Fluidos e Electrólitos Emergências nas crianças Gravemente Doentes Versão Original: Richard T. Blaszak, M.D. Stephen M. Schexnayder, M.D. Versão Portuguesa: Augusto Ribeiro, MD Marta João Silva, MD Unidade de Cuidados Intensivos pediátricos – H. S. João Porto - Portugal Objectivos No fim desta apresentação os participantes devem ser capazes de: • 1) Reconhecer as alterações hidro-electrolíticas mais comuns nas crianças gravemente doentes. • 2) Definir uma estratégia diagnóstica para estas alterações hidro-electrolíticas. • 3) Aplicar princípios terapêuticos adequados. Caso Clínico #1 • História: • Lactente de 3 meses de idade internado na UCIP por choque, após 2 dias de febre e irritabilidade. Hemocultura e exame bacteriológico do LCR são positivos para Streptococcus pneumoniae. • Evolução: • Diminuição do débito urinário (< 0.5 ml/kg/hr) nas últimas 24 horas. Caso Clínico #1 Quais os diagnósticos diferenciais? Que estudos analíticos devem ser pedidos? Caso Clínico #1 Diagnósticos diferenciais Oligúria 1) Pré-Renal (diminuição do fluxo sanguíneo renal efectivo) Diminuição do volume intravascular, disfunção cardíaca, vasodilatação 2) Pós-Renal Obstrução ao fluxo urinário (intrínseca vs extrínseca), oclusão da sonda vesical 3) Renal Necrose tubular aguda, insuficiência renal aguda, SIHAD, ... Caso Clínico #1 Estudos laboratoriais Estudos séricos Sódio 126 mEq/L BUN 4 mg/dL Cloro 98 mEq/L Creatinina 0,4 mg/dL Potássio 3,7 mEq/L Glicose 129 mg/dL Bicarbonato 25 mEq/L Osmolalidade 260 mosmol/kg Estudos urinários Densidade urinária 1,025 Sódio 58 mEq/L Osmolalidade 645 mosmol/kg Ef Na 2,4% Quais são as alterações encontradas? Caso Clínico #1 Estudos laboratoriais Alterações principais 1) Hiponatremia 2) Oligúria (urina concentrada inadequadamente) Qual é a explicação mais provável para estas alterações? Caso Clínico #1 Síndrome de Secreção Inapropriada de Hormona Antidiurética (SIHAD) • Etiologias • • • • • • • • • Trauma Psicose Infecção Neoplasia Medicação Cetoacidose diabética Doenças do SNC Ventilação por pressão positiva “Stress” Caso Clínico #1 SIHAD • Manifestações • Por definição, “inapropriada” implica ter excluído razões fisiológicas normais de libertação de ADH: • 1) Em resposta a hipertonicidade. • 2) Em resposta a hipotensão ameaçadora da vida. • Hiponatrémia • Oligúria • Urina concentrada • densidade urinária elevada • Osmolalidade urinária elevada, “inapropriadamente”, face à hiponatrémia • Excreção urinária de sódio normal ou alta Caso Clínico #1 SIHAD • Diagnóstico • Elevado nível de suspeição. • Demonstração de urina inapropriadamente concentrada face à hiponatrémia osmolalidade urina, densidade urinária, excreção urinária de sódio ( Ef Na) • Excluir libertação fisiológica normal de ADH Frequentemente secundária a perfusão tecidular diminuída Sódio sérico, osmolalidade urinária, excreção urinária de sódio (baixa Ef Na) consistente com desidratação ou fluxo sanguíneo renal diminuído. Olhe cuidadosamente para o doente !! Caso Clínico #1 SIHAD • Tratamento • Restrição de fluidos. • 50-75% das necessidades de manutenção; ter a certeza de que as entradas orais estão incluídas. • Pesar diariamente. Caso Clínico #1 A saga continua…. Evolução: Quatro horas após ter iniciado restrição de fluidos tem uma crise convulsiva generalizada. Não há resposta a duas doses de lorazepam IV e uma dose de impregnação de fenitoína IV. Qual é a explicação mais provável? Caso Clínico #1 A saga continua…. Convulsão 1) Agravamento da hiponatremia 2) Complicação intracraniana 3) Meningite 4) Outro distúrbio electrolítico 5) Medicação 6) Hipertensão Que estudos diagnósticos devem ser pedidos? Caso Clínico #1 A saga continua…. Laboratório: Sódio 117 mEq/L Como tratar? Caso Clínico #1 Convulsão hiponatrémica • Tratamento • Perfundir solução salina hipertónica (NaCl 3%) • Para corrigir sódio para 125 mEq/L, o défice é igual a (0.6) x (peso [kg]) x (125 – sódio medido) (0.6) x (8) x (125 - 117) = 38.4 mEq • Como o doente está sintomático (em convulsão), aumentar imediatamente sódio sérico em 5 mEq/L. mEq sodium = (0.6) x (8 kg) x (5) = 24 mEq • NaCl a 3% = 0,5 mEq/L, dar um “bolus” de 24 mEq = 48 mL, seguido de perfusão lenta dos restantes 14,4 mEq (29 mL) durante as próximas horas. Caso Clínico #2 História: Menina de 5 meses que recorre ao Serviço de Urgência por um dia de febre e irritabilidade. A mãe refere que a menina esta há três dias com vómitos e diarreia abundante. Medicação no domicílio: Paracetamol e ibuprofeno para a febre. Exame Físico: TA 70/40, FC 200, FR 60, Temp. 38,3 ºC. Irritabilidade, olhos encovados, fontanela deprimida, pele espessa e macia. Caso Clínico #2 Não se consegue obter acesso vascular durante 15 minutos. O que deve ser efectuado? Caso Clínico #2 Coloque via intra-óssea “Bolus” de soro fisiológico 40mL/kg Reavaliação (FC 170, FR 40, TA 75/40) Avaliação laboratorial Sódio 164 mEq/L Cloro 139 mEq/L Potássio 5,5 mEq/L Bicarbonato 12 mEq/L pH 7,07 pCO2 11 pO2 121 HCO3 8 BUN 75 mg/dL Creatinina 3,1 mg/dL Glicose 101 mg/dL Caso Clínico #2 Qual é a explicação mais provável para esta acidose? Caso Clínico #2 Acidose metabólica e hiato aniónico Hiato Aniónico Sódio - (cloro + bicarbonato) Normal 12 +/- 2 meq/L Hiato aniónico elevado é consistente com acúmulo de ácido Hiato aniónico normal é consistente com perda de bases 164 - (139 + 12) = 13 Caso clínico #2 Acidose metabólica e hiato aniónico 1. Hiato normal 1. Perda de “HCO3” renal ATR Proximal ATR Distal 2. Perda de “HCO3” GI Diarreia 2. Hiato aumentado 1. Prod ácido 2. Eliminação ácido Lactato CAD Cetose Toxinas Álcool Salicilatos Ferro Doença renal Caso Clínico #3 • História: Rapaz de 5 anos de idade (18 kg) vítima de acidente com veículo motorizado há 2 dias. Sofreu TCE isolado com hemorragia intraventricular e múltiplas contusões cerebrais. Há 3 horas, teve episódio de hipertensão intracraniana grave (PIC 90mm Hg), com TAM 50mm Hg, necessitando de expansão volémica e perfusão de epinefrina para correcção da hipotensão. Nas últimas 2 horas a diurese aumentou para 130150 ml/hora (~8 ml/kg/hr). Que diagnósticos diferenciais efectuar? Que estudos pedir? Caso Clínico #3 Diagnósticos diferenciais Poliúria 1) Diabetes insípida central Secreção deficiente de ADH (idiopática, trauma, cirurgia hipofisária, encefalopatia hipóxico-isquémica) 2) Diabetes insípida nefrogénica Resistência renal à ADH (hereditária ligada ao X, intoxicação crónica pelo lítio, hipercalcemia, ...) 3) Polidipsia primária (psicogénica) Ingestão exagerada de água (psiquiátrica), ocasionalmente lesão hipotalâmica afectando o centro da sede 4) Diurese osmótica Diuréticos (furosemida, manitol,..), glicosúria, dietas hiperproteicas, pós uropatia obstrutiva, necrose tubular aguda em resolução, … Caso Clínico #3 Estudos laboratoriais Estudos séricos Sódio 155 mEq/L BUN Cloro 114 mEq/L Creatinina 0,6 mg/dL Potássio 4,2 mEq/L Glicose 86 mg/dL Bicarbonato 22 mEq/L Osmolalidade Estudos urinários Densidade: 1,005, sem glicose. Osmolalidade: 160 mosmol/kg Quais são as principais alterações? 13 mg/dL 320 mosmol/kg Caso Clínico #3 Estudos laboratoriais Principais alterações 1) Hipernatremia 2) Poliúria (urina inapropriadamente diluída) Qual é a explicação mais provável? Caso Clínico #3 Diabetes Insípida Diagnóstico Diabetes Insípida Central 1) Poliúria 2) Urina diluída inapropriadamente (osmolalidade urinária < osmolalidade sérica) Pode ser vista nos defeitos da linha média Ocorre frequentemente nos doentes em morte cerebral Como tratar? Caso Clínico #3 Diabetes Insípida • Tratamento • Agudo: Perfusão de vasopressina – começar com 0,5 miliunidades/kg/hora e dobrar cada 15 - 30 minutos até controlar débito urinário • Crónico: DDAVP (desmopressina) • Aviso • Monitorizar atentamente a ocorrência de hiponatremia Caso Clínico #4 História: Rapaz de 6 anos, 25 kg, com asma grave (em agudização prévia necessitou de ECMO) recorre ao S.U. com história de 2 dias de vómitos abundantes e diarreia. Medicação no domicílio: Albuterol MDI 2 puffs QID, Salmeterol MDI 2 puffs BID + Fluticasona 220 mcg 2 puffs BID, Prednisolona 10 mg/dia. Exame físico: TA 70/40, FC 168, FR 40, Temp 39ºC. Está letárgico (ECG 11), com má perfusão, marmoreado, extremidades frias e TPC aumentado. Ausência de alterações nos outros sistemas. Caso Clínico #4 Quais os diagnósticos diferenciais? Que estudos analíticos devem ser pedidos? Caso Clínico #4 Diagnósticos diferenciais Choque 1) Cardiogénico Miocardite Derrame pericárdico 2) Hipovolémico Hemorragia, perdas GI excessivas, “3º espaço” (queimaduras, sepsis) 3) Distributivo Sepsis, anafilaxia Caso Clínico #4 Estudos laboratoriais Avaliação laboratorial Sódio 130 mEq/L Cloro Potássio Bicarbonato BUN 4,3 mg/dL 99 mEq/L Creatinina 0,6 mg/dL 5,7 mEq/L Glicose 48 mg/dL 12 mEq/L Outros Leucócitos: 13 x 109/L (60% N, 30% L), Htc 35%, PLQ 223 x 109/L Radiografia pulmonar: sem alterações Quais são as alterações encontradas? Caso Clínico #4 Diagnósticos Principais alterações 1) Desidratação hiponatrémica 2) 3) 4) 5) Hipoglicemia Hipercaliemia, ligeira Acidose Azotemia Qual é a explicação mais provável para estes achados? Caso Clínico #4 Insuficiência suprarrenal • Primária (Doença de Addison) • Destruição/disfunção da glândula suprarrenal (ex. auto-imune, hemorrágica) • mais comum em recém-nascidos, entre os 5 - 15 dias • Secundária • Deficiência ACTH (ex. pan-hipopituitarismo ou ACTH isolada) • “Terciária” ou “iatrogénica” • Supressão do eixo hipotálamo-hipofisário-suprarrenal (ex. uso crónico de esteróides) Caso Clínico #4 Insuficiência suprarrenal • Manifestações • O principal factor hormonal desencadeador das crises é a deficiência de mineralocorticoide; não de glicocorticoide. • Desidratação, hipotensão, choque desproporcionado à gravidade da doença • Náuseas, vómitos, dor abdominal, astenia, cansaço, fadiga, anorexia • Febre inexplicada • Hipoglicemia (mais comum nas crianças e quando terciária) • Hiponatremia, hipercaliemia, azotemia Caso Clínico #4 Insuficiência suprarrenal • Diagnóstico • Elevado nível de suspeição em todos os doentes em choque • 1) Demonstração de secreção de cortisol inapropriadamente baixa • Nível basal matinal vs. nível em “stress” • 2) Determinar se deficiência de cortisol é dependente ou independente da secreção de ACTH. • ACTH, cortisol insuf. suprarrenal primária • ACTH, cortisol insuf. suprarrenal secundária ou terciária • 3) Procure uma causa tratável Caso Clínico #4 Insuficiência suprarrenal • Como tratar esta criança? Caso Clínico #4 Insuficiência suprarrenal • Tratamento • Não espere por confirmação laboratorial • Reanimação volémica – cristalóide isotónico • Tratar hipoglicemia • Reposição glicocorticoide – hidrocortisona em “dose stress” - 25-50 mg/m2 (1-2 mg/kg) IV • Considerar mineralocorticoide (Fludrocortisona) Caso Clínico #5 • História: • Rapariga de 8 meses de idade, com doença poliquística renal autossómica recessiva, recorre ao S.U. por irritabilidade. Esteva em diálise peritoneal domiciliar durante a noite. O laboratório avisa, em pânico, de potássio sérico de 7,1 meq/L. O técnico diz que o sangue não estava hemolisado. Que fazer? Caso Clínico #5 Hipercaliemia • Tratamento • Repita potássio sérico imediatamente. Não espere pela confirmação laboratorial, principalmente se alterações ECG presentes. • Antecipação Pare a administração de potássio, incluindo a alimentação. Monitor Cardíaco • Que ritmo é este? • Que tratamento imediato fazer? Caso Clínico #5 Hipercaliemia • Tratamento (cont) • Controlar os efeitos • Antagonize a acção do potássio na membrana • Cloreto de cálcio 10 - 20 mg/kg, em 5 minutos; pode ser repetido 2 x • Desvie o potássio intracelularmente • Glicose (1 gm/kg) + Insulina rápida (0,1 U.I./kg) • Alcalinize (aumente freq respiratória; bicarbonato sódio 1 mEq/kg IV) • 2 agonista adrenérgico em nebulização (salbutamol) • Remova o potássio do organismo • Diurético ansa / tiazida • Resina troca iões: poliestirenossulfonato de sódio (Resonium®) 1 gm/kg, PO ou PR (ou ambos) • Diálise Caso Clínico #6 • História: • Rapaz de 3 anos que está a recuperar de choque séptico. Nas primeiras 24 horas recebeu 150 ml/kg de fuídos e agora está em anasarca. Foi decidido iniciar perfusão de bumetanido, como diurético. Agora está com astenia e começou a hipoventilar. No ECG observam-se extra-sístoles ventriculares prematuras unifocais. Quais os diagnósticos diferenciais? Que estudos analíticos devem ser pedidos? Caso Clínico #6 Estudos laboratoriais Avaliação laboratorial Sódio 134 mEq/L BUN 11 mg/dL Cloro 98 mEq/L Creatinina 0,4 mg/dL Potássio 2,4 mEq/L Cálcio 9,2 mg/dL Bicarbonato 27 mEq/L Fósforo 3,2 mg/dL Outros ECG: Extrassístoles ventriculares prematuras unifocais Qual é a principal alteração? Caso Clínico #6 Estudos laboratoriais Principal alteração 1) Hipocaliemia Como tratar? Caso Clínico #6 Hipocaliemia • Tratamento • Oral • Mais seguro, embora possa causar diarreia. • IV • Periférico: não exceder 40-50 mEq/L de potássio – Evitar a tentação para “bolus” rápidos • Central: 0,5 - 1 mEq/kg em 1-3 horas, dependendo da gravidade. • Corrija também o magnésio, se diminuído. • (25-50 mg/kg MgSO4) Sumário • Os distúrbios da regulação da água, sódio e potássio são frequentes nas crianças gravemente doentes. • A abordagem diagnóstica deve ser efectuada cuidadosamente em cada doente. • É importante uma atenção especial aos detalhes para que uma terapêutica segura e eficaz seja fornecida.