZADA EM QUESTõES : DESEMBARGADOR FEDERAL CESAR CARVALHO (CONVOCADO) EMENTA PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO DE APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AGRAVO RETIDO. NULIDADE DE DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONVALIDAÇÃO DO VÍCIO NA SENTENÇA. POSSIBILIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL DEFERIDA E NÃO REALIZADA. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. LEGITIMIDADE PASSIVA. DANO AMBIENTAL E NEXO CAUSAL COMPROVADOS. ART. 18 DO DECRETO-LEI Nº 25/37. 1. É nula, nos termos do art. 93, XI, da Constituição Federal, a decisão interlocutória não fundamentada. Todavia, sanado o vício na sentença, mediante explicitação minuciosa das razões de rejeição da matéria preliminar de mérito suscitada na fase de contestação, mostra-se despicienda e contrária aos princípios da economia e celeridade processuais a anulação de todos os atos praticados desde o despacho saneador. 2. Assim, discutida a matéria no juízo originário, ainda que tardiamente, mas, sem supressão de instância, e possibilitado o reexame perante o órgão revisor, não há prejuízo aos litigantes e, portanto, motivo suficiente para procrastinar uma lide que se arrasta há quase duas décadas. 3. A ausência da colheita de prova testemunhal, outrora deferida, é vício processual (nulidade relativa), sujeitando-se, pois, ao efeito preclusivo, quando não alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, conforme dicção do art. 245 do CPC. 4. Por conseguinte, quedando-se a ré inerte nas razões finais e, ademais, omitindose quanto ao prejuízo porventura suportado, não há se falar em cerceamento de defesa. 5. Nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81, reputa-se poluidor “ a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” . 6. Neste sentido, a empresa responsável pela realização da edificação irregular e potencialmente lesiva ao meio ambiente responde pelos danos causados, ainda que supostamente não detenha o domínio do imóvel. rml 1 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 7. O art. 18 do Decreto-Lei nº 25/37 consigna expressamente que, sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, sob pena de demolição da obra. 8. No caso concreto, o imóvel controvertido encontra-se erigido em área de entorno do Polígono de Preservação do Acervo Urbanístico, Paisagístico e Arquitetônico da Cidade de Olinda, segundo a Rerratificação da Notificação Federal nº 1.155/79 da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, bem como da Lei Municipal nº 4.849/92, a qual dispõe sobre os sítios históricos da Cidade de Olinda. 9. Segundo a legislação de regência, as construções realizadas no referido local devem observar o gabarito máximo de dois pavimentos, com altura não superior a seis metros e taxa de ocupação máxima de 31,32%, obedecendo-se ao parâmetro de 30% + 45m². 10. A edificação em epígrafe, todavia, conforme vistoria oficial e informações prestadas pela própria empresa ré, compreende prédio de três pavimentos, com pé direito de nove metros e altura máxima de dez metros, atingindo uma taxa de ocupação de 47,05% da área do terreno. 11. O acervo probatório constante dos autos evidencia, indiscutivelmente, a existência de dano ambiental ao patrimônio histórico de Olinda decorrente da realização de obra irregular, em total desobediência às normas legais, conforme se depreende dos pareceres técnicos do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), de decisões administrativas denegatórias de licenciamento exaradas pela FCPSHO (Fundação Centro de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda) e dos autos de infração e embargo lavrados pelo Município de Olinda. 12. Excerto extraído da Informação nº 03/CR/00 do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional): “ Identificamos, nas fotos 03, 04, 05 e 06 (ver ANEXO 02), a interferência visual que o volume construído causa na paisagem comprometendo a visibilidade e o emolduramento da paisagem da Colina Histórica. Em relação ao aspecto arquitetônico da obra, no tocante às dimensões e aos materiais empregados na mesma, o resultado é um visual contrastante e desarmônico, entre a edificação em questão e, ao fundo, a Colina com seus monumentos e o Casario tombado. De acordo com a localização do observador, a edificação prejudica parcial e até totalmente a visão de alguns monumentos tombados, como: A Igreja de Nossa Senhora do Guadalupe, Igreja do Amparo, Igreja de São João Batista, Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Igreja Nossa Senhora da Boa Hora e o Casario Tombado” . 13. De acordo com o princípio da livre persuasão racional, o julgador não está adstrito às conclusões da perícia judicial. Na hipótese vertente, inclusive, sobressai o fato de as conclusões do vistor oficial não se basearem nos aspectos técnicos observados durante a vistoria da obra, mas na apreciação subjetiva acerca da tolerância do Poder Público sobre outras obras, igualmente irregulares, no mesmo logradouro. rml 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 14. O princípio da isonomia não pode ser aplicado como justificativa para a prática de ilícitos ambientais. Apelação desprovida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5.ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que integram o presente julgado. Recife, 26 de julho de 2012 (data do julgamento). CESAR CARVALHO, Relator (Convocado). rml 3 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 RELATÓRIO O Desembargador Federal CESAR CARVALHO (Convocado): Trata-se de recurso de apelação de sentença da lavra da MM Juíza Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, Marília Ivo Neves, a de julgar procedente a ação civil pública, com fulcro no art. 269, I, do CPC, condenando a ré a adequar o imóvel situado na Rua Palmira Magalhães, 155, Varadouro, Olinda/PE, às exigências decorrentes do tombamento do Sítio Histórico de Olinda. A recorrente, em suas razões, sustenta: a) violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa em virtude da não realização de prova testemunhal previamente deferida; b) ilegitimidade passiva da empresa demandada em virtude de o terreno e as edificações pertencerem a terceiro; c) impossibilidade de desconsideração inversa da personalidade jurídica ante a ausência de prova de fraude ou abuso de direito; d) inexistência de obstáculos à visibilidade da paisagem protegida; e) comprovação da ausência de dano ao patrimônio histórico mediante perícia judicial; f) existência, na mesma rua, de inúmeras edificações legalizadas, com altura superior ao imóvel controvertido; g) ausência de enquadramento dos fatos investigados no tipo previsto no art. 3º, e, da Lei nº 4.771/85; h) necessidade de consideração da função social da empresa; i) possibilidade de adoção de tratamento isonômico ao conferido aos demais empreendimentos existentes na localidade. Contrarrazões às fls. 565/569, 571 e 582/593. Agravo retido, devidamente ratificado, às fls. 202/209. Instado a se manifestar, o MPF apresentou, às fls. 396/405, parecer assim ementado: EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NO DESPACHO SANEADOR. CONVALIDAÇÃO DO VÍCIO NA SENTENÇA. PROVA ORAL DEFERIDA MAS NÃO REALIZADA. NULIDADE RELATIVA. PRECLUSÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. NÃO-CONFIGURADA. DANO AMBIENTAL E NEXO CAUSAL COMPROVADOS. PRINCÍPIO DA PERSUASÃO RACIONAL DO JUIZ. TIPIFICAÇÃO LEGAL. ART. 18 DO DECRETO-LEI Nº 25/37. FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA. NÃO-JUSTIFICAÇÃO PARA PERPETRAÇÃO DE ILÍCITO AMBIENTAL. PARECER PELO NÃO PROVIMENTO DO APELO. rml 4 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 1. É defeso ao juiz não fundamentar o despacho saneador, verdadeira decisão interlocutória que pode envolver matérias complexas, sob pena de nulidade. 2. Possibilidade de convalidação do vício em momento posterior, mormente quando se abre a possibilidade para parte prejudicada com a falta de fundamentação tomar conhecimento dela ainda em tempo hábil para impugnar os fundamentos da decisão antes da questão ser levada ao tribunal. 3. Deferida a prova, cria-se para a parte que a requereu o direito subjetivo de vê-la realizada. Caso não realizada, ocorre nulidade relativa por se tratar de vício de forma, a qual deve ser alegada no primeiro momento em que a parte, a quem aproveita a nulidade, falar nos autos, sob pena de preclusão, a teor do art. 245 do CPC. 4. Ante o fato inconteste de que a empresa realizou a construção e diante da responsabilização solidária prevista do art. 3, inc. IV da Lei nº 9.638, não tem cabimento para afastar a legitimidade passiva da empresa o fato dela supostamente não ser proprietária do imóvel. 5. O sistema processual civil pátrio prestigia o princípio da persuasão racional do juiz, pelo qual é facultado ao julgador de acordo com critérios razoáveis formar o seu convencimento a partir dos elementos trazidos aos autos pelas partes, sem ter atribuir aprioristicamente qualquer juízo de valor em relação ao que lhe é apresentado, razão pela qual pode ser afastada a conclusão do perito de que não houve dano ambiental. 6. A responsabilização ambiental por construção irregular que cause dano ambiental ao patrimônio histórico tombado encontra-se no art. 18 do Decreto-Lei nº 25/37, razão pela qual não há guarida para o argumento de que não existe base legal para se proceder a demolição da construção irregular. 7. O princípio da função social da empresa não tem o condão de justificar ilícitos ambientais 8. Não há direito a isonomia para a prática de ilícitos ambientais, motivo pelo qual não encontra procedência o argumento de que vários são os prédios irregulares e que por causa disso a empresa não poderia ser responsabilizada sob pena de se ferir o princípio da isonomia. 9. Parecer pelo não provimento da apelação. RELATEI. rml 5 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE rml 0010345-25.1993.4.05.8300 6 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 VOTO O Desembargador Federal CESAR CARVALHO (Convocado): I –DAS PRELIMINARES Em obediência ao art. 523 do CPC, passo à análise, em sede preliminar, da matéria objeto do agravo interposto na modalidade retida (fls. 202/209), porquanto presentes os pressupostos de admissibilidade recursal. Compulsando os autos, entendo irreprochável a insurgência apresentada pela ré, haja vista que a decisão interlocutória proferida à fl. 195, a despeito de rejeitar a preliminar de ilegitimidade passiva, não apresentou qualquer fundamentação idônea. Ora, a teor do art. 93, XI, da Constituição Federal, todas as decisões judiciais serão fundamentadas, sob pena de nulidade. Todavia, as peculiaridades do caso concreto, conforme bem ilustrado pelo custos legis, evidenciam a superação do aludido vício, em face da minudente explicitação, na sentença, das razões que firmaram a convicção do magistrado processante acerca da legitimidade da demandada para figurar no polo passivo da ação. Neste sentido, a convalidação, no juízo originário, do ato judicial eivado de nulidade, erige da ausência de supressão de instância e de efetivo prejuízo aos litigantes, que, cientificados acerca dos fundamentos ensejadores da rejeição da preliminar suscitada, puderam provocar o reexame da matéria em segundo grau. Dessa forma, no afã de prestigiar os princípios norteadores do processo civil brasileiro, em especial a economia e a celeridade, nego provimento ao pleito de anulação do decisório de fl. 195 (e demais atos posteriores), olvidando, decerto, a despicienda e ilógica procrastinação de um feito que já se arrasta há quase duas décadas. No que tange à legitimidade da empresa ré, não merece guarida a tese defensiva. Nos termos do art. 3º, IV, da Lei nº 6.938/81, reputa-se poluidor “ a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” . rml 7 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 Assim, é certo que a empresa, responsável pela realização da edificação irregular e potencialmente lesiva ao meio ambiente, responde pelos danos causados, ainda que supostamente não detenha o domínio do imóvel. Reforça o entendimento ora esposado o fato de o responsável legal da empresa ter sido devidamente intimado acerca da irregularidade da obra e, ainda, da ordem de embargo, conforme se observa dos autos de infração e intimação de fls. 08/11. Assim, não há como se esquivar da responsabilidade advinda da atividade lesiva praticada, ainda mais porque o proprietário do imóvel é sóciogerente da pessoa jurídica (vide fls. 38/40 e 42/67). Sobre o tema, confira-se: PROCESSUAL CIVIL. DANO AMBIENTAL. LOTEAMENTO IRREGULAR. ADQUIRENTES POSSUIDORES. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. EMENDA À INICIAL ANTES DA CITAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Hipótese em que o debate recursal refere-se, imediatamente, a questão processual: inclusão dos dois recorridos (adquirentes de lotes) no polo passivo da demanda, por emenda à inicial. Apenas de forma mediata se discute a matéria de fundo (dano ao meio ambiente causado pelo empreendedor). 2. Cuida-se, segundo os autos, de loteamento sem licença ambiental ou urbanística válida, sobre APP - Área de Preservação Permanente e Zona de Vida Silvestre da Área de Proteção Ambiental (APA) Sapucaí Mirim, degradando o habitat, no bioma da Mata Atlântica (bosque de araucárias), de espécies ameaçadas de extinção, com desmatamento e aterramento de nascentes e córregos de água. 3. Após a propositura de Ação Civil Pública por associação ambiental, o Ministério Público, em sua primeira manifestação, opinou pelo aditamento da petição inicial, para a indicação dos adquirentes de lotes. O juiz deferiu o pedido anteriormente à formação da relação jurídico-processual (antes, portanto, da citação de qualquer réu) e determinou a paralisação de todas as intervenções na área. 4. Os ora recorridos não apenas foram notificados da liminar concedida, como agiram como parte no processo, impugnando a decisão. Trata-se de um primeiro Agravo de Instrumento, rejeitado pela 6ª Câmara da Seção de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Essa atuação processual dos recorridos como parte não surpreende, porquanto eram os únicos ocupantes que descumpriam o embargo às obras e continuavam a degradar a área, exatamente o que a Ação Civil Pública pretendia evitar. 5. Especificamente contra sua inclusão no polo passivo da demanda, os ora recorridos interpuseram o segundo Agravo de Instrumento, a que se referem estes autos. A 5ª Câmara de Direito Público do TJ-SP reformou a decisão de primeira instância, pois entendeu que os atos dos adquirentes dos lotes (construções) não têm relação com a causa de pedir (dano rml 8 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 causado pelo loteador). Por essa razão, não seriam litisconsortes passivos e, portanto, a emenda da inicial teria violado o disposto nos arts. 47 e 264 do CPC. 6. No plano jurídico, o dano ambiental é marcado pela responsabilidade civil objetiva e solidária, que dá ensejo, no âmbito processual, a litisconsórcio facultativo entre os vários degradadores, diretos ou indiretos. Segundo a jurisprudência do STJ, no envilecimento do meio ambiente, a "responsabilidade (objetiva) é solidária" (REsp 604.725/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 22.8.2005, p. 202), tratando-se de hipótese de "litisconsórcio facultativo" (REsp 884.150/MT, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 7.8.2008), pois, mesmo havendo "múltiplos agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio", abrindo-se ao autor a possibilidade de "demandar de qualquer um deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo" (REsp 880.160/RJ, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.5.2010). 7. Os adquirentes de lote têm responsabilidade solidária pelo dano ambiental do loteamento impugnado em Ação Civil Pública, ainda que não realizem obras no seu imóvel, o que implica legitimidade para compor, como litisconsorte, o polo passivo da ação que questiona a legalidade do loteamento e busca a restauração do meio ambiente degradado. Em loteamento, "se o imóvel causador do dano é adquirido por terceira pessoa, esta ingressa na solidariedade, como responsável" (REsp 295.797/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 12.11.2001, p. 140). 8. Ademais, ainda que não houvesse responsabilidade solidária (ou seja, que se afastasse a jurisprudência pacífica do STJ), é incontroverso que os dois recorridos vêm, segundo os autos, construindo nos lotes (aparentemente eram os únicos a fazê-lo), constatação que amplia, sem dúvida, o dano ambiental causado pelo loteamento e os transforma em agentes diretos de degradação ambiental. 9. Se a ação for julgada procedente, impossível, em vista das peculiaridades do caso, cumprir o pedido da petição inicial ("que retorne toda a gleba ao estado anterior, desfazendo-se pontes, estradas, construções, etc.") sem afetar, frontal e diretamente, os interesses dos recorridos-adquirentes de lotes. Assim, diante da natureza da relação jurídica in casu, tanto sob o prisma da eficácia da coisa julgada, da solidariedade pelo dano ambiental, quanto da indivisibilidade do objeto, é inevitável o reconhecimento do litisconsórcio. 10. Recurso Especial provido. (STJ, Segunda Turma, REsp nº 843.978/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe: 09/03/2012) PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL –AÇÃO CIVIL PÚBLICA –DANO AMBIENTAL – CONSTRUÇÃO DE HIDRELÉTRICA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA E SOLIDÁRIA –ARTS. 3º, INC. IV, E 14, § 1º, DA LEI 6.398/1981 – IRRETROATIVIDADE DA LEI – PREQUESTIONAMENTO AUSENTE: SÚMULA 282/STF –PRESCRIÇÃO – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO: SÚMULA 284/STF – INADMISSIBILIDADE. rml 9 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 1. A responsabilidade por danos ambientais é objetiva e, como tal, não exige a comprovação de culpa, bastando a constatação do dano e do nexo de causalidade. 2. Excetuam-se à regra, dispensando a prova do nexo de causalidade, a responsabilidade de adquirente de imóvel já danificado porque, independentemente de ter sido ele ou o dono anterior o real causador dos estragos, imputa-se ao novo proprietário a responsabilidade pelos danos. Precedentes do STJ. 3. A solidariedade nessa hipótese decorre da dicção dos arts. 3º, inc. IV, e 14, § 1º, da Lei 6.398/1981 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente). 4. Se possível identificar o real causador do desastre ambiental, a ele cabe a responsabilidade de reparar o dano, ainda que solidariamente com o atual proprietário do imóvel danificado. 5. Comprovado que a empresa Furnas foi responsável pelo ato lesivo ao meio ambiente a ela cabe a reparação, apesar de o imóvel já ser de propriedade de outra pessoa jurídica. 6. É inadmissível discutir em recurso especial questão não decidida pelo Tribunal de origem, pela ausência de prequestionamento. 7. É deficiente a fundamentação do especial que não demonstra contrariedade ou negativa de vigência a tratado ou lei federal. 8. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (STJ, Segunda Turma, REsp nº 1.056.540/GO, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJe: 14/09/2009) Finalmente, no que tange à alegação de cerceamento de defesa, afasto a nulidade apontada. Com efeito, é direito do litigante a realização de prova já deferida pelo juízo processante do feito. Todavia, quedando-se inerte nas razões finais, temse, pois, que a parte não se pronunciou oportunamente acerca do vício processual, operando a preclusão da matéria, nos termos do art. 245 do CPC. Ademais, não vislumbro qualquer argumento nos autos que aponte a indispensabilidade da prova testemunhal ou o prejuízo porventura suportado pela ré, que sequer precisou os fatos que pretendia comprovar por meio da oitiva de testemunhas. Superadas as preliminares, passo ao exame do mérito do apelo. II - DO MÉRITO Assim dispõe o art. 18 do Decreto-Lei nº 25/37: Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o rml 10 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 objeto, impondo-se neste caso a multa de cinquenta por cento do valor do mesmo objeto. O cerne da questão, portanto, gravita em torno da verificação da existência de dano ambiental (consubstanciado no impedimento ou redução de visibilidade do patrimônio histórico) causado por edificação irregular de imóvel comercial na Rua Palmira Magalhães, 155, Varadouro, Olinda/PE. O bem controvertido encontra-se erigido em área de entorno do Polígono de Preservação do Acervo Urbanístico, Paisagístico e Arquitetônico da Cidade de Olinda, segundo a Rerratificação da Notificação Federal nº 1.155/79 da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, bem como da Lei Municipal nº 4.849/92, a qual dispõe sobre os sítios históricos da Cidade de Olinda. Segundo a legislação de regência, as construções realizadas no referido local devem observar o gabarito máximo de dois pavimentos, com altura não superior a seis metros e taxa de ocupação máxima de 31,32%, obedecendo-se ao parâmetro de 30% + 45m². A edificação em epígrafe, todavia, conforme vistoria oficial (fls. 222/272) e informações prestadas pela própria empresa ré, compreende prédio de três pavimentos, com pé direito de nove metros e altura máxima de dez metros, atingindo uma taxa de ocupação de 47,05% da área do terreno. Neste diapasão, observo que o acervo probatório constante dos autos evidencia, de forma incontestável, que a irregularidade da obra efetivamente prejudicou a visibilidade da paisagem do sítio histórico, conforme se depreende dos pareceres técnicos do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), fls. 403/413 e 451/453, do laudo pericial do assistente ministerial, fls. 283/301, de decisões administrativas denegatórias de licenciamento exaradas pela FCPSHO (Fundação Centro de Preservação dos Sítios Históricos de Olinda), fls. 12/14, e dos autos de infração e embargo lavrados pelo Município de Olinda, fls. 08/11. Acentuo, por oportuno, que a alegação de desnível do logradouro não foi suficientemente provada e, assim não o fosse, também não se apresentaria bastante para afastar as irregularidades evidenciadas. Além da clareza das fotos colacionadas às fls. 410/411, cuido deveras ilustrativo excerto extraído da Informação nº 03/CR/00 do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), fl. 407, abaixo transcrita: Identificamos, nas fotos 03, 04, 05 e 06 (ver ANEXO 02), a interferência visual que o volume construído causa na paisagem comprometendo a visibilidade e o emolduramento da paisagem da Colina Histórica. rml 11 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5.ª REGIÃO GABINETE DO DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA APELAÇÃO CÍVEL n.º 518936/PE 0010345-25.1993.4.05.8300 Em relação ao aspecto arquitetônico da obra, no tocante às dimensões e aos materiais empregados na mesma, o resultado é um visual contrastante e desarmônico, entre a edificação em questão e, ao fundo, a Colina com seus monumentos e o Casario tombado. De acordo com a localização do observador, a edificação prejudica parcial e até totalmente a visão de alguns monumentos tombados, como: A Igreja de Nossa Senhora do Guadalupe, Igreja do Amparo, Igreja de São João Batista, Igreja de Nossa Senhora do Rosário, Igreja Nossa Senhora da Boa Hora e o Casario Tombado. Por outro lado, de acordo com o princípio da livre persuasão racional, o julgador não está adstrito às conclusões da perícia judicial. Neste diapasão, inclusive, reputo deveras relevante o fato de as conclusões do vistor oficial não se basearem nos aspectos técnicos observados durante a vistoria da obra, mas na apreciação subjetiva acerca da tolerância do Poder Público sobre outras obras, igualmente irregulares, no mesmo logradouro. Ora, o princípio da isonomia não tem o condão de igualar infratores, não sendo, pois, justificativa para a prática de ilícitos ambientais. Assim, comprovado o dano ambiental e o nexo de causalidade, o dever de reparação é medida que se impõe. Firme no exposto, nego provimento ao recurso de apelação. ASSIM VOTO. rml 12